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STF permite recebimento do direito de imagem dos atletas por pessoa jurídica

Crédito imagem – Redes sociais Gabigol/Divulgação

Uma das maiores discussões tributárias no âmbito do futebol e dos esportes em geral diz respeito à utilização do direito de imagem dos atletas e o pagamento do imposto de renda. É de amplo conhecimento que a constituição de pessoas jurídicas por atletas profissionais é uma prática recorrente, seja para facilitar a administração de contratos e o gerenciamento das propostas negociais, seja para otimizar a organização dos diferentes rendimentos auferidos. 

Nesse sentido, uma prática bastante comum é que o atleta transfira para a pessoa jurídica a licença para exploração do seu direito de imagem.

O direito de imagem é assegurado expressamente pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso X, que enuncia ser inviolável a imagem das pessoas. O art. 20 do Código Civil Brasileiro complementa essa proteção, determinando que a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa é proibida, salvo se autorizada. Assim, no caso de atletas profissionais, a permissão para que a pessoa jurídica explore o direito de imagem da pessoa física é, em teoria, permitida.

Desta forma, através da exploração do direito de imagem pela pessoa jurídica (clubes), os atletas passam a auferir renda por duas maneiras: (i) o salário, recebido pela pessoa física por meio da CLT; e (ii) a contraprestação pela exploração dos direitos de imagem do jogador, recebida por meio da pessoa jurídica.

Nos dois modelos há formas diferentes de tributação. No caso dos rendimentos salariais recebidos diretamente pela pessoa física, o Imposto de Renda chega até a alíquota progressiva de 27,5% sobre o total auferido. Já no caso dos rendimentos por exploração da imagem recebidos pela pessoa jurídica, o Imposto de Renda pode ser recolhido no regime do Lucro Presumido, o que equivale a uma carga aproximada de 14,53% do total, sendo permitido então que a pessoa jurídica repasse os rendimentos para a pessoa física na forma de lucros e dividendos, que são isentos do Imposto de Renda da Pessoa Física.

Contudo, essa divisão de rendimentos entre a pessoa física e a pessoa jurídica vem sendo rechaçada pela Receita Federal do Brasil, que considera a operação uma simulação, uma omissão de rendimentos tributáveis por parte da pessoa física, pois se configurariam rendimentos salariais disfarçados.

Por muito tempo o cerne dessa discussão se permeava no fato da fiscalização alegar que o direito a imagem é considerado intransferível e inalienável, conforme previsto na Constituição Federal e no Código Civil. Nessa esteira, vários doutrinadores dividiram o direito de imagem em duas vertentes: (i) o aspecto moral, que se refere a esse direito personalíssimo, inalienável e intransmissível, que impede que a imagem da pessoa seja vendida, renunciada ou cedida em definitivo; e (ii) o aspecto patrimonial, que se trata a imagem como um direito que não é absolutamente indisponível, podendo ser licenciada a terceiros para exploração econômica. 

Tal discussão foi abordada pelo STJ no julgamento do REsp 74.473, ocasião em que a Corte consolidou o entendimento de que “assim como nos direitos autorais, o direito de imagem também possui esses dois aspectos”, salientando que a imagem dos atletas tem uma característica econômica/patrimonial passível de gerar receitas, e que esse aspecto patrimonial pode ser transferido.  

O divisor de águas, que permitiu o exercício de atividade personalíssima por meio de pessoa jurídica, sem que se tratasse de sociedade unipessoal, foi o art. 129 da Lei 11.1961/2005, que surgiu com a finalidade de autorizar de forma expressa a contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços de natureza intelectual, cultural, artística ou científica. 

Até a última semana não havia uma posição unânime na doutrina e jurisprudência em relação à aplicação deste artigo, discussão que se arrastava desde a publicação da lei, ou seja, há mais de 15 (quinze) anos. Durante esse período vários atletas, como os jogadores de futebol Neymar Jr e Alexandre Pato, os técnicos Cuca e Felipão e o tenista Guga Kuerten, enfrentaram processos sobre o tema, alguns ainda em curso.

Neste tempo, inclusive houve a alteração na Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, que prevê as normas gerais da prática do esporte no Brasil, assegurando proteção aos direitos dos atletas. O art. 87-A, incluído pela Lei nº. 12.395 de 2011, salienta que o direito de imagem do atleta pode ser cedido ou explorado por ele, podendo inclusive ser cedido a um terceiro (pessoa natural ou jurídica). 

Com a disciplina do tema também pela Lei Pelé a tendência era de que os atletas tivessem mais liberdade e autonomia para definir como explorar o direito de imagem, visto que a lei estabelece que a remuneração por essa atividade é inconfundível com o salário do jogador. 

Entretanto, mesmo após essas previsões legais, a RFB continuou autuando as operações, sob o fundamento de que se trata de planejamento tributário abusivo, uma vez que, segundo a RFB, as pessoas jurídicas são utilizadas para pagamento do salário dos atletas e não necessariamente para exploração do direito de imagem – hipótese em que se evidenciaria o intuito de se obter uma carga tributária inferior à que lhe é devida.

Para dirimir estas controvérsias, o STF, no dia 11/12/2020, encerrou o julgamento da ADC nº. 66 que analisou a constitucionalidade do artigo 129 da Lei 11.196/05, ou seja, se esta “pejotização” configuraria uma fraude à fiscalização.

Naquela ação, apesar da Advocacia-Geral da União (AGU) ter alegado que o dispositivo deveria ser afastado “diante da constatação de que a pessoa jurídica foi constituída como forma de dissimular verdadeira relação de emprego e tentar omitir a ocorrência de fato gerador de obrigação tributária”, o STF, por 8 votos favoráveis a 2, declarou a constitucionalidade do artigo e possibilitou aos atletas o recebimento do direito de imagem mediante pessoa jurídica.

A relatora do caso, Ministra Cármen Lúcia, defendeu a constitucionalidade do dispositivo afirmando que “A regra jurídica válida do modelo de estabelecimento de vínculo jurídico estabelecido entre prestador e tomador de serviços deve pautar-se pela mínima interferência na liberdade econômica constitucionalmente assegurada e revestir-se de grau de certeza para assegurar o equilíbrio nas relações econômicas e empresariais”. 

Vale ressaltar que a decisão proferida pelo STF não significa uma presunção de licitude para que todas as atividades prestadas por jogadores, técnicos, artistas, intelectuais, cientistas e demais atletas sejam exercidas mediante a intermediação de pessoas jurídicas, ou seja, não constitui um salvo-conduto para legitimar aqueles que se utilizam desta estrutura de forma irregular. 

Após esta decisão, todavia, deve ser afastada a presunção do fisco de que a utilização do direito de imagem dos jogadores e técnicos por pessoas jurídicas é irregular, sendo necessário comprovar, no caso concreto, a irregularidade da prestação de tais serviços. 

Portanto, resta aguardar os próximos julgamentos sobre o tema, tanto no âmbito do CARF – onde se concentram a maioria dos processos e que até o presente momento possui jurisprudência desfavorável aos contribuintes -, como no Poder Judiciário, para verificar qual o impacto trazido pela decisão proferida na ADC nº 66, que inquestionavelmente constitui importante precedente para os atletas.