Por: João Batista Freire
Quando acabou meu futebol de menino, acabaram também minhas esperanças de me tornar profissional de futebol. Tive que trabalhar e o esporte possível era o de finais de semana. Insisti com o Atletismo, até que fui trabalhar com formação de jovens para esse esporte. Anos depois voltei ao futebol de várzea nos finais de semana. Meu time era de veteranos, gente com mais de 40 anos. Gente que só esperava o apito final para correr ao bar mais próximo, arrodear uma mesa e enfeitá-la com garrafas de cerveja. E aí começava o terceiro tempo, nosso melhor jogo, o tempo da falação. Aí a gente crescia enquanto voltávamos a ser meninos. Se o placar fosse adverso, e isso era frequente, nós o invertíamos com os argumentos da injustiça, das bolas na trave, do juiz comprado, dos gols perdidos, do domínio da bola, da pancadaria do adversário, do sol muito quente, do estado do gramado (que nem sempre existia), da diferença de idade.
Ríamos de nós mesmos, ríamos das mentiras deslavadas, das narrativas distorcidas. Os goleiros praticavam defesas naquela mesa de cervejas nunca vistas nos melhores clássicos do Maracanã. E a coisa crescia, as proezas germinavam ao sabor do líquido frio que massageava a garganta seca. “Viu como deixei o lateral esquerdo naquela descida? Deu até pena.” O campo de futebol é o único local em que se sobe ou se desce no plano. E tome de contar histórias, e tome de inventar um outro jogo, um jogo que nunca aconteceu antes de sentarmos naquela mesa, um jogo maravilhoso que nos transformava em heróis de nós mesmos, heróis sem troféus, sem medalhas, sem glórias e sem remuneração. Algo que escapa à maioria das pessoas é que o futebol não se resume aos 90 minutos de 22 jogadores perseguindo a meta adversária. O futebol transcende as quatro linhas e prossegue nas mesas de bares, nos debates pelo rádio e TV, nos intervalos do trabalho, no interior das famílias. Todo jogo de futebol tem muito mais que 90 minutos.
Aquela mesa de bar enfeitada por garrafas de cervejas era sagrada. Quantas vezes não chegamos atrasados à missa de domingo, ao almoço com a família, à bilheteria do cinema, para não faltar ao compromisso de nosso tão querido terceiro tempo, o tempo que nos tornava possíveis. Fazer o quê, éramos apenas meninos grandes, meninos inocentes que cresceram, mas não deixaram de ser meninos. Por vezes, em volta daquela mesa, fomos o melhor de nós mesmos.
Foto: Bruno Doro/UOL Esporte