Nesta semana a CBF regulamentou sua Câmara Nacional de Resolução da Disputas.
O órgão tem a função de julgar todos os litígios, segundo o artigo 3, envolvendo clubes, atletas, intermediários e técnicos.
A Câmara é paritária e terá um representante de cada área, como estabelece o artigo 5.
Sob o ponto de vista jurídico, trata-se de juízo arbitral especializado em demandas jusdesportivas (exceto questões disciplinares que são de competência da Justiça Desportiva) que atuará de forma mais célere que o Judiciário.
A arbitragem é, sem dúvidas, o futuro dos litígios, eis que as partes, em comum acordo, conferem a um árbitro a legitimidade para julgar seus conflitos.
A Câmara de Disputas da CBF segue a tendência europeia e possui em suas atribuições o julgamento de questões trabalhistas.
Entretanto, as questões trabalhistas tendem a ficar de fora da Câmara, um vez que o ordenamento jurídico brasileiro classifica os direitos trabalhistas como indisponíveis e limita o estabelecimento da cláusula arbitral.
De toda sorte, a CBF dá um passo imenso rumo à modernização jurídica e na atenção aos direitos de seus filiados que não precisarão mais se submeter a longas demandas no Poder Judiciário.
A CBF acerta e o futebol brasileiro agradece.
Categoria: Colunas
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Nos últimos tempos, as concepções de vida e, consequentemente, do futebol, evoluíram. As contribuições científica-teórico-práticas do paradigma emergente, que analisa os fenômenos sob o ponto de vista da complexidade se estendem ao futebol, proporcionando novos olhares para o jogo e para o treino da modalidade.
Sob a perspectiva sistêmica, as equipes de futebol devem ser compreendidas como um sistema (conjunto de elementos em interação) que, através da gestão dos seus processos de configuração, liderados pelo treinador, apresentam estrutura e função muito bem definidas, independentemente dos julgamentos de valor que podem ser estabelecidos.
Dentre os processos de configuração do sistema, é missão do treinador dar ordem à equipe num contexto de imprevisibilidade e caos permanentes, uma vez que no sistema Jogo a mudança contínua do local da bola e o sistema adversário exigem reajustes que tendem ao desequilíbrio, principalmente se faltarem aos jogadores (elementos em interação) referências individuais e coletivas para solucionarem os problemas que o jogo lhes impõe.
Na operacionalização da organização da equipe construída no treino, a priori não existe estrutura (esquema tático) inicial melhor ou pior. São as funcionalidades e interações de cada elemento que darão vida ao sistema e poderão expressar um nível de jogo que pode variar do anárquico ao elaborado, de acordo com a qualidade das relações e soluções estabelecidas.
Na tentativa de potencializar as propriedades do sistema é função do treinador se valer de mais uma contribuição da teoria da complexidade que afirma que o TODO pode ser maior ou menor do que a soma de suas partes.
Não há dúvidas de que para potencializar um sistema, a meta do treinador deva ser fazer com que o produto final da sua equipe (nível de jogo apresentado), ou o TODO se nos valermos dos conceitos de sistema, seja maior do que a simples soma de suas partes (os jogadores).
Existem inúmeros procedimentos complexos (físico-técnico-tático-psicológicos) que devem ser construídos no dia-a-dia de atividades com o elenco para atingir este objetivo e um deles diz respeito à forma de atacar predominante assumida pela equipe.
Resumidamente, existem três formas de uma equipe desenvolver sua organização ofensiva (e aqui não estamos classificando os tipos de ataque – contra-ataque, ataque rápido, ataque posicionado), são eles:
1 – Ataque sem referências zonais
2 – Ataque zonal com estruturas fixas
3 – Ataque zonal com estruturas móveis
Conceitualmente, construir uma equipe que tenha um ataque zonal com estruturas móveis parece ser uma ótima maneira de potencializar as propriedades de um sistema. O ataque zonal permite o estabelecimento de padrões de ocupação do espaço que, uma vez reconhecidos e aplicados pela equipe, do plano individual ao coletivo, podem diminuir os desequilíbrios gerados pelo ciclo do jogo (ataque-transição-defesa-transição). Ao mesmo tempo, as estruturas móveis, (que significa a equipe manter organização zonal com alternância dos jogadores em cada uma das referências zonais assumidas pela equipe quando ataca), dificultam a organização defensiva do adversário, pois um jogo com este formato está intimamente associado a um jogo de mobilidade com trocas de posição. Tal mobilidade pode aumentar os desequilíbrios no sistema adversário.
A competência geral para jogar futebol exige das equipes a capacidade de recusar inferioridade numérica, evitar igualdade numérica e buscar superioridade numérica nos setores-chave que se desenvolve o jogo e que se alternam a cada instante.
Respondendo à pergunta do início do texto sobre a possibilidade de poder jogar com mais de onze jogadores, logicamente a resposta é não! No entanto, é perfeitamente possível, durante os 90 minutos, jogar com mais jogadores que o adversário. Engraçado, não?
Como atacam suas equipes?
Abraços e até a próxima!
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Tribunal único para o doping; Entenda
O esporte tem se profissionalizado mais a cada dia. Na mesma proporção que aumentam as cifras envolvidas, cresce também a busca pelo resultado a qualquer preço. Neste contexto, muitos atletas, no intuito de melhorar seus resultados, usam substâncias proibidas.
A luta mundial contra o doping se justifica na necessidade de se garantir a lisura das competições esportivas. Este combate é capitaneado pela Wada (Agência Mundial Antidopagem), que fixa uma série de condutas e procedimentos a fim de que nenhum atleta, federação desportiva ou Comitê Olímpico se beneficie do doping.
A fim de auxiliar a Wada, o governo brasileiro criou a Abcd (Agência Brasileira contra a dopagem). A Abcd tem a missão de consolidar a consciência antidopagem e defender no âmbito nacional o direito fundamental dos atletas de participarem de competições esportivas livres de quaisquer formas de dopagem.
Há algumas semanas, a Abcd convidou membros dos tribunais de justiça desportivas, entidades de direito desportivo e juristas para apresentar a proposta da criação de um tribunal único para julgamento dos casos de doping. O tribunal seria composto por especialistas indicados nos termos da Lei Pelé.
Com este tribunal único, a ideia é retirar os julgamentos de doping da justiça desportiva. Inclusive, os TJDs de diversas modalidades (especialmente nos esportes individuais) perderiam a competência para julgar 90% de suas demandas, já que são oriundas do doping.
A criação do tribunal único causou certo desconforto na comunidade jusdesportiva, eis que dá a sensação de desprestígio dos tribunais de justiça desportiva e vai de encontro ao princípio da não intervenção estatal que norteia o desporto. Outro ponto relevante é a necessidade de se alterar a Lei Pelé para que o Tribunal Único da Abcd passe a integrar a Justiça Desportiva (art. 52).
Há ainda o receio de que um tribunal ligado à Abcd (que faz os exames e controle de dopagem) acabe tendo um viés condenatório.
A justificativa para o novo tribunal é a exigência da Wada, cujo comunicado foi divulgado esta semana.
Os membros da justiça desportiva divulgaram proposta de alteração no Código Brasileiro de Justiça Desportiva para que o Tribunal Pleno da Justiça Desportiva (2ª instância) atue como instância única, mantendo-se, assim, o julgamento do doping na seara privada.
A Fifa deve se manifestar em alguns dias, mas a tendência é que seja a favor da manutenção do atual sistema.
Sem dúvidas o interesse de todos os envolvidos é comum na busca pela lisura e paridade de competição de forma a permitir um desporto livre da dopagem.
Assim, a expectativa é que a convergência de ideas possa trazer a solução para o imbróglio para que o direito desportivo, o doping e o desporto brasileiro saiam vitoriosos.
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O que equilibra o futebol no Brasil
Se uma pessoa tem um terço dos rendimentos de outra, a lógica é que as duas não possuam o mesmo padrão de vida. O mesmo vale para empresas: companhias com faturamentos muito diferentes também não podem (ou não deveriam) equiparar seus investimentos. Parece simples, mas o futebol brasileiro continua ignorando esses axiomas. E o equilíbrio em campo, uma das principais marcas positivas do esporte local, tem relação direta com isso.
É o caso do Atlético-MG, que fechou a temporada 2014 com um faturamento de R$ 178,9 milhões (os dados referentes a 2015 serão publicados apenas em abril). Um ano depois da conquista da Copa Libertadores, as despesas da equipe alvinegra subiram de R$ 154,9 milhões para R$ 199,5 milhões, o que ajudou a levar o prejuízo operacional de R$ 22,5 milhões para R$ 48,4 milhões. A dívida total dos mineiros é de R$ 486,6 milhões.
No início de 2016, o Atlético-MG angariou 10 milhões de euros (R$ 43,64 milhões) com a negociação do zagueiro Jemerson, egresso da base alvinegra, que foi defender o Monaco. E o que foi feito com esse dinheiro? Em grande parte, a diretoria usou o caixa turbinado para reforçar o elenco que disputa a Copa Libertadores.
O dinheiro da negociação de Jemerson é uma das explicações do Atlético-MG para ter vencido a disputa com Corinthians e Flamengo pelo atacante Clayton, revelação da equipe catarinense, que custou cerca de R$ 16 milhões.
O desfecho do negócio, contudo, não é o que indica a lógica do negócio (e apenas do negócio). O Atlético-MG é um clube gigante, com vários outros fatores que podem ter seduzido Clayton, mas entrou em um leilão com clubes que faturam muito mais.
O Corinthians, por exemplo, teve R$ 258,2 milhões de receita em 2014. São quase R$ 80 milhões de distância entre um e outro. Os paulistas ainda possuem uma dívida menor (R$ 313,5 milhões, montante que não considera os custos de construção do estádio em Itaquera).
O primeiro fator que cria esse equilíbrio, portanto, é o perfil da dívida. A capacidade de investimento de curto prazo tem relação direta com o quanto o déficit está equacionado, como as parcelas impactam nas receitas e quanto o clube desembolsa com o serviço da dívida (valor que considera, por exemplo, os juros e as taxas).
Um segundo ponto é o custo do futebol. Clubes no Brasil têm naturezas distintas e gastos de extremamente contraditórios. Alguns investem em outras modalidades, por exemplo. Outros sustentam estruturas sociais (nos dois casos, a explicação é muito mais política e histórica do que estratégica). Independentemente da motivação, contudo, o fato é que o potencial financeiro também sofre efeito direto do percentual que as agremiações decidem concentrar em sua principal razão de ser.
Também há aspectos externos, como patrocínios, planos de sócios e ajuda governamental, que se manifesta em leis de incentivo, programas de refinanciamento e aportes de estatais (ainda que essas empresas tenham lógica de mercado para investir). E existem questões menos tangíveis, como a revelação de talentos e a negociação desses jogadores. Durante anos, por exemplo, o Internacional usou essa seara para equilibrar seus balanços financeiros e manter elencos que estavam sempre entre os mais caros do país.
Entretanto, nada é mais flagrante do que a falta de regulamentação. Há clubes que priorizam o aspecto esportivo e negligenciam o impacto econômico que essas decisões podem causar. Outros dirigentes simplesmente preferem arrolar dívidas para que gestões futuras lidem com esse passivo.
De uma forma ou de outra, o futebol brasileiro é uma briga em que um dos lutadores usa apenas os pulsos e outro tem metralhadoras carregadas com balas emprestadas por um agiota. As regras podem ser iguais para todos, mas as condições estão longe de algo que se possa chamar de um cenário equânime.
A recente discussão sobre direitos e mídia de TV fechada, com a entrada de um novo player e a mudança do modelo de divisão de receitas, vai diminuir um pouco a distância econômica entre os principais times do país. Porém, essa ainda não é uma das principais razões da atual discrepância de faturamento no Brasil.
O futebol brasileiro trabalha com regulamentação zero, com clubes que faturam muito e outros que não recebem nada, e não tem qualquer controle sobre os elementos que contribuem para igualar essa balança. No fim, o que vale apenas é a manutenção da competitividade. Mesmo que essa manutenção seja artificial.
Se houvesse parâmetros de gestão, veríamos que o atual modelo do Brasil cria abismos que só fazem mal ao esporte. O que equilibra o futebol no país não é um episódio fortuito (como o caso do Leicester na Premier League) ou um bom trabalho (como o do Atlético de Madri nas temporadas recentes do Campeonato Espanhol). O que equilibra o futebol no país é a pura e simples ausência de elementos de controle.
É a falta de controle de gestão que justifica o panorama traçado na semana passada pela própria CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Segundo o sistema de registros da entidade, quatro a cada cinco atletas profissionais no país recebem até R$ 1 mil por mês. Apenas 226 (ou 0,8% do total) têm salários superiores a R$ 50 mil.
Não pensamos o futebol brasileiro como um todo. Não pensamos em como estabelecer parâmetros que propiciem o futebol brasileiro que nós queremos. O reflexo direto disso é termos clubes cada vez mais endividados ou enfraquecidos. E isso, é claro, estoura no jogador, que é a ponta mais fraca da corrente.
Os dirigentes brasileiros passaram a última semana debatendo assuntos como a eleição presidencial da Fifa, os rumos dos direitos de mídia do Campeonato Brasileiro em TV fechada, o uso de publicidade estática no estádio do Palmeiras em jogos da Libertadores e até o palco escolhido pelo Flamengo para mandar suas partidas enquanto o Maracanã estiver cedido à organização dos Jogos Olímpicos de 2016. Contudo, todas essas questões têm sido conduzidas de forma individual e têm sido norteadas apenas por anseios individualistas.
Isso afeta drasticamente até a vida do torcedor mais alienado. No fim, nem “o meu time é melhor do que o seu” é possível. Afinal, enquanto não pensar em como regular o mercado, o futebol brasileiro não pode sequer fazer comparações simples.
É possível notar, numa frequência cada vez maior, reportagens qualificadas da mídia especializada sobre o desempenho das equipes do futebol brasileiro.
Com o objetivo de abastecer o torcedor de informações sobre o seu time, proporcionando o desenvolvimento do seu ciclo de aprendizagem sobre o jogo para além da incompetência inconsciente, quanto melhor a imprensa conhecer especificamente a modalidade sob o viés técnico, maior a criticidade levada ao torcedor que tem, em toda sua passionalidade, o desejo de que sua equipe vença e dê espetáculo.
O futebol espetáculo deveria ser condição indispensável oferecida pelas grandes equipes do nosso futebol. Porém, inseridas num contexto vicioso de imediatismo, pressão por resultados, trabalhos de curto prazo e inadequada capacitação profissional, na maioria das ocasiões, as desculpas estão prontas para a prática de um futebol pouco atrativo, pragmático e pouco inteligente, traduzidos em jogos com pouca organização coletiva, pouca criatividade, muitos chutões e incapacidade das equipes trocarem passes curtos (a maior ação técnica do jogo) em progressão.
E se a imprensa se opusesse cada vez mais a este futebol? E se a oposição estiver embasada em elementos quali-quantitativos, que qualificam o jogar apresentado? As ferramentas de análise de jogo já estão disponíveis e cabe a mídia se apropriar de mais este conhecimento para potencializar as necessárias transformações ao futebol brasileiro.
Sinteticamente, o papel inicial da imprensa esportiva é o de identificar os elementos que qualificam o jogo. Para isso, é preciso conhecer o próprio jogo. O sistema, sua lógica, seus princípios, suas referências. Sendo assim, será possível identificar a identidade de cada equipe e o quanto a mesma está alinhada a um jogo de grande elaboração individual e coletiva.
Dada a identificação, o próximo passo é a divulgação em larga escala do nível de jogo apresentado. Como jogam as principais equipes do futebol brasileiro em cada um dos momentos do jogo? Em seus momentos, onde estão as principais potencialidades da equipe avaliada? E as principais deficiências?
O passo seguinte e, seguramente, o mais enriquecedor é o da argumentação e debate das informações apresentadas. Se uma equipe é sólida em sua marcação nas bolas paradas defensivas e não tem sofrido gols desta característica, cabe a imprensa (após identificar e divulgar) argumentar com os porquês de tal solidez. Quais as ações individuais e coletivas têm sido bem aplicadas a ponto da equipe mostrar eficácia neste tipo de ação?
Uma mesma sustentação argumentativa deve ser elaborada quando, por exemplo, uma equipe é ineficiente em sua organização ofensiva na fase de construção, excedendo em chutões ações ofensivas que poderiam ser construídas com um jogo apoiado. É papel da imprensa, através de imagens, vídeos e dados, mostrar o que tem sido feito e debater alternativas ao problema apresentado. Falta mobilidade? Existem linhas de passe?
Vale lembrar que além dos dois exemplos supracitados, um bom número de análises individuas e coletivas podem ser feitas com o intuito de analisar uma equipe.
A temporada está prestes a completar um mês competitivo. Somado ao mês de pré-temporada, já temos tempo suficiente para identificar o surgimento de padrões. Logo, tempo também suficiente para a imprensa debater em alto nível os elementos que têm qualificado (ou não) o nosso jogo.
As mudanças transformadoras e impactantes, hierarquicamente, devem surgir de cima para baixo. Para o futebol brasileiro se transformar de verdade, CBF, dirigentes e treinadores de ponta devem liderar o processo.
A imprensa, com toda sua capacidade de repercussão, pode ser um grande catalisador deste movimento. O atraso na mudança dos maiores níveis hierárquicos, não inviabiliza a transformação em dimensões inferiores. Em qualquer dimensão que você atue, da iniciação ao profissional, da área técnica de campo ou fora dela, se você acredita na mudança, seja a mudança. Quando os movimentos de transformação, já perceptíveis e, assim como o desenvolvimento do papel da imprensa, cada vez mais presentes, forem determinantes e condição sine qua non para trabalhar no futebol brasileiro, você estará preparado.
Então, mãos à obra!
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Repetir, sem repetir
Olá amigos! Esta é minha segunda coluna aqui na Universidade do Futebol. Além de temas relacionados a aspectos extra campo, tentando sempre partilhar e abordar uma visão sistêmica, quero discutir com vocês temas relacionados à pedagogia e ao treinamento. Parafraseando Paulo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento”, logo, abramos nossas mentes e vamos trocar algumas ideias.
Primeiramente, o título desta coluna não foi criado por mim. Foi inspirado numa frase dita pelo especialista em pedagogia do futsal, prof. Dr. Wilton Carlos Santana. Ele comentava sobre o livro “A perfeição não existe” (Tostão, 2012), que num trecho do livro diz: “A repetição aprimora o conhecimento, mas, quando excessiva, limita a criatividade”.
Encerrei minha primeira coluna questionando justamente a rivalidade de competências (treinador acadêmico ou ex-atleta, líder técnico ou gestor de grupo, formar jogadores ou vencer na base, teoria ou prática, analítico ou sistêmico). Não me parece muito vantajosa essa rivalidade. Há que se investigar e conhecer todas as práticas, construindo a partir delas novos conhecimentos.
O treino analítico, sabemos, fornece um alto índice de repetições, que, segundo a afirmação acima, aprimora o conhecimento (sobre aquilo que se repete). Mas ele também tem seus aspectos questionáveis, tais como o desafio que se proporciona, a relação com a imprevisibilidade do jogo, a limitação à criatividade, entre outros. Já o treino pautado no jogo tem suas vantagens, porém pode, muitas vezes (se não devidamente controlado e avaliado), não proporcionar ao atleta um número satisfatório de “repetições” da situação para que se alcance um bom rendimento.
O treino precisa ser desafiador! E precisa mergulhar o atleta no estado de jogo. Pois se treina para o jogo. Então como proporcionar aos atletas um ambiente desafiador, relacionado com o jogo (e suas nuances, tais como a imprevisibilidade e criatividade) e que promova um alto índice de “repetições” de uma maneira, digamos, rica?
Aí é que entra essa pequena afirmação do título: Repetir, sem repetir. Não houve e não haverá um jogo de futebol igual a outro. Os jogadores sempre serão expostos a novos problemas, e terão que, a partir de suas experiências e competências, resolvê-los da maneira mais eficaz possível. Logo, o treino deve proporcionar um ambiente rico e desafiador, relacionado com a imprevisibilidade do jogo, e conseguir fornecer repetições dos problemas que se busca solucionar naquela sessão, sendo estas repetições diferentes umas das outras.
Bom, aí você deve estar se perguntando “como” criar um ambiente rico e desafiador, relacionado com a imprevisibilidade do jogo, e com um alto número de repetições dos problemas que se busca solucionar naquela sessão, certo? As possibilidades são inúmeras, e devem convergir com o planejamento macro do seu sistema. Irei aqui dar dois exemplos de treinos que foram ministrados a uma categoria sub-15 em duas sessões de treino diferentes, dentro do planejamento da categoria. Considerem, neste momento, o registro das finalizações.
Os dados foram recortados de minha planilha pessoal. No cabeçalho estão descritos os objetivos da sessão. Logo em seguida os detalhes da atividade, dentro da linguagem utilizada dentro do clube e da comissão técnica. Há um campo com o desenho e ao lado uma tabela (com os nomes dos atletas preservados por uma faixa cinza) para registro do aproveitamento de vitórias/empates/derrotas (explicarei isso numa coluna posteriormente). Ao lado esquerdo embaixo ficam registrados os conceitos principais a serem discutidos naquela sessão e mais abaixo o controle/avaliação da atividade. Ambos os exemplos foram atividades que tiveram duração total (atividade, pausas, abordagens) de aproximadamente 50 minutos.
Exemplo 1:
Exemplo 2:
Para efeito de comparação, usaremos jogos de alto nível: a Copa do Mundo de Futebol. De acordo com as estatísticas publicadas no site oficial da FIFA referentes à Copa do Mundo 2014, foram pouco mais de 26 finalizações por jogo (densidade = 0,29 por minuto), em média.
No nosso primeiro exemplo de treino houve 207 finalizações (24,26% de gols) em 50 minutos (densidade = 4,14 por minuto, ou seja, mais de 14x a densidade de um jogo formal). Em números absolutos tivemos entre 7 e 8 vezes o número de finalizações de um jogo formal.
No segundo exemplo houve 84 finalizações (26% de gols) em 50 minutos (densidade = 1,68 por minuto, ou seja, quase 6x a densidade de um jogo formal). Em números absolutos tivemos cerca de 3 vezes o número de finalizações de um jogo formal.
Ambas as situações foram conduzidas em formato de jogo, com outros conceitos coletivos, criados com a equipe anteriormente, sendo discutidos. E ambas proporcionaram um ambiente imprevisível, rico e com alto número de finalizações, afirmando a ideia de “repetir, sem repetir”. Dentro de cada atividade foi possível discutir, além de outros aspectos relacionados aos objetivos da sessão, os principais conceitos de melhora na conclusão a gol. Lembrando que num jogo participa da finalização não somente aquele que faz o arremate, mas toda a estrutura do sistema para criação de espaços, atração de marcadores, passe decisivo, coberturas ofensivas, etc.
Estes foram exemplos de como um treino pode ser imprevisível, rico e desafiador, relacionado com o planejamento e o jogo, e proporcionar uma grande densidade a fim de gerar repetições diferentes de um determinante componente do jogo: a finalização a gol.
E você, leitor, o que acha deste tema? Escreva para rafael@universidadedofutebol.com.br e vamos debater!
Um grande abraço e até a próxima!
O monopólio das Organizações Globo sobre os direitos de mídia do futebol brasileiro está ameaçado pela primeira vez desde 2011, quando o Clube dos 13 foi implodido – naquela época, que marcou o início das negociações individuais no cenário nacional, Record e Rede TV! apresentaram propostas para exibir o Campeonato Brasileiro em rede aberta. O concorrente da vez é o Esporte Interativo, turbinado pelo dinheiro do Grupo Turner, que resolveu entrar na briga pelo conteúdo para TV fechada. A concorrência criou uma clara sanha entre equipes – afinal, poucas lógicas de mercado são mais difundidas do que a relação diretamente proporcional entre demanda e preço. No entanto, toda essa história só serviu para mostrar como os contratos são historicamente mal formulados e como os times abrem mão de plataformas que poderiam ser oportunidades de comunicação ou receita.
A Globo negocia individualmente com os clubes, mas faz uma compra ampla para as organizações. Os contratos incluem TV aberta, TV fechada, pay-per-view, internet e até “mídias que possam ser inventadas”. E esse modelo de acordo é algo que o futebol brasileiro precisa atacar urgentemente.
A TV fechada é exemplo disso: em janeiro de 2016, a Turner revelou ter oferecido R$ 550 milhões aos 20 times da Série A do Campeonato Brasileiro pelos direitos de transmissão do evento em rede fechada. A Globo desembolsa R$ 60 milhões pelas mesmas propriedades e pela mesma quantidade de clubes.
Pelo menos cinco equipes fecharam com a Turner (Atlético-PR, Bahia, Coritiba, Internacional e Santos). O valor total desembolsado pelo grupo de mídia dependerá da quantidade de equipes, mas a divisão seguirá o modelo da Premier League (50% de maneira igual, 25% por audiência e 25% por desempenho).
Aí entra uma questão jurídica fundamental. A legislação brasileira permite múltipla interpretação sobre protocolos em casos de venda individual de mídia, mas o parecer geral de advogados sobre o assunto é que um canal só poderia exibir as partidas que envolvessem apenas as equipes com as quais têm parceria. Caberia ao Esporte Interativo, portanto, apenas um pacote com as combinações entre os cinco clubes que aceitaram a proposta. Paralelamente, a Globo ficaria impedida de mostrar qualquer jogo envolvendo esses times.
O cenário mais plausível (e isso é apenas um palpite) é que essa briga termine com um acordo entre Globo e Turner para que ambas transmitam os jogos. A simples disputa, contudo, já foi suficiente para mostrar o quanto o produto vinha sendo desvalorizado.
A lógica que a Globo usava nas negociações com clubes é que a TV fechada era subvalorizada para acomodar um montante maior pago pela rede aberta. E que fazer isso era fundamental para bancar o alto custo de produção do canal. A emissora chegou a dizer a dirigentes de clubes que a operação de uma partida na TV aberta demanda mais de R$ 1 milhão.
O valor é alto? Baixo? A resposta é: ninguém sabe. Os clubes nunca tentaram orçar o custo de operação de uma transmissão. Não há expertise ou conferência para entender quanto isso representa em um contrato que hoje é a maior fonte de renda de qualquer equipe no futebol brasileiro.
Se acabar com um acordo entre Globo e Turner, a briga deste ano servirá apenas para mostrar que os clubes não fazem ideia do potencial econômico de sua principal fonte de receita. Não há um estudo sequer sobre os custos de transmissão de futebol no Brasil ou sobre caminhos para tornar mais rentável esse negócio.
O mesmo vale para o pay-per-view. O futebol brasileiro é um caso raro entre as grandes ligas esportivas do planeta e transfere para a mídia a administração de um produto que normalmente é gerido pelas próprias equipes. Se o time joga, vende a imagem e gera sob demanda, existe mesmo a necessidade de um intermediário?
Questão técnica, lembrarão alguns. Mas quanto custa a questão técnica? Quantos profissionais são necessários para que os próprios clubes tenham suas estruturas e façam a geração? Isso é mais barato ou mais caro do que simplesmente oferecer os direitos a um canal? E a receita publicitária que a Globo tem no PPV? Quanto ela representa? Os times teriam departamentos comerciais capacitados para correr atrás de algo similar?
Porque o caso do PPV é esse, afinal: a Globo paga aos clubes um valor, mas cobra dos torcedores pela exibição das partidas. No entanto, a emissora também insere publicidade no conteúdo.
O mesmo vale para a TV paga: o consumidor que vê o Sportv já pagou por aquele canal, mas ainda assim é bombardeado por inserções comerciais. Isso é lícito, mas mostra o quanto a Globo tem múltiplas fontes de receita que poderiam ser exploradas pelas equipes.
O controle do conteúdo é um caminho cada vez mais claro no esporte mundial. Todas as grandes ligas (não apenas no futebol) geram seus próprios sinais e vendem apenas o direito de transmissão. Isso garante, por exemplo, que as TVs sejam submetidas ao enquadramento padronizado e que não cometam esquisitices como ângulos extremamente fechados para evitar patrocínios de clubes ou de campeonatos.
Fifa e COI (Comitê Olímpico Internacional) têm empresas que geram os sinais de seus eventos e que apenas distribuem entre as emissoras que compram o sinal. E até onde sabemos, Fifa e COI não são entidades que rasgam dinheiro – ao contrário, ambas têm faturamento exponencial e estão entre os maiores caixas do esporte mundial.
Você pode estar preocupado com o canal que vai transmitir jogos do seu time ou quanto ele vai pagar por isso, mas essas são discussões secundárias. Se quiserem realmente evoluir e preparar terreno para o futuro, as equipes brasileiras precisam começar a discutir o controle dos direitos de mídia. A briga entre Globo e Turner serviu como uma demonstração clara disso.
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Machismo no futebol?
A apresentação das novas camisas do Clube Atlético Mineiro gerou imensa polêmica. Primeiro pelo fato das modelos exibirem “moda praia”, incompatível com a apresentação de uniforme esportivo. Segundo, pelo fato de as camisas promocionais distribuídas constarem, acima das instruções de lavagem, a frase “dê para sua mulher lavar” (tradução livre).
Não há dúvidas que o futebol seja um campo predominantemente masculino e que as mulheres encontrem barreiras para adentrarem neste universo.
Aliás, infelizmente, a sociedade em geral ainda é bastante machista. As mulheres acabam sendo pior remuneradas que os homens e são vítimas de sexismo, ou seja, são vítimas de exclusão ou rebaixamento.
Segundo Karin Ellen Von Smigay, as culturas, chamadas “falocráticas”, trazem “um vasto conjunto de representações socialmente partilhadas, de opiniões e de tendência a práticas que desprezam, desqualificam, desautorizam e violentam as mulheres, tomadas como seres de menor prestígio social”( SMIGAY, Karin Ellen von (2002). “Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: desafios para a psicologia política”. Psicologia em Revista. Belo Horizonte. p. 34. Consultado em 02 de setembro de 2013.)
Ao contrário do futebol, o universo dos desfiles de moda é predominantemente feminino e a beleza e exuberância das mulheres são comumente utilizadas nos grandes eventos e nas capas de revista. Modelos femininas se tornam celebridades mundiais.
O evento de lançamento de uniformes suplanta o mundo futebolístico e busca o glamour do mundo da moda. Nos desfiles da nova camisa do Atlético viu-se claramente a intenção de “copiar” os grandes eventos de moda que são difundidos pelo mundo afora.
O que houve ali não foi uma violência ou uma desqualificação da imagem da mulher, pelo contrário, aconteceu a exaltação das mulheres, protagonistas do mundo “fashion”.
No que tange à mensagem “give it to wife”, não se trata de fato novo.
A empresa Salvo Sports que fornece material esportivo para clubes da SuperLiga da Indonésia foi alvo de polêmica no início de 2015 por trazer em seu material a frase “give it to your woman”.
Na Inglaterra, a empresa Flagship Store vendeu camisas que informavam “Give It To Your Woman, It’s Her Job” (dê para a sua mulher, isso é trabalho dela) e foi alvo de críticas nas redes sociais.
No mundo atual em que as mulheres cada vez mais dominam espaços que antes eram predominantemente masculinos, a frase estampada na camisa só pode ser encarada como uma brincadeira. De mau gosto sim, mas uma brincadeira.
Uma brincadeira que, aliás, faz escárnio do próprio ambiente masculinizado que o futebol remete.
O fato é que essas “brincadeiras” tendem a perder cada vez mais o sentido no momento em que as mulheres, os homossexuais, os negros, dentre outros, forem inseridos no contexto da igualdade social e sentirem-se seguros e aptos para rirem das próprias piadas que também são desferidas contra gordinhos ou carecas que não se sentem ofendidos, uma vez que não são alvo de restrição de direitos e violência.
Os homens brincam com naturalidade sobre o fato da “mulher mandar neles”, justamente porque se sentem seguros ao ponto de fazer piada.
O fim do machismo e de todo preconceito não está na extinção de “piadas” ou de manifestações ásperas em redes sociais, mas em ações efetivas, inclusive das próprias mulheres que, muitas vezes, presenteiam suas filhas com “panelinhas” e “tanquinhos” e já criam, na infância, a ideia de que a mulher tenha a função de cozinhar, lavar e passar.
As atitudes dizem mais do que qualquer palavra.
O mundo precisa de atitudes positivas no intuito de exaltar o papel de protagonista das mulheres não só no cenário esportivo, mas em todo o cenário social e profissional.
As mulheres são a fonte da vida e do equilíbrio do mundo. Não se vê mulheres envolvidas em guerras e em grandes atos de violência. As mulheres são dotadas de uma capacidade infinita de lidar com obstáculos e várias atividades ao mesmo tempo se perder a ternura e a humanidade.
O Brasil é governado por uma mulher. A Alemanha também. Os Estados Unidos podem ter uma mulher na presidência em breve.
Não é uma brincadeira de mau gosto que retirará das mulheres o seu papel de personagem principal no teatro da vida.
Que o futebol e todos, nos curvemos às mulheres!!!!
O esporte é uma seara cheia de aforismos e sensos comuns. Expressões como “futebol é uma caixinha de surpresas”, “2 a 0 é um resultado perigoso” e “quem não faz toma” são extremamente recorrentes no cotidiano do segmento. Algumas são apenas frases vazias, que servem mais como muletas de comunicação. Em apenas dois meses, contudo, a temporada 2016 já serviu para ratificar o valor de um desses ditos tão surrados: “os torneios estaduais não servem para nada. Desde que você não perca”.
Eduardo Baptista não precisou de mais do que seis jogos no ano para começar a ser pressionado no Fluminense. O treinador já vinha sendo cobrado por resultados ruins no segundo turno do Campeonato Brasileiro de 2015, mas a situação ficou ainda mais conturbada depois de três derrotas, dois empates e apenas uma vitória na soma de Estadual e Primeira Liga.
O Internacional de Argel também teve resultados que geraram questionamentos no início de 2016. O treinador foi cobrado depois de empates com São José-RS e Aimoré no Campeonato Gaúcho. Em defesa, chegou a dizer que o time estava em situação ainda pior no ano passado.
Aconteceram em São Paulo, porém, os dois exemplos mais claros do quanto os torneios estaduais repercutem – sobretudo quando a repercussão é negativa. Foi assim com os episódios de Leandro Almeida (no Palmeiras) e Lucão (no São Paulo).
Leandro Almeida foi contratado em 2015 atendendo a um pedido do técnico Marcelo Oliveira, com quem havia trabalhado na categoria de base do Atlético-MG. Nunca conseguiu se consolidar no Palmeiras, mas ganhou nova chance como titular no início do ano, quando Edu Dracena se machucou.
No dia 4 de fevereiro, Leandro Almeida já vinha sendo cobrado pela torcida alviverde. O Palmeiras jogava em casa, e o defensor tentou fazer um passe difícil para a direita. Morais interceptou a bola dentro da grande área, driblou Almeida e ainda completou por cobertura para fazer o gol. A partida terminou empatada por 2 a 2.
Lucão já estava no São Paulo quando o time tricolor contratou o técnico argentino Edgardo Bauza. Forjado nas categorias de base da equipe do Morumbi, o defensor foi capitão de seleções brasileiras de base e sempre teve muito moral no clube. Nunca conseguiu repetir isso entre os profissionais.
No dia 14 de fevereiro, Lucão foi titular do São Paulo em clássico contra o Corinthians, em Itaquera. No primeiro tempo, tentou cortar uma bola no lado esquerdo da área do time tricolor. Bateu a bola nos pés de Mena, pegou de volta, viu a saída do goleiro Denis e tentou um recuo. Errou o passe e ofereceu uma oportunidade precisa para Lucca abrir o placar.
Lucão ainda errou no segundo tempo, aos 40min. Giovanni Augusto cobrou escanteio da direita, e Ganso cortou mal no primeiro pau. O zagueiro ficou parado e permitiu antecipação de Yago, que selou a vitória do Corinthians por 2 a 0.
Leandro Almeida e Lucão não eram jogadores intocáveis e não tinham status consolidado, mas foi o Campeonato Paulista que contribuiu para destroçar a imagem deles em seus clubes. Os dois são exemplos do poder destrutivo dos torneios estaduais.
Leandro Almeida e Lucão também são exemplos de comunicação em momentos de crise. O zagueiro do Palmeiras foi criticado e barrado pelo técnico Marcelo Oliveira, e o defensor do São Paulo foi defendido e bancado pelo treinador Edgardo Bauza.
Oliveira indicou Leandro Almeida. Em teoria, deveria ter uma ligação mais próxima com o zagueiro. Ainda assim, contudo, colocou o jogador na fogueira e entregou a cabeça dele para os críticos.
Bauza não participou da formação de Lucão e não foi responsável pela presença dele no elenco, mas tomou uma atitude diferente: preferiu proteger o defensor e mostrou que não expõe o grupo.
Para os dois treinadores, o Campeonato Paulista também pode repercutir além da duração. As declarações de Oliveira e a decisão de barrar Leandro Almeida certamente influenciarão na relação do técnico com os atletas. Foi uma cobrança dura, pública, que pode ser até justificável, mas que tem enorme possibilidade de debelar a confiança dos jogadores no comando.
A postura de Oliveira é extremamente discutível. Ao expor publicamente um de seus comandados, o treinador criou para si um cenário complicado. Liderança tem muito a ver com comunicação e com a construção de ambientes positivos.
Foi isso que Bauza tentou fazer no São Paulo ao defender Lucão. O zagueiro cometeu erros seguidos nos últimos jogos e nos clássicos com o Corinthians, mas o treinador evitou crucificá-lo. Em vez disso, priorizou o bom ambiente no elenco.
Os campeonatos estaduais já têm uma característica extremamente marcante, que é a potencialização de erros. Adotar uma linha de comunicação que contribua para isso é jogar gasolina num fogo que já está alto.
Permita-me, inicialmente, fazer uma breve apresentação. Meu nome é Rafael Ferreira e atualmente sou assistente técnico da equipe sub-15 do Coritiba Foot Ball Club.
Sou Bacharel em Treinamento em Esportes pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Iniciei meus trabalhos como profissional do futebol no Paulínia Futebol Clube, sob as orientações do professor Dr. Alcides Scaglia. Tive uma rápida passagem pela Associação Atlética Ponte Preta, retornei ao Paulínia FC, onde completei um ciclo passando por todas as categorias de base e equipe principal, sempre como treinador adjunto. E no ano de 2015 mudei-me para a capital paranaense, atraído por um grande projeto de transformação das categorias de base no Coritiba Foot Ball Club, onde enfrentamos a árdua tarefa diária de melhorar o processo de formação de atletas. Apresentação feita, vamos ao tema!
O mundo do futebol vem percebendo aos poucos a necessidade de constante atualização profissional, além de implementação da ciência e profissionalização em todos os seus segmentos. A profissão de treinador, enigmática e concorrida, talvez seja uma das mais julgadas (mesmo que na maioria delas empiricamente). É comum, e é da na nossa cultura, a discussão em cada canto da sociedade sobre qual é o melhor treinador, o que deveria ser feito numa situação-problema no jogo, qual o treinador ideal para sua equipe.
E o que é mais determinante, partindo de um lema conhecido nos ambientes de discussão: um treinador com competência técnica ou muito bom em relações humanas?
Todos aqueles que permeiam no futebol sabem que, para alcançar esta concorrida função, há de se construir bons laços humanos. Isto porque, via de regra, quem toma decisões de contratação (em sua maioria) não são profissionais formados para o futebol, e muitas vezes, sequer são remunerados. Logo, o critério para escolha raramente é técnico, e quando o é, tende a ser superficialmente embasado em conceitos (talvez o mais usado seja o critério de “vitórias” – não discuto aqui o mérito de se usar este critério, pois acredito que em alguns ambientes este seja sim o critério determinante, principalmente em equipe profissional).
Ocorre que, uma vez posto no cargo, este treinador será indubitavelmente um líder. Líder de pessoas, em seus mais diferentes níveis hierárquicos – atletas, comissão técnica, equipe de apoio. Terá que lidar com diretores e torcedores, e apresentar resultados. Deverá conhecer a cultura do clube onde está inserido. E obviamente, fazer o time jogar bem – ou vencer – ou os dois.
Sendo líder, precisará construir um ambiente de produtividade e desenvolvimento comum a todos e ao trabalho – medido pelo desempenho da equipe. Precisará, e muito, de cada um de seus assistentes, se quiser atingir um nível de excelência. Terá que oferecer as melhores condições para que um atleta suplente esteja pronto para jogar e sinta-se importante no grupo, assim como fazer com que o atleta titular tenha consciência que sua condição é temporária e por mérito. E isto tudo se constrói, entre outros, com uma boa gestão de grupo.
Logo, parece sim ser necessário construir relações humanas favoráveis ao seu crescimento pessoal e profissional, mas faço um alerta para os princípios que utilizará para construir tais alicerces – recomendo a leitura da coluna do Eduardo Barros para fazer esta reflexão em https://universidadedofutebol.com.br/a-sua-melhor-versao-te-leva-alem/.
Porém, na opinião deste que vos escreve, para manter-se na função e crescendo profissionalmente, será necessário alicerçar seu trabalho em princípios bem fundamentados – ou seja, ter muita competência técnica e buscar atualização constante.
E uma última reflexão que faço em minha conclusão vem de uma discussão com um grande amigo. Um dos maiores entraves para continuidade no desenvolvimento de um trabalho ganha corpo na “rivalidade” de competências: profissional acadêmico ou ex-jogador, líder técnico ou gestor de grupo, foco em formar jogadores ou vencer nas categorias de base, priorizar a teoria ou prática, treino analítico ou sistêmico. Talvez ainda não tenhamos superado estas dualidades e conseguido evoluir com as mais diferentes competências, mas isso pode ser um próximo assunto!
E você, leitor, o que acha deste tema? Escreva para rafael@universidadedofutebol.com.br e vamos debater!
Um grande abraço e até a próxima!