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Entrevistas

João Batista Freire – colaborador da Universidade do Futebol

João Batista Freire não é apenas um dos pesquisadores mais respeitados do Brasil quando o assunto é futebol. Professor aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), consultor do IEE (Instituto Esporte Educação) e colaborador da Universidade do Futebol, ele é hoje uma referência em temas relacionados à pedagogia do futebol e à “pedagogia da rua”, investigando as origens do esporte enquanto jogo e tenta estender à formação do atleta a ludicidade presente na abordagem infantil.
Apesar de sua origem oficial elitizada, a gênese do futebol no Brasil tem muito a ver com a informalidade e com o jogo praticado pela população mais pobre, seja nas ruas, nos terrenos baldios, nas praias ou várzeas. A identidade do país no esporte foi construída a partir disso. A defesa desse modelo como alicerce cultural, portanto, faz de Freire um representante da própria brasilidade futebolística.
A carreira de Freire no esporte começou, na verdade, no atletismo. Durante quase mais de uma década trabalhou como professor e técnico de crianças e jovens na modalidade. Nas próximas décadas, além de seu trabalho na universidade, desenvolveu vários trabalhos na Educação Física Escolar e em esportes como Voleibol, Basquetebol e Hóquei sobre patins. Porém, seus trabalhos práticos e estudos foram dirigidos, mais especialmente, ao esporte educacional, focado, acima de tudo, no futebol como elemento lúdico e no jogo como pilar da formação para a vida além do esporte. Deu aula em faculdades de educação física e em escolas públicas e escreveu diversos livros – o mais conhecido deles é “Educação de corpo inteiro”, da editoria Scipione.
O bate-papo a seguir, portanto, não é apenas um registro do que Freire tem estudado durante décadas; é uma conversa que deslinda aspectos fundamentais do futebol como fenômeno cultural no Brasil e mostra caminhos para que o país não perca elementos que foram tão importantes para a construção de sua identidade.
Leia os principais trechos da entrevista:
Universidade do Futebol – Que avaliação o senhor faz do futebol brasileiro enquanto patrimônio cultural na segunda década do século 21?
João Batista Freire – Um patrimônio cultural é construído ao longo de um tempo que pode ser contado em décadas ou séculos. No caso do futebol brasileiro, essa construção já dura mais de um século. Quando ele chegou ao Brasil, alguns tentaram praticá-lo como o praticavam seus criadores, os ingleses. Mas o povo brasileiro, que não tinha acesso aos grandes clubes ou aos estádios, não fez isso. Ao conhecer suas bases, praticou-o à sua maneira, nas ruas, nos espaços de terra, nas praias, nas várzeas dos rios. Foi um futebol, inicialmente, mais a base de construções de habilidades individuais que coletivas. Tratou-se de uma espécie de reinvenção do futebol. Na década de 1930, quando esse futebol reinventado chegou aos clubes e se tornou coletivo, foi um assombro. De tal maneira esse patrimônio erarico que as pessoas mais ricas de nossa sociedade se apoderaram dele e o transformaram em inesgotável fonte de lucros. O futebol de mais alto rendimento hoje tem donos, e esses donos sabem quanto lucro ele ainda pode gerar. Eles não se importam se por aqui o futebol recebe poucos investimentos; o que mais lhes importa é que, no Brasil, o futebol continuará revelando os meninos que são, para eles, verdadeiras minas de ouro. Essa riqueza produzida por esses meninos escoa para cofres internacionais, que possui seus agentes nas federações e clubes brasileiros. Por enquanto, esse é o cenário do futebol brasileiro nas duas primeiras décadas do século 21. Como será daqui por diante, pouco sabemos. Não somos profetas. Sabemos que os donos do poder tentarão manter as coisas como estão. Mas revelam-se, aqui e ali, novas atitudes, novas ideias. Estamos começando a descobrir, por exemplo, o valor da formação de bons técnicos. Estamos redescobrindo o valor da cultura do “futebol de rua” e, com ela, uma “pedagogia da rua” que pode ser levada às escolas, aos clubes. Como essas coisas se desenvolverão daqui por diante não podemos prever.
Universidade do Futebol – A profissionalização e a consequente mercantilização do futebol comprometem em que medida o ambiente lúdico inerente ao jogo?
João Batista Freire – Tudo que chamamos de jogo só pode ser chamado assim porque é jogo. O mais importante jogador do mundo não é pago para rir ou chorar a cada gol, a cada conquista. Não é pago para abraçar e rolar no chão com seus colegas por causa da alegria do gol, não é pago para chorar com as decepções das derrotas. A cada instante os melhores jogadores do mundo revelam o lúdico que ninguém paga. Os donos de seus contratos querem que eles sejam craques para vender os produtos que rendem bilhões de dólares e que alimentam a indústria do esporte, mas não podem evitar que o futebol seja lúdico. E se evitassem, o futebol perderia a graça e seu valor comercial. A mercantilização do futebol mantém craques como Messi e Neymar expostos diariamente ao público. Acredito que eles vão além do esporte, praticam arte, e isso é o lúdico em seu mais elevado grau de refinamento. O problema do lúdico, para mim, não está no alto nível de desempenho, mas na formação das bases do futebol, na formação dos jovens. Profissionais despreparados empenham-se para evitar que seus jogadores joguem, que brinquem, que se divirtam com a bola. Isso é mal, é perigoso, pois é isso que mata, no nascedouro, os Messis, os Cristianos Ronaldos, os Philippes Coutinhos.
Universidade do Futebol – O senhor é reconhecido como um dos maiores estudiosos sobre as questões do jogo ou do lúdico, relacionadas ao desenvolvimento da criança. Qual é a importância de se conhecer esse fenômeno sociocultural para professores e demais profissionais que trabalham ou desejam trabalhar com o futebol?
João Batista Freire – O futebol é um jogo. Não é por outro motivo que dizemos “jogar futebol”. Como todo jogo, ele guarda elementos de risco, imprevisibilidade, complexidade. O jogo é sempre uma simulação. Simulação do quê? Simulação de aspectos de nossas vidas. Porém, o jogo não tem elementos de ludicidade; ele é a ludicidade. Jogo e lúdico querem dizer a mesma coisa. Portanto, aqueles que lidam com o futebol, ou seja, com o jogo, deveriam ter conhecimento sobre o jogo ou o lúdico. Esse conhecimento é raro em nossa formação, mesmo nas faculdades de educação física. Alguns profissionais do futebol, mesmo não tendo essa formação, são capazes de lidar, até intuitivamente, com o jogo. São pessoas que correm riscos, que criam, que enfrentam o novo. Porém, isso poderia ser melhor feito se tivéssemos formação adequada. Ao contrário do que pensam alguns profissionais do futebol, estudar faz bem, desde que estudemos as coisas certas e com motivação. Técnicos de futebol são professores, e professor é profissão de quem estuda. Bons técnicos que não estudam poderiam ser técnicos melhores se estudassem. Mas se estudarem bobagens, coisas inúteis, não vai adiantar nada. Precisam estudar conteúdos contextualizados com seu mundo do futebol, coisas que tenham significado para eles. E é preciso respeitar o nível de cada um, a partir do qual cada técnico poderá evoluir. Compreender, por exemplo, como se desenvolve uma criança é decisivo para quem pretende ser técnico e preparar jovens e adultos.
Universidade do Futebol – Arrigo Sacchi, ex-treinador da seleção da Itália, disse que “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Essa lógica está diretamente ligada às críticas sobre a relevância atribuída ao esporte, que para muitos pode ser até um elemento de alienação. O senhor acredita no papel transformador do futebol? Como o futebol pode transformar o Brasil e como o Brasil pode ajudar o futebol?
João Batista Freire – Se não fosse o futebol seria outro esporte. Na Idade Média um grande atleta dos Torneios, o esporte preferido na época, chamado Guilherme Marechal, ao encerrar sua carreira tinha um patrimônio muitomaior que qualquer jogador de futebol atual. Os grandes esportistas sempre foram glorificados e bem pagos. E isso ocorre pelo que o esporte representa. Basta lembrar do quanto uma brincadeira de nossa infância representava para nós. Levávamos aquilo mais a sério que qualquer outra coisa. E aquilo era só um faz de conta, uma simulação. Porém, trata-se de uma simulação de coisas decisivas de nossa vida, que não necessariamente estão na nossa consciência. Nossa vida está em jogo no jogo. Quando jogamos trazemos os elementos de nossa vida para o jogo e podemos, fazendo isso, superar obstáculos, aperfeiçoar conhecimentos, resolver conflitos, criar nossas possibilidades. Quando jogamos, acima de tudo, podemos viver nossa vida livre de impedimentos e correr todos os riscos, até porque, quando o jogo não dá certo, podemos começar tudo de novo. O poder do jogo reside nesse poder que ele tem de representar tudo que vivemos. Jogar é uma maneira de apenas viver, sem outros compromissos que não seja esse. E, dado tal poder, claro que sua relevância para a educação, formal ou informal, é enorme. Em nossa educação informal, desde o nascimento, ele é responsável por boa parte do que aprendemos e, consequentemente, somos. A educação formal tem recusado o jogo; a escola ainda acredita que brincar é algo sem consequência, sem importância para a educação. Se dependesse de mim o Brasil teria um grande projeto de educação esportiva. Não somente para termos atletas de destaque internacional, mas para que todos pudessem aprender a praticar esporte e a fazer do esporte um recurso de acesso a uma vida ética e digna. Como disse Sócrates, “com uma bola nos pés a gente muda um país”. Eu acrescentaria: “com uma bola nos pés e bons professores a gente muda um país”. Por que não tornar o futebol, nosso patrimônio cultural mais rico, um mote para a educação? Ou, talvez, um grande tema gerador? Podemos, perfeitamente, numa quadra, num campo, ou em qualquer pedaço de chão, enquanto ensinamos futebol, servir-se dele para também ensinar a ler e escrever. Brincadeiras de futebol ensinam a ler o mundo, como podem também ensinar a ler livros.
Universidade do Futebol – Na sua opinião, as universidades brasileiras têm problemas em produzir conhecimento aplicado ao futebol? Que análise o senhor faz do papel dessas instituições de ensino, pesquisa e extensão? Tem sugestões a fazer em relação à atual produção e ao seu futuro próximo?
João Batista Freire – Afastei-me da universidade por dois motivos básicos: o primeiro é que me aposentei na Unicamp e lá não existe um programa para aproveitar os aposentados, por mais que ainda tenham energia para produzir como professores e pesquisadores. O segundo é que a universidade criou um mundo, especialmente na pós-graduação, onde não posso habitar. Cobraram-me que eu me tornasse um publicador de artigos. Muitos artigos, aos montes, não importando o conteúdo e sua qualidade. Números são necessários para provar que a universidade é produtiva. Creio que a sociedade brasileira precisa de mais do que isso. Sinto-me ainda com muita energia e disposição para trabalhar para meu país e preciso estar em lugares em que isso seja possível. Infelizmente não encontro esse espaço na universidade (embora talvez volte a ter). Depois de décadas falando de ciência do esporte, montando laboratórios, desenvolvendo pesquisas, o que isso resultou na melhora do nível de desempenho do esporte brasileiro? Pelo contrário, em modalidadescomo o atletismo nós pioramos. Qual a relação entre a produção científica na área da educação física e o desempenho dos atletas no esporte brasileiro? O mundo da produção não depende só da universidade. Há muita gente produzindo em outras instituições. Não por acaso sirvo, com muito orgulho, ao Instituto Esporte Educação e à Universidade do Futebol.
Universidade do Futebol – O senhor visitou recentemente a China e teve a oportunidade de conhecer como o futebol está sendo introduzido nas escolas do ensino fundamental (dos 6/7 aos 12/13 anos) naquele país. Que paralelo faz com a prática do esporte e particularmente do futebol nas escolas brasileiras, de forma geral?
João Batista Freire – Fomos à China conversar com empresários e autoridades do governo chinês. Eu gostaria de ter sido chamado por autoridades do governo brasileiro, mas isso não aconteceu. Talvez a China queira de nós aquilo que nenhum governo brasileiro se interessa em ter. Na Universidade do Futebol estamos transformando em pedagogia as práticas que, por décadas, nossas crianças e jovens realizaram em ruas e outros espaços, sem nenhum método sistemático. Porém, se não havia sistematização na rua, havia sabedoria, havia criatividade. As habilidades individuais foram excepcionalmente bem desenvolvidas. Nossas crianças e jovens mostraram até onde podem ir sem professores. A partir de certo ponto precisariam de professores e não tiveram – exceto aqueles jovens que foram absorvidos por clubes importantes e geraram o melhor futebol do mundo. Estamos, portanto, formulando uma “pedagogia da rua”, porém, sistematicamente, e nos norteando por princípios que garantam essa rica aprendizagem a todos. Esses princípios são: ensinar futebol a todos, ensinar bem o futebol a todos, ensinar mais que futebol a todos. Os chineses gostaram disso e mostraram a intenção de levar essa pedagogia, assessorados por nós, a todas as crianças e jovens escolares da China.
Universidade do Futebol – Por diferentes razões, são cada vez mais escassos os espaços e ambientes para a prática do chamado “futebol de rua” no Brasil – espaços em que era possível, de fato, brincar, jogar bola, inventar, errar sem tantas cobranças ou punições. De que forma podemos resgatar ou desenvolver a criatividade e a inteligência coletiva dos jovens através da prática do futebol em um mundo cada vez mais utilitarista e consumista?
João Batista Freire – Podemos replicar isso em diversas instituições públicas e particulares, realizando aquilo que chamei na questão anterior de “pedagogia da rua”. Nunca mais teremos aquelas ruas que nos davam liberdade para construir, livremente, a arte de jogar futebol. Mas nada nos impede de fazer isso fora das ruas: a pedagogia da rua revela a sabedoria de ensinar não só para o futebol, mas para qualquer coisa. Trata-se de um conjunto de ações que podem constituir uma pedagogia fantástica – para as escolas, inclusive. Nosso papel na Universidade do Futebol será convencer aqueles que trabalham com futebol de que temos que voltar a ensinar brincando, não importa se com equipes sub-20, sub-17 ou qualquer outra. Na formação só atingiremos o nível da arte de jogar futebol brincando. Não vejo outro caminho.
Universidade do Futebol – Qual é a importância de termos bons professores e educadores trabalhando com futebol? É possível ter esperança de que o nível educacional das escolas melhore e o esporte (ou especificamente o futebol) possa fazer parte de uma evolução ou revolução nessa atividade humana fundamental para o desenvolvimento enquanto sociedade?
João Batista Freire –O futebol é importante demais para ficar na mão de gente inescrupulosa. Porém, por sua riqueza, é justamente essa gente inescrupulosa que mais se apropria dele, para que vire inesgotável fonte de lucros. Se considerarmos todas as coisas produzidas no Brasil que nos destacaram no cenário internacional, talvez seja o futebol o caso mais bem-sucedido. Isso é para virar programa de governos. O futebol não pode ser visto só como prática de alto rendimento esportivo. Futebol, além de fim, deve ser meio de educação. O futebol, por seu alcance e encantamento, serviria maravilhosamente como veículo de educação para a cidadania, para a formação de pessoas dignas, para a conscientização sobre as questões da vida, para a democracia. O futebol é muito mais do que aquele espetáculo que nos encanta quando ligamos a televisão ou vamos a um estádio, embora esse espetáculo seja um dos mais maravilhosos que já presenciei em minha vida.
 
Revisão: Guilherme Costa

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Poupar? Falta intensidade? Mesmo com a pausa da Copa? O que tudo isso significa no futebol?

A discussão atual do futebol brasileiro está em torno dos times que poupam seus jogadores titulares, priorizando determinada competição. Abre-se uma janela interessante para falarmos sobre o mal feito calendário esportivo do nosso país, onde realmente os clubes grandes jogam demais e os clubes pequenos jogam pouco. Porém, ao mesmo tempo que reacende uma discussão importante esse assunto nos cega em outros aspectos, aumentando a crença que há atualmente no inconsciente coletivo do futebol de que é impossível jogar em alto nível duas vezes por semana.
Historicamente o estudo e a literatura esportiva no Brasil foram feitos e produzidos pelos preparadores físicos. Profissionais que estudaram, estiveram nos bancos acadêmicos e agregaram demais na evolução do esporte. Mas o viés desse conhecimento é evidentemente físico, deixando de lado e até muitas vezes retirando as outras variáveis do jogo, que são técnicas, táticas e psicológicas/emocionais/cognitivas. Ao passo que nossos treinadores tradicionalmente sempre tiveram muito conhecimento do dia-a-dia da bola e pouco de questões físicas, médicas e fisiológicas passou-se a aceitar sem muito questionar que o ‘cansaço’ corporal do atleta é que determinaria as escalações.
Vale aqui também relembrar – e é algo que eu sempre critico no futebol brasileiro – a nossa má qualidade nos treinamentos. Aqui muitas vezes se treina com preguiça, de qualquer jeito, sem cobrança e sem uma metodologia definida. Com isso, sem a tão falada intensidade no treino não há como tê-la no jogo. Estamos assim tendo jogadores que não conseguem jogar em alto ritmo nem ao menos durante 90 minutos muito menos em 180 duas vezes por semana.
Que fique bem claro que não estou criticando os preparadores físicos, que muito ajudaram o futebol brasileiro Mas o próprio papel deles nas maiores e melhores comissões técnicas do mundo já mudou. Hoje a questão física tem o seu peso, mas integrada ao jogo, as ideias e aos comportamentos. Todo e qualquer trabalho no futebol moderno é feito com bola, trabalhando a parte física a partir dos conceitos que vão nortear o modelo de jogo pretendido.
O cansaço aqui não é só físico. É mental e cognitivo também. É uma falta de concentração e até entendimento para a execução das ideias. É a ausência de treinos mais bem elaborados. E mesmo com poucas atividades dá para criar comportamentos bem interessantes. Mas para muitos a falta de competência já tem desculpa pronta: os jogadores estão cansados.
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Sobre o jogo ideal e o jogo real

Pep Guardiola: um idealismo realista? (Foto: Reuters)

 
Aos olhos de um garoto que jogava futsal, muitas coisas me soavam interessantes, mas uma, em especial, sempre me inquietava: por que todas as jogadas que ensaiávamos em cada tempo técnico sempre davam errado? Veja bem, nossas ideias eram absolutamente sofisticadas: fulano toca para sicrano, que rola metros atrás para o beltrano, que apenas pisa para o fulano, que a essa altura já passou pelos outros dois e chutou a gol. No campo das ideias, era uma estratégia infalível! Mas, quando jogávamos de fato, tudo terminava exatamente diferente, às vezes com a bola em outras redes que não as do adversário.
Precisei de tempo e maturidade para perceber a distância mais do que razoável entre nossas ideias e o jogo jogado. Existem, por assim dizer, dois jogos diferentes: um jogo ideal e um jogo real. Como jogo ideal, pensemos não apenas no jogo perfeito, sonhado, mas sim em toda a narrativa interna que o precede, onde depositamos todos os nossos desejos e expectativas mais otimistas. Como jogo real, pensemos no jogo jogado, em todas as suas dimensões, com a oposição, as contradições e a inteligência própria que parecem estar no coração do próprio jogo. Geralmente, ideal e real não estão em consonância. Vejamos.
Uma das diferenças entre o jogo ideal e o jogo real está flagrante: o jogo ideal é propriedade de quem nele pensa, o jogo ideal é pronome possessivo e estará, sempre, sob absoluto controle. Para o atleta, o jogo ideal é um gol decisivo nos acréscimos, são dois ou três dribles desconcertantes, um carrinho perfeito (para delírio da torcida) ou a mais bela defesa, decisiva. Para o treinador, o jogo ideal é domínio puro, nó tático, sincronia entre intenção e ação, elogios polpudos de imprensa e torcida, perfeita comunhão com atletas e diretoria. Uma semana de trabalho cheia, sem lesões, atletas no pico de performance, cada exercício de cada sessão nos mais perfeitos níveis de volume e de intensidade, seguidos das devidas recuperações. Todos os objetivos operacionalizados. Jogo ideal.
O problema é que o jogo ideal não se basta. É preciso sair da ilha e jogar o jogo real. E o jogo real está distante da utopia, pois é lesão e substituição, é um equívoco do árbitro, é uma falha de quem não se espera, é uma crítica absolutamente injusta. É vestiário difícil, é atleta insatisfeito, é treinador eventualmente obsessivo, é salário atrasado (às vezes no plural), é problema particular, é instabilidade extracampo, é treino que não sai como se pensa, enfim… são todas as circunstâncias que estão à margem ou no coração do jogo, prontas para interferir, em maior ou menor intensidade. Aos treinadores e treinadoras, atletas, comissão, diretoria e afins, cabe manejar essas contradições e, não bastasse isso, manejá-las em tempo real. Pois além das circunstâncias, o tempo do jogo também não é ideal. O jogo é todo real.
Assim como um cobertor curto não pode cobrir os pés e a cabeça ao mesmo tempo, o jogo real não pode atender à inteireza dos desejos de quem joga. As equipes que desejam muita posse podem não ter profundidade, as equipes que atacam em demasia podem sofrer em transição defensiva, as que abusam dos ataques diretos podem inutilizar os meias. Treinadores e treinadoras que priorizam uma equipe titular precisam lidar com a desmotivação de um ou outro reserva, mas os que valorizam os rodízios também precisam lidar com a estranheza de um ou outro atleta e da imprensa. Para o jogo real, é preciso que treinadores e treinadoras façam uma espécie de cálculo, como faziam os utilitaristas, que mostre se os bônus de um determinado modelo ou tomada de decisão compensam os ônus. Quando as contas não batem, é porque algo deve ser repensado.
Sabendo disso, me admira como as críticas de mesmo alguns dos mais sérios formadores de opinião são herdeiras do ideal, não do real. Pois as soluções do jogo estão muito longe da simplicidade: muitas vezes, substituir o jogador A pelo jogador B não basta, convocar o jogador X ao invés do Y não resolveria os problemas de uma determinada equipe (curiosamente, observações desta natureza são geralmente a posteriori), assim como descartar imediatamente um atleta em má fase, como se ele fosse um resíduo qualquer, está longe de ser uma solução adequada (afinal, o jogo real não se joga com lixo, mas com gente). Da mesma forma, me parece razoável afirmar que treinadores e treinadoras não são míopes: nós geralmente sabemos, em maior ou menor escala, sobre os problemas das nossas equipes. Mas saber basta? Todos sabemos que a vida boa é felicidade e alegria, mas isso não impede que, via de regra, a vida seja melancolia, incompletude e solidão. No processo de treino não é diferente: saber não basta. É preciso mais.
É preciso, por exemplo, que encaremos com absoluta seriedade o processo de treino. Se treino é jogo e jogo é treino, quer dizer que devemos jogar todos os dias, em maior ou menor complexidade, mas devemos jogar. Neste sentido, me parece que o treino fragmentado flerta intimamente com o jogo ideal: as variáveis estão sob controle absoluto, há tempo, espaço e tranquilidade para um ou vários chutes a gol, às vezes os adversários são fantasmas e nossa movimentação é perfeita, incrivelmente harmoniosa, e nós estamos absolutamente confiantes para o jogo. Mas o jogo é real. Sendo real, ele é oposição, é alternância, é instabilidade, é imprevisibilidade: é um mar bravo, revolto, no qual sobrevivem apenas os bons marinheiros e marinheiras, que são bons não porque tentam controlar o mar, mas porque cultivaram e cultivam um método para melhor adaptar-se a ele. Assim, parecem melhores as metodologias baseadas no jogo, pois são elas, em maior ou menor intensidade, que reproduzem as contradições do jogo real. Que reproduzem o mar, se você preferir.
O jogo real não nega, e jamais negará, o poder das ideias, pois nelas estão os alimentos da melhor qualidade para jogadores e para o próprio jogo. Mas isso não significa que devamos jogar o jogo real a partir das ilusões idealistas. As distâncias entre os dois estão para além do que podemos saltar.
E jogar o jogo real significa, também, saber até onde podemos ir.
 

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O fim de um canal é o fim de uma era?

Conforme anunciado, o Esporte Interativo anunciou sua saída da grade de canais na semana passada. Parte da sua programação passará para o “TNT” e “Space”, que não são conhecidos pelo esporte. Ademais, segundo nota, as redes sociais também passarão a abrigar muito do seu conteúdo.

Para muitos, é o fim. A emissora tem um valor inestimável, sobretudo em sua programação especializada para o Nordeste do Brasil, haja vista o vasto mercado consumidor da região e que cresceu simultaneamente com um campeonato regional muito bem sucedido, que é a Copa do Nordeste. Recentemente, com a aquisição do principal torneio de clubes do planeta, o canal ganhou mais projeção e evidência. Com isso, a programação ficou mais recheada e, a audiência, aumentou consideravelmente. Por conta disso muitos acham um passo atrás a sua saída da grade.

Uma transmissão do futebol pelo facebook. (Foto: infomoney.com.br)

 

Por outro lado, há outros que enxergam esta manobra como sendo estratégica. Em princípio não se sabe muito sobre a migração para canais não especializados em esporte, entretanto, partir para as redes sociais significa estar em contato com uma considerável fatia do mercado consumidor com grande poder de consumo e que não está mais ligada em aparelhos de televisão, mas sim nos tablets e smartphones a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. E muito da programação do canal está voltado para este público, que está bastante conectado com as mais diversas fontes de comunicação e interage de maneira muito intensa. Curtem, compartilham, comentam. Se gostam, falam. Se não gostam, também falam. O “feedback” é imediato, constante e não tem fim.

Diante de uma revolução nas comunicações, o conteúdo tem que estar disponível sempre que necessário e as redes sociais permitem isso de uma maneira mais instantânea. Com tudo isso, é sugestão olharmos para a saída do Esporte Interativo da grade de canais como sendo estratégica e não o fim de uma era. É parte de um processo pelo qual a mídia do esporte passa e um desafio para todos os profissionais e o resultado pode ser muito positivo para os que têm apostado neste novo formato.

Em tempo: há 1 ano fazia a estreia da coluna aqui. Quero deixar meus sinceros agradecimentos à Universidade do Futebol e também aos leitores, pela confiança e carinho. Os textos são muito parte do que vivo no dia a dia e compartilhar com vocês é uma grande satisfação. Entre erros e acertos, temos que aprender com os equívocos e aprimorar o que vai bem, sempre tocando em frente. 

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O campeonato de quem se poupa

O calendário do futebol brasileiro é inviável. Enquanto o atual modelo reserva aos estaduais um período considerável da temporada e cria exigência de alto nível competitivo em muitos estágios do ano ao incitar a rivalidade em diferentes âmbitos, a cultura local tem dificuldade para admitir rotação de elencos e a penúria dos clubes limita a criação de grupos com nível técnico para subverter essa lógica. O excesso de jogos exige que atletas sejam poupados, mas todo o cenário contradiz e cria pressão exacerbada por desempenho. O cabo de guerra é antigo, mas ganhou força em agosto deste ano em função do alto número de partidas previstas para o período. A estratégia que mais influencia o rumo de campeonatos no país não tem nada a ver com esquema tático ou função dos principais destaques das equipes: o que decide taças é uma competição paralela sobre quem administra melhor as adversidades impostas pelo formato.
O grande exemplo nacional foi dado pelo Grêmio de 2017. Incentivado pelo início avassalador do Corinthians no Campeonato Brasileiro, o técnico Renato Gaúcho resolveu concentrar forças nas copas e poupou o elenco sempre que preciso na principal competição nacional. Perdeu uma chance considerável de brigar pelo título com a equipe paulista, que depois teve queda acentuada de rendimento, mas pôde celebrar a conquista da Copa Libertadores.
Além do caso em que os gaúchos foram bem sucedidos, a premiação da Copa do Brasil aumentou consideravelmente desde 2016, quando a Globo assinou novo contrato para direitos de transmissão do torneio. Neste ano, por exemplo, cada time recebeu R$ 500 mil apenas como taxa de participação, montante 94% maior do que na temporada anterior. A premiação do campeão chegará a R$ 68,7 milhões, R$ 5 milhões a menos do que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) gastará com prêmios de todo o Campeonato Brasileiro no mesmo período. O Grêmio de 2017 amealhou R$ 24,7 milhões pelo título sul-americano.
Existe, portanto, uma lógica financeira para que os clubes deem prioridade à Copa do Brasil – é um certame com menos jogos e paga melhor do que o Brasileiro. Além disso, a hierarquia esportiva coloca a Libertadores, que é continental, no topo da escala de anseios – o torneio sul-americano, outrora concentrado no primeiro semestre, agora se espalha por todo o ano.
No entanto, conta também um aspecto narrativo. Qualquer derrota em um campeonato como o Brasileiro, que é disputado no sistema de pontos corridos, pode ser diluída. É difícil dimensionar, com a temporada em andamento, quais foram as partidas cruciais para apontar em que faixa a equipe vai se encaixar na tabela.
Com exceção de clássicos locais, goleadas acachapantes ou situações alarmantes (sequência de reveses ou proximidade com a zona de rebaixamento, por exemplo), o torneio de pontos corridos produz um abalo de narrativa bem menor do que as copas. Existe, portanto, um problema criado pelo ambiente para a comunicação do Campeonato Brasileiro resolver.
Se persistirem o modelo de calendário e a situação financeira debilitada dos clubes brasileiros, o foco seguirá voltado às copas. E se a cultura nacional continuar com dificuldade para assimilar a rotação dos elencos, o Campeonato Brasileiro vai ser um produto não apenas menos interessante, mas com uma dificuldade de distribuição cada vez maior.
Em outros contextos, dirigentes tomaram medidas para direcionar o contexto. Há casos de federações que limitaram o número de jogadores inscritos ou limitaram em contrato o uso de jogadores reservas, por exemplo, caminhos escolhidos para evitar que os estaduais ficassem ainda mais subjugados.
É humanamente impossível exigir de jogadores que eles tenham tantos ápices de desempenho durante a temporada (as retas finais de estaduais, as partidas decisivas das copas e todo o Campeonato Brasileiro, por exemplo). Com o atual modelo, porém, é justamente isso que se apresenta: uma demanda que supera em muito a capacidade física, mental ou espiritual de qualquer um. E a CBF, em vez de olhar para isso como uma chance de valorizar seu principal produto, adota uma passividade que tem feito o Campeonato Brasileiro perder terreno para outros produtos.
É difícil medir agora a consequência desse cenário. Contudo, há dois aspectos em que fica clara a relação: ao ser menos prioritário, o Campeonato Brasileiro perde em bilheteria e em relevância para a TV (audiência e valor de contratos, portanto). A decisão técnica das equipes acaba criando um ciclo que fará o torneio definhar em não muito tempo.
Vi em uma análise sobre a participação do Brasil na Copa de 2018 – e infelizmente não lembro o autor para dar o crédito devido – que há na eliminação para a Bélgica um aspecto mais assustador do que o 7 a 1: o entendimento de que é normal o único país pentacampeão mundial ter sido eliminado nas quartas de final. Pior do que o resultado vergonhoso é a redução de perspectiva ou de expectativa. Algo como o time que se acostumou a brigar por títulos ao longo da história e que hoje entra em competições apenas para evitar o descenso. Esse abalo de imagem é muito mais complicado do que o que acontece em campo.
Poupar jogadores é normal e acontece em todos os campeonatos. A relação com essas estratégias de elenco, porém, envolve toda a estrutura de comunicação e tem relação direta com o que os organizadores querem para si e para seus produtos. O problema não é quem poupa atletas, mas quem poupa trabalho.

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Princípio Metodológico das Propensões, segundo a Periodização Tática

O princípio das propensões, aliás é um termo do Popper que eu uso, significa que o contexto está mais propenso a X do que a Y, porque normalmente as pessoas dizem, “eu quero que faça isto ou faça aquilo”. Não! Eu quero que ele faça em função de um contexto determinado. Portanto eu tenho que parir é o contexto, não os comportamentos e isso é uma confusão do caraças das pessoas. Tenho que articular em função de como eu jogo, defendo de determinada maneira para poder atacar de determinada maneira, portanto eu estou preocupado com a transição defensiva, com a ofensiva. Portanto eu tenho que criar condições para que isso se organize de modo mais preferencial, para que haja uma familiaridade com uma determinada lógica. Portanto o Princípio das Propensões é isso, é o contexto acontecimental[1].

A comissão técnica deve estar atenta não somente à qualidade da sua ideia de jogo, mas também ao modo como ela é operacionalizada nos treinamentos ao longo da semana. Por isso, nem sempre o motivo de maus resultados está na ideia de jogo do treinador, mas na operacionalização da mesma[1].
Nesse sentido, a Periodização Tática está estruturada em determinados princípios metodológicos[2], que interagem, dão lógica e um sentido ao processo de treino, possibilitando que a equipe se desenvolva em todas as dimensões do desempenho com qualidade.
O princípio metodológico das propensões está relacionado à modelação dos contextos de exercitação, com o objetivo de criar contextos relativos ao jogar[3]que se pretende, que possibilitem o aparecimento do que se quer treinar com elevada frequência.
A ideia de propensão tem a ver com o fato de proporcionar que o contexto de exercitação seja mais propício ou provável à ocorrência de determinado acontecimento, neste caso, ao aparecimento de interações condizentes com a ideia de jogo do treinador.
Se um treinador quer aprimorar alguns aspectos da organização defensiva, como por exemplo, a coordenação e a dinâmica de pressão e coberturas da primeira e da segunda linha defensiva; o fecho do centro e a defesa do passe entre linhas, por uma razão lógica deverá criar exercícios que levem aos jogadores a estarem defendendo (da maneira pretendida) durante boa parte do tempo, tendo sempre em conta o padrão de solicitações que unidade de treino preconizada pelo Morfociclo Padrão requer.
https://vimeo.com/182921041
 

Claramente vemos que neste exercício de Diego Simeone, devido à manipulação do contexto, ou seja, as regras impostas, o espaço de jogo, a duração do exercício, o número de jogadores, o período de recuperação/exercitação e até as próprias intervenções do treinador são algumas das variáveis que permitem direcionar o contexto para o que lhe interessa, no caso os propósitos defensivos elencados no parágrafo anterior.

Nesta situação, pelo fato de existir uma linha que divide o espaço de jogo, não permitindo que quem defende “invada” o campo da equipe com posse, propicia que quem defende faça inúmeros movimentos de pressão, cobertura, fecho do centro e do espaço entre linha. Tudo isso com a ajuda de corredores demarcados, que auxiliam os jogadores a ocupar o melhor espaço durante o exercício.

Ainda que o foco esteja, neste caso específico, voltado para a organização defensiva, isso não significa que os propósitos ofensivos não sejam contemplados, pelo contrário. Deve-se atacar em função da maneira pretendida, e, inclusive, neste caso específico, os dois jogadores mais adiantados devem apresentar boa mobilidade, abrir linhas de passe e ter um bom perfilamento corporal na hora de receber o passe, pois só podem dar 1 toque na bola.

Quando treinei a equipe Sub-20 do Joinville, uma das preocupações era de que a equipe sempre estivesse bem compactada quando estivesse defendendo, principalmente em situações de marcação em bloco médio e baixo.


 
O vídeo acima se trata de um contexto criado em treino, que levasse os jogadores a estarem permanentemente próximos e compactos quando estivessem sem a posse da bola, de maneira natural, sem que a comissão técnica precisasse, obrigatoriamente, ficar intervindo neste sentido.
O espaço de jogo foi dividido em seis faixas e, só seria válido roubar a bola se a equipe estivesse ocupando duas faixas em profundidade (exceto quando a pressão fosse feita no campo do adversário – bloco alto, onde se poderia ocupar todas as faixas do campo ofensivo). Ainda, existem três corredores que ajudam na orientação espacial dos jogadores, tanto para atacar, como para defender.
Isto é, em função da manipulação do espaço e de uma simples regra, de maneira natural, os jogadores foram levados a estar sempre próximos um dos outros para defender, facilitando o pressing, os encurtamentos e a aquisição da ideia de jogo.
No vídeo abaixo, podemos ver a transferência dos conceitos treinados[1]no exercício anterior em competição: estar permanentemente compactado em bloco médio/baixo.

 
Portanto, o princípio das propensões tem a ver com a contextualização dos propósitos que se querem alvo de repetição sistemática, sendo que o que se pretende é que as preocupações de momento do treinador apareçam regularmente em treino, em vez de outras quaisquer – a todos os níveis. Não se trata de quantificar ações, mas de criar contextos de exercitação ricos, que levem à uma determinada dominância de interações relativas à ideia de jogo do treinador, fazendo com que os jogadores assimilem, incorporem e somatizem estes propósitos.
Conforme coloca Tamarit[1], para garantir que em cada dia do Morfociclo aconteça efetivamente o que queremos que aconteça – a todos os níveis, é fundamental que se produza uma redução sem empobrecimento, ou seja, uma redução sem perda do padrão identificador – a ideia de jogo, que será qualitativa e quantitativa ao mesmo tempo, garantindo que a aquisição pretendida aconteça da melhor forma possível.
Vale a pena destacar que o princípio metodológico das propensões não tem como finalidade propiciar a vivência exacerbada somenteda ideia de jogo do treinador nas suas diferentes escalas (macro princípios, meso princípios e micro princípios), mas também promover com elevada frequência o aparecimento de um determinado tipo de contração muscular (predominante), da matriz metabólica implicada, determinadas dinâmicas de desempenho e recuperação, da intensidade máxima relativa a vivenciar, e um conjunto de outras coisas, segundo o dia do Morfociclo.
 
 
[1]TAMARIT, Xavier.Periodización Táctica vs Periodización Táctica. Editorial MBF. Espanha, 2013.
[1]Ainda que o foco central da comissão técnica, para este dia em particular, fosse o aprimoramento de elementos defensivos, a equipe com a posse da bola deveria jogar igualmente em função dos propósitos da nossa ideia de jogo, como por exemplo, quando o adversário estivesse defendendo num bloco mais baixo, circular a bola para tentar abrir espaços no rival; Se o adversário estivesse com a linha mais alta, pressionando em bloco alto, tentar explorar o espaço deixado nas costas no menor tempo possível, sem perda de qualidade nas ações.
[1]TAVARES, José Fernando Ferreirinha. Entrevista. In TAMARIT, Xavier. Periodización Táctica vs Periodización Táctica. Editorial MBF. Espanha, 2013.
[2]Princípio Metodológico das Propensões, Progressão Complexa e Alternância Horizontal em especificidade.
[3]Jogar:O jogaré o tipo de futebol que uma equipe produz. São regularidades que identificam uma equipe. Escrevo em itálico para diferenciar um jogarde um “Jogo Geral”.
[1]FRADE, Vítor Manuel da Costa. Entrevista. In. TAMARIT, Xavier.Periodización Táctica vs Periodización Táctica. Editorial MBF. Espanha, 2013.

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Entre o Jogo e a Justiça Desportiva

Bem-vindos ao nossoEntre o Direito e o Esporte” de agosto aqui na Universidade do Futebol. Hoje nós vamos continuar nossa conversa sobre a “fina arte” do direito desportivo, vamos continuar nossa conversa sobre o jogo fora do jogo, vamos continuar nossa conversa sobre a Justiça Desportiva. Nessa sexta-feira nós vamos ver o nosso“o quê?”.
E para deixar tudo mais tranquilo de seguir, o nosso mapa de hoje é esse: vamos começar com o atleta e a Justiça Desportiva, depois vamos ver do seu time e a Justiça Desportiva, e fechamos com aquele bom “e o que mais?”.
Bora lá?
Afinal, o que a Justiça Desportiva (JD) julga? A JD julga o que acontece em uma competição (tipo o Brasileirão), inclusive as “questões disciplinares” (tipo aquela voadora no meio de campo, sabe?). Agora… na prática, o que isso quer dizer? Vou dar 03 exemplos do que a JD julga quando o jogador do seu time dá uma de feliz.
Imagina que o jogador do seu time sabe que aquele 1 a 0 está ótimo, que o seu time está cansado, e que o outro time tem a vantagem de jogar em casa. Imagina que o jogador do seu time resolve chamar a responsabilidade – fora de campo. Imagina que o jogador do seu time consegue atrasar a volta do intervalo em uns 30 minutos. E aí? Pois é, o seutime pode ser punido pela Justiça Desportiva, e punido com uma bela multa! De R$ 100 até R$ 100.000 por minuto. Que tal?
E se o jogador do seu time perde a cabeça em campo e fala um absurdo para um outro atleta? Ainda mais daqueles bem absurdos, sabe? Agora além da multa, que é de R$ 100 até R$ 100.000, o jogador do seu time vai ser suspenso – de 05 até 10 partidas. Por isso é bom nunca falar m* em campo!
Agora, o que acontece quando o jogador do seutime não só falou m* como também foi para cima do árbitro e deu um belo soco na cara quando o juiz anulou o gol de empate aos 47 minutos do segundo tempo depois de parar 5 minutos da partida para ver o VAR? É… aí é um pouco pior até! Esse jogador vai ser suspenso, e vai tomar um gancho de pelo menos 180 dias.
A Justiça Desportiva julga tudo que acontece entre os 22 jogadores em campo – e isso antes, durante, ou (até) depois da partida. Mas é só isso que a JD faz?
Aí tem mais! A Justiça Desportiva também está lá para garantir que qualquer coisa que tenha dado de errado antes, durante, ou depois da partida não saia sem um puxão de orelha pelo menos. E aí temos mais 03 exemplos: os torcedores, os funcionários do clube (inclusive o jurídico e/ou o registro), e os árbitros.
Jogo pegado. Mas não dentro de campo. Jogo pegado. E, sim, nas arquibancadas. Em vez do jogo jogado no campo, deu um desentendimento entre a torcida por algum motivo. Virou uma desordem. Invadiram o campo. E, ainda, jogaram de Toddynho até cadeiras no gramados. E aí? O seu time, mandante da partida, devia ter tomado as providências necessárias para evitar tudo isso… e se não fez nada, o que acontece? Multa, de R$ 100 até R$ 100.000 e a tal da perda de mando de campo – que vai de 01 até 10 partidas!
Acabou a partida, conversam com os torcedores, e… “atchou”, tudo começou porque falaram lá na rádio que escalaram um jogador irregular! Lá no meio da torcida estavam os responsáveis pelo jurídico e pelo registro do time. E aí? Os torcedores perderam a cabeça (o que não pode) porque sabiam que o time ia ser multado (advinha o valor?) e ainda perderia os pontos daquela partida – aliás, se perdesse a partida em campo também ia ficar com “-3” (menos três pontos, sim!)… pois é!
Só que… tudo bem. No fim do dia o árbitro esqueceu de “relatar na súmula” tudo o que aconteceu. Mas é o juiz, né? Então sussa, sem problemas, e tranquilo! Segue o jogo e todo mundo sai feliz com o jogo remarcado para a próxima semana, né? Então… não é bem assim! O juiz, digo, o árbitro vai ser punido também! E vai levar uma multa de R$ 100 até R$ 1.000 e ser suspenso de 30 até 360 dias.
É por isso que a Justiça Desportiva é “onipresente”. Tudo o que acontece passa por ela alguma hora… o que o seutime não fez, o que o atleta do seu time fez, o que o jurídico do seu time esqueceu de fazer. E isso sem contar a torcida, o árbitro, o delegado da partida… e o que mais? Ah, sim! Para fechar a coluna de hoje, deixo mais 03 exemplos de “causos”. Valeu?
Imagina que é a final da Copa do Brasil. Imagina que O cara do seu time é a lenda de um país lá longe. Imagina que lá longe, três dias depois da nossa final, é jogo de classificatória para a Copa do Mundo. O jogador do seu time foi convocado. O jogador do seu time tem que ir para lá longe amanhã. O jogador do seu time não vai jogar a nossa final. E vai lá o presidente do seu time e “tranca” ele numa sala e não deixa que ele vá – contra a vontade dele. Pois é… aí vai ter multa, de R$ 100 até R$ 100.000 para o presidente do seu time – afinal, quem nunca.
Essa estratégia absurda e não recomendada não adiantou e o seu time jogou sem a estrela da noite. Perdeu. E o presidente do seu time ficou “pistola” e resolver sair quebrando tudo no estádio dos amigos. Quebrou tanto que… foi parar na súmula e virou caso da Justiça Desportiva – te juro! E o que aconteceu com ele? Sim, multa de R$ 100 até R$ 100.000. E mais, indenização pelos danos causados (vai pagar tudo). Só que não acabou… o presidente vai ser suspenso de 30 até 180 dias! – logo, amigos, não sejam essa pessoa.
Na hora da denúncia para a Justiça Desportiva, descobriram mais uma! Além de tudo isso, quando era levado para fora pelos seguranças, o presidente ainda conseguiu cuspir. Isso soltar um perdigoto. E, pior, acertar o árbitro da partida! E aí? Aí o mínimo de gancho é de 360 dias. Esse aí não volta mais, não!
Essa tal de JD é um ponto importante no nosso futebol. E lá são vários os tipos de pena para quem faz besteira e atrapalha o nosso jogo. Só hoje nós vimos que a Justiça Desportiva pode dar uma multa, suspender por partida, suspender por tempo determinado, tirar pontos, tirar mando de campo… ufa, um monte de coisa! Aliás, pode até excluir alguém de um campeonato. E é por isso que esse tema é importante para nós, que gostamos do nosso futebol.
Por hoje é isso! Fico por aqui e convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte”. Semana que vem passamos para o próximo ponto da nossa Justiça Desportiva! Nos vemos na próxima sexta-feira no “onde”. Fechou? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Valeu!

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O futebol europeu conhece nossas joias antes de nós

Lembro de que há alguns anos lamentávamos que os clubes europeus vinham ao Brasil e levavam nossos jogadores que estavam no auge da carreira. A queixa dos torcedores era de que quando os melhores atletas atingiam o ápice técnico e físico vinha algum time de fora e pagava uma fortuna para leva-los.
Nosso futebol continua sendo exportador. Mas agora não é mais no auge que a Europa vem buscar nossos melhores jogadores. E sim na base, nas categorias menores. Na adolescência deles. Não é acaso o Real Madrid contratar Vinícius Junior com 16 e Rodrygo com 17 anos. Ou Gabriel Jesus com 19 anos já ser do Manchester City. E agora Eder Militão com 20 ser do Porto. Esses jogadores muitas vezes nem estão maturados fisicamente. Mas já despertaram a atenção de quem faz futebol em alto nível no mundo e que, definitivamente, não está nesse jogo para rasgar dinheiro.
Primeiro ponto a ser destacado é a evolução da análise de desempenho. Esses gigantes clubes mundiais possuem departamentos de inteligência que contam com o que há de melhor em capital humano e tecnológico. Há observadores técnicos fazendo análise de mercado em todo o mundo. E esse tipo de scout é feito desde o sub-11. A Europa conhece nossos jogadores antes de nós.
Outro aspecto importante é que a maioria dos nossos técnicos de base e até mesmo dos times profissionais não está atualizada com o que há de melhor para formar e potencializar jogador. Há um leve movimento de melhora nesse aspecto, mas ainda estamos pelo menos vinte anos atrasados com relação ao alto nível mundial. Na base, o técnico do sub-13, por exemplo, ganha menos do que o do sub-17. E o jeito para crescer na carreira muitas vezes é ganhando jogos e campeonatos. Então o objetivo passa ser ganhar e não formar; E depois no profissional grande parte dos técnicos apenas suga os atletas e não busca melhora-los em suas deficiências. A desculpa é que não há tempo. Quando na verdade falta conhecimento para potencializar as virtudes e ajustar as fraquezas.
Os clubes europeus atentos a essa defasagem dos nossos profissionais e até observando as condições dos jogadores brasileiros que chegavam já com mais de 23 anos sem algumas valências técnicas, coletivas e até cognitivas de jogo decidiram vir buscar os atletas cada vez mais jovens para que eles pudessem terminar por lá o processo de formação.
Há garotos de 13, 14, 15 anos aqui no Brasil sendo observados por analistas das principais potências do futebol mundial. São avaliados itens como trato com a bola, resolução dos problemas de jogo, capacidade de se comunicar dentro de campo com e sem a bola, potência física e padrão de resposta mental às adversidades que a complexidade do futebol traz.
Se a maioria desses itens for atendida os jogadores serão comprados por muito dinheiro e com pouca idade. O aprimoramento eles fazem por lá. Bem melhor lapidar um jogador enquanto há tempo. Dinheiro, inteligência e metodologia para isso não falta no alto nível do futebol europeu.
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Sobre o treinador que educa

Bielsa, nos tempos de Marselha. (Foto: Eurosport)

 
Neste fim de semana, às vésperas da estreia do Leeds United na Championship (segunda divisão inglesa), houve alguma comoção quando soubemos que Marcelo Bielsa, novo treinador da equipe – e de quem sou profundo admirador – lançou mão de outro dos seus métodos razoavelmente originais. Bielsa procurou, junto à diretoria, saber quanto tempo o torcedor médio do Leeds precisaria trabalhar para conseguir comprar o ingresso para um jogo qualquer. Quando soube da resposta (são três horas), fez com que seus jogadores passassem o mesmo tempo recolhendo o lixo das dependências do clube, para que eles sentissem, de alguma forma, o sentimento dos torcedores. No mínimo, um exercício de empatia.
Medidas como essa não são exatamente novas. Na verdade, elas não apenas existem desde sempre, como existem, muitas vezes, longe dos holofotes. Mas me parecem substancialmente importantes na formação do caráter do jogador. Rapidamente, me lembro de Per Mertesacker, respeitável zagueiro alemão, que trabalhou em um hospital para doentes mentais quando ainda jogava nas categorias de base do Hannover (anos mais tarde, Mertesacker admitiria que o futebol profissional feriu os seus próprios limites mentais). Repare a importância dessa educação na transição da adolescência para a vida adulta, pois nesta fase há fortes traços de idealismo, ao lado de uma percepção razoavelmente autocentrada da vida, que faz com que cada atleta, no seu íntimo, sinta que está destinado para o sucesso e que este surgirá, inevitavelmente, em algum lugar do futuro. Mas para treinadores e treinadoras, além das atribuições tático-técnicas que nos cabem, é preciso trabalhar, ainda que sutilmente, o mundo real que está para além do ideal, o mundo do fracasso, da moléstia, dos limites. O mundo da vida, se você preferir.
Neste sentido, Bielsa me parece grande. Me lembro de uma fala, nos tempos de Marselha, apresentando aos jogadores as contradições entre o sucesso e a felicidade. A essa altura, é provável que alguém pergunte se isso ganha jogos (ou algo do tipo), mas não é disso que se trata: este tipo de fala – que ilustra parte das minhas próprias pretensões como treinador – não parece exatamente interessado em um fim, mas denota uma preocupação latente e sincera com o humano que se esconde no atleta, dele indissociável. Agir apenas sobre o atleta é importante, mas também é como deslizar pela superfície: para respostas profundas, me parece imprescindível superar a barreira do atleta e chegar ao humano, ao emaranhado de contradições e possibilidades que estão adormecidas em cada ser, e que podem levá-lo à plenitude caso sejam despertadas, descobertas! Mas isso é uma arte, e treinadores e treinadoras precisam ser trabalhadores diligentes, que exercitam sua arte com refinamento, para não vitimar nossos atletas nem pela falta, nem pelo excesso.
Para além de um treinador, Bielsa me parece um educador. Na verdade, treinadores e treinadoras são educadores da mais fina espécie. Seja na iniciação, na especialização ou no rendimento, estamos no domínio de um processo educativo, que evidentemente objetiva o melhoramento esportivo mas, para tanto, não pode perder de vista a humanidade dos atletas. Quando entra em campo, o jogador não entra pela metade (não deveria), ele entra inteiro. Ele carrega suas crenças, seus valores, seus medos, sua história e todas as variáveis que, ainda que não estejam visíveis (nem para ele próprio), fazem dele único e, assim, um mistério a ser desvendado pelos treinadores e treinadoras e por todos os envolvidos no processo. Como afirmamos recentemente, o jogo real não tem uma bula, um password que nos leve ao seu final, pois o jogo é jogado por gente, e gente, na sua complexidade, não se define em frases feitas.
Para além de um humanista, Bielsa me agrada por ser atemporal. Acompanhei com atenção o ótimo trabalho feito no Athletic Club, quando transformou um clube tradicionalmente conservador em pura coragem e risco, que envolveu o Manchester United, no Old Trafford, como raras vezes se viu. Para além da tática, as boas equipes carregam um espírito, um sentimento coletivo que vive em cada parte e que vivia naquele tempo, na sua alternância entre uma linha de quatro ou de cinco defensores, de acordo com o adversário (dois centroavantes, linha de cinco, para sempre ter sobra), no movimento puro desde os primeiros instantes da temporada, nos desmarques ininterruptos, no pressing inegociável. Mas aquela equipe também era, em diversos momentos, marcação individual, era ligação direta para Fernando Llorente e Gaizka Toquero, era o que deveria ser, porque Bielsa, em alguma medida, me parece um poliglota, um treinador que sim, valoriza um determinado idioma (o idioma da posse), mas que sabe vários dialetos dentro dele, pois o jogo não se encerra em vocábulos restritos, mas exige léxico variado, para momentos diferentes. É preciso que não sejamos apenas um, é preciso ser vários, de acordo com o contexto, com o adversário, com nós mesmos. Bielsa me parece fazer isso bem.
Ao mesmo tempo, nossos elogios não são míopes e aqui também ressalto o outro lado de Bielsa: o perfeccionismo eventualmente constrangedoras exigências em todos os níveis, um sentimento razoavelmente controladoros valores inegociáveis e diversas outras características que não são apenas passíveis de crítica. Elas fazem dele humano. Como treinadores e treinadoras, é preciso que saibamos lidar com o outro lado, com as sombras que nos acompanham onde vamos, pois elas também são parte do nosso ser. Embora sejamos escravos da força, me pergunto se alcançar o humano (de que falei acima) também não significa a vulnerabilidade, a percepção de que, embora grandes, somos possíveis, e este sentimento pode ser o que nos une como indivíduos e como equipe. Não sei se são essas as intenções de Bielsa, mas sei que ali, como em qualquer outro ser, também há fraquezas, sejam elas perceptíveis ou não.
Por fim, falamos de um treinador idolatrado, referência para vários colegas de ótimo nível (Mauricio Pochettino, Eduardo Berizzo, Diego Simeone, Pep Guardiola, Mauricio Pellegrino…), mas que não traz consigo o argumento dos títulos – no profissional, são poucos. Ou seja, pode ser que no resultado não esteja nossa principal mensurável de sucesso, afinal, só há um vencedor, mas bons trabalhos não faltam. O jogo tem razões que nos escapam, e talvez nelas esteja o motivo porque mesmo os bons (eventualmente os ótimos) podem não estar amparados pelo resultado – ao menos pelos títulos.
O que não significa que eles não estejam amparados. Talvez por algo maior.

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Vale a pena VAR de novo

O vídeo-árbitro (VAR) voltou em evidência com a sua utilização na Copa do Brasil na semana passada. No geral o balanço foi positivo. Favoreceu o bom andamento das partidas e esclareceu pontualmente a arbitragem. Em alguns casos percebeu-se algo raro (e que não deveria ser): atletas a fazerem gestos de concordância com as marcações (mesmo contra a própria equipe). Seria este um sinal de mudança em termos de ética, tanto cobrada na sociedade brasileira, cuja ausência é percebida em muitas ocasiões no futebol?

Sim, é. O recurso do vídeo inibe a malícia e a dissimulação, passíveis de punição. Ao mesmo tempo exige comportamento ilibado por parte do futebolista. Ele está sendo monitorado instantaneamente por mais pessoas, e o seu comportamento observado em nível nacional e internacional. Ou seja, qualquer algo negativo não será nada bom para a sua imagem pessoal, visto em outros textos desta coluna como importante para um atleta. A prazo, percebe-se que cavar uma falta ou exigir algo da arbitragem para favorecer – injustamente – a sua equipe, é desperdício de energia. Em outras palavras, preocupa-se mais em fazer o movimento para confundir aquele que apita e gasta-se mais energia para gritar e gesticular com o árbitro. Na verdade, esta energia deveria estar sendo dirigida ao jogo, em controle emocional para concentrar-se no que tem que ser feito, que é fazer gols.

Com o tempo a impunidade não será mais o tema e mais justiça haverá nas marcações dos lances capitais. O comportamento antiético não será “premiado” e a conduta honesta, valorizada (em realidade deveria ser a constante). Tornar-se-á rotina e, em um outro momento, hábito. Como consequência disso, a fluidez no jogo e aumento do tempo de bola em disputa. Menos tempo de paralisação (afinal não se gasta mais energia em discutir com o árbitro) e maior concentração na parte técnica e tática, o que favorecerão todo o espetáculo de que se constitui uma partida de futebol.

O respeito às regras, ao jogo e ao torcedor favorecem o andamento de uma partida de futebol. (Hollywood Reporter/Photo by Ian Walton/Getty Images)

 

O normal seria não precisar do VAR para que tenhamos exemplos de boa conduta no futebol de rendimento no Brasil. Como dizem alguns, a honestidade não deveria ser uma virtude, deveria ser uma constância. Entretanto, o próprio jogador e o clube precisam se perguntar como querem ser reconhecidos pela sociedade: pelos resultados a qualquer custo ou pelas boas atitudes e bons exemplos, sobretudo para os mais jovens que replicarão este comportamento e serão “o futuro da nação”? Infelizmente, é o recurso do vídeo – que apareceu muito tardiamente – que poderá ajudar com esta questão. Com tudo isso, no entanto, antes tarde do que nunca.