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A medida do sucesso

Crédito imagem – site Federação Paulista de Futebol

O São Paulo ganhou outro título ontem, um que talvez tenha sido até determinante para que o clube levantasse a taça do campeonato paulista e que, com certa recorrência vem sendo conquistado, mas que dificilmente conseguimos perceber, ou mesmo medir com clareza, que é o da formação humana.

Ainda é preciso discutir, e muito o modelo de captação, ou garimpo de gente que baseia a pirâmide de formação de jogadores e jogadoras no Brasil e no mundo, mas dentro do atual cenário, o São Paulo Futebol Clube é uma das instituições que mais se destaca no Brasil no quesito citado. Com profissionais qualificados, Gabriel Puópolo um parceiro de longa data da Universidade do Futebol é psicólogo da base do clube já há muitos anos, por exemplo e a priorização do desenvolvimento integral dos seus jogadores como seres humanos e isso pôde ser observado mais uma vez na decisão de ontem.

Ainda no primeiro tempo, com a tensão de um jogo que significava demais para o São Paulo pela longa espera por títulos, pelo clássico e pelo jogo, no momento, estar tendendo mais para o Palmeiras um lance pode ter sido decisivo, senão ao menos simbólico para a conquista tricolor. A bola vai saindo pela lateral com posse para o São Paulo, Liziero, cria da base são-paulina, abre os braços para proteger sua saída e acaba atingindo o rosto de Rony com as mãos. No mesmo instante, o técnico Abel Ferreira confronta o meia tricolor de maneira bastante agressiva o que, geralmente acarretaria uma reação contrária da mesma intensidade ou maior.

Ao contrário do que se esperaria, Liziero mostrou maturidade para se desculpar pelo incidente e contemporizar com o português. Diferente fosse, o jogador do São Paulo poderia ter se desconcentrado, entrado em uma confusão e até ter sido expulso prematuramente, já que pelo lance, que aos meus olhos pareceu até sem intenção, ele já havia sido advertido com o cartão amarelo.

O quanto esse autocontrole de Liziero tem relação com a sua formação em Cotia é difícil mensurar, as variáveis são infinitas, a maneira como cada um se desenvolve em um mesmo meio sempre será diferente. Da mesma forma, como tal formação ajuda o clube dentro e fora de campo, com jogadores mais equilibrados e abrindo portas para que eles brilhem no próprio São Paulo e em outros clubes, será coincidência que o Ajax busca tantos são-paulinos? – não é tão simples de medir. Talvez, lances como esses sejam um dos caminhos para nos ajudar a entender como a formação humana, o desenvolvimento da autonomia e maturidade impactam diretamente no resultado dentro de campo. Não que essa seja a única medida do sucesso!

Como defende Gabriel Puópolo, “se eu quero que um jogador renda por bastante tempo, de maneira mais sustentada, preciso estar atento ao desenvolvimento dele como pessoa”.

FutTalks – Entrevista com Gabriel Puopolo

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Final da Champions – A preparação na semana da decisão

Crédito imagem – Chelseafc.com

Quando ouvirem o hino da Champions no sábado, Manchester City e Chelsea estarão finalizando uma longa temporada, onde ambos disputaram quatro competições em um quadro de calendário congestionado com jogos de alta exigência física, tática e mental. Se os Citizens jogaram 61 partidas oficiais, os Blues não estiveram muito distantes do mesmo número com 59 partidas, algo que não parece justificar uma diferença a nível de desgaste acumulado na temporada.

Se o Chelsea é um finalista improvável pelo seu percurso no início da temporada, do outro lado o Manchester City assume a posição de novato em uma final de Champions para finalmente comemorar uma ambicionada conquista desde o início do projeto do Grupo City. Para todos nós treinadores e profissionais do futebol, a semana de preparação para esse cenário parece ser a mais gratificante de todas, uma vez que estamos falando de uma final de Champions League (motivante por si só), o finalizar de um processo de treinamento de 10 meses e o alívio de uma semana “cheia” para descansar ativamente e ajustar os últimos detalhes táticos e estratégicos para a partida.

Polimento e Últimos Ajustes
As alterações logísticas da partida, a final será novamente em Portugal, não influenciarão negativamente a planificação da última semana de treinamentos, podendo dizer inclusive que beneficiarão ambas as equipes com uma viagem mais curta e uma aclimatação muito semelhante para o mesmo período a mesma época do ano na Inglaterra. O City chega a cidade do Porto com a vontade de conquistar o seu “triplete” e o Chelsea carrega na bagagem uma recente final de FA Cup e dois jogos ainda importantes para a sua classificação no campeonato inglês. Nesse ponto talvez, podemos encontrar “citizens e blues” em níveis de concentração e prontidão diferentes, mas uma vez mais, pela qualidade de ambas as equipes e por seu percurso na temporada, ambas deverão chegar a final em um improvável pico de performance.

Na teoria do treinamento desportivo, os modelos de planificação mais tradicionais pressupõem um modelo de ATR, onde o ano de treinamento se divide basicamente em três partes: acumulação, transformação e recuperação. Obviamente que temos que adequar a discussão dos modelos tradicionais para os modelos mais contemporâneos que estão mais intimamente relacionadas as modalidades coletivas e as suas demandas competitivas semanais para a melhor performance. De que maneira as grandes equipes do futebol europeu e as equipes do nosso futebol periodizam o treinamento para que o estado de “fitness” sempre supere o estado de “fadiga” nos momentos competitivos?

De fato, os mesociclos (conjunto de 3-4 microciclos) e os microciclos sempre assumirão a maior importância na planificação, em estruturas que podem significar 2 ou 3 picos de carga ao longo de semanas completas de treinamento de acordo com fases onde se pressupõe uma maior necessidade de treino, ou 1 pico de carga em caso de microciclos ou mesociclos em que a manifestação competitiva se mostra mais presente através de calendários congestionados. Como isso influenciará tanto City quanto Chelsea?

Levando em consideração o cenário da temporada e com ambas as equipes contando com três semanas completas com jogos apenas ao final de semana, é possível esperar que os treinadores irão optar por uma abordagem mais conservadora, com apenas um pico de carga semanal e treinos pautados na qualidade de execução dos exercícios, tanto do ponto de vista técnico e tático quanto do ponto de vista físico (aqui podemos considerar treinamentos com características predominantemente anaeróbias). Podemos supor que em uma semana decisiva, as equipes técnicas que melhor administrarem as suas cargas de treino de forma a evitar a complacência e realizar a manutenção dos atuais níveis de performance, terão mais sucesso em alcançar o dia decisivo com indicadores de performance positivos, e tendo seus jogadores mais “frescos” para a final.

Podemos pensar que em uma última semana de uma temporada de 10 meses, prestes a competir em uma final europeia os treinadores irão realizar uma semana de “tapering”? Aqueles familiarizados ao conceito de tapering, poderão questionar se é possível realizá-lo em esportes de equipe, sendo inclusive questionável do ponto de vista da literatura científica e sua aplicação prática. Pois bem, se consideramos uma equipe como um conjunto de indivíduos, é possível sim aplicar estratégias de tapering individualizado com base nas suas métricas de treinamento e de desempenho ao longo da temporada. Os resultados justificam-se? Se pensarmos que a literatura demonstra melhoras de 0,5% a 6% na performance, e que podemos melhorar os índices de desempenho dos atletas nessa grandeza, podemos afirmar que uma redução planeada da carga de treino na semana prévia a final se justifica, sempre optando por reduzir o volume de treinamento e realizando a manutenção da intensidade do mesmo.

Outros aspectos de potencialização para a final

Para além da redução das cargas de treinamento a nível do volume, uma já habitual rotina nutricional individualizada (tanto na gestão do consumo dos macro e micronutrientes, como na personalização da hidratação) deverá ser adequada a esse ajuste nas rotinas de treinamento, potencializando a recuperação ativa dos atletas e permitindo que se mantenha a prontidão para a competição.

Muito importante para a planificação da semana, é um ajuste das rotinas de monitoramento da qualidade do sono dos atletas, onde é possível identificar necessidades de melhora e assim adequá-los para as necessidades impostas pela semana (viagem para um ambiente novo, ansiedade pré-competitiva). Também fazem parte dessa última semana de treinamento da temporada, um “passar de olhos” pelas habilidades psicológicas dos atletas, com um momento de avaliação, relaxamento e estabelecimento de um planejamento individualizado para a derradeira final, estimulando a autoeficácia e o foco.

De maneira geral, é inquestionável que ambas as equipes estarão no Estádio do Dragão em um momento de ápice competitivo, em que o esforço (já inegociável) não encontrará limites para a conquista do mais ambicionado troféu de clubes. Com dois treinadores experientes e altamente qualificados de cada lado e dois clubes que dispõem  das melhores estruturas e staff do mundo, podemos esperar um elevado nível de competição como já pressupõe o hino que nos convida a acompanhar a Liga dos Campeões ano após ano.

Confira abaixo um exemplo de organização semanal

Exemplo de estruturação da semana de treinos para a final. Adaptado de Owen et al (2017).

Referências

Owen AL, Lago-Peñas C, Gómez M-Á, Mendes B, Dellal A. Analysis of a training mesocycle and positional quantification in elite European soccer players. International Journal of Sports Science & Coaching. 2017;12(5):665-676. doi:10.1177/1747954117727851