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O jogo da vida

Por: João Batista Freire

Crianças precisam brincar muito. Precisam brincar muito porque brincar, para elas, é como respirar, alimentar-se e serem acolhidas. Brincar (ou jogar) é vital para as crianças e para a sociedade (que nem sabe disso). Observar crianças torna isso tão evidente que me custa crer que a sociedade adulta não perceba tal evidência. Deixadas livres, quando não estão dormindo ou doentes, as crianças brincam. Brincam ao se alimentar, brincam ao tomar banho, brincam com todas as coisas ao seu redor, brincam com as mãos, com os pés, com os sons, com os olhares, com os cheiros, com os toques, com a imaginação, com tudo. Brincar, ou jogar, é decisivo na espécie humana. Pode salvá-la ou condená-la, porque os jogos não são para o bem ou para o mal, mas para aquilo que fizerem deles os jogadores. Brincar (ou jogar) para a criança é uma compulsão, assim como o é para gatinhos e cachorrinhos (todos os chamados animais superiores brincam). A intensidade da brincadeira na infância alimenta a motricidade e a imaginação da criança.

Nem todos os jogos são de imaginação, porque as crianças mais novas, com menos de 18 meses aproximadamente, também jogam e ainda não são capazes de imaginar com desembaraço; seus jogos são sensoriais e motores. Porém, a partir do momento em que adquirem maturidade para se servir da imaginação, esta passa a acompanhar os jogos e até a orientá-los. A partir dessa idade a imaginação orienta os jogos e se alimenta deles. O jogo faz a criança imaginar mais que qualquer outra atividade. Tanto é assim que o jogo mais típico da criança é o jogo de faz-de-conta. Com poucos anos de vida a criança será capaz, inclusive, de jogar apenas com a imaginação, sem necessidade de realizar qualquer ação motora. Porém, o mais comum é que os jogos da criança sejam uma bela sincronia entre imaginação e gestos.

As crianças, e todos nós, jogamos movidos por uma espécie de pulsão, uma necessidade vital. O jogo, no ser humano, não é um capricho, uma escolha, mas uma necessidade tão decisiva quanto a alimentação, o abrigo ou o sexo. Restringir a imaginação na criança é restringir suas oportunidades de imaginar, e a imaginação humana é tão decisiva para a espécie que restringir a imaginação no período da infância é diminuir as chances de sobrevivência da espécie humana. Há muito sabemos que os chamados animais superiores também brincam; durante a infância brincam (ou jogam) intensamente. Se observarmos suas brincadeiras, constataremos que seus gestos lembram aqueles usados pelos animais adultos em seus empenhos para manter a vida, ou seja, são jogos de agarrar, morder, perseguir, escapar, saltar, rolar etc. Brincam daquilo que lhes será decisivo para a sobrevivência. Considerando que a natureza não pode ter receitas diferentes para o que é mais fundamental para a manutenção da vida, concluímos que também o ser humano jogará (ou brincará) com aquilo que será decisivo para sua sobrevivência enquanto espécie. Observemos as crianças e veremos que elas brincam, acima de tudo, de realizar gestos e imaginar. Porém, principalmente, de imaginar. O jogo de imaginação é o grande jogo humano, em crianças e em adultos. E por um motivo bastante simples: o que nos torna humanos e nos dá a grande chance de nos mantermos como espécie humana é a imaginação. Trata-se do grande diferencial humano comparativamente às outras espécies. Cada espécie viva tem seu diferencial, que torna sua vida possível no planeta. No caso da espécie humana esse diferencial é a imaginação. Sem imaginação bem desenvolvida não há chances de sobrevivência para a espécie humana. Jogando somos livres para imaginar, mais que em qualquer outra situação. Quando jogamos não há tarefas cobradas de fora do jogo, não há pressões externas, por isso podemos imaginar livremente.  

Todas os animais precisam alimentar os instrumentos que tornam sua vida possível. No caso dos humanos, se é a imaginação que, acima de tudo, torna sua vida possível, é ela que mais precisa ser alimentada. Há várias maneiras de alimentar a imaginação, entre elas uma muito especial: jogar. Entre outros motivos, jogamos para alimentar a imaginação. Considerem que somos a espécie que tem a duração mais prolongada de juventude. Considerem que a juventude (infância e adolescência) é nosso período de vida mais flexível, mais propenso às aprendizagens. Considerem que a juventude é o período de vida em que mais nos dedicamos ao jogo. Ou seja, a espécie viva que tem, como instrumento fundamental de sobrevivência, a imaginação, tem um enorme período de vida para se dedicar a enriquecê-la (embora continuemos a alimentar, com menos intensidade, a imaginação durante a idade adulta e a velhice). Se a cultura humana favorecerá isso, ou não, é outro assunto, mas essa cultura, especialmente no que se refere à educação, deveria investir, acima de tudo, na imaginação. E de que maneira? Servindo-se do jogo como instrumento alimentador dessa imaginação. Submeter crianças a processos de adultização, tais como passou a ocorrer com enorme frequência em diversos campos da atividade humana, além de ser cruel e transgressor de seu direito de serem crianças, consiste em enorme risco para a existência humana a longo prazo.

Há vários elementos que podem nos mobilizar para o jogo. Em um jogo de pega-pega, por exemplo, o desafio de escapar ao pegador em um espaço delimitado, ou de ser capaz de pegar os fugitivos, testando nossa capacidade de correr, desviar, acelerar, parar etc., é altamente estimulante. Num jogo de construir miniaturas de casas o estímulo maior é ser capaz de criar figuras e torná-las, na imaginação, reais com as peças disponíveis. Num jogo de pular corda o obstáculo maior à nossa inteligência é suplantar, com nossa habilidade de saltar, os problemas de tempo e espaço colocados pela brincadeira. Quando se trata do jogo de futebol, o desafio maior é organizar as ações corporais para finalizar, com sucesso, ao gol adversário. Quaisquer que sejam os desafios colocados pelo jogo, a partir dos dois anos de idade, mais ou menos, desde o faz-de-conta de uma criança de quatro ou cinco anos, aos complexos jogos desportivos dos adultos, o êxito dos jogadores dependerá de suas habilidades motoras e de sua capacidade de imaginar as soluções e os caminhos para o sucesso. E por qual motivo a imaginação seria tão importante? Porque é a ela que o jogador mais recorre, uma vez que o espaço para que a imaginação se apresente e oriente as ações é mais amplo e livre no jogo que em outras circunstâncias. Na situação de jogo, ela só é jogo porque não há algo com o caminho completamente traçado; haverá sempre um espaço vazio, inusitado, imprevisível, que só pode ser preenchido pela imaginação, a única capaz de criar algo inusitado. Quando se trata de um trabalho, ele pode ser realizado por uma rotina já conhecida, embora muitos trabalhos exijam, também, a criatividade. No entanto, o espaço de criatividade do jogo é muito maior, porque ele permite ao jogador um espaço de risco enorme, ou porque, ocorrendo o erro, as consequências não são graves (sempre se pode começar de novo), ou porque o próprio risco é o grande motivador (temos vários exemplos, entre eles os esportes de aventura de alto risco, ou os esportes de desafio extremo como o automobilismo). Quando as crianças ficam sozinhas, ou em grupo, e livres, rapidamente inventam brincadeiras. E essas brincadeiras são desafios de, em parte, repetir o que já sabem fazer, em parte de criar algo, de suplantar um novo obstáculo, de arriscar uma ação inusitada. Lembram quando o Professor Manuel Sérgio dizia que o ser humano é um animal de transcendência? Pois ele queria dizer que nascemos incompletos, e isso não é um defeito de nossa natureza, mas uma boa qualidade. Sendo incompletos temos sempre que criar algo para preencher aquilo que falta. Uma vez preenchida a falta, novas faltas surgirão. Quando jogam, as crianças refletem, sem ter consciência disso, nossa natureza incompleta e nossa necessidade de sempre transcender o estado atual. Ao jogar e se colocar o desafio de criar algo a mais, as crianças seguem a orientação primordial de transcender aquilo que somos no estado atual. Do nascimento à morte nossa tarefa será preencher nossas faltas, tal como no mito grego, em que Prometeu, amarrado a um penhasco e, tendo seu fígado comido todos os dias por um abutre, precisava regenerá-lo em seguida. A Prometeu sempre lhe faltou o fígado, aos seres humanos sempre lhes faltará algo. Sem a imaginação ele não poderia preencher suas faltas. Discutir a incompletude natural do ser humano requer, no entanto, um ensaio à parte.

Os desafios colocados pelo jogo são, na verdade, os desafios colocados à imaginação humana. São os jogos aqueles que mais desafiam o ser humano a testar os limites de sua imaginação, a dimensão mais decisiva para que se mantenha como criatura viva no planeta. Na verdade, o grande teste dos humanos no planeta é o teste de verificar se sua imaginação dá conta de lidar com os grandes problemas de adaptação. Nossa imaginação, responsável pela produção de boa parte de nossa inteligência, já produziu, inclusive, a inteligência artificial. Porém, desafios como a escassez de água potável, a poluição dos oceanos e do ar, o desmatamento, a miséria e a fome, as guerras, a corrupção e os preconceitos, entre outros, nunca foram solucionados por nossa inteligência natural, muito menos pela inteligência artificial. Os desafios de bom uso da inteligência foram colocados a todas as criaturas vivas, da ameba ao ser humano. A má notícia é que a maioria das criaturas vivas que passou pelo planeta Terra falhou no uso da inteligência; não resolveu os problemas de adaptação e foi extinta. A boa notícia é que algumas delas vivem há centenas de milhões de anos.

Todas as criaturas vivas são casos típicos e únicos da natureza, apesar de suas bases comuns. Quis a natureza humana que fôssemos uma criatura frágil do ponto de vista motor, porém, dotados de imaginação suficiente para compensar tal fragilidade. Associada à imaginação nossas ações tornam-se poderosas. A imaginação foi capaz de criar a cooperação, a solidariedade, as máquinas de locomoção, as máquinas de força, os computadores, os aparelhos de comunicação e a medicina, entre outras invenções. Descobrimos, pensando, que somos frágeis individualmente, mas somos fortes socialmente. Alguns dos maiores problemas não solucionamos ainda, embora percamos boa parte de nossos esforços com guerras e outras formas de estupidez. Ainda deixamos que alguns manipulem a imaginação de bilhões e fartem-se nos lucros fazendo isso. No entanto, talvez não haja outro caminho para a educação que não seja investir para que desenvolvamos sempre mais nossa imaginação. Ainda não paramos para refletir sobre o enorme risco que corremos quando suprimimos oportunidades de desenvolver a imaginação, principalmente entre as crianças. E seria tão simples fazer isso. Bastaria que elas pudessem brincar mais tempo e com mais liberdade. Que as escolas fossem adaptadas às crianças. Que tivéssemos uma matemática criança, uma biologia criança, um português criança e assim por diante… e um esporte criança.

Quando vai ao esporte, além de aprender a praticar o esporte, a ideia da criança é a de que vai se divertir, vai jogar, vai brincar. Durante as aulas, em boa parte das vezes ela é surpreendida por rotinas de exercícios que nem de longe lembram um jogo. Recordo de uma criança, depois de fazer sua primeira aula de natação, quando o pai lhe perguntou se ela tinha gostado da aula. Ela respondeu que não queria mais ir à escola de natação. O pai quis saber o motivo, e ela disse que a professora não a deixou nadar, ficou o tempo todo batendo pernas na beirada da piscina. A criança quer brincar de jogar bola, mas tem que treinar futebol adulto em miniatura. E esse procedimento no futebol faz parte de um conjunto de aberrações praticadas na educação, quer seja no campo das artes, dos esportes ou das ciências. Essas aberrações suprimem o direito da criança ao lúdico, ao jogo, ao brinquedo, além de não ensinar o que anuncia. Deixada livre, brincando de jogar bola com os amigos, ela aprenderia mais.

O problema é maior que o futebol, maior que o esporte. Trata-se de um problema geral de educação dos seres humanos que, por não compreenderem a importância da infância, comprometem toda uma sociedade. O destino dos seres humanos está profundamente vinculado ao desenvolvimento de sua imaginação, e a imaginação nunca poderá se desenvolver tanto quanto na infância e adolescência, especialmente na primeira. É a imaginação que permite que um jogador de futebol se torne um virtuose da bola, um artista. Suprimir na criança que aprende futebol suas oportunidades de desenvolver a imaginação é torná-la um jogador comum, insosso, sem criatividade. Está ao alcance de, praticamente, todas as crianças, desenvolver boas habilidades com a bola. Ao alcance da arte de jogar futebol estão somente aquelas crianças e adolescentes que puderem brincar com a bola, aqueles que puderem sincronizar sua boa imaginação com sua boa motricidade.

Dirigentes, pais, professoras e professores de futebol, técnicos e técnicas de futebol, empresários, agentes, dão um tiro no pé quando insistem em especializar precocemente as crianças e adolescentes no futebol, obrigando-os a se submeterem a rotinas de treinamentos técnicos específicos. Se passarem por eles mil meninas e meninos, raros escaparão à sangria da criatividade. Obrigados a abrir mão da imaginação oriunda do lúdico, somente por golpe de sorte ou talento extremo (muitíssimo raro) um ou outra seguirá adiante com alguma chance de vir a ser um profissional destacado. Porém, se fossem respeitadas as características das crianças e adolescentes e todos pudessem desenvolver as habilidades para o futebol em um ambiente lúdico, saudável, sem pressões por resultados, sem dúvida o número daqueles que seguiriam adiante com chances de se tornarem adultos praticantes de um ótimo futebol seria muito maior. Porém, antes disso, o mais importante é assegurar a essas crianças e jovens o direito de praticar o esporte como uma maneira de viver com dignidade, com respeito, com felicidade. O momento de estar no esporte deve ser um momento de vida privilegiado, de vida feliz, prazerosa, e não um momento de sofrimento, de renúncia à vida típica da infância e da adolescência.

Com relação aos professores e professoras, a responsabilidade por educar crianças e adolescentes é enorme. Tal responsabilidade não condiz com pessoas que não se interessam por estudar, por se preparar intensamente para dar conta da tarefa de educar. Não basta incorporar alguns procedimentos técnicos, meia dúzia de rotinas de exercícios mecânicos e descontextualizados que serão impostos às crianças e jovens. Boas professoras e bons professores do esporte se interessam por conhecer metodologias, por estudar as pedagogias disponíveis dentro e fora do esporte, por saber os fundamentos da psicologia da criança, por se aprofundar nas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, por saber como se organizam as sociedades, desde as pequenas sociedades lúdicas das crianças às sociedades adultas.

Impedir o lúdico, a imaginação e a criatividade nas crianças é, como se diz no vocabulário futebolístico, jogar contra o patrimônio. Nesse caso, o patrimônio da humanidade.

Crianças brincando. Foto: Aline Oliveira/reprodução

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As confirmações e reflexões da copa do mundo sub 20

Por: Nicolau Trevisani

Entre os meses de setembro e outubro, estive viajando pela América do Sul. Além de uma ida à Colômbia — muito importante para entender o contexto do futebol e a cultura do país —, tive a oportunidade de estar no Chile para acompanhar a Copa do Mundo Sub-20.

Durante o Mundial, pude assistir in loco a diversos jogos, de diferentes seleções e contextos. Também estavam presentes inúmeros profissionais de clubes, funções e países distintos, todos com objetivos próprios, mas com o mesmo interesse em observar de perto uma competição que reúne diferentes formas de jogar e de pensar o jogo.

Entre tantos aprendizados, um ponto no qual eu já acreditava se confirmou de forma ainda mais clara: futebol é contexto. E entender isso profundamente é o que permite acertar muito mais do que errar — seja qual for a função de quem trabalha no esporte.

Começando pelas equipes: coletivamente, foi possível observar várias escolas e propostas de jogo se enfrentando — times com mais posse, menos posse, jogo direto, apoiado, reativo, posicional. Qual é a melhor? Na verdade, todas podem ser boas ou ruins. Mais importante do que o gosto pessoal é entender o contexto coletivo de cada equipe e a ideia de jogo de cada treinador. Só depois, com esse “óculos”, é possível avaliar se a equipe joga bem ou não — o que, no fim das contas, significa apenas ser eficiente na execução da própria ideia.

E quando olhamos para os profissionais e os jogadores que estavam lá? O que são, afinal, “bons jogadores”? Essa resposta está intimamente ligada ao contexto em que se observa. É impossível dizer se um jogador é bom ou não sem antes responder: para onde e para quem?

Um atleta de uma seleção X, com determinada característica, pode “não ser bom” para um clube que busca outra demanda — mas pode se encaixar perfeitamente em uma equipe Y, em outro cenário. Arrisco dizer que todos os jogadores que disputaram o torneio têm qualidades suficientes para performar bem em algum bom contexto coletivo. O desafio é encontrar onde esse potencial pode se expressar melhor. É papel do clube colocar o jogador no ambiente certo, onde suas condições técnicas, táticas, cognitivas e humanas se alinhem ao modelo de jogo e ao propósito coletivo.

Por isso, a ida à Colômbia também foi tão relevante: além dos jogos, a possibilidade de entender a cultura e o contexto dos atletas locais é uma informação de altíssimo valor. Observar é também compreender o ambiente que forma o jogador — e isso inclui elementos culturais, sociais e humanos.

Outro ponto essencial, quando falamos de contexto, é a cultura em que o atleta vive e a capacidade de adaptação ao novo ambiente. Um jovem jogador da Coreia do Sul, que sempre viveu e jogou em seu país, tem hábitos completamente diferentes de um atleta da Nigéria que cresceu e atuou no futebol africano. Essas diferenças impactam diretamente na forma de treinar, competir e se relacionar. O processo de adaptação humana e cultural pode ser tão ou até mais importante do que qualquer característica técnica — e ignorá-lo pode comprometer o desempenho de um jogador em campo.

Por isso, compreender o contexto em todas as dimensões — tática, cultural, emocional e humana — é o que realmente diferencia quem apenas observa de quem entende o jogo e as pessoas que o compõem.

Para encerrar, gostaria de lembrar de   uma frase que ouvi algum tempo atrás do amigo Renato Rodrigues, hoje comentarista da TNT a quem tenho bastante respeito e admiração:

“Não existe jogador ruim, existe jogador no lugar e no contexto errado.”

Essa frase sempre fez muito sentido pra mim. E, ao observar a diversidade de profissionais e atletas presentes no Mundial, ela se mostrou novamente atual e verdadeira.

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SUPERVISÃO DE FUTEBOL: UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA DE FORMAÇÃO HUMANA

Por: Caio Rizek

Com grande alegria e senso de responsabilidade, inicio aqui minha contribuição com a Universidade do Futebol — espaço que há anos me inspira e agora me acolhe como autor convidado.

Este é o primeiro de uma série de artigos que pretendo desenvolver com profundidade e propósito. Meu objetivo é olhar para a supervisão no futebol de base sob uma perspectiva mais ampla, que vá além da logística e da operação do jogo. Mais do que relatar rotinas operacionais ou desafios logísticos — que, claro, fazem parte da função —, o que me move é o desejo de tratar a supervisão sob uma ótica educacional, relacional e formativa, centrada na formação integral de crianças e jovens atletas. Quero propor reflexões sobre o papel do supervisor como educador, articulador de vínculos e agente de formação integral.

Supervisionar, para mim, é muito mais do que coordenar escalas, organizar viagens ou representar o clube em jogos. É cuidar de vínculos, criar segurança emocional, garantir coerência institucional e contribuir, com escuta e sensibilidade, para a formação de jovens em desenvolvimento. É entender que, antes de serem atletas, são pessoas — com histórias, sonhos e vulnerabilidades.

Minha trajetória é multifacetada: transita entre o Direito, a Educação Física e a Gestão. Sou graduado nas duas primeiras áreas, advogado, professor, e atualmente curso o MBA Executivo em Liderança e Gestão pela USP/ESALQ. Tenho especializações em Direito Constitucional, Direito Administrativo e recentemente iniciei uma pós-graduação em Advocacia Desportiva. Busquei, ao longo dos anos, complementar essa base com cursos promovidos por instituições como a Universidade do Futebol, CBF Academy, FPF Academia, FGV, CONMEBOL e o Comitê Olímpico Brasileiro, nas áreas de gestão, análise de desempenho, coordenação metodológica, pedagogia e logística esportiva.

Destaco aqui, com carinho especial, o curso Princípios para Ensinar Bem o Futebol, da Universidade do Futebol, que foi para mim uma verdadeira virada de chave — abriu caminhos para uma compreensão mais profunda do futebol como ferramenta de formação humana e transformação social.

Atuo como Supervisor de Futebol de Base no São Paulo FC, com responsabilidades que envolvem organização de treinos, jogos e viagens nacionais e internacionais, registro e credenciamento de atletas, representação institucional, análise de regulamentos, controle de minutagem e comunicação com atletas e famílias. Mais do que tarefas técnicas, enxergo nessas funções uma oportunidade de educar, mediar e fortalecer a identidade do clube.

Minha experiência como professor de Educação Física e auxiliar técnico nas categorias sub-09 a sub-14 me ensinou a lidar com as infâncias e juventudes no campo, na quadra, no vestiário e fora deles. Acredito que a supervisão deve garantir que o ambiente formativo seja ético, seguro, empático e inspirador.

Neste contexto, enxergo que a função do supervisor transcende a logística, sendo também educador, mediador e referência institucional.

Meu compromisso com esta série de artigos é justamente esse: contribuir com o debate, provocar reflexões e compartilhar práticas que têm colaborado para um futebol de base mais humano, mais pedagógico e mais coerente com sua missão social.

Convido você, leitor, a caminhar junto comigo nessa construção coletiva. Que este seja um espaço de diálogo, aprendizado e transformação.

Muito obrigado pela confiança e pela escuta. Seguimos juntos.

Caio Rizek

Supervisor de Futebol | São Paulo FC

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Psicologia positiva no futebol: uma nova visão de desempenho

Por: Maurício Rech

A Psicologia Positiva é uma área relativamente recente dentro do campo da psicologia e da saúde mental, focada no estudo científico das forças e virtudes que contribuem para o desenvolvimento humano. Enquanto a psicologia tradicional tem como objetivo principal o tratamento de transtornos mentais e a redução do sofrimento humano, a Psicologia Positiva busca compreender o que torna a vida significativa e satisfatória. Ao invés de se limitar a resolver problemas, esse campo de estudo promove o desenvolvimento de potencialidades e a construção de uma vida equilibrada e produtiva.

É importante destacar que a Psicologia Positiva não é uma ideia romântica ou ingênua de acreditar que “está sempre tudo bem”, mas sim uma área científica comprometida em encontrar maneiras funcionais de lidar com situações emocionais difíceis. É um caminho que busca focar na solução e não no problema, de compreender e enfrentar desafios em vez de fugir deles ou culpar os outros, e de olhar para as emoções internas como um caminho para lidar melhor com os desafios externos. Apresenta-se como uma área de estudo que atenta para o ser humano com uma visão sistêmica e propõe-se a otimizar sua atuação dentro de seus diversos papeis sociais, tanto profissionais quanto pessoais. A Psicologia Positiva e a psicologia tradicional são complementares, uma não substitui o trabalho clínico da outra, mas aqui falaremos daquela que tem como foco a ampliação da compreensão sobre como potencializar e promover o bem-estar em indivíduos e grupos.

No contexto esportivo, em especial no futebol, os treinadores desempenham um papel central no desenvolvimento técnico e emocional de seus atletas. Incorporar princípios da Psicologia Positiva à formação dos treinadores pode ser um diferencial significativo para alcançar maiores níveis de saúde mental e, consequentemente, melhor desempenho. Isso envolve capacitá-los a identificar e potencializar pontos fortes dos jogadores, incentivar a mentalidade de crescimento e criar um ambiente propício ao engajamento e à colaboração. Em situações de vitórias, por exemplo, o treinador pode utilizar momentos específicos para reforçar emoções agradáveis e o senso de competência e resiliência do time, destacando o trabalho em equipe e os esforços individuais que contribuíram para o sucesso. Esse tipo de abordagem não ignora as dificuldades enfrentadas, mas utiliza área emocional para fortalecer a capacidade do grupo de lidar com futuros desafios. Por outro lado, em derrotas, a Psicologia Positiva oferece elementos e técnicas fundamentadas que ajudam os atletas a enfrentar a frustração de maneira funcional, transformando erros em oportunidades de aprendizado. Nesse processo, o foco deixa de ser atribuir culpa ou negar o ocorrido, e passa a ser compreender e superar o desafio. Capacitar treinadores também envolve o desenvolvimento de habilidades de comunicação empática e liderança positiva, fundamentais para criar relações de confiança e respeito com os atletas. Um treinador e corpo técnico que compreende e aplica esses conceitos pode inspirar não apenas um melhor desempenho em campo, mas também um crescimento pessoal em seus jogadores.

Os atletas, especialmente em esportes de alto rendimento como o futebol, enfrentam diversas formas de pressão constante, não apenas por resultados em campo, mas decorrentes de adaptações contínuas em viagens durante as competições e transferências de clubes, além de questões culturais e distanciamento da família. A aplicação da Psicologia Positiva no dia a dia pode transformar a forma como eles lidam com essas demandas. Práticas como o fortalecimento do otimismo, o cultivo de gratidão e a definição de metas claras e alcançáveis podem melhorar não apenas o desempenho esportivo, mas também o bem-estar geral dos jogadores. Elas não eliminam as dificuldades existentes, mas ajudam os atletas a desenvolverem uma perspectiva mais equilibrada e funcional sobre as adversidades. O treinamento mental baseado em princípios e elementos da Psicologia Positiva pode incluir programas de psicoeducação e de capacitação focados em identificar forças pessoais, criar planos de superação para desafios específicos e fortalecer o senso de propósito dos atletas. Técnicas como a atenção plena e meditação são cientificamente comprovadas como úteis para melhorar o foco, reduzir os efeitos do estresse e favorecer a neuroplasticidade.

Ao promover a autoconfiança e a coesão de grupo, a Psicologia Positiva apresenta-se como potente caminho para influenciar diretamente os resultados no campo. Trabalhar com uma equipe que treina em um ambiente positivo e encorajador tende a apresentar maior comprometimento, menos erros associados ao estresse e maior capacidade de recuperação após derrotas. Em longo prazo, essa mentalidade e forma de desenvolvimento psicossocial contribui para a formação de atletas mais completos, resilientes e motivados. Além de resultados esportivos, o impacto positivo se estende à vida fora dos gramados, respeitando a integridade do ser humano atleta.

Nesse sentido, investir na capacitação de treinadores e na implementação de princípios da Psicologia Positiva no cotidiano dos clubes de futebol é um passo estratégico para transformar a experiência esportiva em uma oportunidade de crescimento pessoal e coletivo. Ao longo dos anos trabalhei com centenas e centenas de atletas, de base e profissionais, assim como treinadores e comissões técnicas, e, seguramente, a falta de conhecimento e de atenção aos quesitos saúde mental e inteligência emocional desviaram muitos de uma trajetória de sucesso. Se antes não havia fundamento científico para entender causas e apresentar soluções para esta área, atualmente já temos muita informação e material embasado. Portanto, hoje, mais do que buscar vitórias em campo, é essencial criar condições para que atletas e equipes se fortaleçam e floresçam de forma integral!

Artigo originalmente escrito e cedido a Universidade do Futebol pela Revista Futebol Estudado, no seguinte endereço: https://www.revistafutebolestudado.com

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Estado de Flow: um caso prático no futebol de seleções

Por: Nicolau Trevisani Frota

Na última Data Fifa, após assistir Brasil x Chile, me deparei com
uma fala do atacante Luiz Henrique, do Zenit, depois de sua bela
atuação, que me chamou atenção:

“Essa hora eu pensei: eu tenho que ser o Luiz Henrique que saiu de
Petrópolis. Pensei em quando jogava com meus amigos. Jogava
leve, jogava solto. Quando estava no hotel, ajoelhei e pedi a Deus
que eu pudesse ser o Luiz Henrique do Vale do Carangola: que
jogasse feliz, que ajudasse meus companheiros e que jogasse para
a minha família, que veio ao Maracanã me apoiar. Graças a Deus,
deu tudo certo. Temos que continuar com essa pegada. Só queria
ser o Luiz Henrique do Vale do Carangola, que jogasse com alegria.
Não quero perder nunca a minha alegria de jogar futebol. Sou
apaixonado, e deu tudo certo.”

Abaixo, o vídeo contendo a entrevista:

Fonte: Globoesporte

Ao assistir a entrevista — somada à ótima partida do jogador — o
conceito de estado de flow (que inclusive já refletimos em colunas
anteriores aqui no portal) me veio de forma imediata, como algo
concreto e prático. O estado de flow é um conceito da psicologia
positiva descrito por Mihály Csíkszentmihályi. Ele representa um
estado mental em que a pessoa está completamente envolvida e
absorvida em uma atividade, a ponto de perder a noção do tempo e
do ambiente ao redor. É quase como se o indivíduo estivesse
totalmente imerso no presente — no “aqui e agora”.
Para que isso
ocorra, algumas características se fazem presentes: foco total na
tarefa, clareza de objetivos, equilíbrio entre desafio e habilidade,
sensação de controle, perda da autocrítica e alteração na
percepção do tempo.

Apesar de soar, muitas vezes, como algo abstrato ou distante, o
flow se mostra muito presente e palpável no futebol de alto nível.
Na fala de Luiz Henrique, ao relembrar sua infância e a alegria
genuína de jogar com os amigos, ele descreve um estado em que o
jogo flui com naturalidade, sem a interferência de pressões externas
— torcida, adversário ou o peso de uma partida decisiva.
Ali
estavam evidentes foco total, confiança, espontaneidade e leveza.

Essa ideia também aparece no livro “FLOW (Fluir) en Fútbol”(2015), no qual Miguel Fernández Macías aponta que uma das mais
marcantes características do flow individual no futebol é quando “o
jogador se sente absorvido; ele executa ações técnico-táticas de
forma automática”.

Ao se remeter à sua infância, Luiz Henrique reconecta-se
justamente a esse estado em que o jogo acontece com leveza e
alegria, permitindo que a performance flua de forma natural.
Para
que essa condição surja, fatores do ambiente também
desempenham papel fundamental, favorecendo ou atrapalhando o
processo, como já discutimos em outro texto publicado aqui no
portal (“O que sustenta boas decisões e indica talentos no futebol”).

O ponto central é que o flow, muitas vezes tratado como algo
distante ou abstrato, é real, acessível e impacta de maneira decisiva
no rendimento de atletas no mais alto nível. O desafio de
treinadores, atletas e equipes está em criar e sustentar as
condições que permitam que esse estado emerja, potencializando a
performance de forma consistente.

Foto: Karen Fontes/AFI/Gazeta Press

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A “ciência” do futebol

Por: Manuel Sérgio

O futebol, como qualquer outra modalidade desportiva é, para mim, uma das formas da motricidade humana – como é lógico! Embora a pretensa cientificidade de muitos comentadores do futebol seja proporcional à sua “desumanidade”, quero eu dizer: quanto mais falam de futebol menos humano se revela o seu discurso.

É verdade que, desde os inícios do pensamento moderno, mormente com Galileu e Descartes, o “homem” e a “ciência” sempre se constituíram como duas realidades estranhas uma à outra: a inteligência, a personalidade, os sentimentos humanos não podiam pesar-se, medir-se, quantificar-se – não eram, com toda a certeza, científicos. Demais, a ciência moderna nasce e desenvolve-se mecanicista. O universo é uma imensa máquina, composta por um enorme conjunto de máquinas cujas leis importa conhecê-las. E, por isso, Deus é o divino engenheiro, onipotente criador de um universo que pode ser estudado, matematicamente. Não é de estranhar assim que os filósofos e os cientistas de mais ampla inteligência teorizadora tenham comparado o Mundo a um relógio.

O homem-máquina de La Mettrie (1709-1751), filósofo materialista e médico que pretende ensinar que, no mundo todo, só matéria se encontra e é dessa matéria que o ser humano (e tudo) nasce e de que o ser humano é feito – La Mettrie, minucioso e irônico, não abandona o mecanicismo, apontando as leis mecânicas que regem, segundo ele, as funções do corpo de um ser vivo. Um ponto a realçar: a partir desta altura, o sábio deixa de ser o clérigo aristotélico-tomista e passa a ser um leigo, uma pessoa que sabe que não tem a verdade, mas que imparavelmente a procura, pela razão e pela reflexão e pelo método experimental. No meu modesto entender, a história das ciências, que vai de Copérnico (1473-1543) a Newton (1643 1727) é de um progresso admirável e prepara o Iluminismo e informa, claramente, a Revolução Francesa…

Não surpreende portanto que Ciência, Razão e Progresso caminhassem de mãos dadas e que, quando pela primeira vez, no século XVIII, a expressão Educação Física (que integrava a Ginástica, os Jogos e os Desportos) tenha surgido, no vocabulário científico, os exercícios ginásticos se destinassem ao homem-máquina, a um corpo-instrumento que a Razão esclarecia.

Vale a pena reler a Proposta de Lei, de 25 de Fevereiro de 1939, apresentada à Assembleia Nacional para a criação do INEF (Instituto Nacional de Educação Física) português, onde assim se define a Educação Física: “é uma ação intencional que o homem, devidamente dirigido, exerce sobre si mesmo, pela prática racional, sistemática dos exercícios físicos – ginástica, jogos, desportos – metódica e conscientemente executados, como complemento essencial dos restantes meios educativos e higiênicos e tendo como objetivos imediatos a saúde, beleza, força, resistência, disciplina, prontidão, espírito de solidariedade, optimismo, confiança em si, domínio de si próprio, coragem, prudência, caráter, personalidade, tornando o corpo o digno instrumento de uma vontade esclarecida”.

Como se vê, uma antropagogia, ou teoria da formação do ser humano, assente no corpo-instrumento e apontando para uma antropologia declaradamente dualista. Enfim, a dicotomia corpo-mente, sentimentos consciência, natureza-cultura emergia da educação física até meados do século XX. Muita gente que pontifica, no desporto nacional e internacional, ainda não ultrapassou, nem o mecanicismo cartesiano, nem o solo epistemológico do positivismo.

Ousaria mesmo escrever que, no futebol, há muita gente que pensa que sabe explicar o futebol, sem nunca o ter compreendido.

Compreendido? Sim, porque ao nível do humano nada escapa à ordem dos valores e das significações, mesmo como exigência do rigor metodológico.

O que eu aconselharia aos “agentes do futebol”?… Digo isto, após uma severa autocrítica (porque, à boa maneira socrática: só sei que nada sei): um corte epistemológico, em relação à pré-ciência de um senso comum que analisa o futebol, sem descontinuidade, nos problemas e na linguagem.

O curso de um conhecimento verdadeiramente científico não é linear, o seu grande objetivo é respeitar o Passado, mas construir o Futuro, o que implica pôr de lado e rejeitar muito do que a tradição nos oferece. “A exigência de objetividade, no sentido de objetivação, leva-nos necessariamente a descartar o caráter meramente acumulativo e continuísta do saber, bem como a fazer da ideia de progresso descontínuo a espinha dorsal de toda a cientificidade. Se é assim, também esse progresso precisa ser pensado em termos de ruptura” (Hilton Japiassu, Nascimento e Morte das Ciências Humanas, Francisco Alves editora, p. 145).

Ruptura, em primeiro lugar com uma organização apressada e desleixada dos clubes. Há dirigentes desportivos de exemplar amor pelos seus clubes, mas sem especialização bastante para, atualmente, organizarem um clube com alta competição, ou alto rendimento.

Já é clássica a definição de Peter F. Drucker: “Uma organização é um grupo humano composto por especialistas que trabalham numa tarefa comum (…). Uma organização é sempre especializada. Define-se pelas suas tarefas (…). Uma organização só é eficaz, se se concentrar numa tarefa. Uma orquestra sinfônica não tenta curar doentes, toca música. Um hospital cuida dos doentes, mas não procura tocar Beethoven (…).

A sociedade, a comunidade e a família, são as organizações que fazem (Sociedade Pós-Capitalista, Atual Editora, Lisboa, 2003, pp. 61/62). E, para as organizações fazerem, é imprescindível o contributo de direções competentes.

Donde, logicamente se conclui que organizar é tornar produtivos os conhecimentos. Mas, no âmbito das ciências humanas, um especialista é tanto mais eficaz quanto mais tiver em conta a complexidade humana, presente em todos os elementos que a constituem. Num treino de dominância física, o jogador de futebol (o atleta) é um ser de sentimentos.

E se ele se encontra incompatibilizado com o treinador?… E, se nesse dia o pai está gravemente doente?… E se um dos filhos ficou em casa, com febre alta?… É evidente que, assim, o treino se transforma num espaço de insanável aborrecimento e, nalguns casos, de aversão. Não passo sem sublinhar as palavras de António Damásio à revista do Expresso, de 2017/10/28: “Os humanos não têm apenas a inteligência, têm por exemplo a linguagem. E temos uma socialidade muito mais complexa do que a de outras criaturas. E os impulsos criativos. E, analisando estas respostas, vemos a ideia. A ideia forte é a de que tudo o que há de bom e de bem, tudo o que ajudou instrumentalmente a criar culturas nunca teria acontecido se não tivéssemos sentimentos. Sentimentos, ora de dor e sofrimento, ora de plenitude e prazer”. E diz mais adiante, numa entrevista superiormente conduzida por uma jornalista com dotes notórios para o jornalismo (o que nem sempre sucede) e pessoa culta, que se topa no seu infatigável interrogar: “O sentimento é a representação do imperativo homeostático”. O que é peculiar no jogador, por ser homem, é secundário e acaba por reduzir-se às necessidades primárias da tática, nos “estudos” de alguns pseudo-especialistas.

Não, eu não digo que a tática não é importante, o que eu digo é que não é essencial. Só podemos esperar respostas humanas dos jogadores, se os respeitarmos (e estudarmos) como homens. Só assim podemos fazer ciência… nas ciências humanas! Mas eu vou continuar com este tema.

Artigo originalmente escrito e cedido a Universidade do Futebol pela Revista Futebol Estudado, no seguinte endereço: https://www.revistafutebolestudado.com

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O que sustenta boas decisões e indica talentos no futebol

Por: Nicolau Trevisani

No último texto publicado aqui na Universidade do Futebol, discutimos como o ambiente de treino pode ser manipulado para evocar estados emocionais específicos — e como essas emoções, quando bem guiadas, impactam o comportamento tático dos atletas. Hoje, gostaria de seguir nesse fio condutor: se as emoções influenciam o comportamento, o que elas nos dizem sobre a qualidade das decisões tomadas dentro do jogo?

Mais do que a técnica, ou mesmo o conhecimento tático, a tomada de decisão é atravessada por uma condição emocional específica: a capacidade de presença “no aqui e no agora”. Aquilo que alguns chamam de flow, outros de estado ótimo. Pensando no futebol, gosto muito da ideia de “estado de jogo” trazida pelo professor Alcides Scaglia, a qual tive acesso há muitos anos, na qual ele define o estado de jogo como: “Uma suspensão momentânea da realidade comum, na qual o jogador experimenta uma imersão completa na dinâmica do jogo. Nesse estado, tudo mais parece desaparecer — restando apenas o contexto da partida e a ação situacional como foco total.”

Ou seja, trata-se de um estado em que o atleta consegue viver aquele momento de maneira tão entregue e presente que atinge uma condição de isolamento de qualquer ruído externo, vivendo o jogo e alcançando o seu melhor nível de performance.

Para entendermos melhor o estado de jogo — e sua relação com a performance — precisamos fazer uma separação importante. É muito comum associarmos bom desempenho ao prazer. Mas nem sempre o prazer significa desenvolvimento ou desempenho. O prazer pode vir de atividades lúdicas e pouco desafiadoras (o que, quando pensamos em recuperação mental da equipe, tem muito valor se bem colocadas dentro da rotina e periodização).

Mas o estado de jogo exige mais: exige engajamento, risco e exposição a contextos realmente desafiadores. Para entrar nesse estado, o atleta precisa de um equilíbrio entre o nível de desafio proposto e sua capacidade de executá-lo. Se for muito simples (como, às vezes, são as atividades muito prazerosas), não se atinge a zona de equilíbrio necessária.

Além disso, há fatores que podem facilitar o alcance desse estado ideal, como:

  1. Tarefas claras e com significado — por exemplo, uma estratégia de jogo bem definida, com funções bem estabelecidas para vencer uma partida, ou até mesmo um treino com objetivos e regras claras.
  2. Segurança emocional para errar — um ambiente que permita o erro, sem cobranças excessivas por parte de treinadores ou responsáveis.
  3. Feedbacks claros e construtivos — mesmo quando negativos.
  4. Confiança na própria leitu

Da mesma forma, a ausência desses fatores pode funcionar como bloqueadora, impedindo que o atleta atinja o estado de jogo — seja em treino ou em competição. É claro que, dependendo de cada indivíduo — sua capacidade de regulação emocional e experiências prévias — o peso desses fatores varia. Cada jogador responde de forma diferente.

A tomada de decisão, muitas vezes tratada como um processo somente racional ou ligada unicamente à inteligência tática, é cada vez mais atravessada por aspectos emocionais. Isso interfere tanto no que o jogador decide quanto em como ele interpreta o contexto em que está inserido.

Treinar ou analisar decisões também é treinar como lidar com emoções (como falamos, por exemplo, na descoberta guiada emocional), mas também é treinar a capacidade do jogador de permanecer imerso no presente — no “aqui e agora” — para então ser mais eficiente e claramente como isso irá se traduzir em desempenho no jogo.

Como scout, me interesso cada vez mais por observar não apenas os atributos físicos ou técnicos, ou como o jogador interpreta suas opções de passe, mas o estado emocional que sustenta a decisão. Qual é o comportamento do jogador quando erra? Quão focado e imerso ele permanece mesmo vencendo por 6×0? Como é sua entrega em contextos adversos? Qual seu nível de atenção em momentos de definição?

Essas questões ajudam a entender o quanto o jogador consegue se manter presente no jogo — e no estado de jogo.

Quando analisamos um jogador, tão ou mais importante do que observar aspectos tangíveis é tentar entender o que sustenta aquilo que é visível de forma objetiva. Nesse sentido, entender o estado de jogo é um excelente termômetro.

Quando conseguimos observar um jogador com alta capacidade de foco  no presente  e  imersão no jogo, podemos estar diante de um talento mais sólido para o jogo de futebol. Muitas vezes, atletas com essa capacidade — de manter-se em estado de jogo e com alto nível de foco — têm mais a contribuir com a equipe do que jogadores tecnicamente excelentes que as vezes até são capazes de encontrar algumas boas soluções na partida mas de forma menos frequentes , mas que não conseguem se manter emocionalmente conectados com o jogo.

Foto: Reuters

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Os Clubes de Futebol e Modelos de Gestão

Por: Luis Filipe Chateaubriand

O notável Peter Drucker já ensinava que não são as empresas que devem ser gerenciadas, mas as Organizações em geral que precisam ser gerenciadas. Uma empresa precisa ser gerenciada, para gerar lucro. Uma organização não empresarial precisa ser gerenciada, mas para se obter credibilidade, institucionalização e, eventualmente, lucros.

Portanto, repete-se, são as Organizações que precisam de Gestão, e não apenas as empresas.

No futebol brasileiro, criou-se um mito de que as Sociedades Anônimas Anônimas do Futebol (SAFs) são a solução.

Não necessariamente.

Perceba-se que Flamengo e Palmeiras, considerados os principais clubes brasileiros no momento, não são SAFs.

O Flamengo, entre 2014 e 2018, fez um vigoroso ajuste financeiro, aumentando brutalmente as receitas e decaindo, mais brutalmente ainda, os gastos, o que lhe proporcionou saúde financeira ímpar. O clube Rubro Negro faturou o recorde de mais de um bilhão de reais em 2022, 2023 e 2024 e, para 2025, estima-se o hiper faturamento de mais de dois bilhões de reais.

Não foi preciso ser SAF para tal.

O Palmeiras, a partir de ajuda do ex-presidente Paulo Nobre, sanou dividas, passou a ter um estádio próprio rentável e, posteriormente, passou a ter o também rentável patrocínio da CREFISA. O alvo verde imponente ganhou, desde a Gestão de Paulo Nobre, três Copas Libertadores da América, quatro Campeonatos Brasileiros e duas Copa do Brasil.

Não foi preciso ser SAF para tal.

Já o Vasco da Gama, que foi SAF da 777 Partners, cumpriu o papel subalterno de formar grandes promessas das divisão de base, e ver a SAF vendê-las a “peso de ouro”, sem o clube receber dinheiro por isso. O clube chegou ao incrível endividamento de 1,18 bilhão de reais ao final de 2024, especialmente no período em que a 777 Partners conduziu a Gestão.

Era SAF e não funcionou.

Um clube de futebol pode funcionar como SAF, como é o caso do Bahia.

Assim como pode funcionar sem ser SAF.

Cada situação, em si, determinará se um clube qualquer deve ser SAF, ou não.

Em suma, não é o modelo de Gestão que determina o sucesso de um clube de futebol – mas, sim, a própria Gestão.

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A descoberta guiada emocional: Do individuo ao coletivo e o perfil do atleta

Por: Nicolau Trevisani

Já faz alguns anos que, em meio aos meus estudos sobre o futebol, me deparei lendo um dos livros de José Mourinho sobre o conceito de Descoberta Guiada, quando buscava conteúdos sobre diferentes periodizações e metodologias de treino. A ideia, de forma resumida, consiste em tentar, dentro do treino, criar um ambiente onde o treinador não “entrega todas as respostas prontas ao jogador”, mas sim um ambiente que estimule, através da manipulação do contexto (regras, tempo, espaço, comunicação…), o atleta a descobrir por si próprio as respostas adequadas para chegar aos comportamentos desejados pelo treinador no modelo de jogo. Essa abordagem, originalmente descrita por Mosston e Ashworth (2002) no ensino-aprendizagem, foi provavelmente adaptada e contextualizada por Mourinho ao contexto do futebol de alto nível, conferindo ao atleta maior protagonismo e engajamento no processo de treino.

Por exemplo: se quero que minha equipe tenha, como comportamento em organização ofensiva, cruzamentos de canal no terço final, crio no meu treino uma regra onde, se a equipe conseguir realizar um gol desta forma, ganha um ponto extra. Peço licença para aqui fazer um apontamento: existem alguns autores ou até mesmo treinadores que costumam colocar o gol com este comportamento como o único gol válido. Eu, particularmente, por entender o gol como o principal elemento do jogo, (aquele que de fato é capaz de alterar o placar) prefiro pensar em não limitar o gol e permitir que ele saia de qualquer maneira, para que o atleta não restrinja suas ações em busca do gol. Mas, se ele for pelo caminho que “gostaríamos mais e, portanto, incentivamos/guiamos”, a equipe ganha um ponto extra além do gol. Podemos até mesmo ser mais radicais e colocar o gol como a maior pontuação da atividade, e o ponto extra como uma pontuação menor, reforçando ainda mais que o gol deve ser a busca principal.

Entendendo agora de forma clara a ideia da descoberta guiada clássica como uma boa ferramenta para a construção de comportamentos táticos que podem ser trabalhados dentro de uma periodização, gostaria de avançar a reflexão. Como psicólogo e amante da psicologia, sabemos que o jogo também vai expor o jogador e a equipe a diferentes situações que irão demandar alta capacidade de lidar com diversas emoções para jogar (resiliência, ansiedade, frustração). Sabemos também que, com um processo de terapia e/ou acompanhamento individual bem feito, podemos ajudar cada atleta a se autorregular da melhor maneira possível como indivíduo para lidar com esses momentos dentro do jogo.

Mas, coletivamente, será que não é possível gerar no ambiente, junto com os comportamentos táticos desejados, uma propensão emocional que ajude o indivíduo no contexto coletivo — e até mesmo a equipe em si — a lidar melhor com aquela emoção fruto daquela condição que o jogo ou até mesmo comportamento tático desejado geram com mais frequência para gerar uma maior eficácia? Por exemplo: para determinada forma de sair jogando que uma equipe utiliza, algumas emoções vão aparecer ou ser mais demandadas que em outra forma de jogar. Sendo assim, precisaremos de uma autorregulação de determinada situação bem estabelecida para que o comportamento tático aconteça da melhor forma possível. Isso também se estende a diferentes contextos de jogo, como adversários ou adversidades do placar, que podem ser trabalhadas dentro de cada contexto, mesmo que naturalmente já tenhamos os comportamentos mais recorrentes de determinado modelo de jogo.

Ainda que, quando trabalhamos a autorregulação do indivíduo, consigamos também ajudar o coletivo, acredito que, se assim como um comportamento tático, o “comportamento e regulação emocional” forem estimulados e treinados dentro do treino, respeitando princípios metodológicos comuns como especificidade, alternância horizontal, propensões, progressão de complexidade e, principalmente, a descoberta guiada, pode-se criar dentro do ambiente de treino situações que estimulem — em menor ou maior carga (a depender do dia da periodização, pois naturalmente conteúdos emocionais também podem ser mais ou menos complexos, ou mais ou menos estressantes ou desgastantes) — emoções que os comportamentos táticos do modelo de jogo e de determinada partida irão exigir com mais ou menos frequência. Assim, dentro do treino, com estratégias estabelecidas, os indivíduos e o coletivo poderão ir apreendendo a reconhecer, processar e lidar com diferentes emoções trazidas pelo jogo.

Claro, quanto mais atletas estiverem individualmente melhor preparados para lidar com as emoções, a transferência para o coletivo é facilitada. Mas é importante dizer que nenhum dos dois trabalhos emocionais propostos (coletivo ou individual) se substituem. Ambos podem ser de grande valia e se complementam.

E, como scout — função a qual hoje exerço — como esse processo ajuda? Entender, dentro do modelo de jogo da equipe, quais emoções serão mais demandadas (até mesmo para determinadas funções) de acordo com os comportamentos desejados pelo modelo de jogo pode ser uma valiosa informação no momento de observar um jogador. Será que, para o modelo de jogo que pretendemos ter como norteador do nosso jogo e no nosso contexto, aquele jogador já tem as habilidades emocionais necessárias para se adaptar mais rapidamente às demandas? Se a resposta for sim, pode indicar que aquele jogador tem um perfil mais pronto para transformar o seu potencial em performance rapidamente. Se a resposta for não, ao menos vamos saber melhor quais comportamentos — e eventualmente quais emoções — devemos ajudá-lo a desenvolver com diversas ferramentas no nosso ambiente para que ele possa, de forma assertiva, se adaptar melhor ao contexto em geral, inclusive podendo desenvolver as habilidades necessárias para se autorregular melhor.

Desta forma, poderemos ter uma leitura mais completa do perfil do jogador e entender os atributos dele, para que o clube possa gerar um ambiente o mais favorável possível para que o atleta possa transformar o potencial observado em performance o mais rápido possível.

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A tática e a criatividade: aceitar o caos, desdramatizar o erro

Por: Sérgio Raimundo

No treino do futebol profissional temos que escolher, se queremos organização extrema nos exercícios, muitas vezes dando feedback a cada bola jogada, para nos sentirmos no controle dos exercícios, ou se preferimos caos, um caos organizado, que permita aos jogadores tentar, errar, acertar, voltar a tentar, testar diversas soluções. 

Experimentar o erro e o acerto nos exercícios, jogar de forma espontânea e tomando constantes decisões dentro do modelo de jogo proposto (forma de jogar da equipe), enfrentando adversários chegando de diversos ângulos e com diversas velocidades, sem uma sequência única e definida, permite aos jogadores realizar decisões continuamente em jogo, em condições aleatórias, variáveis e imprevisíveis, que promovem uma auto-organização da equipe que deve funcionar como um todo, no qual o movimento de um jogador, a posição da bola e dos adversários fazem variar o posicionamento de todos os jogadores da própria equipe em campo. A equipe funciona como um sistema que se adapta constantemente e aprende coletivamente com os ajustes e experiências de treino que se tornam aprendizagem, quando se tornam rotinas. A equipe aprende em conjunto, não sabe o resultado do exercício antes de o iniciar, quando realiza jogos em espaços reduzidos ou em grandes.

Quando juntamos tática e criatividade na mesma linha, muitas vezes, podemos encontrar o conflito e discussão entre deixar os jogadores tomar as decisões, ou limitar as decisões que os mesmos podem tomar. Pensamos em jogadores que apenas seguem regras, ou jogadores que pensam em como decidir em jogo, de forma total ou dentro do modelo de jogo proposto. Se por um lado, creio que a maioria dos treinadores concorda, que os jogadores deverão ter alguma autonomia para decidir, pois é o que acontece em jogo, por outro, se cada um reagir por si durante todo o jogo, a equipe corre o risco de não estar organizada, pois ninguém sabe muito bem o que cada um vai fazer. 

O termo “modelo de jogo” foi introduzido há vários anos, por forma a servir como uma linguagem coletiva comum a todos os jogadores da mesma equipe, uma inteligência coletiva que permite que todos os jogadores antecipem as decisões dos próprios companheiros de equipe, em situações de grande estresse, nas quais as respostas devem ser dadas de forma automática. Em situações de estresse o cérebro vai sempre optar pela forma mais rápida de reação e decidir em aplicar as rotinas para as quais foi condicionado durante os dias de treino. No fundo, o modelo de jogo, a estratégia de jogo e as decisões sob estresse, geram os princípios de ação da equipe sob a forma de inteligência coletiva, e isso torna-se na cultura de jogo da equipe. 

O “caos organizado” nos exercícios de treino, isto é, as decisões abertas [uma possível decisão ou várias, sem imposição de uma resposta única por parte do treinador ao jogador], poderão ter um impacto positivo na criatividade dos jogadores, quando aumentarem a organização coletiva, tornando-se numa ideia comum e adaptável, quando ajudarem a antecipar e solucionar problemas e reduzir e aumentar a confiança dos jogadores. Mas poderá, também, ter um impacto negativo, podendo bloquear a criatividade, criando dependência de soluções, tornando-se numa ideia comum fixa, gerando ansiedade e diminuindo a confiança nos mesmos.

Segundo o professor Duarte Araújo, da Faculdade de Motricidade Humana, é importante que o caos, potencializando a variabilidade nos exercícios, promova a intencionalidade coletiva, compartilhando objetivos claros durante o exercício para que a equipe encontre a solução comportamental que vai variar constantemente em função do que está a acontecer em tempo real. É também importante que os mesmos contenham informação funcional, isto é, possuam elementos-chave do contexto de jogo (bola, adversários, gol), para oferecer possibilidades relevantes de ação para os jogadores encontrarem as soluções para os mesmos. Por fim, os exercícios deverão, também, permitir um movimento adaptativo, isto é, permitir variações na maneira como os jogadores adaptam seus movimentos para concretizar as affordances, isto é, as possibilidades que o envolvimento, constituído pelo campo e pelas regras, permitem, tendo em conta os elementos chave bola, adversários, gol [direção do jogo]. 

Dentro do movimento e ações nos exercícios, a aprendizagem e ambiente de incentivo aos alunos a se adaptarem e encontrarem suas próprias soluções, vão acontecer erros. Se tratarmos cada um desses erros como um drama e pararmos a prática para dar feedback a cada ação, então, o efeito de aprendizado, automatização coletiva e experimento de soluções, desaparece. Aí entra a importância do feedback pedagógico.

Se iniciarmos um exercício e todos os praticantes cometem o mesmo erro, então sim, devemos parar o mesmo e voltar a explicar, demonstrar, ou realizar as ações necessárias para o bom decorrer do mesmo. Se o erro fôr apenas praticado por um ou alguns jogadores de forma intermitente, então podemos dar feedback à ação enquanto o exercício estiver decorrendo. É como num jogo. Quando o jogador realiza um jogo, o treinador não pode parar o mesmo a cada erro que o jogador realiza. Até se torna importante o jogador desenvolver formas de lidar com os erros que comete e reagir aos mesmos, que não será possível desenvolver se o treinador pára o jogo, cada vez que algo errado acontece, na sua visão.

O feedback tem várias dimensões e ainda mais subcategorias, e é altamente dependente do estilo de liderança dos treinadores, mas há formas de estruturar o mesmo, para evitar constantes paragens nos exercícios. Para isso, é chave conhecer, também, o jogador como pessoa. Cada jogador tem a sua vida e o seu tipo de personalidade e enquanto alguns necessitam de saber o porquê de tudo o que fazem, outros necessitam de motivação, outros regras, outros de serem envolvidos no processo de liderança, outros espaço para experimentar sem qualquer feedback, etc.

Algumas das técnicas para fazer desaparecer a necessidade constante de feedback por parte dos participantes e deixar os mesmos tomar suas decisões em jogo, passam por realizar, por exemplo, um feedback sumário. Desta forma, os treinadores apenas dariam feedback após uma série de tentativas, ou no intervalo das séries ou blocos de cada exercício. Outra técnica, passaria por apenas dar feedback se certos erros fossem cometidos, que não seriam admissíveis no contexto de equipe e do modelo de jogo. O estilo de pergunta e resposta, também chamado de descoberta guiada, pode, também, influenciar nas decisões do jogador sem lhe impôr a solução. Por exemplo, se perguntarmos “onde está o homem livre”, essa simples questão pode fazer o mesmo levantar a cabeça mais cedo ou seguir “ligado” de onde está o homem livre ao longo do jogo. Por fim, se dermos mais feedback descritivo, em vez de ordens prescritivas, o jogador poderá sentir-se encorajado a encontrar as suas respostas. Um mero exemplo poderia ser dizer “ o centroavante vem pressionando diretamente fechando passe para o meia” em vez de dizer “passa para o outro zagueiro”, de forma prescritiva.

Outros fatores essenciais para a qualidade e gestão da sessão de treino seria a adequação dos conteúdos à cultura e realidade dos jogadores do time, diminuir o tempo de transição efetiva entre exercícios, aumentar ao máximo possível o tempo dedicado ativamente em aprendizagem, o clima da sessão que deverá permitir aos jogadores serem criativos sem temer consequências negativas por cometer “erros honestos” que advêm da tentativa honesta de tomar decisões em prol do time, a adequação a diferentes necessidades individuais e o conhecimento pessoal do atleta e envolvimento do mesmo no processo de desenvolvimento como jogador.

Foto: Marc-Graupera (FC-Barcelona)