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Bateu na Europa e voltou: Possíveis prognósticos

Por: Marcelo Rodrigues.

Embora não queira generalizar os casos, observamos infelizmente uma formação ruim dos nossos atletas do futebol brasileiro, notadamente quando são transferidos para algum clube europeu, detalhe este que passa despercebido muitas vezes por agentes, empresários e intermediários que, muitas vezes visando apenas ao lucro, se esquecem completamente dessa necessidade de preparação total do atleta.

Na ponta do iceberg, Barcelona, Paris Saint-Germain, Bayer de Munich, Benfica, Internazionale de Milão; Messi, Mbappé, Rodrygo, Neymar e Casemiro. Estas grifes e personalidades não são a regra do futebol internacional. Se iludam com os carrões, os salários em euros pagos regiamente em dia e não se preparem adequadamente… o resultado disso será o bater e voltar no concorrido futebol europeu.

Muito nessa falha de preparação se dá com os aspectos culturais do país para o qual o atleta irá mudar. Converso regularmente com atletas e eles têm o sonho de jogar na Europa. Não foram poucas as vezes em que alguns não souberam me responder adequadamente em qual país desejavam atuar, alguns acreditando até que Europa fosse um país, não um continente. Não exerço o meu trabalho para rir ou criticar pequenos deslizes, mas auxilio no esclarecimento de algumas dificuldades que terão, notadamen no Velho Mundo.

Esmiuçando aqui alguns aspectos:

1) Idioma: felizmente os clubes de ponta do futebol brasileiro (até em consonância com a legislação vigente) adota a prática escolar como regra básica. Contudo, no estudo de línguas, é recomendável que o jovem atleta tenha aulas de reforço por fora, investindo no inglês se pretende atuar na Premier League e demais ligas europeias, no espanhol se dese- jarem atuar na La Liga etc.

2) Cultura: felizmente, esse jeito relaxado de se levar a vida e ter penca de amigos não é regra lá fora. Assim, brasileiros muito acostumados a serem mais gregários poderão ter dificuldades com a forma mais fria com a qual lidarão com companheiros de time treinado- res etc. Esqueçam por ora a turma do pagode e churrasco. Lembrem-se do sábio provérbio: “Em Roma aja como os romanos”.

3) Alimentação: esqueçam o feijão e a culinária brasileira. Muitos pratos não encontram equivalentes aqui e uma dica que dou aos atletas é se permitirem alimentar coisas diferentes, afinal, você estará em um outro país com a sua culinária típica.

4) Clima: o inverno europeu é extremo e, em muitos casos, além da sensação térmica enregelante, você terá que driblar os dias nublados e com pouca ou nenhuma incidência do Sol. Transtornos psicológicos poderão acometer espíritos pouco preparados.

Observaram como em apenas quatro tópicos elenquei dificuldades a que atletas passar no exercício de sua profissão? Desenvolvimento de mentalidade, esta é a dica! Sonha ganhar os seus vencimentos em euros, a moeda que vale cinco vezes mais? Sonhar é permitido! Mas se prepare para viver o seu sonho. Nesta mochila de sugestões minhas, encha-a disso e muito mais: persistência, abnegação, escolha, compreensão e reta razão.

Empresários, agentes e intermediários que não dão atenção a esses detalhes, visando apenas ao lucro, estão corrompendo os so- nhos destes atletas, muitos deles jovens

Some-se a isso a nossa combalida educação pública que forma o cidadão apenas para pertencer ao mercado de trabalho, com pouca formação cidadã. Afinal, num país corrup como o Brasil, educação pública de qualidade seria o inseticida que acabaria com este flagel Rodrygo e Endrick, do Real Madrid e muitos outros atletas têm recorrido ao mental coach no sentido de auxiliarem suas respectivas carreiras, somando a todo um staff de profissionais. Cito estes dois, pois são casos públicos, fazendo eu questão de ajudar forma discreta e profissional, auxiliando para que estes sonhos sejam realizado entendendo o atleta como o ser humano no seu todo e não apenas como aquele boleiro endinheirado e rodeado de puxa-sacos que estão ali apenas para serem sanguessugas deste talento nato.

Autor do artigo: Marcelo Rodrigues.

Fotos:

Vitor Roque comemora gol pelo Real Betis – (crédito: Foto: Fran Santiago/Getty Images)

1) Fotomontagem (Autoria Própria)

2) https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jp-g/2023/06 /08/675×450/ 1_melhores_brasileiros_na_euro- pa-28202567.jpg?20230608204209?20230608204209

3) https://assets.goal.com/images/v3/bltf9aa8d3750703d02/ Que_masda.jpg

4) https://asset.skoiy.com/jnrcnjwljorqgsbu/kvzo0qb681sj.jp- g?w=1852Gq=80G

Artigo originalmente escrito e cedido a Universidade do Futebol pela Revista Futebol Estudado, no seguinte endereço: https://www.revistafutebolestudado.com/

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Expected Goals (Gols Esperados) e a construção de uma equipe efetiva ofensivamente

Por: Matheus Grandim de Almeida .

Imagem1. Em PSG 0 x 1 Liverpool, Elliott marcou o único gol do jogo (Foto: REUTERS)

No espetáculo de uma partida de futebol, o momento máximo é o gol. As equipes se organizam para cumprir a lógica do jogo de futebol a todo o tempo: Marcar mais gols que o adversário com o menor número de ações possível (Leitão, 2009). Analiso o “menor número de ações possível” como número de ações ótimo, para cada jogada.

Porém, em partidas como o último PSG x Liverpool, marcado com vitória do Liverpool por 1 a 0 ficamos nos perguntando: Por que uma equipe que cria tanto não conseguiu converter?  A resposta vem com uma outra pergunta: Como foram essas chances?

Quando nos deparamos com essa questão, necessitamos compreender o conceito de efetividade no jogo de futebol. A equipe que busca sempre o número de ações ótimo para chegar ao gol, está de modo inerente visando um gasto energético coletivo ótimo para esse objetivo. Isso significa que a equipe tem como meta eliminar gastos energéticos desnecessários, alcançando maior efetividade.

Uma equipe, como sistema complexo, tem elementos, que com suas características individuais, interagem entre si e, através das interações formam uma organização específica daquele sistema, dando forma a um todo único. Se uma característica deste sistema mudar, ou se o modo como essas características se relacionam muda, o todo também irá mudar (Morin, 1997). Vamos deixar mais prático: Cada jogador tem suas características individuais, e essas características são expressas ao jogar. Ao interagir com colegas de equipe, diferentes características vão gerar um jogo específico daquela interação.

Se escalarmos no mesmo lado do campo Vinicius Junior, Rodrigo e Estevão, isso irá gerar um sistema específico desta interação. Se as interações forem buscando o ataque, teremos um sistema com dinâmicas que visam atacar o gol adversário gerando desequilíbrios específico dessa interação. Se as interações mudam e esse sistema precisa se organizar para ser mais defensivo, as dinâmicas mudam e o todo também muda.

Ainda, se fizer uma substituição e, por exemplo, trocar o Estevão pelo zagueiro Van Djik, as interações irão mudar e o todo também.

Isso nos leva à efetividade ofensiva de uma equipe, visto que a função dos treinadores e treinadoras é construir com o time, de acordo com as características individuais presentes na equipe, dinâmicas que tornem o ataque efetivo, chegando ao gol com o número de ações ótimo, com um gasto energético ótimo.

Uma métrica que nos ajuda nesse processo é o xG (Expected Goals, traduzindo como expectativa de gols). Recentemente, analisando dois recentes artigos sobre o tema construí reflexões para que isso seja treinável.

O primeiro texto analisado (Shot quality and results and football, da Soccerment) analisa as correlações das métricas de xG e a probabilidade de vitória de uma equipe.

Um exemplo bem recente, PSG 0 x 1 Liverpool do dia 05/03/2025 pela Champions League, mostra que não necessariamente um xG maior da equipe significa vitória. Veja como, apesar do grande volume de finalizações, as métricas do PSG apontam chances de baixo xG ou baixo xGOT, sendo a maior métrica obtida pela equipe francesa, a finalização de Dembelè com xG de 0.41 e xGOT de 0.43, métricas explicadas mais à frente.

Imagem 2. xG e xGOT de PSG e Liverpool pela partida da Champions do dia 05/03/2025 (SofaScore)

Após analisar que algumas equipes com xG total maior não venciam o jogo, os autores do primeiro artigo abordam que uma tendência observada está na verdade nas métricas de xG por chute e xGD (xG concedido).

(Imagem 3. Soccerment)

Equipes com xG por chute acima de 0,18 apresentam 70% de chance de vitória na partida. Porém, o adversário pode ter um alto xG por chute e essa porcentagem tende a cair, visto uma maior probabilidade do adversário em marcar.

Portanto, quanto maior a diferença entre a métrica de xG por chute das equipes, maior a chance de vitória para a equipe que obtiver maior xG por Chute.

Uma diferença de xG por chute maior que 0,05 apresentou vitória para o maior xG por chute em 71% dos casos. Já uma diferença menor que -0,05 apresentou vitória para o maior xG por chute em 10% dos casos.

Um aspecto importante é a influência do acaso. Em análise de regressão, a correlação entre xGD (xG concedido) e Xpoints (Expectativa de pontos na classificação) é maior (R2 de 0,55, respondendo 55% dos casos) que a correlação entre xG e a chance de vitória (R2 de 0,38, que responde 38% dos casos). São métricas consideráveis para o acompanhamento dessas tendências.

Baseado nisso, as equipes estão selecionando mais as finalizações, buscando finalizar cada vez mais próximas do gol, como podemos ver na imagem 3.

Um dos aspectos que analiso como influenciador dessa métrica é o grande repertório ofensivo, sustentados por conceitos robustos do ponto de vista tático, que fornece variações de infiltração e ataque a zonas vitais da área, regiões de difícil proteção, e que ocorrem a maioria dos gols, principalmente dentro do funil. Além disso, como abordado no texto, equipes que utilizam essas métricas como componentes do processo de treinamento também influenciaram esse cenário.

Mecanismos táticos como corridas de ruptura, auxiliadas por desmarques de apoio entre linhas, para gerar espaços de infiltração, dinâmicas para gerar bolas descobertas que possibilitam acionar atletas em ruptura são aspectos presentes que visam atacar zonais vitais na área, gerando e aproveitando as vantagens do jogo, como na imagem a seguir.

(Imagem 4. Soccerment)

Este gráfico mostra a importância de gerar dinâmicas de ataque ao funil, e estruturas defensivas coordenadas para defender regiões vitais (mais claras no gráfico) onde ocorrem a maior densidade de finalizações.

O xGOT é uma métrica importante neste cenário, referente às finalizações da equipe e afetando o xG por finalização final da equipe. Consiste em uma métrica que analisa apenas as finalizações que acertaram o gol e a probabilidade delas serem convertidas, fornecendo a informação sobre a eficiência técnica do atleta. Uma finalização pode ter um baixo XG, mas se executada com qualidade pode ter um xGOT alto. Assim, identifica-se também os atletas com alto nível técnico de finalização, informação importante para gerar boas situações de definição para este atleta.

Um exemplo é o gol marcado por Salah contra o Bournemouth. Esta finalização esteve como xG 0.05, ou seja, chance de gol de 5% em chances como esta, porém, nos pés de Salah o xGOT foi de 0.72, indicando que a eficiência do atleta em finalizar era altíssima, mesmo com uma chance de baixo xG.

Assim, gerar dinâmicas que deixem os atletas certos (melhores finalizadores) em zonas vitais da área e do funil é fundamental para maior efetividade da equipe. Veja as métricas desta finalização abaixo.

Imagem 5. (Estatísticas SofaScore)

De modo complementar ao primeiro texto, o segundo artigo analisado (Raheem Sterling Proves That Everything You Know About Goal-Scoring Is Wrong, escrito por Bobby Gardiner para o portal The Ringer) apresenta o caso de Sterling e sua efetividade ofensiva na temporada 18-19 da Premiere League, ilustra o conteúdo principal discutido: Potencializar as métricas xG dos atletas.

apresenta o caso de Sterling e sua efetividade ofensiva na temporada 18-19 da Premiere League, ilustra o conteúdo principal discutido: Potencializar as métricas xG dos atletas.

Para tanto, as perguntas que direcionam a resposta à essa questão são: O que é importante para uma finalização se tornar gol? O que de fato faz um atleta melhorar seu xG por finalização? Como um dos principais marcadores daquela temporada era criticado pela sua finalização?

Expected Goals (xG) é uma métrica que indica a probabilidade de gol por finalização, baseado em aspectos como localização, oposição, identidade do finalizador, técnica de finalização, tipo de passe recebido, a recepção deste passe, relação do posicionamento do goleiro e direção do chute.

O cerne do texto está nas métricas de Expected Goals e o aumento ou diminuição dessa métrica com base na qualidade das finalizações. Nesse ponto os gráficos abaixo ilustram bem esse ponto fundamental.

Imagem 6. (BobbyGardiner – Stratabet)

Imagem 7. (Bobby Gardiner – Stratabet)

Imagem 8. (Bobby Gardiner – Stratabet)

Os gráficos acima mostram o ranking de atletas por Expected Goals, e ao lado a sua margem de melhora ou piora de sua métrica com base na qualidade de suas chances. Messi, por exemplo, tem seu xG melhorado devido a suas chances terem muita qualidade. Esse aspecto se refere à sua capacidade de gerar chances qualificadas.

Aubameyang, por exemplo, já mostra piora de sua métrica de xG devido à qualidade ruim de suas chances de gol, e isso está ligado diretamente à sua capacidade de gerar chances de qualidade em suas ações.

A frequência de chances, porém, é tão importante quanto a qualidade delas. Cavani, como exemplificado pelo texto, teve alta frequência de chances, mas piora em sua métrica pela qualidade delas, porém mesmo assim fez 27 gols.

Com base nos gráficos, podemos dizer que o melhor jogador é aquele que tenha um alto xG e uma margem alta de melhora de sua métrica. Ou seja, é necessário aproveitar as chances, mas principalmente gerá-las com qualidade.

Para isso, é necessário compreender que o xG e o xGD são variáveis treináveis e devem estar presente na estruturação do treino.

De modo coletivo e setorial, desenvolver xG ocorre ao analisar as características dos jogadores e as interações dentro do sistema, sendo fundamental desenvolver dinâmicas que potencializem as interações e que geram chances com alto xG. Compreender quais dinâmicas geram chances com alto xG é importante pois a equipe passa a ser estruturada visando a efetividade ofensiva.

A mesma lógica se aplica ao xGD (xG por chance concedida), pois com base no estudo das situações geradas pelos adversários que obtiveram maiores xGD, as sessões de treino passam a ser voltadas em desenvolver o sistema defensivo para resolver problemas de modo setorial e coletivo visando anular essas situações nocivas ao sistema.

Esse conceito é fundamental para ser desenvolvido desde as categorias de base, mas é muito importante seu aprimoramento também no profissional. Os aspectos técnico-táticos individuais são de suma importância para que os atletas gerem situações qualificadas com potencial de alto xG.

Portanto, é interessante para melhora do xG por parte dos atletas, atividades em que o atleta necessite estar mapeando o espaço, gerar e atacar espaços, timing para a realização da ação, orientação corporal, resolução de problemas a um toque, repetições de diferentes situações de finalização com diferentes tipos de passes.

Abaixo, um exemplo de como isso pode ser utilizado na potencialização da equipe:

Imagem 9. (Estatísticas SofaScore)

Na imagem acima, é mostrado o mapa de todas as finalizações do Liverpool na partida contra o Bournemouth. Dentre todas as finalizações, a destacada é a que maior obteve xG, com métrica de 0.79. Além disso, mostra um alto xGOT (0.87).

Este dado mostra que esta finalização foi um pênalti e teve alta chance de gol e finalizada por um atleta com alta performance técnica de conversão. Resultado mais provável é o gol. Foi o que aconteceu. Essa finalização é um pênalti, e o retrospecto de Salah em pênaltis é positivo. Gerar situações de possibilidade de pênalti é uma vantagem para o Liverpool, porém vamos focar nossa análise em situações de bola rolando, assim como o texto enfatiza. Analisaremos a segunda finalização com maior xG, um cabeceio de Luis Dias.

Imagem 10. (Estatísticas SofaScore)

Esta finalização teve o maior xG dentre todas as situações geradas de bola rolando (0.50), e xGOT de 0.40. Ou seja, tinha uma alta probabilidade de gol, e uma execução com média probabilidade de conversão.

Nesse ponto, vemos que pode ser uma dinâmica em potencial, mas se um atleta com melhor aproveitamento dessa oportunidade estivesse nessa posição atacando a bola, a probabilidade de conversão poderia ser melhor.

Vamos a algumas situações práticas ilustradas.

Na partida entre Newcastle e Leicester, a finalização de bola rolando com maior XG foi a de Isaac, com métrica de 0.60 e xGOT 0.99. Alto xG, alto xGOT. Vamos analisar como essa jogada foi desenvolvida e como o Newcastle pode ter essa dinâmica gerada com maior frequência.

A jogada foi um cabeceio, que originou de uma transição ofensiva com ataque veloz pelo lado esquerdo de Gordon e Hall, com Joelinton livre no meio como armador.

Imagem 11. (Estatísticas SofaScore)

Imagem 11. A dinâmica criada inicia com o Newcastle com jogo apoiado com 4 jogadores do lado direito, atraindo a pressão de 5 jogadores no Leicester para este setor. No lado oposto, a equipe do Newcastle tem vantagem numérica de 4 x 2 com Joelinton livre no meio para a retirada. A inversão rápida e apoiada é fundamental para atacar o lado oposto em vantagem

Imagem 12. Bola no lado oposto, Tonali ataca o espaço entre o lateral e o zagueiro do Leicester, fixando o lateral adversário e dando tempo e espaço para Gordon esperar a ultrapassagem de Hall.

Imagem 13. Gordon conduz para dentro, atraindo a pressão de dois marcadores, liberando espaço para Hall ultrapassar e cruzar com liberdade.

Imagem 14. Isaac no funil, ataca o “espaço da dúvida” (espaço onde há milésimos de segundo de indefinição entre zagueiros e goleiro, vital para finalização. Gol de Isaac fechando o placar.

Imagem 15. Gol de Isaac

O aspecto importante para o desenvolvimento da equipe é treinar para que essa dinâmica possa ser gerada com mais frequência nas partidas, pois gera alto XG devido aos espaços para progressão e ataque à bola que surgem da dinâmica, além de espaço de força pela esquerda, com dois jogadores de espaço de força interagindo entre si (Gordon e Hall) com Joelinton livre por dentro.

O interessante é levar isso para o treino, atividades que trabalhem as situações em que a equipe conseguiu maior xG para tornar-se um padrão do sistema. Porém, para isso é fundamental que se analise quais características se relacionaram em cada momento da jogada, desde a construção, a criação e a finalização, como progrediu em cada fase do campo e como finalizou.

Os seres humanos que jogam são protagonistas do espetáculo, entender suas características individuais, o modo como interagem dentro do sistema é fundamental para que padrões sejam desenvolvidos, ou descobertos, pois dinâmicas não treinadas também podem surgir das interações. Vai da sabedoria dos treinadores e treinadoras identificarem essas dinâmicas para que passem a ser padrões no sistema.

Isso é efetividade ofensiva, é a estatística sendo muito mais que um número, não esquecendo que quem joga são seres humanos.

Referências:

LEITÃO, Rodrigo Aparecido Azevedo et al. O jogo de futebol: investigação de sua estrutura, de seus modelos e da inteligência de jogo, do ponto de vista da complexidade. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas, 2009.

MORIN, E. O método 1. A natureza da natureza. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1997.

Artigo 1. Shot quality and results in football – Soccerment

Artigo 2. theringer.com/2018/1/12/16879916/soccer-raheem-sterling-manchester-city-goal-scoring-expected-finishing-skill

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A “miniaturização” do adulto no futebol

Por: Rafael Castellani e João Batista Freire

Em nosso texto anterior, “Mais uma vez explicando sobre a especialização precoce no futebol”, afirmamos, trazendo para a discussão a questão da moral presente nesse contexto, que não é o futebol que se adapta à criança, como defendemos, mas sim o contrário. Se tomamos inicialmente como exemplo a moral para argumentar contra a especialização esportiva precoce, tomaremos como referência, agora, o desenvolvimento cognitivo nesse período de vida, sobretudo durante a primeira infância (até os 6 anos).

            Durante a primeira infância, as crianças aprendem na convivência com os adultos, com outras crianças e com objetos. E elas o fazem ao seu modo. Nas escolas de educação infantil recebem orientação de professoras e professores, porém, em ambientes de bastante liberdade. Fora da escola aprendem, e muito, sem que haja profissionais indicando o que e como aprender.

O ritmo de aprendizagem das crianças na primeira infância surpreende os adultos. Seu sistema nervoso é extremamente plástico. É preciso lembrar, no entanto, que tal aprendizagem dá-se por convivência, na maior parte das vezes, sem orientações especializadas de adultos, e de um modo que permite à criança aprender do seu jeito e apenas por necessidade e interesse. Esse processo de desenvolvimento foi muito bem descrito por Piaget e por Vygotsky, o primeiro bastante focado na individualidade da criança e no sujeito universal, e o segundo nas interações sociais.

Os argumentos de Piaget e Vygotsky a respeito do desenvolvimento infantil, considerando, acima de tudo, as interações das crianças com o mundo, deitam por terra todas as formas de relações que não causam interesse a elas. No caso da aprendizagem do futebol, por qual motivo crianças se interessariam por driblar cones ou outros objetos imóveis?

As crianças, apesar das diferenças entre elas, têm um jeito particular de ser e aprender. No período que Piaget nomeou de pré-operatório, por exemplo, as crianças, até seis anos da idade, mais ou menos, resolvem seus problemas por passes de mágica, ou seja, sua maneira de pensar, referenciada em fantasias, é extremamente centrada nelas mesmas. Crianças, nesse período de vida, não conseguem, ainda, colocar-se no ponto de vista do outro, portanto, resolvem suas questões com base unicamente em seu ponto de vista, utilizando-se fartamente de suas fantasias. As regras coletivas, geralmente impostas a elas quando aprendem futebol, constituem um grande mistério para elas. Seguem-nas por obediência e não por compreensão. Se as crianças dessa faixa etária pensam e agem diferente dos adultos (e até mesmo de crianças mais velhas), por quais motivos muitos professores e donos de escolas de futebol acham que a melhor forma de lhes ensinar futebol é tratando-as como adultas, ou miniaturas de adultos, reproduzindo os métodos e exercícios realizados pelos adultos profissionais?

Para as crianças, especialmente aquelas que vivem a primeira infância, o futebol é um jogo de faz-de-conta. Seguir a lógica dos exercícios e jogos utilizados com adolescentes e adultos é uma agressão ao seu modo de sentir, pensar e se relacionar.

O que há por trás, portanto, da insistência em submeter crianças às rotinas de exercícios que replicam a lógica da exercitação de adultos, algo que é feito, geralmente, com a anuência da família? Por qual motivo o ensino do futebol, nesse período de vida das crianças, não considera o ponto de vista dessas crianças e suas características e necessidades, mas unicamente o interesse dos adultos?

Certamente porque esses adultos vislumbram em cada uma dessas crianças um atleta profissional e, se assumirem posto de destaque (somente cerca de 3% dos jogadores profissionais ganham mais de 5 salários-mínimos), ganharão, além da fama, rendimentos financeiros expressivos. É o futuro profissional e o lucro, mais que os cuidados com a criança, que definem a metodologia de ensino dessas crianças. Trata-se, acima de tudo, de integrar a criança ao modo de exploração de um capitalismo predatório que não tem freios ou ética, e pouco se importa com o bem viver de crianças, adolescentes ou adultos. A criança, precocemente vítima desse modo de exploração, é reduzida a matéria prima a ser jogada na máquina de revelar talentos/joias e fazer dinheiro.

Mais adiante, noutro artigo, discorreremos sobre as crianças da segunda infância, a partir dos sete anos, aproximadamente. Neste, manteremos o foco na primeira infância, inclusive porque temos notícias de que crianças de cinco e seis anos de idade estão sendo observadas e tratadas como futuros craques de futebol e, cada vez mais, estão na mira da cobiça de famílias e agentes do futebol profissional. Como não há justiça que caracterize atos como esses de criminosos, tecemos nossos argumentos para evidenciar que não há como justificar a especialização precoce. Toda a ciência atual argumentaria em contrário.

Criança brinca e a humanidade, mesmo que a maioria das pessoas não saiba disso, precisa que ela brinque. Especializar precocemente uma criança no esporte é evitar que ela brinque e se divirta e passe a realizar as rotinas de trabalho de um adulto. Treinar crianças em rotinas de exercícios exaustivas e nada divertidas é submetê-las a trabalhos e o trabalho precoce é proibido por lei, embora a lei não puna quem faz isso no esporte.

Vamos ao argumento de que ela precisa brincar. O ser humano, do ponto de vista biológico, e por seus recursos naturais, é frágil. Deixado à própria sorte na natureza, sem recursos tecnológicos, não sobreviveria. Ele precisou inventar recursos artificiais para sobreviver. E como fez isso? Fez isso utilizando-se de sua imaginação. Não há nada que mais precise de fertilização que nossa imaginação. No início, ela é apenas um potencial. Desenvolver-se-á mais ou menos a depender das experiências de imaginar que os humanos possam viver.

E o que é imaginar? Imaginar é esse fenômeno quase exclusivo dos seres humanos de ser capaz de ver, ouvir, tocar, degustar e cheirar para dentro, isto é, viver dentro de nós qualquer experiência vivida por nós. É uma espécie de vida elevada à segunda potência; assim como alguns animais ruminam seu alimento, os humanos “ruminam”, na imaginação, suas experiências. Podemos, por exemplo, ver algo fora de nós, fechar os olhos e ver essa coisa dentro de nós. Com a vantagem que, dentro de nós, ela pode ser modificada ao sabor de nossa imaginação. Nada existe mais poderoso no ser humano que a imaginação. Foi graças a ela que um dos ramos de hominídeos, o sapiens sapiens, sobreviveu. E o período mais propício para fertilizar a imaginação é a infância. Quanto mais a criança puder viver experiências de imaginar, isto é, de fantasiar, de fazer-de-conta, melhor. E a melhor forma de fazer isso é brincando. Por isso brincar é algo compulsivo na criança. É assustador perceber que até hoje a sociedade humana não reconhece isso e, por incrível que pareça, ainda entende a brincadeira como algo de pouco, ou nenhum, valor.

Se o que nos torna humanos é a imaginação, quando retiramos da criança seu direito ao brincar, estamos matando a humanidade. E esse direito é retirado quando a submetemos intensamente a rotinas de exercícios, tal como as realizam os jogadores profissionais. A criança, por exemplo, brinca de jogar bola imaginando ao seu modo. Muitos de nós brincávamos de bola querendo ser Pelé, Garrincha, Messi, Ronaldinho Gaúcho, dentre outros. A bola é, para a criança, o brinquedo por excelência, capaz de transportá-la para um mundo extraordinário de fantasias. Ao Impedir que ela viva o jogo de bola dessa maneira, transformando-a em miniatura de adulto, estamos prejudicando, não só a criança, mas, no âmbito do futebol, nos afastando cada vez mais do “jeito brasileiro de jogar bola”.