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A cultura engole a estratégia

Os jogadores serão sempre os atores principais nesse espetáculo chamado futebol. Eles tomam decisões em micro segundos. Eles abrem mão de prazeres momentâneos em nome de uma forma física cada vez mais exigente e necessária para a alta performance. Eles, profissionais e assalariados, comemoram quando marcam um gol – você abraça seus colegas de empresa quando faz algo bem feito? Pois é…

Porém, cada vez mais esses atletas são dependentes de outras pessoas. O sucesso de uma equipe dentro de campo é fruto, é produto, de tudo o que acontece em seu entorno. Massagistas, roupeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, enfim, cada célula do clube tem sua parcela de responsabilidade no resultado final. E diante disso será cada vez mais raro um clube “bagunçado” conquistar troféus.

No mundo corporativo usa-se muito o termo  ‘cultura organizacional’. Com tristeza, constato que não dá pra importar em cem por cento essa ideia para o futebol. Isso porque, principalmente aqui no Brasil, os clubes são estritamente políticos. Entretanto, quando há uma cultura, embalada por uma mentalidade, focada em vitória, em sucesso e em soluções, o trabalho dos jogadores dentro das quatro linhas fica facilitado.

E estou citando muito os atletas, mas tudo isso vale também para os treinadores. No caótico futebol brasileiro, o técnico de sucesso muitas vezes não é o que tem mais conhecimentos táticos e metodológicos. E sim aquele que entende mais rapidamente essa ‘cultura’ e sabe tirar o melhor da estrutura já existente. Um entendimento global do contexto e a habilidade em fazer todos caminharem para o mesmo lado pode dar um resultado mais rápido e eficaz do que grandes mudanças táticas.

O torcedor sempre tem seu olhar voltado para as quatro linhas, e é inegável que o mais apaixonante é o que acontece no campo. Mas para cobrar resultados vale uma visão mais global e sistêmica. Insisto que o jogador é a peça mais importante. Mas ele está inserido em uma engrenagem maior. Tem muita gente trabalhando para que um chute seja convertido em gol. Então, quando a bola entra o mérito não é só daquele protagonista. Para o inverso, quando a bola sai, o demérito também não de apemas uma pessoa. Por uma visão mais coletiva…podem jogar só onze. Mas tem muita gente envolvida nesse esporte tão incrível… 

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O descumprimento das regras desportivas em tempos de pandemia

Em tempos de pandemia, as lives e encontros virtuais tornaram-se cada vez mais comuns. O intuito é facilitar a aproximação das pessoas, em virtude do necessário isolamento social vivido durante a COVID-19, e a tecnologia tornou-se uma grande aliada para diminuir o impacto neste período.

Lado outro, o futebol, esporte mais popular do mundo, vem com um certo atraso em relação aos demais esportes, apesar de fazer uso há algum tempo da tecnologia para melhorar a performance de seus atletas. Cito como exemplo a efetivação do setor de análise de desempenho; o uso de GPS pelos atletas durante os treinamentos e jogos; bem como a otimização do departamento de fisiologia dos clubes, para que possam extrair o melhor de cada atleta.

Porém, o tema ora abordado, e que está dando o que falar nas últimas semanas, é que a tecnologia, que vem inclusive para ajudar a melhorar o desempenho dos atletas, pode estar sendo usada para infringir regras e descumprir os regulamentos, podendo, inclusive, virar caso a ser analisado nos tribunais desportivos.

Casos recentes demonstram que técnicos de futebol suspensos em razão de medidas disciplinares supostamente trocam mensagens e ligações com membros da comissão técnica que ficam no banco de reservas gerindo a atuação dos atletas em campo.

O assunto que dominou o noticiário na última semana foi a presença do treinador do Atlético Mineiro, Jorge Sampaoli, nas tribunas do Estádio Mineirão, durante duelo contra o Flamengo pela 20ª rodada do Campeonato Brasileiro.

A Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça (STJD), após analisar as imagens do jogo, pode oferecer denúncia contra o treinador argentino pela presença deste no estádio do Mineirão. O mesmo não poderia estar presente em virtude de estar suspenso por receber, pela segunda vez no Campeonato Brasileiro, seu terceiro cartão amarelo.

Outro fato relevante que instigou a procuradoria são as inúmeras imagens da transmissão de TV que mostram, tanto o treinador, quanto outro membro da comissão técnica no banco de reservas, utilizando seus respectivos smartphones durante toda a partida.

O procurador-geral do STJD, Ronaldo Botelho Piacente, em entrevista ao Jornal Super FC[1] de Belo Horizonte, afirmou que o Tribunal poderia solicitar a quebra do sigilo telefônico de Sampaoli, para tentar descobrir se os diversos telefonemas que o Treinador Atleticano deu foram no intuito de instruir o time, mesmo estando suspenso, o que configuraria ato ilícito, passível de punição pelo descumprimento da suspensão imposta.

Antes da esfera esportiva do assunto, cumpre informar que a Constituição Federal, afirma categoricamente e de forma expressa em seu artigo 5º, que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Dessa forma, seguindo o que está exposto no caput do Artigo 5º da Constituição, o mesmo artigo traz em seu inciso X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Assim, fazendo um breve paralelo da constituição com o exemplo do técnico argentino, podemos afirmar que a suposta quebra de sigilo telefônico do treinador violaria a intimidade, além de confrontar o inciso X do Art. 5º da Constituição Federal. Isto não poderá ocorrer, pois em nosso ordenamento jurídico a quebra de sigilo telefônico apenas ocorrerá para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, por decisão judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer.

Portanto, resta totalmente descabida e sem amparo jurídico, no entender deste colunista, eventual quebra do sigilo telefônico do técnico Jorge Sampaoli. Ademais, caso o treinador estivesse de fato utilizando-se do seu aparelho telefônico para interferir no jogo e enviar instruções ao seus comandados, o tribunal desportivo possui alternativas para cumprir de forma efetiva a punição imposta ao treinador.

E ainda, em razão da Pandemia, cada delegação pode ter apenas 42 pessoas por jogo, contando dirigentes, atletas, staff, dentre outros.

Complementando, a diretriz técnica elaborada pela CBF[1], demonstra categoricamente em seu Capítulo 4 – PRÉ JOGO[2], que o credenciamento das equipes deverá ser solicitado em até três dias úteis, vejamos:


Desta forma, retomando o caso do técnico Jorge Sampaoli, resta evidente a falha no controle de acesso da CBF, bem como no cumprimento da punição ao treinador do clube mineiro. Se há necessidade de credenciamento prévio, a CBF, no momento de habilitação da delegação atleticana, deveria ter analisado a condição do treinador mineiro, e se sua entrada no estádio era permitida como membro da delegação.

Portanto, o presente artigo possui o objetivo de trazer as seguintes reflexões: o STJD não detém competência para requerer a quebra do sigilo telefônico em exemplos como os citados acima, em razão da inviolabilidade da intimidade do treinador, pois, em nosso ordenamento jurídico, a quebra de sigilo telefônico apenas ocorrerá para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, por decisão judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei [1]estabelecer.

Resta cristalino, ainda, que o futebol vem buscando a utilização da tecnologia para o desenvolvimento do esporte, e que a sua utilização de forma correta trará inúmeros benefícios aos atletas; ao público, que verá um futebol de melhor qualidade.

Por fim, a Confederação Brasileira de Futebol, em que pese ter realizado regulamentação para o retorno das competições sob sua responsabilidade, ainda falha no controle de entrada de acesso dos membros que não poderão estar no estádio, seja pela punição imposta, seja por superar o número de 42 pessoas por delegação dos clubes.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol


[1] https://www.otempo.com.br/superfc/atletico/galo-x-flamengo-stjd-pode-pedir-quebra-de-sigilo-telefonico-de-sampaoli-1.2411360

[1] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202007/20200724204440_467.pdf

[1] LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996.

[2] Capítulo 4, Pg.23, alínea “d”

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Novos campeonatos para atrair o torcedor

O projeto de criação de uma liga europeia, que nas últimas semanas tomou os noticiários esportivos não é uma ideia nova. Desta vez, as possíveis mudanças na Premier League, tiveram como destaque o movimento de Liverpool e Manchester United. Pelo lados dos grandes clubes europeus, o surgimento de novas competições ou alterações nos campeonatos atuais tem como justificativas, a expansão de suas marcas pelo mundo e disputas de poder que vão além das instituições. Mas não é só isso. Estas mudanças em estruturas atuais podem ser fundamentais para continuar atraindo a atenção dos torcedores no futuro do esporte. Este texto surge para tratar desta necessidade, observando as iniciativas pelo mundo e como o Brasil se encaixa nisso tudo.

Há algum tempo o futebol faz parte da indústria do entretenimento, como já abordamos aqui. É sob essa perspectiva que vamos analisar a maneira como o esporte é entendido. Dentro do mercado do entretenimento, o jogo ganhou fortes concorrentes, principalmente pela atenção de um público mais novo, como as plataformas de streaming Netflix e Amazon Prime, além dos eSports. Surgiram fenômenos como a segunda e terceira tela, cada vez mais consolidados no mercado, quando o espectador divide a atenção entre a televisão e seu telefone, notebook e outros dispositivos. A partir disso, clubes e federações começaram a perceber que precisam modificar seus produtos. Jogos com pouco relevância e emoção tendem a distanciar o público do futebol.

Uma das soluções analisadas por quem comanda o esporte é a mudança de estruturas atuais, mais especificamente no que se refere ao formato dos torneios. A UEFA Nations League foi a primeira iniciativa a ser feita nesta direção. O torneio da federação europeia foi criado para substituir os amistosos que ocorriam nas datas FIFA. As poucas partidas na fase inicial, bem como os playoffs decisivos que deram o título para Portugal na primeira edição, conseguiram melhorar o nível de competição em relação aos sonolentos amistosos. A FIFA deve seguir pelo mesmo caminho em relação ao Mundial de Clubes. O formato com apenas os campeões de cada continente não possuía emoção alguma, graças a distância técnica crescente entre os clubes europeus e o restante do mundo. A fala de Gianni Infantino, presidente da entidade, mostra porque a nova estrutura deve atrair facilmente a atenção dos fãs: “O novo torneio será uma competição que toda pessoa … qualquer um que ama futebol, está ansioso por ver. É a primeira Copa do Mundo real e verdadeira onde os melhores clubes competirão. Ela contará com 24 equipes e será realizada entre junho e julho de 2021”.

Dois dos maiores clubes da Premier League em faturamento, Manchester United e Liverpool, também perceberam que os formatos atuais trazem desvantagens na disputa pela atenção dos fãs. A partir disso, a dupla vem trabalhando a cerca de três anos em um projeto chamado de Project Big Picture. A iniciativa daria maior poder de decisão para as grandes equipes da Premier League, permitindo que mudanças que os favorecessem fossem postas em prática. No plano inicial, divulgado no início de outubro, a única novidade em relação aos torneios seria a alteração no número de equipes que disputam a primeira divisão da Inglaterra, passando de 20 para 18. Seriam menos jogos contra equipes de menor alcance nacional e internacional, abrindo possibilidade para novas competições entre os principais clubes do planeta.

A iniciativa mais relevante neste sentido irá envolver instituições de todo o continente europeu. Trata-se da Superliga Europeia, competição que reuniria as melhores equipes de Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália. Contando com 16 ou 18 participantes, haveria uma fase inicial com todos jogando contra todos em ida e volta, além de um playoff em sede única para decidir o título. A primeira edição do torneio tem previsão para 2022, e conta com o banco JP Morgan como um possível investidor, com a quantia inicial de investimentos de US$6 bilhões. A especulação sobre esta liga dividiu opiniões das grandes confederações. Enquanto a FIFA parece apoiar tal iniciativa, a UEFA acredita que um torneio neste modelo serviria apenas para aumentar a desigualdade na distribuição de renda do futebol mundial.

Um aspecto em comum entre as novas estruturas é a utilização do formato de mata-mata em momentos decisivos do torneio. As decisões têm maior facilidade para atrair a atenção das pessoas, já que aquela pode ser a última partida do seu time ou jogador preferido. Pode ser também o dia em que o craque terá uma atuação que ficará guardada na memória dos fãs por anos. É um formato que favorece a criação de experiências memoráveis, uma necessidade dos torcedores da nova geração e algo difícil de existir em um campeonato que seu time jogará 38 jogos. Um exemplo recente disso foi o sucesso que a UEFA teve no mini torneio organizado em Lisboa para terminar a Champions League de 2019/20 após a paralisação pelo novo coronavírus. O brasileiro Neymar também soube rentabilizar a torneio, transformando sua chegada no estádio em um momento aguardado por todos nas redes sociais.

Tratando sobre aspectos de mídia, a Rede Globo já notou que partidas eliminatórias garantem uma audiência melhor. Considerando números de 2019, até mesmo os estaduais conseguiram gerar uma boa audiência em jogos eliminatórios, tendência que não foi vista em partidas que valem três pontos na classificação. Além disso, os patrocinadores ganham mais visibilidade e poder de atuação se o evento atrair a atenção dos torcedores com maior facilidade. Se os fãs pararem de assistir aos jogos por falta de emoção, as marcas começarão a retirar seu dinheiro e haverá um grande problema por aqui.

Todas estas considerações deveriam servir de recado para o futebol brasileiro em relação aos campeonatos estaduais e suas fases iniciais intermináveis. Seguimos ano após ano com três meses de calendário ocupados por torneios de pouca relevância. Quem vai se interessar por um Flamengo x Bangu, em fevereiro, pela fase de grupos do primeiro turno do campeonato carioca?

Cabe ressaltar que essas mudanças precisam abranger não apenas os grandes clubes da indústria do futebol. Os clubes considerados menores também devem entender as modificações da indústria e pesquisar alternativas para atrair seu torcedor daqui para frente. Criar rivalidades locais e buscar cada vez mais uma integração com sua comunidade podem ser algumas das soluções. O mundo do futebol está se transformando e aqueles que não souberem trabalhar em cima disso ficarão para trás.

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Renegociação das dívidas tributárias no futebol

Em abril de 2020 entrou em vigor a Lei Federal nº 13.988/2020, denominada “Lei do Contribuinte Legal”, que prevê requisitos e condições especiais para viabilizar as transações tributárias entre contribuintes – clubes de futebol e a União Federal, e a negociarem os débitos tributários federais inscritos em dívida ativa ou objeto de contencioso judicial ou administrativo.

O objetivo da Lei é permitir que os bons pagadores, ou seja, aqueles que muito embora não possam, momentaneamente, arcar com seus débitos tributários, encontrem maneiras flexíveis e que enquadrem a sua realidade atual de maneira a renegociar os débitos tributários, possibilitando uma redução de até 50%referentes a descontos nos juros e multas. Para isso, basta que os clubes não sejam considerados infratores contumazes.

Trata-se da primeira lei brasileira que regulamenta o instituto da transação em matéria tributária, previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional – CTN, e faz parte da reforma tributária que se pretende implementar no Brasil, atendendo à produção, com a restauração da confiança e diminuição da interferência do Estado na economia.

A transação tributária tem como principal objetivo a redução de litígios tributários, promovendo a extinção de créditos tributários federais objeto de discussão, estimulando o contribuinte – clubes de futebol – a desistir da discussão em troca de uma redução no valor dos consectários da dívida.

Cabe ressaltar que a transação não se equipara a uma anistia ou parcelamento incentivado, como os diversos programas propostos nos últimos anos. Isto porque os referidos programas visavam a atingir determinados períodos de débitos, bem como tinham prazo para adesão. Caso não fosse feita a adesão e posterior consolidação dos débitos nos prazos previstos, os contribuintes não poderiam se beneficiar dos descontos de juros e multa, prazos alargados de parcelamento, dentre outros benefícios previstos pelos referidos programas.

A lei 13.988/20 dispõe sobre três modalidades de transação:

i) por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja de competência da Procuradoria-Geral da União,

ii) por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário, e

iii) por adesão no contencioso administrativo tributário de pequeno valor.

A proposta de transação deverá expor os meios para extinção do passivo tributário e estará condicionada, no mínimo, à assunção pelo devedor dos compromissos de:

i) Não utilizar a transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica;

ii) não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, os seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública federal;

iii) não alienar nem onerar bens ou direitos sem a devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigido em lei;

iv) desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos; e

v) renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do art. 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Nesse contexto, o ultimo case de sucesso sobre a transação tributária ocorreu com o Cruzeiro Esporte Clube que foi excluído do Programa de Modernização da Gestão e Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – Profut, ao deixar de cumprir com os requisitos mínimos do programa, qual sejam, deixar de quitar três ou mais parcelas sucessivas ou de maneira alternada de modo recorrente.

Após a exclusão, o Clube procurou vias para sanar o passivo tributário e, ao analisar a Lei Federal 13.998/2020, vislumbrou a possibilidade de renegociar a dívida ativa e, consequentemente, reduzir o débito.

Para aderir a Lei 13.998/2020, o Clube precisou assumir alguns compromissos como a alienação de bens, renunciar todos os recursos às execuções fiscais, dentre outros requisitos que citamos acima, ao passo que a renegociação reduziu cerca de 45% da dívida do Clube, o que configura cerca de R$ 151.798.099 de um valor total estimado de R$ 334.182.840,98. O saldo restante a pagar foi parcelado em 145 meses, com as 12 primeiras parcelas no valor aproximado de R$ 350 mil mensais. Passados esses doze meses, as parcelas teriam valores progressivos, conforme informou o clube.

Como no case de sucesso citado acima, a legislação trouxe novas possibilidades de renegociações entre os Clubes para com a União. Para que isso se concretize, basta que os interessados cumpram os requisitos e apresentem uma proposta formal para que a União aceite o acordo de uma transação tributária, e, principalmente, os gestores do futebol brasileiro sejam finalmente compromissados com as finanças dos respectivos clubes que gerenciam.

Imagem destacada: Gustavo Aleixo/Cruzeiro/Divulgação

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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A injusta demissão de Domenec no Flamengo

Que a fase do Flamengo não é das melhores está a vista de todos. Os números e o próprio desempenho escancaram isso – números, aqui, me refiro especificamente aos defensivos, em uma análise simples e quantitativa dos gols tomados e ao desempenho falo de uma análise mais qualitativa, envolvendo toda a complexidade do jogo, nos aspectos técnicos, táticos, físicos e emocionais.

É extremamente injusto e contraproducente comparar o Flamengo de Domenec Torrent com o de Jorge Jesus. Eu poderia fazer um texto enorme discorrendo sobre as diferenças de modelo de jogo, princípios e subprincípios ofensivos, defensivos e de transições, mas isso não é o que mais explica o atual momento do clube.

Domenec Torrent em ação pelo Flamengo. Crédito: Redes sociais do treinador/Divulgação

Na nossa cultura individualista de analisar o jogo o mais fácil é apontar que bastava Domenec dar sequência ao trabalho de Jesus que os resultados e performance seriam os mesmos. Porém se no futebol “antigo” isso até poderia funcionar já que diante de inúmeros talentos o bom técnico era aquele que menos atrapalhava, nos dias de hoje essa análise se torna rasa demais. O coletivo se sobressai mais do que nunca. E se estamos discutindo algo tão imprevisível, aleatório, complexo e humano como é o jogo de futebol, nunca podemos apontar um único problema e muito menos uma única solução.

Em um ano tão atípico, com o calendário cruelmente apertado e com casos de Covid explodindo em todos os elencos, a análise tem que ter um viés de complexidade ainda mais aguçado.Que tal se ao invés de falarmos sobre o Jogo de Posição não falássemos sobre relacionamento interpessoal entre Domenec e os jogadores? Ou então se no lugar de só constatarmos a defesa mais exposta não questionassemos se a fome e o espírito do grupo estão sendo tão estimulados como Jorge Jesus fazia? Ou até ampliarmos o debate para a liderança e a comunicação do ex-técnico flamenguista, se ela não gerava um impacto tão positivo como era com o treinador português? 

Que fique claro: sou um apaixonado por tática. Leio, estudo, vou atrás de tudo o que envolve essa vertente do jogo. Mas quanto mais estudo tática mais vejo que só ela não responde a todos os problemas.

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Transmissão em Jogo – Extinção da MP 984 e Reaparecimento do Clube dos 13

Na última semana, passou a ser cogitada a hipótese de clubes de futebol fazerem negociação coletiva por direitos de transmissão. De acordo com o blog do Marcel Rizzo, do UOL, especula-se que os dirigentes de grandes entidades cogitam a chance de criar uma associação que pode culminar no ressurgimento de um novo Clube dos 13, um grupo que, por duas décadas, tratou internamente a repartição dos dividendos referentes aos direitos de imagem, mas terminou em 2011 após acordo entre clubes, emissoras de TV e CBF. 

Desde então, as negociações dos direitos de transmissão dos torneios são feitas de forma individual ou intermediadas pela CBF. A ideia de retomar a união de clubes para discutir os direitos de transmissão ainda é um projeto discutido por poucas entidades desportivas, gerando impactos positivos e negativos. Para avaliá-los, precisamos voltar um pouco no tempo.

A primeira lei que regula a transmissão de eventos esportivos no Brasil surgiu na década de 1970, chamada de Lei de Direitos Autorais – Lei nº 5.988/1973. 20 anos mais tarde, a Lei Zico – Lei 8.672 /1993, afirma que: “às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem”. (BRASIL, 1993).

A Lei Pelé (Lei 9.615), publicada em 24 de março de 1998, revogou a necessidade de cobrança para acompanhamento dos eventos esportivos, garantindo às instituições do futebol a soberania nos processos de negociação e cobrança pelas transmissões de partidas. A negociação passou a ficar a critério de cada time, sendo sua decisão prevalente em relação aos jogadores que compõem o elenco do time, já que o interesse do público não está em um atleta apenas, mas no conjunto.

Por muitos anos, o contrato firmado entre as emissoras de televisão e os clubes de futebol foi considerado como o mais vantajoso, já que as instituições arrecadavam fundos com os valores recebidos da imprensa pela transmissão da partida e as emissoras, por sua vez, lucravam com os comerciais transmitidos durante a partida e nos intervalos dos jogos.

Para que as negociações fossem facilitadas, o Clube dos 13, que representava os maiores clubes do Brasil, cumpria todos os trâmites, mas, devido à divisão não-igualitária das cotas, os clubes passaram a tratar sobre os valores individualmente.

As diferenças dos valores negociados passaram, no entanto, a serem ainda mais evidentes, fazendo com que alguns clubes tenham uma disponibilidade de recursos muito superior a outros, interferindo nos investimentos dos times e, consequentemente, no nível de futebol apresentado por cada equipe.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) defende que a negociação coletiva, como era feita pelo Clube dos 13, feria os princípios da livre concorrência e que, para adoção deste sistema, seria necessária a criação de uma lei para regulamentar estes processos.

Em 2010, o CADE avaliou um termo de compromisso que determinava a exclusão de cláusulas contratuais que favoreciam a renovação de contrato com emissoras e apresentava a possibilidade de ofertar os direitos de transmissão para outras TVs, sistema pay-per-view e plataformas digitais, abrangendo assim as transmissões via streaming. No que tange à legislação, portanto, ficam os clubes livres para negociarem a cobrança ou não do direito de imagem.

Assim, aqueles que passam a optar pelas transmissões via streaming, seja pelas redes sociais ou pelas plataformas pagas, têm o desafio de conseguir uma receita publicitária ao menos satisfatória em relação à receita oferecida nas transmissões convencionais.

Os valores recebidos pelas transmissões de partidas, sejam eles pagos pelas emissoras de TV ou por outras empresas de comunicação, representam mais de 40% dos dividendos dos clubes, de acordo com análise do Itaú BBA referente aos resultados financeiros de 25 grandes entidades do futebol. Sem contar com os valores referentes às vendas e cessão de direitos de jogadores, os valores referentes à transmissão dos jogos são a parte mais significativa do montante movimentado pelos grandes clubes – não é de se espantar que a MP 984/2020 tenha causado tanto burburinho no meio do futebol, já que concedia apenas ao mandante o direito de transmissão da partida.

Atualmente, se apenas um dos times cede os direitos de transmissão, a partida não pode ser exibida por termos legais; se a MP entrasse em vigor, esse impedimento de transmissão não aconteceria mais, caso o mandante autorizasse a transmissão do jogo em questão. O modelo, que é adotado em outros países, foi amplamente questionado e trouxe à tona outras questões referentes à exibição de partidas, como o uso do Youtube e plataformas de streaming para transmissão, por exemplo.

A discussão ultrapassou – e muito – as quatro linhas e os limites da tecnologia e afetou as relações entre as emissoras de TV, órgãos de comunicação e o governo, colocando em xeque direitos previamente adquiridos por emissoras – de transmissão e exclusividade – como no caso da Rede Globo de Televisão. Em meio à pandemia, quando os portões fechados dos estádios tiraram dos clubes a renda a partir da venda de ingressos, os times se viram diante de mais um impasse, que pode possibilitar maior liberdade para negociações, mas que, no entanto, pode trazer desequilíbrios ainda maiores na divisão de recursos e outras desvantagens futuras. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. 

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Buscar as causas dos problemas do futebol

Que um jogo de futebol reúne dentro das quatro linhas aspectos técnicos, táticos, físicos e emocionais, tudo junto e ao mesmo tempo, não é novidade. Um drible, por exemplo, necessita do gesto técnico em si, da parte física para ser complementado, da orientação tática para sabermos se é para frente ou para trás, e do aspecto mental na coragem de realizá-lo. Uma única ação envolve tudo isso. Em uma fração de segundos.

Entendendo toda essa indissociável complexidade, há momentos não só de uma partida, mas de uma equipe e também de um atleta em que uma das vertentes se sobrepõe a outra. Mas para deixar claro, mais uma vez: nunca é só “uma coisa”. Uma equipe não está “cansada” apenas pela parte física. Esse cansaço pode vir de problemas táticos, com conceitos mal treinados, que geram um gasto excessivo de energia no jogar do time.

Por tudo isso, e sempre partindo do princípio que o futebol é uma atividade humana, não podemos simplificar análises e reduzir conceitos. Citei exemplo de time, mas posso falar também do aspecto individual: um jogador, por exemplo, que é contratado a peso de ouro por um histórico de alta performance, mas que não repete as boas atuações. Ele desaprendeu? O físico não é mais o mesmo? Suas características não casam com o modelo de jogo da equipe? Ele está com algum problema pessoal? Pode ser um pouco de tudo. Entretanto observe que busquei um elemento de cada esfera para tentar fazer esse fictício diagnóstico: técnico, físico, tático e emocional.

O torcedor deseja sempre frases curtas e impactantes para resumir momentos no futebol. Contudo, uma análise que busque ser o mais fiel a realidade tem que ser ampla e complexa. Nunca é só uma coisa, em alto tão aleatório e previsível ao mesmo tempo, como o futebol.

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Impacto da globalização nas atividades extracampo dos jogadores de futebol

A globalização consiste, de forma bem resumida, no processo de integração econômica, cultural, social e política, gerado pela necessidade do capitalismo de buscar e conquistar novos mercados. Mas qual seria a relação da globalização com o futebol?

Até o final da década de 70, a economia do futebol se limitava à manutenção do sistema federativo dos clubes, sendo uma atividade sem fins lucrativos. Já no início da década de 80, o futebol passou a ser um produto tipo exportação, iniciando-se um grande fluxo de dinheiro e influência neste mercado, abarcando jogadores, times, campeonatos, canais televisivos, patrocinadores etc.

Isso se deu pela internacionalização do esporte, ocasionada, justamente, pelo fenômeno da globalização. O futebol deixou de ser apenas uma prática esportiva, se tornando um dos maiores mercados financeiros mundial, sendo que um dos seus principais alavancadores foi o televisionamento dos jogos ao vivo, além da introdução da publicidade de grandes marcas.

Empresas multinacionais começaram a investir maciçamente nos campeonatos, times e, principalmente, jogadores, estampando suas marcas nos uniformes e ao redor dos gramados nos estádios. Assim, o futebol, e tudo aquilo ligado a ele, passou a ser tratado como mercadoria, em que há muito mais em jogo do que apenas fazer ou defender gols.

Há alguns anos, um braço da globalização começou a ganhar uma força surpreendente e, até mesmo, assombrosa, no mercado futebolístico. A internet, aqui mais representada pela mídia, seja ela manifestada através dos jornais, telejornais ou redes sociais, deixou de apenas informar sobre jogos e campeonatos, passando a buscar e divulgar informações internas dos clubes e, principalmente, das atividades extracampo dos jogadores.

Como tudo nessa vida, existe o lado bom e ruim da influência da internet no futebol. Enquanto algumas notícias divulgadas fazem times e jogadores aumentarem sua popularidade, expandindo não apenas os seus lucros, mas o de todas as empresas licenciadas e patrocinadoras envolvidas, há outras, em contrapartida, que podem desestabilizar por completo a realidade do clube e dos outros envoltos, leia-se: jogadores de futebol.

Um exemplo recente de como a mídia pode influenciar no mercado futebolístico, é o caso da recontratação do jogador Robinho pelo Santos Futebol Clube. 

Conforme amplamente divulgado, no sábado, 10 de outubro, o Santos anunciou a contratação de Robinho, sendo declarado pelo clube como “a última pedalada”. O que o clube e o próprio atleta não esperavam é que a notícia seria duramente criticada pelos torcedores e grande parte dos comentaristas influentes do país.

As críticas se deram pelo fato de Robinho ter sido condenado em primeira instância, em 2017, pela justiça italiana, a nove anos de prisão por violência sexual em grupo. Ele e cinco amigos foram acusados de violentarem sexualmente uma jovem albanesa em 2013 na cidade de Milão. A sentença foi dada de acordo com as evidências coletadas através de interceptações telefônicas realizadas contra os acusados.

Mesmo sabendo da condenação, o Santos preferiu realizar a contratação do atleta, se remetendo aos tempos de glória vivenciados pelo jogador no time como uma maneira desta contratação ser bem aceita pelos torcedores. Um dos principais motivos da contratação era financeiro: o clube tem um débito com o atacante e queria aproveitar os cinco meses de contrato para abater a dívida.

Mesmo sofrendo grande represália dos torcedores do Peixe e de outros amantes do futebol, além de pressão por parte dos patrocinadores, chegando até mesmo a perder o patrocínio da Orthopride, o Santos preferiu, no primeiro momento, seguir com a contratação de Robinho.

O estopim para a suspensão do contrato entre o clube e o atleta, foi a divulgação pelo Globo Esporte de parte das transcrições dos áudios entre Robinho e outros envolvidos no suposto crime. As falas do jogador geraram ainda mais repúdio à permanência dele no clube, além de ter levado o principal patrocinador do time santista ameaçar romper o contrato, o que fez com que o Santos se visse obrigado a suspender o contrato com o jogador.

Analisando a contratação de Robinho pelo lado jurídico, o fato de o jogador ter um processo criminal correndo em seu desfavor, não o impede de ser contratado por algum clube e/ou empresa – função social, sobretudo considerando que ainda existe discussão acerca do fato na justiça italiana.

Em que pese a decisão não ter transitado em julgado, restando ainda ser avaliada pelo Tribunal de Apelação, Robinho está sendo tratado como culpado pela internet, o que o leva a arcar com consequências que não atingem apenas sua vida privada, mas também seu lado profissional.

Se não fosse pela pressão da internet sobre os patrocinadores e clube, o contrato provavelmente estaria ativo, até mesmo por inexistir qualquer impedimento legal para a contratação e permanência do jogador no clube. 

Portanto, nos resta questionar até que ponto é saudável essa interferência da internet nas atividades extracampo dos jogadores.

Aqui estamos retratando um caso sensível, um crime abominável e que, se confirmado pelas próximas instâncias, os culpados não merecem qualquer ato de indulgência por parte da sociedade, devendo cumprir as rigorosas penas eventualmente culminadas.

Entretanto, há outros casos onde não envolvem crimes, mas opiniões pessoais dos jogadores e sua vida privada, que acabam prejudicando contratos, parcerias e até mesmo sua permanência no clube, por não serem aceitas no “Tribunal da Internet”, o que vai totalmente contra ao direito à liberdade de expressão garantido a todo cidadão.

Assim, em que pese a globalização ter ajudado e muito na propagação e crescimento do futebol e do mercado que o rege, a vida pessoal dos jogadores acabou virando um anexo de sua profissão, sendo que não importa mais apenas o que acontece dentro das quatro linhas do gramado, mas também tudo que sobrevém extracampo. 

Contudo, não podemos deixar de reconhecer a importância do avanço da inclusão no futebol de pautas antes consideradas tabus, como a luta contra o racismo, homofobia, machismo e outras formas de preconceitos, assim como o papel de apoio a esses movimentos que as grandes marcas estão desenvolvendo.

Atitudes imorais e que atentem contra a dignidade de qualquer pessoa, devem sim ser repudiadas e combatidas por toda a sociedade, não importando se está partindo de um cidadão anônimo ou de uma celebridade prestigiada, como o Robinho, devendo, no entanto, ser observado o bom senso e razoabilidade, para que imagens e carreiras não sejam manchadas por alegações e acusações que eventualmente não correspondam à realidade dos fatos.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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A importância de conhecer seu torcedor

O futebol brasileiro cresceu com um perfil bem claro de torcedor. O público do esporte era formado, em sua maioria, por homens, que consumiam os jogos pelo rádio, televisão e jornais, além das idas ao estádio. No ambiente da partida, não era preciso muito para agradar aqueles que se faziam presentes. A paixão prevalecia a qualquer tipo de adversidade e levar um copo de urina na cabeça era parte do folclore.

O mundo mudou e o esporte seguiu o mesmo caminho. As torcidas estão cada vez mais diversas e os fãs ganharam novas opções de entretenimento além do futebol, o que aumentou sua exigência quanto ao jogo. Séries, filmes e jogos eletrônicos são concorrentes do esporte e muitas pessoas não irão hesitar em trocar aquela partida de baixo nível técnico e sem valor competitivo do campeonato estadual pelo último lançamento da Netflix ou um jogo de esports. Clubes e federações precisam estar cada vez mais atentos a este novo comportamento.

Falando mais sobre o torcedor, o relatório ‘Fan of the Future’, publicado pela Associação de Clubes da Europa (ECA), evidencia que este também passa por transformações. Após pesquisa em sete países, incluindo o Brasil, sobre como torcedores encaram o futebol, a ECA chegou em seis categorias diferentes de fãs. A primeira é chamada no relatório de football fanatics, ou fanáticos por futebo em tradução livre, e são aquelas pessoas apaixonadas pelo esporte, que vão ao estádio para ter a experiência completa. Na sequência temos o grupo club loyalists, leais ao clube, indivíduos que acompanham o futebol principalmente por causa de seu clube do coração. O terceiro segmento é o icon imitators, imitadores de ídoles, que preferem jogar a assistir futebol e estão ligados aos grandes ídolos do esporte. A quarta categoria é chamada de FOMO – fear of missing out – followers, enturmados, formada por pessoas que se interessam pelo jogo apenas para não serem excluídas das conversas entre amigos, sem tanta emoção envolvida. O quinto grupo é o main eventers, ou de olho nos grandes eventos, que são os interessados principalmente nos maiores eventos, sem se importar muito com o resultado. Para fechar, o segmento tag alongs, aqueles que vão no embalo, cujo interesse no futebol é gerado a partir de amigos e família, não existindo um envolvimento emocional ou conhecimento sobre o esporte.

O surgimento e a identificação de tais categorias, bem como suas características específicas, obriga os clubes a conhecerem seus torcedores de fato. E aqui está um dos grandes problemas do futebol brasileiro. Por manter diversas práticas do passado, a relação com os fãs ainda é pensada para a realidade onde existia um único perfil consumindo o esporte, de maneira muito diferente do que é hoje. É possível dizer, a partir disso, que muitos clubes nacionais não conhecem seus torcedores, o que gera uma desvalorização de sua importância no ecossistema do futebol brasileiro.

A consequência disso pode ser mais grave do que se imagina. A atenção e o dinheiro destes fãs começam a ir cada vez mais para outras opções de entretenimento, outros esportes e outras ligas de futebol, como os campeonatos inglês e espanhol. O futebol brasileiro está ficando para trás.

Existem alguns conceitos fundamentais para que esta tendência mude. O principal deles é o chamado fan centricity, ou seja, colocar o torcedor no centro de suas estratégias, tomando decisões a partir de suas preferências e mantendo uma relação direta com os milhões que acompanham o clube ou esporte. Para auxiliar neste processo, a entrega de conteúdo é uma das formas de entender as preferências dos torcedores. Aqui a história começa a ficar mais complexa. Este conteúdo precisa estar presente não só no dia da partida, mas durante todos os momentos, aproveitando as plataformas disponíveis e as características de cada segmento da torcida entre os citados no relatório ‘fan of the future’.

Nos primeiros meses de pandemia, o parágrafo anterior foi muito bem utilizado pelos clubes brasileiros. Sem partidas para oferecer aos torcedores, as instituições precisaram pensar em alternativas diferentes para atrair torcedores e monetizar esta relação. Viu-se muito conteúdo nas redes sociais e novos formatos sendo criados, contando com a participação dos atletas em alguns casos. Produtos inéditos também surgiram como os ingressos virtuais, uma alternativa que ainda vem sendo utilizada enquanto os estádios não podem receber público. No entanto, observa-se que, assim que os clubes puderam oferecer o jogo como principal produto, diminuíram sua atenção para o resto do tempo. Reforçando, a partida é apenas parte da estratégia, o dia a dia é tão importante quanto.

Como qualquer mudança que ocorra em uma indústria, haverá resistência por parte de alguns envolvidos. No caso do futebol, será preciso mudar o comportamento de gestores que atuam na área há anos. Já são vistos dirigentes que conseguiram entenderem a importância de um relacionamento adequado com seus torcedores para um futuro vitorioso e estão pondo essas ideias em prática. Além disso, um grupo de fãs também pode estranhar a mudança na forma com que o clube se relaciona com os demais, sem entender que os conteúdos agora são personalizados e buscam atingir os diversos públicos existentes. A solução para isso é entregar o conteúdo constantemente, até que todos os envolvidos no ecossistema do futebol brasileiro compreendam como a situação precisa funcionar daqui para frente. 

Para concluir, é preciso dizer que a construção desta relação com o torcedor é um trabalho de longo prazo. O clube começa suas ações hoje e vai aprimorando ao longo da jornada. Para isso, gestores devem sair do pensamento comum e implementar ideias criativas em suas rotinas. O futuro vai mostrar a importância de conhecer seu torcedor.

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O Palmeiras pode mais

De 2015 para cá o Palmeiras vive uma era de títulos. São dois Campeonatos Brasileiros, uma Copa do Brasil e o recente Paulistão. O clube se fortaleceu e fincou os pés entre os melhores do país após o quase rebaixamento de 2014. Seria terrível cair três vezes em doze anos. Voltando as conquistas, chama a atenção que todos os troféus vieram com técnicos diferentes. E isso sinaliza muita coisa…

A falta de continuidade, as interrupções de trabalho, impedem o Palmeiras de ganhar ainda mais. E a aleatoriedade na escolha dos treinadores torna impossível identificarmos um ‘jeito Palmeiras’ de jogar, que seria fundamental para uma sequência avassaladora. O clube está forte. Tem uma lucrativa arena, um patrocinador robusto, um departamento de marketing perspicaz, dentre outras coisas. E muito das conquistas recentes vieram por conta dessa estrutura. Entretanto, a condução do futebol se mostra fraca quando vem as derrotas. Aí esse mesmo técnico que venceu é descartado. A cultura do futebol brasileiro no que tem de mais cruel esmaga uma estratégia e uma visão mais macro e a longo prazo.

Quando os dirigentes palmeirenses falam em buscar o DNA do clube, em trazer o que há de mais moderno e contemporâneo, soa como um discurso sem consistência. Até porque falar em DNA é sempre relativo: na gloriosa década de 90, Luxemburgo encantou a todos com um jeito de jogar e Felipão ganhou a Libertadores de outro. Como fica então o DNA? E a questão da modernidade foi rasgada quando o próprio Luxemburgo foi contratado no final do ano passado, já que ele mesmo prega que não há nada de novo no futebol atual. 

O Palmeiras se tornou forte como instituição e tem que arrastar isso pra parte de campo. Constantes trocas e perfis antagônicos de técnicos demonstram ausência de convicção. Pelo que é hoje fora de campo um ajuste como esse se torna crucial no Verdão.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol