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Por que é importante jogar limpo com o torcedor/consumidor

Publicado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em março deste ano, o relatório de intermediários do futebol nacional, feito pela diretoria de registro, transparência e licenciamento da entidade, mostra que o Corinthians gastou R$ 12,88 milhões com comissões a empresários entre 2017 e 2018. O São Paulo, segundo colocado do ranking, destinou R$ 4,4 milhões a intermediários de negociações no mesmo período. Ainda que a metodologia usada para aferir esses números tenha sido criticada pela diretoria alvinegra, o documento é um exemplo de um problema recorrente no processo de estruturação da comunicação no Brasil. Enquanto as mensagens ao consumidor final não se tornarem mais claras e diretas, o nível de confiança sobre o mercado seguirá comprometido.
Uma das principais questões que o futebol brasileiro tem a resolver é a credibilidade. Se um jogador da base não vinga, faltou empresário; se um atleta com potencial não chega a um time grande, não é do esquema; se um clube é prejudicado pela arbitragem, não é o favorito do sistema para ser campeão. No fim, todas as decisões acabam encontrando eco na falta de transparência e no cenário nebuloso. Num ambiente em que tudo pode ser justificado com teorias ou razões espúrias, todo o trabalho acaba contaminado.
Essa lógica, é claro, beneficia sobremaneira a manutenção de ações que lesam clubes, federações, jogadores, profissionais e torcedores. A certeza de que existe um sistema nocivo acaba perpetuando em todas as esferas uma sensação de que é impossível lidar com isso de forma honesta. Essa mão invisível da corrupção, inimigo retratado de forma exemplar no filme “Tropa de Elite 2”, estabelece um distanciamento que também é um convite à alienação.
Decorre dessa lógica deturpada o “contra tudo que está aí” tão comum em manifestações de repúdio direcionadas à classe política. Decisões e desmandos geram revolta, mas é o afastamento do jogo que sustenta críticas às regras, ao formato do tabuleiro e ao comportamento dos dados. A aversão deixa de ser ideológica ou personalista e passa a ser endêmica, o que definitivamente não contribui para qualquer sentido de evolução ou melhoria do que está sendo feito.
A primeira questão, portanto, é quem se beneficia de um sistema tão cheio de lacunas. A segunda: quais são os caminhos para minimizar esse tipo de prática e aumentar a lisura nos negócios envolvendo o futebol nacional. Internacionalmente, por exemplo, entidades e ligas trabalham há anos com sistemas de transferências que ao menos registram movimentações financeiras e comissões. Se não resolve o problema, esse modelo cria um compromisso com aspectos tributários e com o controle de finanças das instituições envolvidas.
Além da criação de um sistema para registro de transferências, é premente a padronização de um modelo mais detalhado e claro para publicação de balanços financeiros de clubes e entidades. A divulgação dos dados é exigida por lei, mas ainda entra em um arcabouço de possibilidades e nomenclaturas que mais desinforma do que efetivamente ajuda o torcedor a entender o que está sendo feito com o clube, que no fim é seu maior patrimônio.
No Brasil, país em que o futebol é tão presente na formação da cultura popular, é clara a ideia de que o esporte é um elemento de identidade. Esse raciocínio serve, por exemplo, para justificar incentivo público à modalidade e preservar clubes e entidades. É uma das premissas basilares de todos os refinanciamentos de dívida pública feitos pelas equipes locais.
O futebol, contudo, é um elemento de identidade nacional em que o controle é exercido por um pequeno grupo, sem o menor compromisso com a transmissão da mensagem adequada ou com uma comunicação que seja efetivamente inclusiva. Enquanto for assim, o público interessado sempre terá ressalvas, e o número de consumidores também sofrerá para crescer.

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Entre o futebol e a justiça desportiva

Bem-vindos ao nosso mês de agosto aqui no “Entre o Direito e o Esporte”! Esse mês nós vamos conversar sobre aquilo que a gente vê em todo campeonato, aquilo que a gente vê nos jornais, aquilo que faz a gente saber o nome até dos advogados do seu clube. Nesse mês nós vamos dar uma olhada no sistema de Justiça Desportiva aqui no Brasil.
E, para deixar tudo mais claro, já deixo aqui o nosso mapa de hoje e do nosso mês: na próxima sexta-feira vamos conversar sobre o “que” da Justiça Desportiva; na terceira coluna do mês vamos ver o “onde” dela; depois vamos dar uma olhada no “quem”; e fechamos o mês com o “como”.
Bora lá?
Justiça Desportiva o quê? Essa próxima semana é fácil, a gente vai conversar sobre o que essa tal de “JD” julga. Ou seja, vamos dar uma olhada em quais os tipos de caso que passam por ali.
Imagina o seu futebol de sábado. Deu ruim. O que é esse “deu ruim” lá? É por aí que vai a nossa conversa… uma conversa que fica muito mais divertida quando entra toda essa história de VAR, torcida organizada e “dirigente pistola”.
Justiça Desportiva onde? Na nossa terceira coluna desse mês nós vamos ver onde é que tudo isso acontece. Ou seja, vamos tentar responder umas perguntas: “só tem uma Justiça Desportiva?”; “Se tem mais de uma, como que funciona?”; “Aliás… e qual julga o que?”.
Imagina o seu futebol de sábado. O deu ruim foi ter um expulso por briga. Onde é que vocês vão decidir a “caixinha” que ele vai deixar? É bem essa a discussão da nossa terceira semana de agosto.
Justiça Desportiva quem? No dia 24 de agosto, vamos dar uma olhada em quem faz parte dessa tal de “JD”. Ou seja, quem faz tudo acontecer e quem aparece por lá quando tem um julgamento.
Imagina o seu futebol de sábado. O deu ruim foi ter um expulso por briga e que ia ser julgado por WhatsApp. Quem decide se o amigo está fora da próxima semana? É por aí que vai a nossa história… uma história que passa por nós advogados e vai até os jornais.
Justiça Desportiva como? No fechamento do mês nós vamos trocar uma ideia de como tudo isso acontece nessa tal de “JD” – claro, quando acontece. Ou seja, como um caso começa e até onde ele vai e de que jeito.
Imagina o seu futebol de sábado. O deu ruim foi ter um expulso por briga, o julgamento ia ser pelo WhastApp, e quem ia julgar eram os “três mais antigos de casa”. Como é que eles vão decidir de quanto é essa “caixinha”? É bem esse o fechamento da nossa coluna sobre Justiça Desportiva aqui na Universidade do Futebol, como um “pedaço de papel” vira um “o jogador do seu time está fora da final do campeonato”.
É… talvez o seu futebol de sábado, como o meu, não seja tão cheio de coisas assim – né? A ideia aqui é deixar esse “guia” para você… e para você usar para acompanhar o nosso campeonato brasileiro, para dar mais ideia para a resenha depois do jogo do seu time, ou para ajudar a montar a sua Justiça Desportiva no futebol de sábado. Fechou?
Fico por aqui hoje, e convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte”. De pouco em pouco vamos seguindo nesse caminho para ver mais sobre a tal da Justiça Desportiva! Nos vemos na próxima sexta-feira para dar uma olhada nesse “que”. Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Valeu!

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Política e incoerência de ideias trazem Felipão de volta ao Palmeiras

Quem imaginaria que depois da Copa do Mundo Luis Felipe Scolari seria o técnico do Palmeiras?! Mesmo entendendo todo o dinamismo do futebol, por essa ninguém esperava. Faltava consistência no trabalho de Róger Machado. Isso é inegável. Aliás, que fique a reflexão para ele. É o terceiro clube em que ele sai sem ter concluído o trabalho. Algo precisa ser revisto no trabalho de Róger. Mas a decisão do Palmeiras em troca-lo por Scolari tem um viés muito mais político do que técnico.
O Palmeiras está diferente desde que Paulo Nobre assumiu como presidente em 2013. Muita coisa mudou para melhor no clube. Gestão, arrecadação, imagem positiva e séria no mercado, dentre outras coisas. Porém, a inconstância no comando do futebol é uma das marcas negativas que se arrasta até hoje. Apenas Gilson Kleina – que na maior parte do tempo teve uma Serie B pela frente – ficou mais do que um ano. Kleina permaneceu de 19 de setembro de 2012 a 8 de maio de 2014. De lá para cá, passaram Ricardo Gareca, Dorival Júnior, Osvaldo Oliveira, Marcelo Oliveira, Cuca, Eduardo Baptista, Cuca novamente, Alberto Valentim, Róger Machado e agora Felipão.
Mesmo com essas trocas constantes veio a conquista da Copa do Brasil de 2015 e o Brasileirão de 2016. Mas o Palmeiras, apesar de todos os recursos que dispõe agora, não conseguiu marcar uma era vencedora no futebol brasileiro. Muito por conta dessa indefinição de comandante e de identidade. Os maiores rivais do Verdão, por exemplo, tiveram sequências bem sucedidas mantendo o mesmo profissional – Tite ganhou tudo com o Corinhians e Muricy Ramalho levou três Brasileiros com o São Paulo.
Qual futebol o Palmeiras quer apresentar? Com quais ideias? Qual o modelo de jogo a ser colocado em prática de acordo com a história e tradição do clube? É fácil para qualquer pessoa que acompanha futebol entender que mudar de Róger para Felipão é como mudar da água para o vinho.
Scolari tem uma maneira peculiar de lidar com o ambiente que o cerca que funciona muito bem já imediatamente à sua chegada. Seu relacionamento com os atletas costuma potencializar talentos. Porém, tenho muito claro que seu nome veio a tona muito por conta das eleições que o clube terá em dezembro. Seu nome causa impacto em todo palmeirense por conta das conquistas do passado. Entretanto, não há indicativos técnicos e táticos recentes que coloquem Felipão como o melhor nome para assumir o Palmeiras agora.
Mas nossos dirigentes se veem muitas vezes obrigado a ‘dar uma resposta para a torcida’. Sem pensar muito no médio prazo. Apenas nos próximos jogos. Sem muito projeto, planejamento. Talvez por isso troquem tanto de técnico.

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Sobre a medicina do bom treinador

Jürgen Klopp (Fonte: The Week/Jan Kruger-Getty Images)

A medicina do bom treinador está ao alcance dos olhos, mas ver não basta. O treinador, como já observamos anteriormente, precisa crer que é uma espécie de médico, cuja responsabilidade está para muito além dos três pontos do fim de semana. Sua responsabilidade está na promoção da mais plena saúde dos atletas e da equipe, na contínua formação da persona que antecede os jogadores. Assim como um médico age sobre o corpo para curar uma dada moléstia, cabe ao treinador agir sobre o espírito, sobre as ideias de cada atleta e do grupo, pois atletas não são máquinas que devem gerar resultados, mas são indivíduos que precisam realizar-se no seu pleno potencial.
Mas como isso é possível? Em primeiro lugar, cabe a treinadores e treinadoras, tão logo iniciem seus respectivos trabalhos, fazer uma anamnese do seu grupo. Anamnese é outra ideia trazida pelos gregos, e significa nada mais do que lembrança, recordação: o primeiro passo para a cura do doente estaria na recordação do caminho que o levou até à doença. Isso só é possível através de um bom diálogo e das perguntas certas. Por isso a dialética, também no futebol, é uma ferramenta imprescindível, assim como a pergunta. Repare que a anamnese, nesta perspectiva, não é um processo vertical, mas uma tratativa que demanda esforço de treinadores e atletas, em conjunto. Da mesma forma como a sociedade precisa uma educação que forme governantes, o futebol também precisa de atletas que saibam ser treinadores, quando necessário for.
Feita a anamnese, cabe ao treinador intervir. A intervenção do treinador, em linhas gerais, ocorre no processo de treino. Ao medicamento de longo prazo, que tende a agir sobre uma determinada causa, ao longo do tempo, nós podemos chamar de modelo de jogo. É por isso que a anamnese é um processo vital: pois se nela houver um equívoco, pode ser que todo o trabalho seja perdido. Como um bom médico, o treinador precisa ter em vista que sua ação se dará em duas grandes frentes: acrescentar o que está em falta e retirar o que está em excesso. Assim como uma dada medicação pouco faz em doses mínimas, ou pode ser um veneno em doses elevadas, o treinador precisa agir, no processo de treino e de jogo, em busca do equilíbrio, da justa medida, pois quaisquer alterações, para cima e para baixo, ainda que soem promissoras, tendem a ser absolutamente perniciosas durante o processo e podem se voltar contra o próprio treinador, à sua revelia.
Assim como um organismo vivo só funciona a partir da interação entre os seus sistemas e respectivos órgãos, a medicina do bom treinador precisa contemplar inteiramente que, no jogo, tudo é um, e que as separações que fazemos são meramente didáticas. No momento ofensivo está o momento defensivo, na transição ofensiva também está o comportamento pós-perda. Ou seja, o processo de treino deve ser estritamente cuidadoso com as fragmentações, pois quanto mais separado o processo, mais distante ele estará da essência do jogo. Além disso, é preciso enxergar para além do que os olhos veem: assim como uma cefaleia não significa, necessariamente, um problema na cabeça, uma equipe que apresenta um determinado sintoma pode ter a natureza da sua moléstia em outro lugar, completamente diferente. É por isso que, para além do sentidos, é preciso afiar o espírito, pois também no jogo o essencial é invisível aos olhos.
Treinadores e treinadoras não estão sozinhos. Assim como um bom cirurgião é impotente se não estiver bem auxiliado, o treinador pouco pode fazer se não tiver, ao seu lado, pessoas da mais estrita confiança e qualidade. Neste sentido, me parece absolutamente razoável que o treinador, na sua medicina, esteja amparado por homens e mulheres, das mais diversas áreas e com as mais diversas experiências, com perfis distintos do seu e, não raro, melhores do que o próprio treinador nas tarefas que lhes cabem. Se o treinador tiver na sua equipe perfis estritamente similares ao seu, terá então um grupo de especialistas, fluente em um relativo grupo de moléstias, mas incapaz de tratar aquelas que fogem do seu conhecimento. O treinador não deve (não pode) saber de tudo, mas pode saber mais, caso decida não saber sozinho.
Pacientes são diferentes entre si (razão pela qual um mesmo medicamento, para uma mesma moléstia, pode não ser eficaz para dois indivíduos diferentes) e os próprios pacientes nunca são os mesmos – mudam ao longo do tempo. Isto significa que a medicina do bom treinador presume que não há uma solução inequívoca, não há um antídoto, uma kryptonita que deflagre as fraquezas do jogo e, assim, nos faça senhores dele. Treinadores e treinadoras, como pacientes que também são, devem perceber que o mundo é movimento, que tudo flui, razão pela qual diferentes trabalhos precisam de diferentes respostas e diferentes atletas precisam ser tratados na sua singularidade. Você haverá de convir que nada disso é fácil, há personalidades absolutamente diferentes em jogo, motivo por que treinadores e treinadoras também precisam de treinamento contínuo, formal ou não, para que saibam adotar, se necessário, uma postura camaleônica, pois o treinador que evita mudar ao longo do tempo se torna previsível – suas equipes idem. E a previsibilidade, como você bem sabe, não é dos mais eficazes medicamentos para o jogo.
Assim como a estética do paciente não deve ser o fim último de um bom médico (pois a boa estética não necessariamente significa boa saúde), a beleza de uma equipe não deve ser um fim em si mesmo para treinadores e treinadoras, pois a beleza do corpo pode esconder as agruras da alma, e a beleza de uma equipe também pode esconder sua real situação. Isso não significa, veja bem, um tratado sobre a feiura: significa que a medicina do bom treinador visa promover a saúde de um determinado jogar, e quanto mais saudável, mais belo tende a ser. Tendo em vista um dado modelo de jogo e suas variações estruturais, parece razoável afirmar que a beleza não está em um dado modelo apenas, mas está (potencialmente) em todos, e irá se expressar quanto melhor estiver o espírito de um determinado modo de se jogar.
Se o modelo de jogo é a medicação essencial e as estruturas são subjacentes a ele, perceba que a medicina do bom treinador pode dar um passo à frente, pensando em mais mudanças estruturais a cada jogo (linha de cinco, linha de quatro, losangos, triângulos…) desde que o modelo esteja suficientemente consolidado. As mudanças de estrutura podem ser amparadas pelo modelo. Já o inverso não é verdadeiro.
Mas sobre isso conversamos outro dia.