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Encontramos a intensidade – e o jogo?

Cada país, uma cultura de jogo!
O futebol brasileiro está intenso — isso é inegável! Aliás, o mundo está procurando e encontrando maior intensidade de jogo no futebol indiferentemente à cultura de jogo em que estão sendo construídos.
No Brasil, o jogo está intenso além da conta e com traços de desorganização tática muito claros. Simplesmente porque tem de ser vertical a qualquer custo.
Além disso, ao contrário do que o senso comum diz, o nosso jogo não perdeu a individualidade! Continua com alguma organização de posicionamento que os sistemas táticos impõem, mas os jogadores ainda demoram com a bola nos pés mais tempo que o necessário. Na soma das duas características, jogo individual e intenso, temos “brigas individualizadas” em todos os setores do campo e/ou situações de jogo e em ritmos alucinantes.
Assistindo a jogos do futebol brasileiro é fácil ver o alto nível de competitividade em que são disputados. Constatamos a intensidade do jogo, ainda com mais segurança quando são usadas as ferramentas científicas modernas de análise de rendimento esportivo.
Hoje um jogador brasileiro percorre entre oito e catorze quilômetros em noventa minutos de jogo, com 30, 40 ou 50 estímulos de corridas acima de 20 Km/h. Algo impensado em poucas décadas atrás.
Isto não corresponde a resultados imediatos na qualidade do jogo, muito menos dá garantia de vitórias. Como dizia Cruyff:
“Futebol se joga com a cabeça, as pernas estão ali para ajudar.”
Essa, dentre várias ideias do gênio holandês, vale até hoje. Correr muito e intensamente não é sinônimo de bom jogo.
O Professor Victor Frade, “pai da periodização tática”, se irrita quando querem traduzir o jogo moderno com ênfase na intensidade:
“Intensidade, o quê vale isto se não se tem jogo?”
Foi mais ou menos o que disse quando indagado sobre o tema.
O jogo brasileiro ficou mais intenso, visto a olhos nus e também cientificamente, mas continua entregue às individualidades.
Não há sincronia entre “o balé do jogo” e os benefícios do desenvolvimento físico individual e coletivo que o treinamento moderno trouxe a todos os esportes, inclusive o futebol.
Estamos correndo “pra lá e pra cá”, sem conceitos táticos que balizam um jogo inteligente porque é isso que queremos.
– Queremos?!
– Quem tá querendo isso?
– Todos nós!
– Que jogo lindo! Emocionante! Movimentado! Lá e cá!…
É o que costumamos ouvir quando assistimos esse “jogo intenso e ou de correria”!
O que há de conceituação tática nestes jogos? Difícil detectar.
Não há como conceituar taticamente um jogo tão intenso. Não dá tempo. O campo fica, naturalmente, maior com o “lá e cá” que a intensidade desordenada provoca.
Tudo bem! Estamos inventando um outro jogo e parece que estamos gostando disso! Então vamos passar a tratar “este outro esporte” com as diferenças de análises que ele requererá.
Nesta reflexão não estou maldizendo à intensidade, muito menos às emoções. Quero apenas reivindicar comparações a grandes equipes do cenário mundial que estão conseguindo organização tática com intensidade de jogo.
Alguns treinadores brasileiros têm tentado buscar esse caminho na construção do jogo de suas equipes, mas o entorno do nosso trabalho é muito cruel. Quando nossas equipes trocam lateralmente dois ou três passes, ou voltam a bola pra um zagueiro ou goleiro com o intuito de organizar uma nova “rota ofensiva” para o jogo, sofrem vaias de todos os lados e o que se segue a isso a gente já conhece.
Tudo em prol da individualidade, da verticalidade e intensidade do jogo. E o que não podemos negar é que o desequilíbrio individual que conclamamos a retornar ao nosso jogo só cabe para jogadores velozes: correria pura.
Não adianta cobrarmos da base brasileira que formem jogadores mais técnicos e dribladores sendo que o que exigimos para os adultos é “correria”.
O Tite tem tentado e com algum sucesso transmitir algo de jogo organizado à Seleção Brasileira, com bons níveis de intensidade concatenados taticamente a uma ideia de jogo segura, inteligente e ofensiva.
Como é lindo ver que os brasileiros conseguem fazer isso. A Seleção, um time só de brasileiros, comandada por brasileiros, jogando o jogo moderno, com intensidade, ofensividade, arte e vitórias.
Ah! E sem o Neymar! Quando ele estiver, então?!?!
Quanta crítica sofreu o jogo do Tite no início da Copa América por não ser intenso e/ou vertical.
Organizar o jogo, não significa abdicar da intensidade. Quando os conceitos táticos funcionam harmoniosamente dão novos e mais competentes enredos ao jogo. A intensidade de jogo é mais um componente tático que só tem valor no contexto de uma ideia tática de jogo. Ser somente intenso, não é jogo.
Que jogo complexo é o futebol! Quanta polêmica pode gerar um texto desse! Mesmo assim, e como sempre, continuo querendo ver organização de jogo com intensidade para as equipes brasileiras. Pelo menos é assim e sempre será nas equipes em que trabalho.
Pra mim, “campo grande”, correria, correr pra frente e não correr pra trás, trocas indiscriminadas de posicionamento em campo, dentre outros componentes anárquicos do jogo, não deveriam fazer parte do futebol que pode ser organizado taticamente, inteligente, ofensivo, bonito e vencedor!
Acreditando nisso, então é só fazer!
Mas não é fácil estar na pele dos treinadores brasileiros nas circunstâncias que a nossa cultura oferece!
Palavras que cabem mesmo pra uma outra grande reflexão!
Até uma próxima!