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Maradona, um homem imperfeito

Ensinaram-me quando menino: “Homem não chora”. Eu teria que aprender a não chorar, para ser homem. Hoje chorei, chorei por Maradona. Por Maradona deixei de ser homem. Em compensação, com Maradona aprendi a ser outro tipo de homem: o homem que ri e que chora, o homem que tem inveja e que tem modéstia, o homem que é grande e que é pequeno, o homem que tem medo e que tem coragem, o homem que é político e que é solitário. Tudo isso Maradona me ensinou? Não, tudo isso ele encarnou, entre muitas outras coisas. Não tentou ser Deus, e foi, não tentou ser herói, e foi, não tentou ser bondoso, e foi, não tentou ser genial, e foi. Fez parte daquele grupo de pessoas que nos ensinam a viver, mesmo não tendo a menor intenção de fazer isso. Aquele homem que me ensinaram a ser, que não podia chorar, me fazia infeliz. O homem imperfeito, que só os como Maradona ensinam a ser, me faz feliz.

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Queremos futuros Maradonas?

Maradona foi, entre uma imensidão de coisas que define um ser humano e jamais será possível esgotá-lo em um pequeno texto, uma figura que incomodou, contestou e que não se permitiu controlar.

Passagens como as eternizadas nos versos de Eduardo Galeano em uma de suas obras primas Futebol ao sol e à sombra, nos ajudam a ter uma noção do tamanho da dor de cabeça que o argentino foi para muitos poderosos, dentro e fora do futebol.

No Mundial de 86, Valdano, Maradona e outros jogadores protestaram porque as principais partidas eram disputadas ao meio-dia, debaixo de um sol que fritava tudo que tocava. O meio-dia do México, anoitecer da Europa, era o horário que convinha à televisão europeia”

Maradona disse coisas que mexeram em casa de marimbondos. Ele não foi o único jogador desobediente, mas foi sua voz que deu ressonância universal às perguntas mais insuportáveis: Por que o futebol não é regido pelas leis universais do trabalho? Se é normal que qualquer artista conheça os lucros do show que oferece, por que os jogadores não podem conhecer as contas secretas da opulenta multinacional do futebol?

Outro momento que ilustra essa, para alguns, assustadora imprevisibilidade do argentino é do início de sua carreira. Diego recusou uma proposta milionária, com o perdão do trocadilho, do River, e buscou ativamente um acerto com o, na época, enfraquecido Boca. Escolheu com o coração, e não com a fria lógica da maior e melhor oferta, o River naquela altura além de melhor estruturado financeiramente, era uma equipe muito mais forte.

Maradona fora do controle, indomável, imprevisível, sempre foi um risco para quem tem tudo sob seu domínio, um risco que essas pessoas não estão nem um pouco dispostas a correr. Talvez por isso os seus erros tenham tido sempre uma repercussão de proporções estratosféricas e o trabalho para ridicularizá-lo tenha sido tão incessante, é interessante para quem foi contestado por ele vê-lo caído.

Um Maradona entre os principais nomes do esporte hoje, como outros e outras que ensaiam surgir na nova cena do esporte mundial, com a repercussão que sua figura teria em um mundo hiperconectado, seria ainda mais ameaçador, e aí não fica difícil de entender que, para essas pessoas que temem as mudanças, quanto menos “Maradonas” melhor. Aqui já falamos do processo de formação de jogadores e jogadoras autônomas, independentes, ou se preferir, livres.

É desse ponto de partida, da personalidade incontrolável de Diego e o que ela representa é que seguimos para pensar sobre o futuro. O primeiro dos questionamentos que fica para quem ama e trabalha com o futebol e se queremos ou não novos “Maradonas”, como sugere o título. Queremos futuros jogadores e jogadoras obedientes ou questionadores? Queremos mudar ou manter as coisas como estão? Tendo clareza do que se quer, fica mais fácil organizar ações que fazem sentido para que se atinja esse objetivo.

O que podemos fazer no dia a dia, ao ensinar o futebol, para ajudar desenvolver as características que identificamos como essenciais? No caso de Maradona, o que o incentivou questionar as injustiças que ele via a sua volta? Alguém o ensinou? Ou será que ao menos alguém permitiu que esse espírito se desenvolvesse? Será que esse espírito questionador tem relação com o seu desempenho dentro de campo? É possível dissociar o Maradona jogador de tudo o que o tornava humano?

Do dia 25 de novembro de 2020 em diante vamos seguir construindo nosso mundo, com mais ou menos Maradonas, tudo depende de nossas escolhas e ações.