Texto: Felipe Soares Freire e Izabella Rosa dos Santos Vaz
Nos dias de hoje muito se delibera sobre Compliance, sobretudo em aspectos ligados ao trabalho, à governança coorporativa e à conduta empresarial, dada a importância dos programas de adequação das empresas aos padrões legais do local em que se instalam.
No tocante ao mundo do futebol, Compliance e Programas de Integridade são assuntos que historicamente não eram muito discutidos pelos clubes, mas que vêm ganhando destaque nos últimos anos muito em razão da necessidade de as empresas patrocinadoras desse esporte se verem distantes de escândalos, inclusive de corrupção, que aconteciam com alguma frequência até um passado não distante.
O Compliance pode ser entendido como o princípio da governança coorporativa, o qual almeja a promoção da cultura organizacional de ética, transparência e eficiência de gestão, a fim de que todas as ações da sociedade empresária e de todos que possuem qualquer relação jurídica com a mesma estejam em conformidade com a legislação, códigos, regulamentos internos e, principalmente, seus valores.
O Compliance caracteriza-se como conjunto de ações e procedimentos preestabelecidos no âmbito corporativo, realizado de forma independente, o qual busca identificar e classificar riscos operacionais e legais, criando mecanismos internos de prevenção, gestão, controle e reação frente aos mesmos. Os programas de compliance possuem três bases, quais sejam, detectar, prevenir e remediar.
Ao ser implementado, o Compliance se torna um organismo vivo, sendo dinâmico e adaptável, objetivando sempre a melhoria contínua da empresa/clube e, por conseguinte, a conformidade com as normas, tanto internas como externas.
No âmbito do Direito Desportivo, a implementação do Compliance no futebol brasileiro é apontada como o caminho para aumentar a credibilidade e conquistar patrocinadores, o que pode oportunizar investimentos para o clube, além de proporcionar governança séria e organizada.
As principais ferramentas do Compliance são a assessoria consultiva, a implementação de auditoria, ouvidoria e canal de denúncia, realização de treinamentos e palestras, confecção de códigos de ética e conduta, regulamento do clube e a implementação de política de punições.
E ainda, pulverizar o processo decisório dentro de um clube de futebol e garantir que múltiplos órgãos de fiscalização, controle e gestão atuem concomitantemente são maneiras de elevar a confiabilidade do mercado, garantindo, inclusive, que o clube de futebol não fique submetido à arbitrariedade de apenas um indivíduo ou de um grupo de interesses.
Certamente não existe uma receita pronta para o Compliance, notadamente nos clubes de futebol, sendo necessário um estudo profundo da realidade vivenciada pela entidade esportiva, a fim de identificar os riscos particulares, suas dores, valores e outros fatores.
Vale acrescentar que, apesar de evoluir de forma lenta no Brasil (se comparado a Europa e EUA que já possuem enraizado este modelo de gestão), algumas medidas visando maior transparência e equilíbrio financeiro na gestão dos clubes de futebol vêm sendo tomadas há alguns anos, como a criação do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT) por meio da Lei 13.155/15.
Referida legislação surgiu da necessidade de os clubes brasileiros refinanciarem suas dívidas e possibilitar a reorganização administrativa e, por meio dela, o clube que aderir ao PROFUT terá a possibilidade de parcelar os débitos tributários e não tributários que tiverem em aberto junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e no Banco Central do Brasil.
Neste sentido, a adoção do Compliance se mostra um fator essencial na condução dos clubes de futebol que tenham interesse em aderir ao PROFUT a fim de permitir a boa governança corporativa no âmbito da instituição, bem como prevenir a prática de atos ímprobos.
Outra reflexão importante é no sentido que a adoção de melhores práticas de gestão e governança possibilitará ao clube de futebol promover maior participação de sua torcida na gestão dos interesses do clube, sendo certo que quanto maior a transparência maior a participação e engajamento dos torcedores.
Nesse contexto, assim como em qualquer empresa, diversas situações em um clube de futebol podem ser geridas por meio da adoção de um sistema que busca a conformidade e a “integridade” das ações organizacionais. Como exemplo, tem-se a elaboração de matriz de risco, códigos de conduta, procedimentos de auditoria e de diversos outros instrumentos que garantam que o clube tenha uma gestão transparente, ética e responsável.
Destaca-se, assim, que não há um grupo de medidas padrão para Compliance aplicável a todas as equipes tendo em vista a diferença de estrutura entre os clubes e os riscos associados. Entretanto, dentre as possíveis medidas de Compliance que os clubes de futebol podem adotar, cita-se a criação e implementação de um código de conduta interno, padrões éticos para negociação com atletas, o treinamento de funcionários sobre as regras do clube, a instituição de um canal de denúncias, pelo qual funcionários do clube possam denunciar indícios de irregularidades e realização de auditorias periódicas.
Feitas as considerações acima, certamente não podemos deixar de mencionar e analisar a figura da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), normatizada há aproximadamente 01 ano, sendo atualmente os casos mais relevantes do Cruzeiro, Vasco e Botafogo.
Não restam dúvidas que a criação das SAF’s injetou grande quantidade de dinheiro em um seguimento que já conta com grande circulação de valores financeiros. Referidas mudanças dos clubes de futebol podem conduzir a um ambiente propício à corrupção, principalmente na ausência de regras claras de Compliance e boa governança, o que justifica ainda mais a implementação do instituto analisado no presente artigo.
Assim, como mencionado acima, o Compliance é um organismo vivo, devendo o responsável ficar atento às mudanças de clima organizacional, às alterações legislativas e outros, a fim de identificar novos riscos e a pronta adequação do programa.
Concluindo, não restam dúvidas que a adoção de medidas para garantia da conformidade e integridade organizacional (compliance) influenciarão diretamente e de forma positiva para que os clubes (aqui incluindo todos os seus funcionários e prestadores de serviço) alcancem boas práticas e consequentemente uma gestão mais eficiente e responsável. É possível – e até provável – que as práticas de governança advindas do sistema de compliance gerem valor para os clubes, possibilitando um equilíbrio financeiro e, com o tempo, a redução das dívidas e o aumento das receitas.
* Texto de autoria de Felipe Soares Freire e Izabella Rosa dos Santos Vaz e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.