Categorias
Colunas

O que foi claro na estreia do Brasil na Copa de 2018

A despeito de não fazer bom jogo, a seleção brasileira vencia a Suíça até os 9min do segundo tempo, quando Shaqiri bateu escanteio da direita. Zuber correu em direção ao primeiro pau, aproveitou uma falha de posicionamento da equipe sul-americana e deslocou Miranda, que também errou (em vez de encostar no adversário e limitar seu campo de ação, o camisa 3 virou o corpo totalmente para a bola e “ofereceu” as costas ao contato do rival. O contato foi indiscutível, mas a falta não. A única coisa clara na estreia do time comandado por Tite na Copa de 2018 foi a limitação de parte da mídia nacional.
Houve dois lances polêmicos no segundo tempo de Brasil 1 x 1 Suíça. Além da mão de Zuber nas costas de Miranda, Gabriel Jesus pediu um pênalti quando o jogo já estava empatado. A Copa de 2018 tem como grande novidade o uso do VAR (sigla em inglês para árbitro auxiliar de vídeo), mas a revisão oficial feita pela Fifa corroborou as decisões tomadas em campo pelo juiz mexicano César Ramos.
Em diferentes formatos e medidas, as decisões da arbitragem, mesmo com uso do VAR, dominaram o noticiário esportivo do Brasil no último domingo (17). Entre canais abertos e fechados, houve reclamação, críticas às decisões de Ramos, análise sobre o que seria empáfia do juiz por não ter mudado de ideia e até restrições ao próprio uso do equipamento eletrônico no jogo. Afinal, ao contrário da promessa, o advento do árbitro de vídeo não teria dirimido todas as polêmicas.
O uso do VAR, contudo, já evitou uma série de equívocos na Copa de 2018. No empate entre Portugal e Espanha, Isco pediu gol depois de um chute ter tocado no travessão e no solo. O árbitro simplesmente encerrou a reclamação ao mostrar que seu relógio não tinha apitado – há um dispositivo que avisa quando a bola ultrapassa a linha final. A vitória da França sobre a Austrália também teve papel determinante – e positivo – do árbitro de vídeo.
O ponto é que o árbitro que estava em campo e a equipe que trabalhava com o VAR na partida não tiveram convicção de que uma interferência externa era correta no lance do gol da Suíça ou no pênalti pedido pelos brasileiros. E isso foi suficiente para que o tema arbitragem ganhasse mais espaço na TV nacional do que o próprio jogo.
Discussões sobre arbitragem fazem parte do cotidiano do futebol. No entanto, é inadmissível que a estreia da seleção brasileira em uma Copa do Mundo seja reduzida a esse tema, a um “nós contra eles” ou a debates inócuos sobre “força nos bastidores”. Nesse caso, convém lembrar que o presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), conhecido como Coronel Nunes, aprontou uma trapalhada gigantesca ao contrariar acordo da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), votar no Marrocos e preterir a candidatura vitoriosa de Estados Unidos, Canadá e México para receber o Mundial de 2026.
A Copa do Mundo dos bastidores é uma das sugestões mais patéticas e que mais prejudicam o debate. Se houve um benefício ao Brasil quando o árbitro anotou falta no pênalti que Nilton Santos fez contra a Espanha em 1962 ou quando Garrincha foi liberado para disputar a última partida apesar de estar suspenso, se houve um trabalho proposital para o pênalti cavado por Luizão ter garantido a vitória ao Brasil na estreia de 2002 ou para o árbitro ter prejudicado deliberadamente a Bélgica, isso é notícia. Não é tema para especulações ou debates cheios de insinuações. Já passou da hora de a mídia nacional ter maturidade suficiente para entender que não se pode levantar esse tipo de debate em assuntos que mexem tanto com a vida de outras pessoas.
Em um jogo da primeira rodada, Galvão Bueno se incomodou com um atacante que estava em posição irregular e optou por não participar da jogada. “Ele tem de correr. Vai que o juiz não vê”, disse o narrador da TV Globo. A fala prontamente repercutiu (mal) em redes sociais, o que é um avanço. Já existe uma parcela significativa da população brasileira que entende que o jogo de futebol, assim como a vida, não pode admitir todo tipo de jeitinho ou estratagema em nome da vitória.
O respeito ao jogo também é a valorização do que acontece em campo. As ações dos atletas e da comissão técnica são simplesmente mais relevantes do que decisões de arbitragem ou qualquer tipo de influência. A narrativa do “não fui eu” não contribui em nada para a valorização do esporte como produto.
Discutir arbitragem não é apenas o caminho mais fácil para audiência baseada em polêmica ou para encontrar subterfúgios. Também é um desrespeito a todas as camadas que compõem o jogo. Nesse contexto, chama atenção o fato de que comissão técnica e jogadores da seleção, ainda no calor da partida e diretamente influenciados pelas decisões da partida, tenham sido mais sóbrios do que grande parte da imprensa ao analisar o empate com a Suíça.
O “pachequismo” de parte da imprensa não é novo e nem é necessariamente um problema do ponto de vista da promoção do espetáculo (o que é bem diferente do trabalho do jornalista, é bom entender). A questão que o jogo do último domingo levantou é quando nos esquecemos do que acontece dentro das quatro linhas ou abraçamos o “ganhar a qualquer custo”. Aí o futebol expõe o que temos de pior.