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O universo – em expansão – das transmissões esportivas

Onde vai passar o jogo? A pergunta tantas vezes feita por torcedores e interessados em esportes ganhou uma nova e inusitada resposta no último dia 31 de março. A partida entre Ceará e CSA, pela Copa do Nordeste, teve transmissão ao vivo pelo TikTok, rede social para compartilhamento de vídeos que se tornou febre entre adolescentes e jovens com conteúdos virais. 

A mesma Copa do Nordeste já havia rompido mais cedo no mês de março a fronteira da Twitch, plataforma mundial de streaming, muito popular entre gamers, com transmissões capitaneadas por streamers torcedores dos clubes envolvidos, com o objetivo de ser uma transmissão mais descontraída, de torcedor para torcedor, seguindo o modelo já enraizado no rádio de São Paulo pela Energia 97.

São capítulos mais recentes de uma expansão que não vê limites. Onde for possível hospedar uma transmissão esportiva, lá elas estarão. Desde que a tecnologia dos serviços de internet passou a permitir o acompanhamento de streamings ao vivo sem interrupção, o consumo de eventos esportivos online tem crescido exponencialmente. Um fenômeno recente.

No último dia 13 de março, a oferta para o telespectador (se é que ainda podemos nomear assim) brasileiro era de 65 eventos – contando apenas esportes profissionais em plataformas oficiais, conforme listagem do Esportes na TV, um perfil de Instagram que publica diariamente uma tabela com todas as transmissões esportivas do dia e onde elas podem ser assistidas. A relação, puxada por campeonatos estaduais e europeus, contemplava modalidades variadas como ciclismo, handebol, rugby, golfe, UFC, automobilismo e vela, distribuídos por mais de vinte canais diferentes, entre televisão aberta, canais a cabo, serviços de pay per view, portais de internet, redes sociais e plataformas dedicadas a conteúdo ao vivo.

Voltando apenas sete anos no calendário, a oferta de transmissões esportivas no Brasil era restrita a canais abertos e fechados de televisão, detentores de direitos dos principais eventos do Brasil e do mundo. Estamos tratando de grupos gigantes como Globo, Band, Record, ESPN, Fox Sports e TV Esporte Interativo (hoje TNT Sports), que gastavam milhões com aquisições ou formavam parcerias com federações locais para transmissões de futsal, vôlei, basquete. Campeonatos menores ou de base raramente tinham espaço.

Independência online

A barreira foi derrubada em 2015, quando o Google comprou com exclusividade os direitos de transmissão da Copa do Rey para veicular pelo YouTube, cobrando uma assinatura que no Brasil custava R$9,90 mensais. 

Dois anos depois, Atlético-PR e Coritiba romperam com a Globo e liberaram a decisão do paranaense apenas para Facebook e YouTube. “Como assim? Só dá pra ver esse jogo pela internet?”. O que causou estranheza na época acabou se tornando normalidade.

Atentos, grandes grupos expandiram atividades para além do meio tradicional. A Globo, pioneira com o Premiere, passou a disponibilizar conteúdos online com o Premiere Play e realizar transmissões ao vivo exclusivamente por internet no Globoesporte.com. É possível assistir praticamente qualquer transmissão da ESPN pelo ESPN Watch, além de competições exclusivas que não estão na grade de TV. A TNT Sports, no rebranding que abandonou a marca Esporte Interativo, abraçou o EI Plus e rebatizou como Estádio TNT. Na Libertadores, o SBT retransmite o sinal da tv pelo site e permite a todas as praças terem outra opção de jogo além daquele que está sem transmitido pela TV quando existem duas partidas simultâneas.

As transmissões pela internet vieram declarar independência para modalidades e categorias. Hoje é possível acompanhar ao vivo uma partida do campeonato paulista sub-15 pelo canal próprio da Federação Paulista de Futebol, por exemplo. Mas não é apenas uma oportunidade para eventos “lado B”. O campeonato alemão tem partidas transmitidas exclusivamente pelo OneFootball, via aplicativo ou navegador.

A partida entre Bayern de Munique e Paris Saint-Germain na última quarta-feira pelas quartas-de-final da Liga dos Campeões só estava disponível para o público brasileiro pelo Facebook e alcançou mais de 2,5 milhões de usuários simultâneos. Fora do horário nobre, numa tarde de quarta-feira.

E a pluralidade dos meios de transmissão não se restringe ao terreno online. Na noite da mesma quarta-feira, os palmeirenses só puderam assistir a Palmeiras x Defensa y Justicia, primeiro jogo da Recopa Sul-Americana, pela Conmebol TV, canal criado pela confederação sul-americana há menos de um ano para dar vazão aos jogos da entidade que não tivessem os direitos de televisão negociados.

O que isso significa? Independência e maior poder de negociação para as entidades, o fim de qualquer monopólio dos canais de televisão, mais opções para o público e, principalmente, um mercado mais aquecido para os profissionais. Cada novo canal, cada novo evento, cada nova transmissão é uma nova porta para narradores, comentaristas, produtores, profissionais do audiovisual de maneira geral.

Nos casos supracitados do Facebook e da Conmebol TV, por exemplo, não significa necessariamente que tivemos abertura de novas produções. Quem opera as transmissões da Champions League no Facebook é o próprio TNT Sports, que detém os direitos para televisão. No caso de Libertadores, Sul-Americana e Recopa, foram contratados os serviços do grupo Bandeirantes. Mas é fato que estes canais puderam empregar, manter empregados ou contratar como freelancers profissionais que estariam parados.

Ou seja, temos novos players no mercado de transmissões esportivas. 

E não se trata apenas de grandes grupos internacionais que entraram no jogo, como YouTube ou Facebook, ou de canais próprios criados pelas confederações, como a FPF TV, a Conmebol TV ou o recente Cariocão TV, que contratou conhecidos jornalistas recém-saídos do Fox Sports e outros canais para a transmissão do estadual do Rio de Janeiro. Algumas plataformas surgiram com finalidade exclusiva de levar eventos esportivos ao telespectador. 

É o caso, por exemplo da pioneira MyCujoo, que nasceu em Portugal e cresceu na Holanda, está no Brasil desde 2017 e tem parceria atual com a CBF para distribuição de vários torneios. Na mesma esteira, temos a TVN Sports, que além de contratos com a federação catarinense e a Liga de Basquete Feminino, ainda opera o Canal Olímpico do COB e é responsável pela transmissão de todos os jogos do Brasileirão para o exterior.

Até mesmo o ecossistema que orbita as transmissões tem se modificado. Foi assim que surgiu, por exemplo a LiveMode, uma agência que dá apoio a clubes e federações tanto na comercialização de direitos de transmissão como no próprio desenvolvimento de formatos. A agência é a atual responsável por todo o planejamento da Copa do Nordeste, inclusive pelas inovações que trouxemos no início do texto com as transmissões da “Lampions” invadindo o Tik Tok e a Twitch.

Não há no momento limites para as inovações no que se refere às transmissões esportiva, o mercado agradece.

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Sobre as superioridades numéricas como marcadores de semelhança

Crédito imagem – Site oficial Atlético/MG

Uma das tendências do comportamento humano, talvez de um ponto de vista histórico, reside numa vontade irresistível de ruptura – particularmente de ruptura com o passado. O fato de sermos capazes de racionalizar as coisas, portanto de darmos sentido ao que nos acontece, faz com que determinadas ideias e determinados atos nos pareçam muito razoáveis durante um certo período, mas depois não mais, e então rompemos. O futebol, enquanto atividade humana e enquanto parte do mundo da vida, não é diferente. Basta ver a quantidade de discursos e de práticas que buscam, de tudo quanto é jeito, romper com o passado e alinhar-se apenas e tão somente com uma certa ideia de futuro. Sobre isso, Pense num motorista que dirige sem os retrovisores e me diga se tende a ser uma boa ideia ou não.

Mas há rupturas e rupturas. Dentro da Pedagogia do Esporte – área fundamental na minha formação – houve uma ruptura particularmente interessante na teoria e na prática do treino, mais especificamente na teoria e na prática do treino dos jogos esportivos coletivos. Se, por muito tempo, cristalizou-se o ensino e a aprendizagem das modalidades coletivas a partir das suas diferenças (portanto, a partir daquilo que as separava), depois de um determinado momento – e talvez uma linha de corte importante seja a obra do pedagogo francês Claude Bayer – passou-se a considerar o ensino e a aprendizagem das modalidades coletivas a partir das suas semelhanças. Ou seja, podemos perfeitamente pensá-las a partir do que as une.

Segundo o próprio Bayer, há pelo menos duas categorias de saberes a partir dos quais podemos unir os jogos esportivos coletivos. Em primeiro lugar, os jogos coletivos têm, pelo menos, seis invariantes – bola, alvos, companheiros, adversários, regras e um espaço previamente definido. Ao mesmo tempo, os jogos coletivos também estão ligados pelos chamados princípios operacionais, que se subdividem em dois grupos: os princípios operacionais de ataque (manutenção da posse, progressão ao alvo e finalização) e os de defesa (recuperação da posse, evitar a progressão, impedir a finalização). Repare que a partir de um pensamento dos jogos coletivos pelas semelhanças, ao invés das diferenças, fica muito mais fácil imaginarmos o ensino e a aprendizagem do futebol não na condição de ilha, fechada em si mesma, mas na condição de algo muito mais próximo de um arquipélago, um arquipélago dos jogos esportivos coletivos, em cujas ilhas há sim certas especificidades, mas que guardam entre si enormes possibilidades de diálogo. É por isso que podemos não apenas retirar informações absolutamente valiosas das modalidades vizinhas, a partir desse fio que as une, como também podemos avançar numa prática pedagógica outra – que defende, por exemplo, uma iniciação esportiva diversificada, ao invés dos muito conhecidos processos de especialização precoce.

A partir daquela mesma ruptura – um entendimento das semelhanças mais do que das diferenças – há uma outra variável que aparentemente une os jogos coletivos, especificamente os jogos de invasão. Além dos princípios operacionais, de que falávamos acima, faz muito sentido pensarmos nos chamados princípios gerais, nomenclatura conferida pelo professor Carlos Queiroz (Para uma teoria do ensino/treino do futebol, 1983). A partir deles, sabemos que há uma necessidade absolutamente importante de buscar as superioridades numéricas, evitar as igualdades numéricas e negar as inferioridades numéricas. Embora seja um trabalho pensado para o futebol, o raciocínio é perfeitamente válido para qualquer modalidade coletiva de invasão: basta pensarmos, por exemplo, nas dinâmicas de do basquete ou do handebol, modalidades nas quais a transição ataque/defesa depende fortemente de uma completa recomposição dos espaços defensivos vitais, geralmente atrás da linha da bola, próximos ao alvo. No futsal, cuja característica também é fortemente transicional, as recomposições são igualmente rápidas, mas o fato de ser jogado com os pés, ao invés das mãos (além do fato de não haver restrições para eventuais ataques passivos, como há no basquete e no handebol) permite que as inclinações ao perde/pressiona no campo de defesa do adversário sejam bem maiores. No futebol de campo, embora se trate de uma área de jogo muito elevada (mesmo se considerarmos apenas o espaço efetivo de jogo), as tendências ao perde/pressiona também estão cristalizadas, não apenas pelo sucesso de várias das equipes que as praticam, mas também porque nos foi ficando clara a indivisibilidade das fases do jogo: defesa, ataque e transições dialogam entre si, de um modo que a estruturação do espaço numa das fases está diretamente relacionada ao que acontece na outra – portanto, a qualidade da transição defensiva depende da qualidade da fase ofensiva e etc. Em todos os casos, independentemente da modalidade e mesmo da fase do jogo, há uma certa atração pelas superioridades numéricas. E repare que, assim, seguimos uma linha de pensamento que parte das semelhanças: a busca por superioridades numéricas talvez não seja exclusiva do jogo de futebol, nem mesmo de determinadas formas de se pensar o jogo de futebol. A busca pelas superioridades numéricas, independentemente das fases do jogo, é uma tendência significativa dos jogos coletivos de invasão. Por isso, a busca pelas superioridades não é, necessariamente, um marcador de separação – é um marcador de união.

O que de fato marcam separação são os meios a partir dos quais nós criamos as superioridades. Os triângulos ofensivos do Phil Jackson, por exemplo, eram dependentes de uma assimetria na estruturação do espaço: via de regra, uma das duas zonas mortas não era ocupada por ninguém na base da jogada. No futebol, nós não temos exatamente a noção de zona morta do basquete, mas temos setores de maior importância contextual – no caso, o setor da bola. Quando pensamos numa equipe como o recente São Paulo do Fernando Diniz, pensamos num tipo de jogo em que a criação de superioridades passava mais pela ida dos jogadores até à bola do que o contrário. Em determinados setores do campo, particularmente nos corredores laterais do segundo terço, podia ser realmente problemático marcar o São Paulo, porque nenhuma equipe se dispunha, de fato, a disputar superioridade numérica no setor da bola. Se estavam, por exemplo, Juanfran, Gabriel Sara, Igor Gomes, Daniel Alves e Luciano próximos da bola, é muito mais prudente apostar na redução dos espaços no setor da bola (especialmente nos corredores laterais, pela própria restrição espacial do campo), mas mantendo o equilíbrio defensivo, do que por exemplo induzir um dos laterais a acompanhar o ponta até o outro lado do campo. Neste caso, reparem bem, não ter superioridade numérica no setor da bola pode tanto ser um cálculo (que se tenta compensar por uma variável posicional ou qualitativa, por exemplo) quanto pode, inclusive, ser futuramente benéfico, porque a chance de congestionar dois espaços ao mesmo tempo é mínima, de modo que se há muita gente atacando de um lado e a defesa recupera a posse, é esperado que haja espaços importantes do outro lado, em transição.    

Era um projeto ofensivo diferente de uma equipe como o Atlético Mineiro, de Jorge Sampaoli. Ali, era muito mais nítido que a criação de superioridades acontecia por mecanismos a partir dos quais a bola ia mais até aos jogadores do que os jogadores iam até à bola. É bem verdade que havia elos mais livres: por exemplo, Eduardo Sasha me parece um jogador do agrado do Sampaoli porque sabe muito bem baixar alguns metros quando a bola está no segundo terço, especialmente no corredor central, atraindo a marcação de um dos zagueiros (para libertar um espaço às costas) ou então buscando recebê-la no espaço entre as linhas do adversário, potencialmente encontrando um terceiro homem e etc. Mas o ponto é que, naquele Atlético, era quase que impensável que um Keno ou um Savarino atravessassem o campo até o lado oposto, porque os mecanismos de criação de superioridades passavam pelo uso do campo em amplitude máxima no campo de ataque, particularmente via pontas. Neste sentido, inclusive, as igualdades numéricas não eram de todo ruins: ou ter um jogador como o Keno em situações de 1v1 não era interessante? Vejam bem, ambas as equipes tinhas formas de criação superioridades numéricas, mas isso não significa que Fernando Diniz fazia um jogo de posição ou que Sampaoli fazia algo como um jogo de mobilidade. Esses são os marcadores de diferença, de que falava acima. 

Por isso, é interessante pensarmos muito atentamente na diferença entre superioridades e vantagens. É possível que uma determinada equipe tenha superioridade numérica no setor da bola, mas isso não significa que ela terá, necessariamente, vantagens naquela jogada. Da mesma forma como o gesto técnico, de um ponto de vista meramente biomecânico, não dá conta da complexidade da técnica (afinal, o ponto da técnica não é a perfeição do gesto, mas a resolução do problema do jogo), a superioridade numérica, em si, pode perfeitamente ressecar. Por isso faz todo o sentido considerar as variáveis posicionais, qualitativas, cinéticas, sócio-afetivas – quaisquer outros nomes que quisermos inventar. Os marcadores de diferença não estão nas fotos, mas no filme do jogo: a qualidade das relações, das interações e das retroações de uma equipe é que marca as suas singularidades na comparação com as outras.

O que nos leva a crer, se puxarmos o fio, que se as superioridades numéricas podem ser mais ponto de partida do que de chegada, e se elas florescem na medida em que se relacionam com as outras variáveis, dentro do contexto do jogo, pode ser perfeitamente possível que a indução às igualdades e mesmo às inferioridades numéricas sejam aceitáveis. Mais do que isso, podem ser as rupturas de um futuro próximo, em que se avizinham cada vez mais empecilhos na criação e dos espaços e na fruição das dinâmicas ofensivas. E sim, podemos tirar vantagem disso.

Mas, sobre este tema, conversamos em breve.

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Ídolos no comando técnico. Funciona?

Crédito imagem: Redes sociais/Juventus

Na esteira da excelente medida da CBF em restringir o número de trocas de treinador nesta edição do Campeonato Brasileiro, trago um tema que sempre me intrigou: porque grandes clubes investem em ex-jogadores consagrados, mas sem (ou pouca) experiência de comando para dirigir suas equipes principais?

É importante ressaltar que esse é um fenômeno mundial. E que até se aplica a seleções. Vamos lembrar de Dunga no comando do Brasil? Os critérios são os mesmos, ou bem parecidos, para falarmos de Rogério Ceni no São Paulo, Gallardo no River Plate, Pirlo na Juventus, Zidane no Real Madrid e até de Guardiola no Barcelona, dentre inúmeros outros.

Uma similaridade em praticamente todos os casos é o início: para um ex-jogador vitorioso virar treinador é necessário um cenário de crise e turbulência onde ele está assumindo. Quando as vitórias cessam, a pressão aumenta e o ambiente não é favorável, nada melhor do que recorrer a alguém conhecido, um rosto familiar, um nome que já construiu algo.

Dirigentes usam, de maneira intencional ou inconsciente, o conhecimento que esse profissional já tem da cultura. Mesmo no Brasil, onde há um grande viés político, os clubes mantêm uma estrutura e um modus operandi no dia a dia que independentemente de quem se elege para ocupar as cadeiras mais importantes pouco muda . E de fato conhecer essa organização, a maneira particular de a torcida se comportar e até mesmo nutrir um amor pelo clube, pode fazer com que esse ‘novo treinador’ tenha elementos para triunfar que outros profissionais ou não tem ou demorariam muito tempo para obter.

O fator torcida, mesmo em tempos pandêmicos sem público nos estádios, também conta muito. É natural uma paciência maior em casos de quem já tem uma história. Talvez o número “mágico” três – em caso de três derrotas consecutivas uma demissão – não se aplique a esses “treinadores-ídolos”. E o próprio respeito do grupo de jogadores no vestiário por esse capital simbólico do comandante pode ser diferente.

Quem se propõe a analisar o futebol com o viés da complexidade tem que entender que o jogo propriamente dito é só uma parte do todo – para mim, ainda e sempre, a mais importante. Mas não podemos tirar o contexto e o ambiente de qualquer olhar para o que acontece no futebol. É justo? Nem sempre…mas é a realidade.

*As opiniões de nossos parceiros não correspondem, necessariamente, à visão da Universidade do Futebol

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Para quando chegar a hora – a volta dos torcedores aos estádios

No início do mês de março, a federação carioca de futebol e os clubes se reuniram para discutir da volta dos torcedores aos estádios. Felizmente, a iniciativa não foi aprovada. O número de mortos deste então só aumenta, e o retorno do público para as arquibancadas poderia deixar a situação ainda pior. No entanto, o assunto tem sido levantado em outros países do mundo, seja em tom de esperança por estádios cheios ou de cautela. Esta coluna surge a partir disso para analisar o que clubes, federações e demais entidades precisarão considerar no momento de receber seus torcedores novamente.

É importante ressaltar que este não se trata de um texto fazendo campanha pelo público nos estádios, longe disso. O que busco aqui é debater os desafios que a indústria terá no retorno dos torcedores, enfrentando alguns destes de maneira inédita, em consequência de algumas mudanças no comportamento destes fãs.

O primeiro desafio é em relação à saúde. Por mais que a retomada aconteça com grande parte da população vacinada, alguns comportamentos adquiridos na pandemia irão permanecer na rotina de todos. Dentre estes, está o uso de novas formas de pagamento ou de acesso, que deixem as pessoas menos expostas a qualquer tipo de vírus. O dinheiro de papel, além dos ingressos físicos, deve estar com os dias contados, favorecendo a utilização de meios digitais que evitem ou diminuam ao máximo o contato. Trago aqui três exemplos de novos meios que ganharam força nos últimos meses:

Pagamentos pelo app: esse é o meio mais simples e já era utilizado anteriormente em diversos serviços, com o cliente realizando todo processo pelo aplicativo e apenas retirando o pedido na loja ou local onde o produto é feito.

Tecnologia de aproximação: o meio que ganhou mais força na pandemia. Segundo pesquisa do Itaú, divulgada em fevereiro de 2021, a quantidade de pagamentos realizados por aproximação, com soluções conhecidas pela sigla NFC (Near Field Communication), cresceu 326% em 2020. Esta forma de pagamento era vista em grandes festivais como o Rock in Rio, mas deve ser aprimorada para o retorno do público.

Reconhecimento facial: uma tecnologia mais avançada, mas que vem sendo testada em diversos países. A grande dificuldade seria em momentos de grande movimentação, onde um sistema novo poderia causar demora para entrar no estádio.

Outro aspecto que deverá ser observado está relacionado com as experiências para o torcedor no dia da partida. Essa tendência já era observada antes da pandemia, mas ganha importância uma vez que o público tem se acostumado com os pontos positivos que assistir ao jogo em casa traz: conforto, segurança e custos reduzidos. Por isso, as entidades esportivas terão que entregar experiências memoráveis ao fã, que o convença a voltar na semana seguinte.

Existem alguns pontos que, reunidos, podem favorecer a montagem destas ações que ficarão na memória dos torcedores. Pensando no cenário brasileiro, o mais importante a ser trabalhado é a conexão de internet nos estádios, permitindo que alguns hábitos adquiridos em casa possam ser mantidos diretamente do palco do jogo. Segundo o relatório The Future of the Sports Fan, 3 em cada 4 torcedores postam em suas redes sociais enquanto estão vendo a partida. Além disso, 75% destes costumam olhar o replay das jogadas mesmo estando presente na arquibancada. Como fazer isso sem uma boa conexão?

A maioria das iniciativas anteriores devem ser executadas pelos clubes. No entanto, cabe a CBF decidir quando será permitido que torcedores ocupem as arquibancadas em partidas de seus campeonatos, e em que quantidade. Para isso, a confederação brasileira possui uma vantagem que não deve ser comemorada. Por estarem em melhores situações sanitárias, muitos países devem abrir seus estádios ao público antes do Brasil. Aqui será possível entender as melhores práticas adotadas em outros cenários e aplicá-las a nossa realidade.

Para citar outros grandes centros, a UEFA já pensa em receber torcedores durante a Eurocopa, marcada para iniciar dia 11 de junho. As ligas nacionais mais otimistas são da Espanha e Itália, onde se fala em abrir as arquibancadas, ainda que para um público reduzido, no final desta temporada. Já a Alemanha adota um discurso mais cauteloso, visando ter público nos estádios apenas na próxima temporada, no final do mês de julho.

Como foi visto ao longo do texto, a tecnologia terá papel fundamental no retorno do público aos estádios. Enquanto esse momento não chega, clubes devem aproveitar para estudar as ferramentas necessárias para garantir segurança e experiências memoráveis aos fãs, que aguardam ansiosamente sua hora de voltar para as arquibancadas.

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Sobre o modelo de jogo como um organismo vivo

Crédito imagem: Paul Hazlewood/Brighton&Hove Albion

Foi neste mesmo espaço, por algumas vezes, que conversamos sobre o quão importante pode ser olhar para as estruturas táticas de uma equipe (ou sistemas, ou qualquer outro nome) não como fundamentos rígidos e imóveis, mas como organismos abertos, fluidos – cuja existência acontece pelo movimento, e não apesar dele. Se você preferir, considere os sistemas como princípios – referências iniciais a partir das quais ocupamos o espaço, seja de forma individual, grupal ou coletiva. Desse modo, as estruturas não são exatamente um fim.   

As estruturas táticas de uma equipe não são exatamente um fim por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, porque o papel das estruturas no acabamento de uma equipe (aqui, vamos entender acabamento como sinônimo de desempenho) é razoavelmente limitado, não porque o 4-3-3 ou o 4-4-2 não tenham valor, mas porque o seu valor não está neles mesmos, está na qualidade das relações que se faz dentro deles. Por isso, aliás, as estruturas também não podem ser vistas como fins porque servem, necessariamente, a um senhor anterior a elas – o modelo de jogo. É bem verdade que mesmo o modelo de jogo pode não ser exatamente um fim (porque o próprio modelo, por sua vez, serve a um senhor ainda maior, que é o próprio jogo), mas não deixa de ser importante considerá-lo como uma dimensão superior, a partir da qual vários de nós, se não todos e todas, pensamos nossas formas de jogar. O ponto é que, no caso do modelo de jogo, ainda que isso não seja dito de maneira explícita, parece que existe uma certa tendência para se pensar na contra-mão, quando o comparamos com aquela fluidez das estruturas, de que falávamos no começo: não são poucas as sugestões de que o modelo de jogo seria, na verdade, uma entidade meio etérea – portanto abstrata, reduzida ao campo das ideias – como também que o modelo de jogo seria uma entidade meio que rígida, fechada, inegociável e que, depois de definida, deve apenas ser o que é.

No primeiro caso, do modelo enquanto uma entidade etérea, me permitam fazer uma analogia: faz algum tempo que penso nas semelhanças desse nosso conceito de modelo de jogo, talvez não apenas no futebol mas também nas outras modalidades coletivas de invasão, com o conceito de areté dos gregos. A areté nada mais era do que um certo ideal de excelência, uma espécie de meta de perfeição moral a partir da qual se organizava a paideia, a educação do sujeito. Para citar dois exemplos rápidos, Homero e Hesíodo, poetas clássicos do entorno do século X a.C.: no primeiro caso, o ideal de excelência estava no belo e no bom (ou seja, numa junção de estética e ética); no segundo caso, o ideal era bem diferente, boa reputação e posses moderadas. Mas reparem numa característica, em especial, que é a que me faz lembrar da nossa noção de modelo de jogo: nos dois casos, ainda que nas entrelinhas, nunca se faz referência ao que se é. Pelo contrário, sendo um ideal, é uma referência ao que gostaríamos que fosse – logo, tanto a areté quanto o modelo de jogo seriam meio que bússolas a partir das quais norteamos as nossas ações.

Não deixa de ser uma comparação interessante porque o modelo de jogo também tem uma conotação pedagógica muito forte: seja de um ponto de vista agudo – porque de fato é preciso educar-se (literalmente ou não) para se jogar num certo modelo – ou de um ponto de vista crônico (pensando nos clubes cuja formação acontece a partir do modelo de jogo da equipe principal) o modelo de jogo não modela apenas um certo tipo de performance coletiva, mas modela o tipo de regras de ação que, como diz o próprio termo, rege as decisões de cada jogador dentro daquele sistema (aqui, diga-se, indico a entrevista do ótimo Gonzalo Villar, da Roma, publicada outro dia no El Pais). O ponto é que, assim como sabiam os gregos, a arte do jogo não se resume ao controle nem aos ideais deliberados, mas depende fortemente do que eles chamavam de tykhe – que os romanos chamariam de fortuna, e que nada mais é do que o acaso ao qual todos nós estamos submetidos. Coincidentemente, é um dos fundamentos de todos os bons estudos sobre o jogo, que geralmente aparece sob o nome de imprevisibilidade.

É por isso que proponho, desde o título, que o modelo de jogo seja pensado como um organismo vivo. Se os modelos, as aretés, ou qualquer outro ideal de excelência fossem apenas fechados, rígidos e imóveis, basicamente eles seriam uma negação do ambiente onde se criam – e, se fosse assim, seriam uma negação deles mesmos. Esse é outro motivo porque o modelo de jogo, como dizíamos ali em cima, não existe em si: ele depende não apenas da relação que faz com o ambiente, mas da nossa capacidade de interpretar, de dar sentido às respostas que o ambiente nos dá sobre o modelo que idealizamos. Se estivermos em sintonia com os movimentos do jogo (que acabam sendo, de alguma forma, os movimentos da vida que se vive), não há como não pensarmos no modelo de jogo como um organismo vivo, em constante mutação, sensível ao meio (seja esse ‘meio’ um certo tipo de interações em ou mais setores do campo, uma ou mais lesões ao longo da temporada, um determinado mecanismo de ataque, defesa ou transições que se mostra potencialmente interessante com o tempo, ainda que não o tivéssemos planejado e etc), e que portanto é constantemente adaptável, só pode existir, na sua plenitude, se estiver em aberto. Isso não significa, em hipótese alguma, que o modelo de jogo seja uma coisa anárquica que vai sendo amassada de um dia para o outro. Significa, na verdade, que o modelo sim ser negociável, especialmente nos seus pormenores, nos seus princípios micro, de acordo com as respostas que o ambiente (tykhe) nos dá. E isso, para além da razão, exige sensibilidade.

A mesma sensibilidade com a qual gostaria que vocês pensassem na seguinte provocação: será que o modelo de jogo de fato se resume ao ideal de excelência que procuramos ou será que o modelo, de um ponto de vista do jogo, pode ser menos o ideal que gostaríamos de alcançar e mais o real que nossas equipes já demonstram no treino e jogo? Será que o modelo, ao invés de ser o que gostaríamos que fosse, não é o que as nossas equipes já são, nas virtudes e nos vícios, independentemente das ideias de excelência?

Sobre isso, continuamos em breve.

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A próxima vitória está no novo

Crédito imagem: César Greco/Palmeiras

Um dos clichês que mais ficou arraigado no nosso futebol é “em time que está ganhando não se mexe”. Nada mais simplista e não correspondente com a realidade, em se tratando de algo tão complexo e imprevisível como o jogo de futebol.

O conceito de desconforto é pouco explorado em muitas equipes de alto rendimento. Se em vários aspectos de nossa vida sabemos e até aplicamos de maneira intencional uma saída da ‘zona de conforto’ ainda há barreiras para essa ideia no esporte. Isso porque em casos de vitórias, seja de títulos ou até mesmo de alguns jogos, se cria internamente a ideia do ‘já está bom’. A ideia do ‘basta repetir que os mesmos resultados virão’. Ledo engano…

O ambiente e nossas interações com ele mudam a todo momento. No jogo, em que impera o caos, já que uma simples ação desencadeia uma serie de outras totalmente imprevisíveis, isso é ainda mais evidente. E se tudo é novo e nenhuma jogada é igual, já que há inúmeras relações possíveis entre o jogador, a bola, o adversário, o espaço e o tempo, como cravar que “em time que está ganhando não se mexe”?

Dentro de um viés de complexidade, não falo aqui de escalação. Falo de ideias, criar novas situações com e sem a bola, desenvolver diferentes relações entre os jogadores…até porque tudo o que é repetido se torna fácil de ser anulado pelo oponente.

Essa pode ser a chave para muitos times que não entendem porque as vitórias não estão mais vindo, já que nada mudou. Justamente porque nada mudou, as vitórias do passado não foram transportadas para o presente.

*As opiniões de nossos parceiros não correspondem, necessariamente, à visão da Universidade do Futebol

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As crias do Palmeiras não brotaram do nada

Crédito imagem: Thais Magalhães/CBF

Quando o Palmeiras conquista essa Copa do Brasil 2020, com 2 a 0 no segundo jogo da final contra o Grêmio, um simbolismo muito grande acontece: esses gols são marcados por dois jovens jogadores formados no clube: Gabriel Menino e Wesley. Poderia ter sido Patrick de Paula, Danilo, Gabriel Veron, o zagueiro Renan, enfim, quero falar de processos, de ideias e não de pessoas. Um paradigma está sendo quebrado na história do clube. O Palmeiras já teve inúmeros títulos importantes, eras vitoriosas, mas nunca com uma consistência tão grande na formação. Se no passado recente falávamos de parcerias com a Parmalat e até mesmo com a Traffic, hoje falamos de um processo nas categorias de base que dá retorno dentro de campo e que muito em breve trará retorno financeiro, com vendas robustas. Grandes contratações já deram títulos. Mas esse rompimento histórico, de pouco revelar, trará frutos ainda mais consistentes.

Já falei inúmeras vezes aqui nesse mesmo espaço sobre a gestão profissional que hoje impera no Verdão. Um marco para isso foi a construção do estádio, que trouxe não só modernidade estrutural, mas também diretiva e de recursos humanos. Hoje nada se negocia no Palmeiras sem passar por alguém especializado. A política ainda existe já que trata-se de uma associação. Mas a profissionalização está consolidada em tudo que fica direta ou indiretamente ligado ao futebol. Méritos, claro, sempre de Paulo Nobre que foi o presidente que rompeu com o ultrapassado modelo antigo, mas também para o atual presidente Maurício Galiotti, que apesar de ser mais flexível do que Nobre, manteve a essência dessa gestão profissional.

Mas voltando para dentro das quatro linhas, o bom técnico português Abel Ferreira encontrou talento puro nos jovens jogadores palmeirenses. E isso não é obra do acaso. Não foi à toa, ou como muitos dizem, não brotaram talentos na Academia de Futebol por sorte ou destino. Isso é fruto de captação qualificada, de metodologia eficaz, de pessoas preparadas para formar melhores homens que serão melhores jogadores. O Palmeiras nunca  teve tradição em revelar porque nunca colocou energia, recursos, paciência e pessoas competentes nessa área. A lei da causa e efeito é irrefutável. Só se vai colher o que for plantado.

O futebol está longe de ser uma ciência exata, mas há caminhos e decisões que aumentam as probabilidades de sucesso. Não pense você que essa fase vencedora do Verdão é inesperada. No médio prazo vai vencer quem trabalha melhor. E o Palmeiras não está desde 2015 chegando sempre por uma simples coincidência. 

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O Flamengo manteve a escrita

Mais um Campeonato Brasileiro chegou ao fim. Esse foi bem atípico, em um ano atípico, no meio dessa triste pandemia, mas com uma semelhança desde que esse formato foi implementado no Brasil, em 2003: nenhum clube de fora da região Sudeste conseguiu ficar com o troféu. Apenas Flamengo e Fluminense do Rio de Janeiro, Cruzeiro de Minas Gerais e os quatro grandes de São Paulo – Palmeiras, Corinthians, Santos e São Paulo – foram campeões neste período que já vai completar duas décadas.

O futebol é complexo e prefiro sempre o viés sistêmico para fazer qualquer tipo de análise. Tanto para situações de dentro das quatro linhas como também para o que acontece fora de campo. Nunca é apenas um fator que explica um fenômeno essencialmente humano como é o jogo. E de bate pronto, o que mais me chama a atenção é o desgaste físico que as distâncias que um país continental carrega. Vamos pegar esse campeonato 2020 vencido em 2021 pelo Flamengo. Quais as distâncias percorridas pela equipe carioca em comparação, por exemplo, com o vice-campeão Internacional?! O Flamengo tem três adversários da mesma cidade e cinco paulistas que uma rápida ponte aérea basta. E o Inter, que só tem o Grêmio como vizinho?! Será que o tempo perdido em aeroporto e com viagens não traz um desgaste maior, decisivo e que influencia no alto rendimento?! Se estamos tratando de alto nível, em que detalhes são preponderantes no resultado final, pode estar neste fator uma das “facilidades” de quem está no eixo SP-RJ-MG. 

Porém há um fato irrefutável que traz mais um elemento para essa análise: Vasco da Gama e Botafogo tiveram exatamente as mesmas distâncias percorridas pelo Flamengo e foram rebaixados. O que explica? Simples: gestão! Seus jogadores podem estar descansados, viajando pouco, mas se a estrutura geral não for boa não vai adiantar nada. E uma gestão profissional e eficaz não envolve apenas dinheiro. Envolve organização, ideias, coesão, etc. 

Os pontos corridos deram um calendário definido e organizado para quem está nas duas primeiras divisões. Mas trouxe também uma centralização geográfica jamais vista por aqui, tirando as surpresas e revelações de times considerados ‘azarões’. E há também uma divisão muito clara em quem sabe empregar de maneira inteligente os recursos que tem. Investir em logística, fisiologia, ciências do esporte e outras coisas que não aparecem tanto pro torcedor podem dar mais resultado do que aquela contratação cara e bombástica que vai dar um efeito, muitas vezes, apenas inicial. E essa nova realidade deixa também escancarado que só uma camisa pesada e uma tradição passada não garantem nem o sucesso e nem a sobrevivência no presente.

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São Paulo – Só processo resolve a crise!

Crédito imagem – Rubens Chiri/São Paulo

Um clube grande que enfrenta um jejum de títulos tem que lidar com pressões internas e externas diferentes e mais difíceis do que quem está vencendo sempre. No Palmeiras, no Corinthians e no Santos há pressão. Sempre vai ter. Mas no São Paulo é diferente. E uma pressão mais perigosa e difícil de lidar.

Nos últimos dez anos o real protagonismo do futebol paulista não teve três cores. Dentre os quatro grandes clubes, três ganharam a Libertadores. Menos o São Paulo. E o passado ajuda a entender o presente e a prever o futuro. Na ânsia de voltar a vencer se busca o resultado a qualquer custo. É um pouco daquilo do ‘os fins justificam os meios’. Isso se traduz em contratações caras, mudanças constantes de treinador e o natural endividamento do clube. O São Paulo já trouxe jogadores consagrados, já apostou na base, contratou técnicos com as mais diversas ideias e conceitos de jogo e nada adiantou. 

Já reiterei que vale muito uma reflexão interna, a respeito de processos e condução dos departamentos. O São Paulo deixou de ser a potência econômica que já foi, gerando menos receitas do que poderia com patrocínio, marketing, sócio-torcedor e estádio. Soma-se a isso o viés político ardiloso que permeia as alamedas do Morumbi. Gerando para quem trabalha no dia a dia do futebol profissional um ambiente não propício a vitórias.

Não há projeto de futebol no São Paulo. Nada é planejado para a criação de uma cultura vencedora. Se pensa apenas no próximo jogo. O técnico argentino Hernan Crespo tem que estar muito bem informado sobre todos esses aspectos. As demissões de Diego Aguirre em 2018 e de Fernando Diniz nesse Brasileirão 2020 mostram como não há tempo para aguardar o amadurecimento natural de um time vencedor. Lembra que citei no começo do texto a pressão que o jejum traz? O São Paulo hoje perde para ele mesmo. Não sei as promessas que foram feitas a Crespo. Mas o ambiente atual tende ao mesmo fracasso de anos anteriores.

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Diferença entre visão sistêmica e pensamento complexo no futebol

Crédito imagem – Rodrigo Coca/Agência Corinthians

“O que não se regenera, se degenera” – Edgar Morin, sociólogo francês

Todos nós que acompanhamos o futebol sabemos que se trata de uma poderosa manifestação esportiva e lúdica com fortes repercussões e impactos socioeconômicas e que faz parte da cultura da grande maioria dos países do mundo contemporâneo.

Portanto, devido à sua relevância, acreditamos que vale a pena refletirmos sobre como esta modalidade esportiva pode ser entendida e, assim, termos estratégias para estimulá-la e continuar contribuindo para alimentar o interesse daqueles que a praticam, a apreciam ou estão inseridos nesta atividade de lazer e entretenimento com fins profissionais ou econômicos.

Em um texto anterior havíamos destacado que para se entender o futebol em suas diferentes dimensões, é preciso procurar entender toda a sua complexidade. E que para entender essa complexidade pode ser muito útil fazer uso da visão sistêmica e do pensamento complexo, uma vez que a tradicional visão cartesiana, mecanicista, linear e fragmentada de vermos as coisas – ainda muito prevalente entre nós – já não dá mais conta de se buscar as soluções que procuramos para a evolução não só do futebol, mas da própria sociedade, de forma mais ampla. Mas como aplicarmos esta visão sistêmica e esse pensamento complexo no futebol? 

Antes de entrarmos nos detalhes mais aplicados ao esporte, vamos procurar explicitar os significados originais destes conceitos.

Existem atualmente várias abordagens tentando explicar termos como “visão sistêmica”, “visão holística”, “pensamento complexo”, entre outros, que podem nos ajudar a entender a complexidade do futebol e de nossa realidade. Pesquisando a respeito das origens destes conceitos, vamos notar que eles não são consensuais. Dependendo da área onde são aplicados, assumem significados, de certa forma, distintos. Notamos, por exemplo, que os termos “pensamento sistêmico” e “pensamento complexo” são muitas vezes tomados como sinônimos pelo senso comum. 

Para atender aos objetivos desta reflexão e pensando no universo do futebol, vamos considerar que o pensamento sistêmico pode ser interpretado como a nossa capacidade em identificar as ligações de fatos particulares dentro de um determinado sistema; sendo que o sistema pode ser visto como um conjunto de elementos conectados entre si, formando uma totalidade a qual produz algum efeito ou realiza alguma função. É importante também saber que quanto maior o número de elementos do sistema, maior será o número de suas interações e, por isso, maior a sua complexidade. 

Portanto, podemos considerar o pensamento sistêmico como aquele que procura entender um determinado sistema como um todo, considerando todas as interconexões entre seus elementos; enquanto o pensamento complexo é aquele que igualmente procura entender o sistema, porém considerando também os outros sistemas que o cercam; ou seja, os micros e macrossistemas. Neste sentido, o pensamento complexo é, assim considerando, mais amplo que o pensamento sistêmico.

Uma peculiaridade dos pensamentos sistêmico e complexo é que eles têm como uma de suas referências básicas, não a simplicidade, a objetividade, a estabilidade e a previsibilidade, como adota a visão tradicional (cartesiana), mas sim a subjetividade e a intersubjetividade, a instabilidade e a imprevisibilidade, enquanto características da nossa realidade natural, humana e social; essenciais para a compreensão e exercício de nossa humanidade.

Saindo dos conceitos para entrarmos no terreno de suas aplicações, podemos concluir que nesta perspectiva uma equipe de futebol, por exemplo, deve ser considerada um sistema típico. Conforme define Jöel de Rosnay (doutor em ciências do movimento), “uma equipe de futebol é um sistema complexo formado por elementos que interagem entre si e que têm como propósito, combinar a bola entre os jogadores para conseguirem marcar gols e ganhar a partida”.  

Para entender este “sistema-equipe de futebol” convém que façamos uso do pensamento sistêmico, sem deixar de incluir em sua visão os seus macrossistemas (equipe adversária, clube, torcedor, imprensa, agentes, comunidade, país etc.) e os seus microssistemas (jogadores da equipe, atleta, corpo humano, aparelhos orgânicos, tecidos, células etc.). Note que para entender a complexidade do jogo, precisamos entender o “sistema-equipe de futebol” (pensamento sistêmico), como também todos os sistemas que, de certa forma, interagem com ele e os influencia (pensamento complexo).

Outro exemplo pode ser representado pelo “sistema-jogo de futebol”, cujos elementos básicos são as próprias interações que ocorrem entre as duas equipes em uma partida, com todas as suas interconexões de ações e reações, sinergias e oposições, estratégias e contra estratégias, equilíbrios, desequilíbrios e emergências, sendo que todas essas situações são carregadas de subjetividades, intersubjetividades, instabilidades e imprevisibilidades. 

Por tudo isso que procuramos sintetizar neste pequeno estudo reflexivo, queremos sugerir e concluir que o futebol, seja ele representado por uma equipe, por um jogo ou por um evento, terá muitas limitações de interpretação se continuarmos a insistir em manter uma visão que entende o todo apenas por meio do entendimento de suas partes, e ainda sendo tratadas de forma autônoma ou isolada. Quer como praticante, torcedor, profissional do futebol ou, em última instância, como cidadão, precisamos ter uma consciência – a mais clara possível – sobre onde estamos, o que sentimos, o que fazemos, que momento histórico vivemos, como chegamos até aqui e para onde queremos ou podemos ir com nossos desejos, propósitos ou objetivos. E para ter esta consciência crítica, utilizar o pensamento complexo tentando entender o futebol, o mundo e a nós mesmos, nos parece uma excelente opção.