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Uma breve análise da Copa São Paulo

Na última quarta-feira (25/01), encerrou a maior e mais tradicional competição do futebol de base do nosso país, com o Corinthians sagrando-se campeão. O antagonismo, a diversidade e a visibilidade que a Copa São Paulo proporciona aos jogadores, equipes e integrantes das comissões técnicas, move uma miscelânea de oportunidades distintas para todos. Sem sombra de dúvidas, cada vez mais, a Copa São Paulo é uma grande vitrine.

Foto: Marcos Ribolli/ Fonte: Globo Esporte
Foto: Marcos Ribolli/ Fonte: Globo Esporte

Muitas equipes entraram na competição com objetivos distintos, mas sempre com o foco de procurar ir o mais longe possível, aspirando posições mais avançadas, onde a visibilidade geral aumenta. Evidentemente, quando uma competição abrange diferentes níveis, tanto de objetivos, qualidade de jogadores, estrutura, divisão jogada e competições a disputar durante o ano, há possibilidade de surgir distintos níveis de jogos e resultados. Ao mesmo tempo também, surpresas agradáveis pelo pico de motivação que essa competição representa. E todo ano várias surpresas acontecem. Essa também é uma das facetas da Copa São Paulo.

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Além desses vários perfis, que podem estar relacionados na construção dos objetivos da equipe para a competição, e por vezes modificados a cada ano, devido às particularidades exclusivas, nessa edição, um dos aspectos mais relevantes foi o entorno. Estádios cheios, incentivos extras, imaginário coletivo, enfim, intervenções do público modificando o comportamento anímico do jogo em grande escala, fortalecendo algumas equipes. Esses fatores, ao lado do pouco tempo de descanso entre os jogos, mudam prognósticos e tornam a Copinha muito mais atraente e imprevisível que outras competições de formação pelo Brasil.

Foto: Thiago Batista/ Fonte: Esporte Jundiaí
Foto: Thiago Batista/ Fonte: Esporte Jundiaí

Além disso, a quantidade de equipes participantes apontou significativamente diferenças culturais de jogo, seja ela intencional ou não consciente, demarcada pela preferência de um conjunto de ideias de jogo, por vezes como catalisador positivo ou negativo devido aos conhecimentos específicos da relação treinador-jogador e da qualidade dos jogadores.

Nas mais variadas ideias de jogo vistas, não se prendendo apenas a estrutura que atua como um suporte numérico-geométrico, e partindo para relações dinâmicas-funcionais, que podem ser consideradas como a coerência da estrutura com o entendimento do espaço-tempo, movimentos e interações dos jogadores nos momentos do jogo, percebeu-se uma melhora dos conceitos defensivos, algumas dificuldades dos outros momentos do jogo e na fluidez complexa do jogo. No geral, melhoras consideráveis vêm ocorrendo ao nível de organização de jogo nas equipes de base, e a Copa São Paulo foi um bom indicativo.

Corinthians

A equipe manteve a estrutura base em quase toda competição, tendo ideias eficazes, flexíveis, preparadas para todos os momentos do jogo, com predomínio na estruturação de pressão e no pós-recuperação. E dentro dessa relação foi muito mais eficaz que seus adversários.

Uma característica muito particular da equipe foi à agressividade, sobretudo sem bola, criando zonas de pressão altas-médias e retomando a bola com muita eficácia. A partir daí, também era muito agressiva, aproveitando as vantagens das recuperações da bola, buscando ataque rápido, com aproximações verticais para a definição das jogadas. Estruturou-se com o vértice do triângulo dos médios à frente e dois extremos com o pé oposto, agressivos todo tempo e, quando estavam no 1×1 com vantagens ou situações de enfrentamento em inferioridade, buscavam sempre a verticalidade com desequilíbrio ou não. Nas bolas paradas, usou variantes em jogadas curtas e longas, em faltas e escanteios, obtendo sucesso e fazendo gols.

Chapecoense 

Devido ao que aconteceu com a equipe Profissional, e por ser a primeira competição depois do episódio, virou a sensação, tendo a torcida de todos. A equipe se superou muito durante a competição e apresentou traços da cultura Oestina de Santa Catarina.

Sua estruturação base modificou bastante durante a competição, sendo extremamente reativa aos adversários, realizando planejamentos espelhados. Com a preocupação voltada mais para fechar o espaço individual dos jogadores adversários, do que propriamente o coletivo, não se via uma equipe compacta em poucos metros do campo. Mesmo assim, mostrou-se eficaz no que estava disposta a fazer, com ideias muito claras: uma marcação individual por setor em alguns jogos e marcação individual campo todo em outros, especialmente contra o São Paulo. Como os ajustes defensivos desestruturavam os momentos ofensivos, apostou no ataque rápido individual para atacar, acarretando pouca densidade ofensiva e muito dependente de vantagem pessoal nos confrontos individuais. Quando teve a posse de bola maior que o oponente, e necessitava buscar o resultado que estava adverso, usou poucos recursos de interação ofensiva, explorando o jogo de bolas paralelas no fundo e cruzamentos. Também a equipe teve dificuldade de compactação com posse de bola, pois o bloco não andava junto. Por não serem eficazes na compactação ofensiva, sofreram contra-ataques perigosos, já que estavam habituados a jogar em bloco baixo e ataque rápido como recurso principal.

Foto: Miguel Pessoa/ Fonte: Futura Press
Foto: Miguel Pessoa/ Fonte: Futura Press

Paulista 

A equipe do Paulista, primeiramente, teve méritos, pois saiu de uma chave complicada. Fez uma campanha marcada pela gloria e euforia, contrastando com a decepção do jogador que jogou de maneira irregular. As irregularidades ou alterações de documento no futebol diminuíram, mas ainda acontecem, infelizmente. Utilizou-se positivamente do seu estádio Jayme Cintra, que virou um verdadeiro caldeirão, numa atmosfera favorável. Com isso a equipe foi ganhando confiança.

Apresentou a melhor defesa da Copinha, com uma organização defensiva individual por setor em bloco médio-baixo. Partia de um 4-4-2 e variava para 4-5-1 conforme as interações ofensivas do oponente. Apostava na qualidade individual de alguns jogadores nas suas transições ofensivas. A equipe, quando estava em processo defensivo, colocava seus 11 jogadores atrás da linha da bola. Em muitos instantes, principalmente no segundo tempo, a compactação se tornava uma aglomeração espacial. Dentro do seu propósito, se tornava eficiente. Mostrou uma boa estruturação de segundas e terceiras bolas no corredor central onde iniciava boa parte de seus contra ataques que geravam perigos para os adversários.

Batatais

Com seu goleiro Gerson se tornando xodó e sua equipe sensação, o Batatais foi inesperadamente avançando na disputa. Gerson foi reverenciado por defender penalidades e classificar sua equipe.

A equipe, em termos de jogo, não fazia questão de ter a posse de bola para seus domínios. Se organizava em uma marcação individual e tinha suas variações de subida e descida de bloco. Muitas vezes uma audácia, que muitos não esperavam. Ofensivamente se caracterizou pelos ataques rápidos, com jogadas individuais. Num apanhado geral, uma equipe com espírito de entrega, vontade e motivação. A sua maneira de jogar era dar o máximo animicamente para fazer história, ir cada vez mais longe. E chegaram a final, presenteados pela eliminação do Paulista.

Internacional 

Uma das equipes, se não a que mais valorizou a posse de bola. Tentou gerar um jogo posicional, com uma boa dinâmica, estruturada em saída de três. Mas quando enfrentou adversários mais fortes, com uma estruturação do espaço defensivo mais organizado, sentiu dificuldade pela falta de domínio, ganho de espaços e movimentos específicos.

Usou o goleiro com grande frequência, tanto em cobertura defensiva quanto em apoio para posse. Essa é uma tendência das equipes Tops e o jogo atual pede que, em primeiro momento de saídas, se use o goleiro. Entretanto, se ficar um jogo muito para trás, estéril, horizontal, se perde as maiores vantagens: aquelas encontradas em passes verticais, sobre as costas da linha que pressiona. Em alguns momentos isso aconteceu com o time do Internacional. No cruzamento contra o Corinthians, a equipe não conseguiu impor seu jogo posicional, e ficou claro que contra uma equipe do mesmo nível técnico, necessitava de outras dinâmicas posicionais para ir mais longe. Mas foi uma equipe interessante de ver jogar.

Esse processo construído para ganhar, é que distingue uma equipe da outra. E nessa competição constituída por 130 equipes, o que se percebeu foram preceitos anárquicos, resultado exacerbado, aspectos formativos seguindo manuais do clube e gestão do frenetismo do resultado aliado com boa dinâmica.

Independentemente da categoria, o futebol antes de tudo, é jogado com ideias, e está em constante formação. Se os jogadores forem preparados para jogar na ambivalência de não perderem a ambição de ganhar, procurando ativamente o resultado, mas sem perder a ideia, a tranquilidade e o seu equilíbrio mental, posicional e funcional, a fluidez geral, o jogo e a formação ficam atrativos.

O grande equilíbrio de tudo isso, é encontrar o processo ideal, em que o jogador não seja feito apenas para um modelo de jogo ou não seja um andante anárquico ou robótico dentro do jogo. Que seja desenvolvido através da potencialização, evolução e interação de suas capacidades, num processo adaptável, mutável e rico de probabilidades. A Copa São Paulo é um grande teste final ou inicial para fomentar isso. Aos poucos estamos evoluindo. Esperemos a próxima Copa São Paulo.

Abraços a todos e até a próxima quarta!

Observação – O treinador Willian Batista de Almeida da categoria Sub 17 do Sport Clube Atibaia ajudou na análise das equipes.

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Muito além da marca

Como é comum ocorrer a cada temporada, vemos muitas notícias e especulações sobre qual será o fornecedor de material esportivo dos clubes. Trata-se de um ciclo, onde marcas vem e vão, com projetos de sucesso e também de grandes fracassos.

O mapa de material esportivo no futebol brasileiro em 2017 mostra uma grande diversidade. São 26 marcas distribuídas entre os 60 clubes que disputarão as Séries A, B e C do Campeonato Brasileiro. Estão nessa lista as grandes marcas globais, bem como marcas tradicionais brasileiras e também novas marcas que começaram a construir a sua história recentemente.

Quem lidera esse ranking no total das três divisões é a Topper. A empresa brasileira, adquirida pelo empresário Carlos Wizard Martins em 2015, patrocina 9 clubes, sendo 2 da Série A. A marca soube se aproveitar de oportunidades no mercado, como no caso de clubes que até então eram patrocinados pela canadense Dryworld, que não conseguiu cumprir os seus contratos e deixou o país pela porta dos fundos após chegar cercada de holofotes.

A inglesa Umbro vem logo na sequência com 8 clubes, sendo a marca líder da Série A, com o total de 7. A empresa também passou por mudanças recentes. Após ser comprada pela Nike em 2007 por US$ 580 milhões, amargou anos de insucesso e, em 2012, foi negociada com a Iconix Brand Group por US$ 225 milhões, menos da metade do valor pago pela Nike.

Adidas, Nike e Under Armour, as TOP 3 da atualidade, também tem presença garantida. A Adidas está em 6 clubes, sendo 5 da Série A. A Nike patrocina 2 clubes, sendo 1 da Série A. E a Under Armour, que chegou ao Brasil em 2015, patrocina 1 clube da Série A.

Quando olhamos para a Série C, com clubes de médio porte e menos tradição nacional, notamos uma grande pulverização entre as marcas. São 14 marcas para 20 clubes. O Grupo SB, proprietária das marcas Super Bolla, Numer e Rinat, lidera com o total de 6 clubes.

Um novo modelo de negócio que começa a chamar a atenção no mercado é a criação da marca própria dos clubes. Entre as 3 divisões, já vemos essa tendência aplicada em 4 times, nomeadamente Paysandu, Juventude, Fortaleza e Joinville. Mas, afinal, o que esse modelo traz de diferente em relação ao tradicional patrocínio de material esportivo?

Para responder a essa pergunta, vale antes uma breve descrição sobre o formato de negociação tradicional das marcas com os clubes grandes, médios e pequenos.

Clubes grandes: contempla o patrocínio em dinheiro feito pela marca ao clube, a entrega do “enxoval” (uniformes de jogo, treino e viagem para uso dos jogadores, comissão técnica e  staff) sem custo ao clube e o percentual de royalties de produtos vendidos no varejo. Pelo fato do total de royalties ser um valor variável que depende do sucesso de vendas, não é possível precisar quanto cada clube efetivamente recebe. Sabemos que Flamengo, Corinthians e São Paulo são os clubes que mais geram receita, entre R$ 25 a 35 milhões ao ano.

Clubes médios: contempla a entrega do enxoval sem custo ao clube e a participação do lucro obtido com a venda de produtos, em modelo similar de royalties praticado com os grandes. Não há investimento em patrocínio.

Clubes pequenos: o clube compra o enxoval pelo preço de custo e negocia um percentual de royalties com a venda de produtos. Não há investimento em patrocínio e o clube não recebe o enxoval sem custo.

Esclarecido como funciona a negociação tradicional entre as marcas e os clubes, agora podemos entender o modelo proposto de marca própria. A característica principal desse formato parte do princípio que o clube tenha controle sobre toda a operação, visando gerar maiores receitas com uma completa aproximação de seus torcedores, tornando a decisão sobre o nome, design e linha de produtos mais democrática. Os questionamentos sobre a qualidade de material e o potencial de distribuição é algo a ser estudado com atenção, pois o parceiro responsável pela fabricação e negociação deve ser escolhido seguindo critérios que atendam as necessidades e o tamanho do clube.

O caso de maior destaque até o momento é o Paysandu, clube tradicional de Belém do Pará. A marca Lobo, escolhida como nome por ser o apelido do clube junto à torcida, foi criada no final de 2015 e teve um primeiro ano de bastante sucesso. A torcida apoiou a iniciativa e os resultados financeiros foram surpreendentes. Antes de criar o seu projeto de marca própria, o clube faturava em torno de R$ 300 mil por ano com royalties de material esportivo. Com a marca Lobo, o clube faturou mais de R$ 6 milhões em 2016, 20 vezes mais do que recebia anteriormente.

Outro projeto que merece atenção foi desenvolvido pelo Fortaleza com a sua marca Leão 1918, criada em setembro de 2016. A autonomia sobre todos os processos possibilitou a criação de conceitos únicos e inovadores. Um exemplo muito interessante foi a criação da camisa Cordel, exclusiva para a disputa da Copa do Nordeste 2017, que presta homenagem à cultura nordestina da literatura de cordel que é uma espécie de poema popular impresso em folhetos e que ficam expostos para a venda pendurados em cordas.

O caminho natural é que clubes de maior expressão nacional também passem a avaliar a criação de suas marcas próprias. O potencial é muito grande, não somente para gerar aumento de faturamento, como também criar uma maior conexão do torcedor com o seu time de coração. O sucesso está em envolver a torcida, pois é ela quem se emociona, apoia o time e consome a experiência esportiva.

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Questão de postura

A edição 1129 da revista “Exame”, lançada em janeiro de 2017, tem uma reportagem sobre aplicação de teorias de gestão e conceitos científicos para resolução de dilemas existenciais. O texto cita uma pesquisa feita por Angela Lee Duckworth, que tem ocupado frequentemente um lugar entre os mais vendidos dos Estados Unidos. O trabalho dela, chamado de “Garra”, acompanhou grupos de crianças e adultos durante quase uma década para tentar identificar características comuns aos mais bem-sucedidos. A principal conclusão: “Esforço é mais relevante do que talento”.

Na edição anterior, a mesma revista “Exame” fala sobre processos seletivos em multinacionais. Em 2014, a fabricante de papel e celulose Suzano recebeu 6 mil inscrições em seu processo de trainee. Ainda assim, preencheu apenas 26 de 30 vagas.

Em 2015, 1,3 milhão de jovens se inscreveram em 94 processos seletivos de 53 companhias. Nesse grupo, apenas 0,3% atendiam aos requisitos básicos estipulados pelas empresas para seus programas de trainee.

É extremamente difícil cobrar de um jovem atributos que definam a vida ou a carreira. Afinal, existe um processo de maturação em curso, que depende de uma série de fatores externos e pode tomar direções absolutamente contrárias. Empresas já entenderam isso – e começaram a adaptar suas seleções a essa realidade.

O esporte ainda entende mal a necessidade de maturação. Jogadores de futebol são observados, avaliados e rotulados desde cedo – e é extremamente difícil que consigam construir ao longo da carreira uma imagem que contradiga isso.

Por isso, uma das características mais importantes para atletas é a autossuficiência. São muitos os garotos que reúnem qualidades ou talentos necessários para o sucesso no esporte, mas poucos entendem como usar isso a serviço das necessidades profissionais e como tirar disso uma imagem vencedora.

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O início de Gabriel Jesus no Manchester City tem suscitado exatamente essa reflexão. O jogador revelado pelo Palmeiras tem apenas 19 anos, mas precisou de uma partida inteira e dez minutos de outra para chamar atenção e ganhar espaço na equipe dirigida pelo espanhol Pep Guardiola.

Jesus não tem o maior repertório entre os jovens brasileiros revelados recentemente, mas não houve, desde Neymar, outro representante nacional que tenha brilhado tão rapidamente no Velho Continente. No caso dele, a ascensão ligeira tem a ver com o aproveitamento dos atributos – o atacante entende o que pode oferecer e como tirar disso um melhor pacote para oferecer às equipes que ele defende.

Foi assim no Palmeiras. Jesus não é o melhor jogador que o clube já formou, mas é um dos mais eficientes. Soube reunir as coisas que faz bem e soube como o time poderia aproveitar melhor isso.

A eficiência no clube levou Jesus à seleção. O atacante foi um dos símbolos da nova gestão – a equipe nacional colocou o técnico Tite no lugar de Dunga, e a mudança repercutiu no desempenho. Com o jogador do Palmeiras como camisa 9, o time emplacou seis vitórias em seis partidas.

Jesus chamou atenção especialmente na estreia: assumiu a camisa 9 de uma seleção que vinha em crise de credibilidade e se sentiu confortável no posto de protagonista de uma geração abalada pelo fatídico 7 a 1.

Há vários fatores a serem enaltecidos no desempenho de Jesus. Nenhum, contudo, é mais evidente ou mais forte do que a personalidade. Existe uma tranquilidade que chama atenção no comportamento do jogador: não há deslumbramento ou afetação, e isso é o que dá mais segurança sobre o futuro.

É até natural que um garoto que chega ao futebol profissional e que consegue espaço em um time de expressão tenha sensação de dever cumprido. Essa condição significa que o jogador passou por funis que barram uma parcela gigantesca de meninos que sonham com o estrelato ou com a vida no esporte. A questão é: como manter a motivação depois de ter atingido um ponto altíssimo na carreira ou na projeção de vida?

A ideia aqui não é falar de Gabriel Jesus como um jogador consolidado ou como um astro inevitável. Há uma série de fatores no meio do caminho, e todos eles podem influenciar sobremaneira a sequência da história do atacante. No entanto, os primeiros passos do camisa 33 do Manchester City já oferecem boas lições de comunicação:

– Gabriel Jesus é seguro, e essa é uma característica de quem domina o ambiente em que está inserido;

– Ele sabe aproveitar bem suas potencialidades e sabe como fazer delas um ativo importante para o contexto;

– Ele simplifica o comportamento e as decisões em campo;

– Ele não se contentou com as marcas ou com os patamares que atingiu nos primeiros meses como profissional.

Agora tente jogar essas características para qualquer carreira ou qualquer ambiente. O que Gabriel Jesus comunica e o que transmite para o grande público é o perfil ideal de um profissional batalhador, assertivo e eficiente. Toda empresa gostaria de ter em seu quadro uma pessoa assim.

O que falta a muitos profissionais (e não apenas no esporte) é entendimento de contexto. Para outros jogadores, o fenômeno Gabriel Jesus pode ser visto como uma mistura de sorte, oportunidade e talento. Os que pensarem assim, porém, vão seguir tendo em seu futuro uma margem de erro grande demais.

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Armadilhas do início de temporada

Em início de temporada, eventualmente convivemos com situações onde os atletas se lesionam logo nos primeiros períodos de disputas das competições oficiais, sejam pela preparação aquém do que seria necessário ou pela maratona inicial de jogos que algumas equipes acabam passando. Todo clube está sujeito a ter este tipo de problema, com lesões indesejadas e nessas ocasiões, como se pode ampliar a capacidade de recuperação dos atletas nessa situação?

Já comentei algum tempo atrás sobre o tema, mas no momento é muito pertinente voltar à reflexão sobre como auxiliar de forma eficaz o processo de recuperação do atleta lesionado.

Várias técnicas trazem valor para o atleta num momento desses durante o processo de reabilitação, dentre elas acredito que algumas podem ser destacadas, tais como o estabelecimento de metas, o relaxamento e a visualização. Então, vamos abordar brevemente um pouco mais sobre elas aqui.

Estabelecimento de metas

Pode se realizar um trabalho para promover o estabelecimento de metas congruentes com a realidade, com os valores e desejos do atleta, bem como com validade sistêmica na vida pessoal e profissional do atleta. Podem ser estabelecidas metas para retorno a prática esportiva, criando pontos de avaliação e também estágios de avanço menores do que a meta final, promovendo o avanço gradual em direção ao objetivo traçado e com o aumento da confiança e da capacidade de realização de tarefas por parte do atleta. Valor agregado para o atleta: aumento considerável da autoestima do atleta durante o processo de recuperação.

Relaxamento

A utilização das técnicas de relaxamento, que frequentemente acompanham os quadros de lesões e sua recuperação, agregam valor para o atleta no alívio da dor e do estresse. Um exemplo prático que podemos compartilhar trata-se de um programa de dois minutos proposto por Lindemann (1984), conforme abaixo:

  • Inicialmente o atleta adota uma posição cômoda em um lugar tranquilo e agradável;
  • Fecha os olhos;
  • Desenvolve uma atitude positiva para o exercício;
  • Concentra-se no seu próprio ritmo de respiração;
  • A inspiração precisa acontecer naturalmente;
  • Após a inspiração o atleta começa imediatamente uma expiração profunda;
  • Após a expiração, o atleta faz um pequeno intervalo (sem forçar);
  • A relação entre o tempo de inspiração e expiração deve ser aproximadamente de três para cinco, respectivamente;
  • O atleta pode manter o exercício por dois minutos;
  • O atleta abre os olhos e aplica uma fórmula positiva de autoafirmação, com por exemplo: “Estou me sentindo muito tranquilo e pronto para o trabalho”.

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Visualização

As técnicas de visualização podem ser divididas em quatro grupos:

  • Imagem de recuperação ou afirmação, na qual pode-se imaginar uma meta de reabilitação sendo atingida ou ainda imaginar um atleta conseguindo atingir todos os objetivos traçados;
  • Imagem de cicatrização, neste caso é preciso uma imagem que represente a capacidade efetiva do corpo de se curar como por exemplo a recuperação de um atleta com uma fratura, que passa a imaginar o fluxo sanguíneo chegando até a área lesionada e produzindo a cicatrização.
  • Imagem de tratamento, quando o atleta toma conhecimento dos mecanismos que ocorrem durante o tratamento e o atleta pode imaginar esses efeitos positivos acontecendo naquele momento da fisioterapia.
  • Imagem de performance, face a incapacidade momentânea de praticar o esporte naquele momento, o atleta pode visualizar imagens que simulem a performance específica, isso pode auxiliá-lo no treinamento de situações presentes em treino e competição e também ajuda a manter a confiança.

Então, esperamos que nenhum atleta se lesione e que os clubes possam ter cada dia mais profissionais competentes na preparação física, fisiologia, fisioterapia e nutrição dos atletas, mas pelo menos agora sabemos que caso ocorram quadros de lesão, nem tudo está perdido e pode-se colaborar e muito, mentalmente, com a recuperação deste atleta.

Até a próxima!

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A receita sustentável

As receitas de marketing dos clubes crescem exponencialmente a cada ano. Novos contratos bilionários de direitos de TV são assinados, patrocínios vultuosos batem recordes, estádios com ingressos esgotados durante toda a temporada são comemorados nas principais ligas, produtos licenciados dos grandes clubes fazem sucesso pelos quatro cantos do mundo. Sem contar os valores obtidos com as transferências de jogadores que não entram na conta de receitas oriundas de marketing. Esses fatores dão a falsa ilusão que o futebol é hoje um produto economicamente saudável, mas a realidade ainda é bem diferente.

Ao mesmo tempo que o dinheiro que entra é cada vez maior, as exigências para manter os grandes craques no clube também aumentam. Ao contrário de uma empresa tradicional em qualquer setor, as instituições esportivas são movidas por um lado passional muito forte, onde a pressão da torcida, para que seu clube ganhe títulos, faz com que os seus gestores, por muitas vezes, cometam verdadeiras loucuras para contratar e manter um elenco recheado de estrelas. Historicamente, o importante para o torcedor é que o seu time vença em campo.

Segundo o estudo “Club Licensing Benchmark Report” referente à temporada 2015 publicado pela UEFA, a receita dos clubes europeus alcançou as maiores cifras da história, com o total de € 16,9 bilhões, sendo € 7,3 bilhões com os direitos de TV, € 5,6 bilhões com patrocínios e € 2,6 bilhões com a venda de ingressos.

Esses números crescerão muito nas próximas publicações da UEFA. Prova disso é que, somente a Premier League, a liga mais rica da Europa, passou a ter uma receita sobre a venda de direitos de TV de € 15,6 bilhões por 3 temporadas, entre 2016 e 2019, com média de € 5,2 bilhões por ano.

No meio de tanta riqueza, também vemos dívidas assustadoras. Clubes tradicionais como Manchester United, Benfica e Internazionale de Milão possuem dívidas que ultrapassam a casa de R$ 1 bilhão. E estamos falando de clubes com história e marcas muito relevantes que conseguirão inverter essa lógica se fizerem um trabalho austero de contenção de despesas. Imagine então clubes de médio porte como o Queens Park Rangers, que possui dívida superior a R$ 900 milhões sem que possa vislumbrar receitas compatíveis a isso.

No texto publicado há duas semanas sobre a expansão do futebol chinês, mencionei alguns casos de contratações confirmadas ou sondagens a grandes estrelas do futebol mundial, sendo esse o fator principal para o aumento da inflação no mercado (https://universidadedofutebol.com.br/o-exercito-chines/). Na semana passada, o governo chinês sinalizou que pensa em instituir um controle de gastos para evitar um colapso nos próximos anos.

No Brasil, a dívida dos clubes também é imensa. O Botafogo do Rio lidera esse ranking com dívida total superior a R$ 700 milhões, somadas aqui as dívidas bancárias, tributárias e operacionais. Os maiores clubes do Brasil possuem dívidas acima de R$ 100 milhões.

No meio desse bolo, há casos que merecem destaque por mostrarem que é possível conquistar o equilíbrio entre uma estrutura competitiva e um resultado financeiro positivo.

A Bundesliga e, consequentemente, os clubes alemães, seguem uma cartilha de manter as suas contas em dia, muito em virtude dos clubes serem empresas de capital aberto que devem gerar dividendos aos seus acionistas.

A MLS vem crescendo de forma orgânica e planejada ano após ano, com o teto de gastos existentes para todas as franquias (veja texto publicado na semana passada sobre o modelo de expansão americana: https://universidadedofutebol.com.br/o-futebol-na-maior-economia-do-mundo/).

No Brasil, até poucos anos atrás, o Flamengo liderava o ranking de dívida com valor superior a R$ 600 milhões e vem reduzindo esses valores de forma gradual com base na capacidade do clube em gerar receita com a sua marca.

Medidas adotadas como o Fair Play Financeiro da UEFA e até mesmo o Profut no Brasil são modelos que podem transformar as finanças dos clubes em algo mais sustentável.

No caso da UEFA, os clubes que participam das competições europeias, têm que provar que não tem dívidas novas em atraso com outros clubes. A partir de 2013, os clubes passaram a respeitar a gestão equilibrada de “break-even”, ou seja, não podem gastar mais do que ganham, criando um controle para que as dívidas existentes não aumentem.

Já o Profut é uma lei sancionada em 2015 para ajudar os clubes brasileiros a quitar suas dívidas tributárias com a União. Em contrapartida, os clubes são obrigados a seguir regras como gastar o máximo de 80% de suas receitas com o futebol profissional, não atrasar salários, não antecipar verbas e restringir mandatos dos presidentes.

Apesar da necessidade de ter atenção e cuidado para que medidas desse caráter não se percam, é nítida a preocupação para que o futebol consiga ser minimamente sustentável. O marketing possui as ferramentas em mãos para gerar receita suficiente para atender um modelo justo e atrativo.

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#SomostodosFelipeMelo

Ainda é cedo para fazer qualquer análise técnica sobre a movimentação dos times brasileiros na última janela de transferências, mas já é possível dizer que a contratação de Felipe Melo assegurou ao Palmeiras o título de reforço mais polêmico do futebol nacional em 2017. O volante de 33 anos disputou apenas uma partida com a camisa alviverde – foi titular em amistoso contra a Chapecoense –, mas já enfileirou polêmicas: bateu boca em redes sociais, criticou um dirigente do Flamengo e se disse disposto a “dar tapa na cara de uruguaios” na Copa Libertadores, por exemplo. Considerando o pacote que o meio-campista oferece, há uma série de motivos para discutir a estratégia do clube paulista. Existe, no entanto, um ranço inaceitável. E nessa lógica, #SomostodosFelipeMelo.

Desde que começou a negociar com times do Brasil, Felipe Melo foi retratado como “o jogador que deu um pisão em Robben, da Holanda, e foi expulso na partida em que o Brasil foi eliminado da Copa de 2010”. É raso como todo rótulo – por mais recorrente que seja, essa é só uma faceta. Além disso, o episódio aconteceu há mais de seis anos. Pessoas mudam crenças, hábitos e traços de personalidade em períodos bem mais curtos, dependendo da disposição ou de influências externas. Somos seres em constante mutação, e um retrato de minutos registrados seis anos atrás tem pouco a dizer.

Felipe Melo não tem uma larga coleção de jogadas desleais ou de expulsões em momentos decisivos. Ao contrário: o volante construiu sólida carreira no futebol europeu e sempre foi considerado um atleta confiável por comissões técnicas de algumas das principais equipes do planeta. Não há diagnósticos conhecidos sobre problemas de personalidade ou comportamento.

O que sobra é o rótulo. E a partir do rótulo, Felipe Melo é incitado ou provocado. E a partir de suas reações, o rótulo é reforçado. É um ciclo que baseia muito dos processos de comunicação – e não apenas no esporte. Em quantos momentos na vida você foi cobrado ou avaliado a partir de um comportamento que as pessoas esperavam, baseado apenas em ações pregressas?

A proposta do texto também não é fingir que o passado não existe. Currículo serve exatamente para isso: mostrar como alguém se comporta em diferentes momentos e como evolui ao encontrar situações similares. Felipe Melo tem manchas, sim. Mas quem não tem?

Essa questão permeou uma das principais respostas de Felipe Melo em sua primeira entrevista coletiva no Palmeiras. O jogador foi questionado sobre o comportamento viril, a dedicação e a reação à catimba dos rivais. Deve ter pensado, com base no estofo adquirido em toda a carreira, que torcedores e jornalistas esperam dele uma personalidade combativa. Respondeu que está pronto para “dar tapa na cara de uruguaios”.

Ninguém aqui defende a agressão e tampouco considera inteligente o comportamento de quem pensa, antes mesmo do início de uma competição, que vai encontrar uma guerra em vez de um simples jogo de futebol. A reação de Felipe Melo, contudo, não foi tão desmedida quanto algumas pessoas tentaram rotular. Foi apenas o que esperavam dele.

Também foi assim a discussão com Antonio Tabet, vice-presidente de comunicação do Flamengo. O cartola ironizou em redes sociais o acerto de Felipe Melo com o Palmeiras – o jogador é torcedor rubro-negro, mas encontrou na equipe paulista uma proposta profissional mais vantajosa.

Melo respondeu. Reafirmou a paixão pelo Flamengo, mas precisou explicar que é profissional e tem direito de trabalhar onde quiser – e não necessariamente no lugar que ama. Criticou “um diretor do Flamengo”, e Tabet partiu para a tréplica.

“O senhor Felipe Melo, antes de ir embora do Brasil, foi acusado de esfaquear um cara aqui no Rio de Janeiro. Não sei como terminou essa história, mas podem procurar aí no Google”, disse Tabet em entrevista à “Rádio Globo” do Rio de Janeiro.

O primeiro ponto: se ele foi acusado, não é necessariamente culpado; apenas a Justiça pode dar um veredicto, e o sistema brasileiro é estruturado a partir da presunção de inocência. O segundo: mesmo que tivesse sido condenado, o que isso tem a ver com a discussão? Tabet jogou no ar uma história relacionada ao passado como estratégia para desmerecer Felipe Melo. Agiu como se não entendesse que pessoas cometem erros e que devem ser julgadas por eles, mas não podem carregar consigo eternamente a pecha.

Tabet foi cafajeste ao falar de Felipe Melo como se o jogador fosse culpado. Foi ainda mais cruel por ter se eximido da acusação (apelou ao “podem procurar no Google”). Tentou debelar a credibilidade do interlocutor como se isso o ajudasse na discussão (um ataque ao argumentador e não ao argumento).

Novamente, coloque-se na pele de Felipe Melo: em quantas situações você foi julgado por pessoas alheias ao acaso ou teve de lidar com feridas abertas além do tempo?

Felipe Melo pode ter vários defeitos, mas é apenas isso: um jogador e uma pessoa falível. Tem de ser avaliado por essas atitudes, mas não pode ser eternamente rotulado por elas. O contexto serve para isso, afinal: para entendermos que somos seres em progresso.

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Construção expressa de um time

Observo a reconstrução da equipe profissional da Chapecoense e tenho a percepção de quanto deve estar sendo difícil montar esse quebra-cabeça dentro do contexto atual do futebol brasileiro. Como então, conseguir montar uma equipe competitiva e engajada para a temporada que está por iniciar nos próximos dias?! Esta com certeza é uma tarefa difícil para todos e qualquer clube, imagina para um clube que passa por uma situação de tragédia pela qual a Chape passou recentemente?

Sabemos que a montagem de quase um novo elenco ainda é algo comum no futebol brasileiro, infelizmente, pois ainda lentamente os clubes começam a procurar por continuidade dos trabalhos atuais, uma vez que alguns já perceberam os benefícios na adoção desta estratégia.

Acredito particularmente que o clube como a Chape tem um grande desafio no momento, pois precisam realinhar internamente entre todos os envolvidos e definir a direção para orientar o futebol profissional a partir de agora. Isso pode passar até por uma revisão de metas e objetivos. Passa também por uma definição de qual perfil de profissionais melhor se encaixam nesse novo elenco profissional, desde a comissão técnica até os atletas envolvidos.

Porém, o principal ponto de convergência, talvez nem seja a seleção e captação adequada dos atletas, mas sim a capacidade de construir um time coeso e engajado verdadeiramente com o propósito da Chape. Para tal, o propósito coletivo precisará estar totalmente claro e internalizado por todos, pois o esforço em tempo reduzido para a construção deste espírito de equipe já será por si só um desafio ímpar para o momento.

Observando por este ponto de vista, vale a pena relembrarmos as principais diferenças entre grupos e times, fornecida por Maddux.

                                                           GRUPOS                                                                      TIMES
Indivíduos que trabalham independentemente Membros que são interdependentes
Membros focados em si, agendas e responsabilidades ocultas Metas comuns, propósito, missão e senso de unidade
Existem desconfiança e desentendimentos Ambiente aberto e de confiança, desentendimentos vistos como positivos e geram aprendizado
Comunicação é obscura Comunicação aberta e honesta
Conflito é evitado ou escalado Reconhecimento do valor dos conflitos, com estratégias de resolução de problemas colocadas em ação
Membros conformados Expressão livre entre os membros

Ao prestarmos atenção entre as percepções diferentes de um grupo e um time, já podemos ter a clareza de quanto trabalho será necessário desenvolver para que seja possível o desenvolvimento desta coesão, bem como para que evolua a capacidade de colaboração e entrosamento de todos os atletas do elenco para formar uma verdadeira equipe.

Concluindo, acrescento mais um valioso conceito de time (equipe), elaborada por Smith e Katzancah (1993): “Um determinado número de pessoas com habilidades complementares que estão comprometidos com um propósito comum, metas de desempenho e abordagens contabilizadas de forma mútua”.

Até a próxima e boa sorte à Chapecoense!

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Preguiça, “migué”, “tiriça”… será que é sempre só isso mesmo?

Amigos leitores, quem aqui, em algum momento de sua vida, não sentiu um certo desânimo, falta de vontade, preguiça (popularmente chamada de “migué” ou “tiriça” no meio futebolístico) para realizar algum tipo de atividade? Acredito que este seja um sentimento natural a todo ser humano. Este sentimento pode ser motivado por diversos fatores, porém, em grande parte, aflora em função da atividade a ser realizada. Dificilmente temos este sentimento em realizar atividades prazerosas a nós; ele vem atrelado à realização de atividades que não nos geram motivação, prazer. Como já dito, algo natural dada a condição.

O futebol deve ser algo prazeroso a quem pratica e a quem assiste. Em minha concepção, se isso não estiver ocorrendo, há algo de errado em algum ponto do sistema. O despertar do interesse pelo futebol nas crianças se deve ao prazer que ele proporciona, a alegria de correr atrás da bola, de marcar um gol, de driblar, defender um pênalti, de assistir uma partida do time de coração junto aos pais, ir ao estádio… Tudo isso fascina as crianças e, logo cedo, as impulsiona a sua prática no quintal de casa, driblando o cachorro, nas escolinhas e em outros espaços (ao longo dos anos essas práticas primárias do jogo vêm perdendo espaço para atrativos eletrônicos, mas este é outro assunto.).

Com o passar do tempo e o seu amadurecimento, as crianças começam a fomentar um sonho maior, desejam ser jogadores profissionais, jogar em estádios lotados, defender a camisa do clube de coração, da seleção, do time onde seu ídolo joga e, em busca da realização destes e outros sonhos, buscam ingressar nas categorias de base dos clubes. A esta altura, o cuidado com estes sonhos deve ser muito grande, principalmente por parte de pais e treinadores, que também possuem aspirações pessoais ligadas aos jovens jogadores.

Síndrome de Burnout é uma síndrome psicológica identificada e estudada primeiramente pelos psicólogos Herbert J. Freudenberger, Christina Maslach e Susan Jackson, entre as décadas de 70 e 80. Foi o termo adotado ao estado de fadiga e exaustão, ou perda de energia física e mental, despersonalização e reduzida realização profissional, fruto de aspirações exageradas a alcançar objetivos não realistas traçados pelo indivíduo ou pelos valores da sociedade, e também pelo envolvimento com pessoas dependentes, de algum modo, de sua ação profissional. Os estudos direcionados à presença do Burnout no contexto esportivo apontam que não é o grau de profissionalismo que determina sua presença, mas sim as circunstâncias esportivas e as fontes de estresse associadas à pratica esportiva a qual o sujeito está exposto, tais fontes e circunstâncias podem ser: o estilo do treinador, altas demandas competitivas, estratégias de enfrentamento, estilo de vida externo, monotonia do treinamento e escassez de reforços positivos. No intuito de melhor diagnosticar e mensurar a síndrome em atletas, pesquisadores desenvolveram o Athlete Burnout Questionnaire (ABQ), considerado o mais adequado para o contexto esportivo. Além da falta de motivação, queda de desempenho e exposição a lesões, uma das últimas consequências da síndrome é o abandono da prática esportiva.

Agora, num contexto em que há jogadores com muitos sonhos e aspirações, pais e treinadores com grandes expectativas e ambições a respeito do desempenho destes jogadores, estão desenhando um propício cenário ao desencadeamento desta síndrome em atletas. Isso não quer dizer que, repentinamente, estes irão abandonar a prática esportiva, esse processo ocorre de forma mais lenta e muitas vezes silenciosa. Mas é claro, isso não é uma regra, nem todos virão a desenvolver, mas todos estão sujeitos se não bem conduzidos e orientados quanto aos aspectos psicossociais do jogo e de tudo o que o cerca.

Reflitamos sobre a seguinte situação, após uma temporada exaustiva, repleta de concentrações, sessões de treino e jogos, o que grande parte dos atletas vão fazer em seu período de férias? Participar das famosas “peladas” de final de ano, jogos sem cunho competitivo e muitas vezes de apelo a causas sociais, quando o placar do jogo é o menos importante e os jogadores buscam o prazer em “bater uma bola”. É fácil constatar que o futebol continua a ser efetiva fonte de prazer a estes atletas e que eles não deixam de encontrar motivação para sua prática, mesmo após concretizarem muitos dos sonhos de criança. Sendo assim, por quais motivos observamos estes jogadores apresentarem desleixo, displicência, desmotivação, os famosos “migué ou tiriça” em treinos e jogos ao longo da temporada? Por que jogadores de notória capacidade passam a apresentar um desempenho aquém do que poderiam alcançar? Será que só o caráter competitivo é o desencadeador destes comportamentos? Por que Adriano “Imperador” desistiu do futebol tão cedo? Por que aos 42 anos Zé Roberto continua atuando? Por que jogadores como Zidane e Pirlo, já com idades avançadas, 34 e 35, disputaram finais de Copa do Mundo e Champions League, enquanto jogadores como Ronaldo e Ronaldinho já não figuram mais no protagonismo da disputa de grandes títulos?

O prazer, a motivação, a inspiração, a alegria, são fatores intrínsecos ao jogo, cada apaixonado pelo futebol, ao tentar voltar a mais remota lembrança de contato com o jogo, trará a memória tais sentimentos. A desmotivação, falta de alegria, de prazer pela prática, são fatores que se desencadeiam ao longo do processo, muito em função de fatores estressantes identificados no Burnout.

Finalizo esta coluna com a seguinte questão: Se a alegria, o prazer, o lúdico, são elementos motivadores que podem facilitar o bom desempenho e estão no cerne da prática do futebol, por que então não os levar em consideração, estimular e utilizar como aliados no planejamento e aplicação dos treinos?

Bons treinos! Que nossa ação seja mais motivadora e condutora de realização de sonhos, do que desestimulante e condutora da deserção do jogo. Até a próxima.

REFERÊNCIAS

PIRES, D. A.; BRANDÃO, M. R. F.; SILVA, C. B. Validação do questionário de burnout para atletas. Revista da EDUCAÇÃO FÍSICA/UEM, Maringá – PR, v. 17, n. 1, 2006. http://eduem.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/3353 

VERARDI, Carlos Eduardo Lopes. Burnout e estratégias de enfrentamento em jogadores de futebol profissionais e amadores.. 2008. 115 f. Tese (Doutorado em Medicina Interna; Medicina e Ciências Correlatas) – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, 2008. http://bdtd.famerp.br/handle/tede/83

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Duas torcidas: Minas dá o exemplo

A crescente violência nos estádios de futebol tem levado os organizadores de eventos esportivos a realizarem os clássicos regionais com a presença de apenas uma das torcidas.

Conforme destacou Márcio de Souza Peixoto, “lamentavelmente, em que pese todo seu caráter lúdico e moral, o fenômeno da violência associada ao desporto sempre existiu. O esporte é uma forma de luta ritualizada especial, produto da vida cultural humana”. (PEIXOTO, 2011).

A relação entre violência e esporte é complexa, com maior visibilidade no futebol por causa do tamanho e importância deste esporte como um dos principais fenômenos sociocultural do século XX, e do alargamento da projeção do futebol-show como um dos principais produtos da indústria cultural.

Apesar de toda a complexidade do fenômeno da violência nos estádios de futebol, na tentativa de minorar o lastimável quadro em jogos de futebol, passou-se a sugerir a realização de jogos com torcida única como forma preventiva diante dos latentes riscos de segurança e ordem pública.

Além de não combater a violência, a torcida única demonstra despreparo, como bem ressaltou Marcos Lopes, da Tribuna do Norte: “o atestado de falência da segurança pública de um estado, é o atestado da perda de espaço dos bons, a vitória dos maus, a consolidação da violência e – insisto – a prova definitiva da incompetência do estado em garantir a segurança do bom torcedor”.

Contra a corrente, Atlético e Cruzeiro anunciaram que farão o primeiro clássico do ano, válido pela Primeira Liga com o Mineirão divido.

Sem dúvidas, a melhor notícia do início do ano. Uma vitória do futebol e do torcedor que merece fazer a festa na arquibancada e/ou assistir a festa pela TV, de casa.

Na prática, a torcida única não se mostrou eficaz para combater a violência, razão pela qual, o exemplo de Atlético e Cruzeiro deve se irradiar por todo o país.

O futebol agradece!

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Organização de jogo e suas alternativas

No decorrer dos anos, diversos paradigmas foram criados e quebrados, e transformações vêm acontecendo especialmente no Brasil. Transformações, se idealizadas corretamente, sem perda do DNA genuíno, proporcionam câmbios evolutivos relevantes. E esse é um período oportuno de crescimento e discussão da nomenclatura organização de jogo.

Organização de jogo, que alguns anos atrás era um estranho nome, um “fantasma europeu”, atualmente passou a ter uma conotação de grande relevância. Construtos teóricos, práticos e discursos de treinadores e gestores reforçam essa tese diariamente. É só pesquisar ou conversar com profissionais da área para notar diversas ideias explícitas, debatidas e especialmente ratificadas pelas numerosas alternativas organizacionais.

O termo organização pode ser tradicionalmente identificado como a coordenação planejada das atividades, tendo em vista uma quantidade de pessoas com o propósito ou objetivo comum, nítido, através da divisão do trabalho, autoridade e responsabilidade (SCHEIN, 1982). Também como um sistema criado ordenadamente para atender objetivos individuais ou coletivos e, com base nesses objetivos, modelar suas estruturas, estratégias, tecnologias, pessoas e processos (ETZIONI, 1973).

Com uma linha investigativa e reflexiva, Morgan (1996) acredita que uma organização deve ser concebida como um sistema vivo, que existe em um ambiente de interdependência-independência, com percepção satisfatória das suas várias necessidades, perspectivada dentro de uma ideia de que é possível planejar seu funcionamento como uma rede capaz de construir significados coletivo-comunicativos. Essa ideia remete ao entendimento da organização como fluxo e transformação, possivelmente o mais próximo da representação atual da cena organizacional, focalizada para as interações, para os círculos, para contradição e a crise.

Mesmo assim, como em qualquer área de conhecimento, existem várias tendências e todas são válidas. A vida organizacional clarificada por metáforas demonstra um pouco disso:

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Essas “metáforas organizacionais” automaticamente influenciam o entendimento de “organização de jogo” no futebol. Pensando numa definição simples, clara e aberta às várias tendências, “organização de jogo pode ser entendida como uma relação ou fragmentação de ideias específicas, construídas por interação intencional, recusa intencional ou pela individualidade de um dos componentes do jogo (estrutura, elementos e funcionalidade) distinguidas por nível de entendimento e pertinência, considerando intervenientes gerais e um contexto emergente-adaptativo que busca superar o adversário”.

E as equipes de futebol atuam como sistemas cujos constituintes se organizam com uma lógica particular, em função de ideias, num contexto de oposição e cooperação. No sentido em que as suas partes estão ligadas de certo modo e sob alguma norma, pode-se dizer que são sistemas caracterizados pela sua forma particular de organização. (GARGANTA, 1997)

O jogo de futebol é isso: um confronto de organizações singulares que precisam de uma ordem devidamente abalizada. E essa condição permite diversas formas de se organizar, já que não há nada que impeça a diversidade de expressão conceitual e operacional. Conceber as organizações como “formas Específicas de uma forma específica geral” que é o jogo de futebol, cria códigos intrínsecos de desempenho. Assim, cada organização possui sua identidade, demarcada por ideias, processos mais ou menos elaborados, sendo que o fim é sua eficácia qualitativo-quantitativa, ou seja, a vitória. E muitas vitórias são conquistadas por organizações variadas dentro de perspectivas distintas, seja no futebol formativo ou no futebol profissional. Abaixo algumas possibilidades, de muitas encontradas, dentre as alternativas organizacionais:

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Organização Mecânica Numérica e Reatividade Estratégica: procura focar mais na estrutura numérica de jogo. Cria padrões de movimentos rígidos, fechando um pouco a relação interativa do jogo, com exagerada ordem estática. Isola em demasia as tarefas dos jogadores. Também pode mirar exclusivamente na reação dos movimentos do adversário, fazendo a equipe apenas jogar espelhada durante o jogo inteiro, abusando da dimensão estratégica. Sua racionalidade mais formatada faz com que a equipe não se adapte as constantes mudanças que o jogo delineia. É perspicaz na manutenção de uma regularidade, mas pode não sobreviver continuamente ao longo do processo pela rigidez informacional.

Organização Natural dos Jogadores: o jogo possui relações naturais gerais e relações essenciais à interação natural dos jogadores que são capitais. Mas dar demasiada importância, ou deixar exclusivamente para isso, retirando alguns aspectos organizacionais do jogo, pode fazer do jogo um efeito cascata, de um estado caótico desordenado.  Também essa organização está mais baseada no que os jogadores fazem individualmente, dando liberdade excessiva, imprevisibilidade, pouco nível organizacional e escassez informacional. Pela aleatoriedade, dependendo do adversário, pode conseguir fazer prevalecer o estado caótico da estrutura com a combinação do estado caótico do jogo, assim virando um “estado de jogo desordenado cobiçado”.

Organização da Sobrevalorização de um ou dois Momentos do Jogo: os cinco momentos do jogo (ataque-pós-perda-defesa-pós-recuperação-bolas-paradas) estão dentro dos elementos do jogo. Essa organização procura controlar um ou dois desses momentos do jogo, com “eficácia funcional estabelecida”. Trabalha em grande parcela as relações dos jogadores nas ações exclusivas, com preponderância ao momento ou os “momentos fortes” escolhidos para confrontar o jogo. Também pode ter uma forte dominância estratégica. Sua riqueza ou pobreza organizacional e informacional fica suscetível à sistematização e variabilidade da construção processual. Contudo pode ser tonificante, se bem operacionalizada ao longo do ano, devido ao desgaste menor que pode proporcionar.

Organização Conceitual com Excesso Informativo: como o nome já diz, o excesso de informação conceitual, dependendo do grupo de jogadores, e da cultura, pode sobrepor a capacidade de recepção e absorção dos jogadores. Essa informação pode ser passada de diversas formas, mas se passada de forma “copiosa”, com excessos de regras de ação e regras de treino, pode dificultar alguns grupos que não possuem ativação prévia. Esse excesso gera curtos-circuitos internos cognitivos que fazem o conteúdo conceitual ir além das possibilidades dos jogadores. Também pode fazer o jogador apenas jogar pelo conceito, se distanciando dos outros intervenientes da organização do jogo. Porém, se bem equilibrada, pode ser um meio rico para organizar uma equipe.

Organização Interativa: nesse estilo de organização, as várias possibilidades acima podem ser transferidas em uma só, se juntando com outras ideias, e criando uma coordenação interativa de intenções, formando uma rede de interações com demandas interpretativas do jogar que se pretende para enfrentar o jogo. Considera os processos organizacionais relativos às estruturas de jogo, às relações naturais dos jogadores, inter-relações dos momentos do jogo, dimensões do jogo específicas, conjunturas/interações de movimentos, conceitos/princípios, possíveis posturas do adversário e estratégias zonais-coletivas. Se bem operacionalizada pode gerar variações internas que proporcionam uma fluidez de jogo. Aqui entra a ideia de Maturana (2002), a Autopoiese (Autoprodução), entendida como “dinâmica construtiva-interativa de seres-vivos auto-organizados e auto-organizáveis buscando condições e fluidez de equilíbrio-desiquilíbrio-equilíbrio. Ela também precisa ser construída corretamente devido as hierarquias envolta da ideia. Se conter excessos informativos, desconexões, dificuldades de controle ou exacerbação de conteúdos, pode entrar no mesmo panorama da organização conceitual.

Então o que é uma boa organização de jogo? Precisa de rigidez excessiva? Precisa de liberdade excessiva? Mecanizada? Reativa? Formatada? Apenas conceitual? Alguma alternativa que nem está entre as citadas acima? Analisando friamente, organizar o jogo tem um pouco de tudo que foi levantado, então nenhuma perspectiva deve ser pré-julgada ou levada como ópio, apenas norteada com maior identificação.

A questão é criar uma identidade organizacional. Mas como? Somente com reflexões, debates e percepções contextuais. Simplesmente, criar algo próprio, de acordo com a realidade, experiência e conhecimento. Muitas questões no futebol dão certas desacompanhadas, outras conectadas, outras nem estão nas linhas acima, geradas pela sensibilidade individual e imprevisibilidade que cada jogo e cada contexto tem. Por isso, não se pode enxergar apenas uma “Organização da organização”, pois cada novo contexto, cada realidade exige, às vezes, aspectos organizacionais por vezes negligenciados num contexto passado. Não esqueçamos que dentro da cada perspectiva há muita riqueza de conteúdo e reflexões positivas e negativas.

Enfim, o interessante de tudo isso, é ver cada vez mais o crescimento da ideia interativa, que também possui suas diferenciações e alternativas, e que de certa forma, retrata um pouco mais a organização singular de cada equipe, o confronto entre as equipes e a auto-organização provocada.

Abraços a todos e até a próxima quarta!

 
 
Referências
ETZIONI, Amitai. Organizações complexas. São Paulo: Atlas, 1973.
GARGANTA, J. M. Modelação tática do jogo de Futebol: estudo da organização da fase ofensiva em equipes de alto rendimento. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade do Porto, Porto, 1997.
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
MORGAN, G. Imagens da Organização. São Paulo: São Paulo: Atlas ,1996.
SCHEIN, H. Edgar. Psicologia Organizacional. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1982.