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Arte, design e tecnologia – um paradoxo funcional ao desenvolvimento de talentos?

“Localização, localização, localização!”

Ilustrado como um mantra emblemático no mercado imobiliário, o aspecto da localização afeta não apenas o preço, mas também as preferências e o acesso à qualidade em torno de um imóvel, filtrando oportunidades de investimento em residências, escritórios, infraestrutura urbana e, inclusive, …ambientes esportivos.

Ciente dessa realidade, a literatura acadêmica costuma investigar alegações controversas sobre a alocação de recursos públicos para a construção de estádios e arenas esportivas, cujos subsídios provenientes do contribuinte serviriam como catalisadores ao avanço das comunidades locais, mas que não apresentam necessariamente resultado prático. Quando um espaço esportivo (individual ou multiuso) é construído ou reformado, atraindo uma frequência mais alta de torcedores, visitantes e curiosos, o que de fato acontece é reconhecido como o efeito da novidade. Uma espécie de lua-de-mel, que basicamente se refere a índices maiores de presença de público após um estádio ser inaugurado ou passar por uma reconstrução. Em outras palavras, o cenário se resume a investimentos estruturais de larga escala, seguido pelo casamento entre uma localização específica e os indivíduos nela interessados. Uma situação que pode ser meramente temporária.

Mas o que aconteceria se nos apoiássemos em intervenções mais sustentáveis, visualizando a arte, o design e a tecnologia como elementos que alavanquem o futebol sob um prisma criativo? Seria possível gerar ambientes socialmente atrativos e que estimulem o talento esportivo local?

Conheça o Projeto Backboard, que revitaliza quadras de basquete comunitário nos EUA.
No Brasil e na América Latina, os projetos da love.fútbol potencializam o âmbito social por meio de campos de futebol e quadras de futsal.

Conforme nos aproximamos de mais uma Copa do Mundo, as ruas de grande parte do território brasileiro tendem a se transformar em um colorido particular. A famosa tradição de infância, que testemunha a união entre crianças e vizinhos dar vida a pinturas que literalmente expõem suas expectativas pelo sucesso esportivo da seleção nacional. Por outro lado, ao transitarmos entre diferentes países é possível encontrar sinais artísticos espalhados pelo pavimento urbano sem a necessidade de uma competição mundial, uma vez que a integração cultural entre arte e esporte pode ser testemunhada ao longo do ano em quadras e parques públicos.

Exemplos de inspiração à prática esportiva e à integração sociocultural na Bélgica e na França.

Uma das condições mais importantes para que atletas (ou, em princípio, entusiastas e praticantes) se envolvam integralmente, participando e aprimorando seus níveis de consumo e experiência com um esporte, uma atividade física ou um exercício motor diz respeito a como eles formam e evoluem a sua atitude pela modalidade escolhida.

Para facilitar o entendimento de como um indivíduo expressa seus traços de personalidade e responde a determinada situação ou objeto (no nosso caso, uma plataforma esportiva), o Modelo FAN (Fan Attitude Network) se mostra útil na avaliação dos elementos que influenciam a identidade esportiva individual e consequentemente refletem atitudes pessoais. Apesar de ser desenhado com um foco primário em torcedores e espectadores, algumas semelhanças também podem ser extraídas para atletas ou praticantes. Isto porque, devido a importância de aspectos psicológicos, sociais e ambientais no processo de desenvolvimento, toda e qualquer plataforma que sirva de espaço para a prática esportiva pode apresentar um impacto benéfico aos indivíduos envolvidos na modalidade.

Ao oferecer uma experiência enriquecedora em torno do ambiente esportivo, seja pela qualidade do serviço ou pela solidariedade comunitária ao longo de um processo colaborativo, atletas e praticantes tendem a aprimorar seus níveis de autoestima e a formação da sua identidade esportiva. Nesse sentido, uma forte identificação aliada a uma atitude positiva ao ambiente esportivo pode desencadear práticas mais frequentes com a participação de talentos locais. Embora jogar mais vezes o futebol não se traduz automaticamente em jogar melhor o futebol, a recorrência prática pode servir como um indício a busca pela melhoria de rendimento.

E como o rendimento atlético pode ser influenciado quando ajustamos a superfície onde o jogo acontece?

Kobe Bryant liderou o projeto House of Mamba na China, replicando o poder da tecnologia no rastreamento de jogadas e no uso de gráficos e vídeos simultâneos ao jogo.

Na vanguarda da inovação tecnológica aplicada ao esporte, uma construtora de quadras (originalmente de squash) da Alemanha tem mostrado como o design e a inteligência artificial podem revolucionar as superfícies de treino e jogo, independente da modalidade, colaborando para gerar novos ângulos de apoio ao desenvolvimento de talentos com plataformas não apenas modernas, mas acima de tudo democráticas e abertas a uma participação esportiva pluralista. Experiências bem-sucedidas já foram comprovadas com a prática de futsal, handebol e badminton na Ballsport Arena em Dresden (um dos espaços pioneiros a abraçar a revolução), onde a obra atende aos requisitos técnicos e se flexibiliza adaptando as luzes do piso segundo a disposição necessária para cada esporte. Além de evitar o conflito de raciocínio entre as linhas (algo comum em quadras poliesportivas), o piso de vidro antiderrapante foi projetado para reduzir o risco de lesões e queimaduras na pele.

Design e tecnologia a favor do esporte: futsal jogado em piso de vidro com iluminação própria.

Enfim, já que vivemos em uma cultura de experiências multiplataforma, redesenhar o ambiente esportivo por meio de intervenções apoiadas pela arte, pelo design e pela tecnologia podem potencializar a identificação, a formação e o desenvolvimento de talentos locais. Seja em um espaço comunitário, um clube amador ou uma escola pública, inovações estruturadas podem desencadear benefícios, estímulos e diferenciais sustentáveis aos praticantes de uma modalidade esportiva.

Reconhecido como um fenômeno de integração sociocultural, a essência do futebol acontece em todos os ambientes recreativos do país. Justamente por isso, o pensamento crítico e criativo pode ir muito além dos campos profissionais.

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O dilema para a formação de jogadores criativos

Crédito imagem – Projeto Love.Futbol/Rio Doce/Divulgação

No FutTalks que foi ao ar ontem entrevistamos o coordenador de performance do Internacional e especialista em Ciências do Esporte Élio Carravetta. Com seus anos de experiência prática e teórica no futebol e na formação de jogadores, uma das falas de Élio chamou atenção quando o especialista mencionou a necessidade de um ambiente livre e prazeroso para que o talento possa se desenvolver e que os jogadores possam exercitar sua criatividade.

Para quem aqui á foi uma criança que amava jogar futebol vai ficar mais fácil entender. Você lembra quando o treino de terça, ou quarta, acabava e o próximo iria acontecer só no começo da semana seguinte? Lembra como era acordar no dia do treino ansioso para tentar tudo o que você havia visto seus ídolos fazerem no final de semana? Imitar a falta de Zico, os calcanhares de Sócrates, os biquinhos Romário, as arrancadas e dribles de Marta, os chutes indefensáveis de Adriano e as jogadas espetaculares de tantos outros fenômenos do futebol? Ou, se você tem filhos ou filhas, já reparou como eles acordam animados para o “dia do futebol” na semana deles?

Élio destaca que é justamente essa empolgação, ansiedade e prazer pela prática que tornam a experiência de jogar futebol rica para o desenvolvimento da criatividade de jogadores e jogadoras. Então se, por outro lado, você percebe que seus filho ou crianças que fazem parte de seu cotidiano estão cada com cada vez brilho nos olhos ao pisar na quadra, temos um problema.

Formação de jogadores nas categorias de base

Isso vale também para as categorias de base. E aí, o grande desafio é manter esse espírito nos ambientes mais competitivos já que, cada vez mais cedo eles se apresentam para milhares de meninos e meninas no Brasil. Garotos de 7, 8 anos já viajam o Brasil em busca de uma vaga nos “elencos” das equipes de formação dos maiores clubes do país, para eles, muitas vezes essa jornada já não representa uma brincadeira e sim um fardo, o fardo de salvar a si próprio e à sua família de uma realidade em que seus direitos mínimos estão constantemente sob ameaça. Nesse contexto, todo o cenário descrito por Élio tende a cair por terra.

Nem ele, nem nenhum profissional que atuam nos clubes tem o poder de mudar essa realidade, a conjuntura social do Brasil está posta e o fato de que muitos garotos, e cada vez mais garotas, enxerguem o futebol como uma tábua de salvação não se pode mudar, pelo menos não da noite para o dia.