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Naming rights

O assunto do momento voltou a ser “naming rights”. Agora, com olhos bem abertos sobre as novas arenas que estão sendo construídas para a Copa do Mundo de Futebol em 2014. E novamente as análises redundam sobre “ah, a televisão não fala o nome correto, então não dá certo”.

Este tipo de comentário soa como uma desculpa para não querer patrocinar – ou, talvez, pela dificuldade imensa das entidades em montar um projeto sustentável e de longo prazo para que os patrocinadores percebam retorno sobre o investimento.

Em um primeiro momento, o que se percebe é que a relação entre empresa patrocinadora e a entidade que recebe o patrocínio vai além da visão reduzida de proporcionar unicamente visibilidade na TV. O patrocínio esportivo vai muito além disto.

Neste sentido, a exploração comercial dos “naming rights” pode ser trabalhada como uma plataforma de exposição de produtos, apresentação de know-how, centros de hospitalidade, fortalecimento da relação com os consumidores, apresentar-se como uma marca forte perante o público em geral e daí por diante.

Se concordarmos que o “naming rights” só serve para visibilidade, também temos que falar que de nada adianta patrocinar esportes como Vela, Judô ou outros que não aparecem com tanta frequência na mídia. E isso não é verdade: a Vela permite fazer inúmeras relações do esporte com a natureza; o Judô, por sua vez, ensina lições de disciplina importantes que podem ser trabalhadas internamente no meio empresarial.

Fiquei em dois exemplos básicos para reafirmar: os objetivos de um investimento para dar nome a uma instalação esportiva vão muito além da sua menção em meios de comunicação social. Esta relação é clássica e notória em casos nos EUA e na Europa.

No Velho Continente, mais precisamente na Alemanha, uma dezena de clubes da 2ª divisão do futebol local tem seus estádios batizados com nomes de empresas – isso prova que não é só a visibilidade que move investimentos desta natureza, e sim o fortalecimento da marca e a presença dela no esporte mais popular do mundo.

Para finalizar, reafirmo: deixemos de ver o copo “meio vazio” para enxergá-lo “meio cheio” para, desta maneira, ampliarmos nossos horizontes e percepções sobre as inúmeras oportunidades que o patrocínio esportivo pode proporcionar. E o “naming rights” aí se inclui também.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

Leia mais:
Sobre naming rights
O esporte como gerador de negócios para as instituições financeiras no Brasil
Claudio Borges, analista comercial do Manchester City FC 
 
 

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Ao superar barreiras tecnológicas, é necessário definir rumos

Olá, amigos!

Nesta semana, em uma palestra, levantamos a discussão sobre a resistência de alguns profissionais no meio do futebol em relação à tecnologia. Quando mencionei que hoje já conseguimos vislumbrar melhoras, alguns colegas questionaram e disseram que não concordavam. Respeito a opinião deles e trago a discussão para o debate ampliado com o leitor da Universidade do Futebol.

Sempre critico a resistência dos profissionais do meio – o amigo que me acompanha nos textos há algum tempo pode comprovar. Porém, temos que ser sinceros: já observamos alguns movimentos, ainda que tímidos, em prol dessa atualização tecnológica. Termo esse que utilizamos em textos anteriores para situar uma dimensão na formação do profissional do futebol que consiste em estar atualizado face às inovações, bem como a seus possíveis benefícios.

Depois de alguns exemplos trocados, como o mais antigo “Datacenter”, iniciado no Sport Club Internacional pelo professor João Paulo Medina, já há significativos anos, chegamos ao esforço do Corinthians em organizar esse departamento, assim como outros clubes que têm trabalhado nessa perspectiva.

Isso já nos dá indício de que algum movimento tem sido feito em caminho do uso tecnológico a favor do futebol.

Mas ainda que seja animador ver esses primeiros passos, podemos fazer uma analogia simples e superficial com os primeiros passos de uma criança – eles ainda não são firmes nem coordenados, e tampouco maduros o suficiente para que possam se transformar em velozes e eficazes corridas.

Falta uma cultura tecnológica no futebol, que deve ser a próxima barreira a ser transpassada por aqueles que gostam e trabalham sob a perspectiva da tecnologia no futebol.

Se há três anos discutimos a necessidade de se quebrar as barreiras da resistência no futebol, é momento agora de pensarmos também no delineamento da cultura tecnológica. Não que tenhamos superado a primeira, nem de longe, mas não podemos esperar ela se solidificar e ficar 100% superada (quando falar de tecnologia no futebol seja “chover no molhado”), porque, do contrário, estaríamos indo contra os princípios modernos desse fenômeno, que é velocidade e inovações em ritmos frenéticos.

Desta forma, é importante que a gente consiga continuar na marcha de romper as barreiras que ainda existem, mas que aos poucos já vêm sendo superadas, e já começar a dar rumos para o que virá.

Caso não comecemos um desenvolvimento desenfreado de recursos, não nos adequaremos às reais necessidades dos profissionais do futebol. É como se um clube desenvolvesse internamente recursos que só servem para ele (ainda que isso pareça benéfico) naquele momento e com aquele profissional. Em outro clube, acontece a mesma coisa, e assim seguimos uma propagação de recursos e usos diferenciados que podem acabar por não apresentar resultados significativos, e no futebol sabemos o quanto o resultado é importante…

Assim, além dessas barreiras, os profissionais que já estão se ambientando com a tecnologia no seu cotidiano devem se posicionar como colaboradores para que novas ferramentas sejam eficazes e não simplesmente desenvolvidas com a marca e chancela de fulano e ciclano, e sim pelo bem da ciência do futebol, tendo sempre como premissa que a tecnologia faz o que colocamos nela, segundo nossas competências, e através delas (competências) é que o que os recursos nos trazem e serão transformados em intervenção.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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O direito de mentir

“Repetir uma mesma escalação em três dos quatro jogos que fizemos até agora é algo muito bom. Ainda não tenho todos os jogadores disponíveis, mas manter uma sequência ajuda a dar uma consistência para o grupo”.

A frase foi replicada nos jornais, sites, rádios e TVs na sexta de tarde e no sábado pela manhã. Seu autor é Paulo César Carpegiani, treinador do São Paulo, antecipando o duelo que teria contra o Grêmio, pelo Campeonato Brasileiro.

Baseados nas declarações do treinador são-paulino, os jornalistas já anteciparam a formação tática da equipe paulista e o fato de Carpegiani ter mantido a equipe, mesmo com algumas críticas de torcedores e comentaristas pelo jeito mais “fechado” de o São Paulo jogar com a formação no meio-campo tendo quatro jogadores mais afeitos à marcação.

Bom, mas aí veio o jogo… E, depois dos 3 a 1 do São Paulo sobre o Grêmio, com uma ótima atuação de Marlos, o “titular-surpresa” de Carpegiani, veio a entrevista coletiva para a imprensa.

“Eu menti. Já tinha planejado jogar com o time daquela forma, mas não poderia antecipar isso”, afirmou o treinador são-paulino.

Introdução aos Aspectos Táticos do Futebol: conheça o curso online da Universidade do Futebol clicando aqui.

 

O “nó tático” de Carpegiani não foi só dentro de campo, sobre Renato Gaúcho, que claramente montou um time baseado naquele São Paulo que três dias antes havia jogado, e sofrido, contra o Atlético-MG. Todos os jornalistas que acompanham o cotidiano do clube paulista sentiram-se um pouco derrotados depois do jogo, meio zonzos pelo drible desconcertante que levaram.

Mas Carpegiani se aproveita de um fato que é muito corriqueiro no cotidiano dos clubes de futebol. Jornalista adora ir a treino, mas raramente passa o tempo todo acompanhando o exercício dos atletas. Ok, muitas vezes temos diversas funções a cumprir, outras preocupações para fazer para o jornal, a internet, a rádio ou a TV.

O problema é que muitas vezes o repórter não entende que a cobertura de um treino não pode se limitar às entrevistas que são realizadas depois dele. É fundamental usar uma característica que está na essência do jornalismo, que é a capacidade de o repórter observar o ambiente em que se encontra e reproduzir uma história a partir dele.

Carpegiani tem todo o direito de mentir. Principalmente quando a informação que ele boicotou a mídia era estratégica para obter o resultado de que precisava. É muito provável também que o São Paulo não tenha chegado a treinar com a formação usada em jogo, mas aí está o grande segredo dos treinadores: conhecer os seus atletas e saber como tirar o melhor proveito deles, mesmo sem nunca ter treinado dessa maneira.

Ao jornalista, além do direito de perguntar, está o dever de observar. Talvez, dessa forma, as mentiras sejam pegas “de calças curtas”, como se dizia no passado. Afinal, essa é a essência da apuração jornalística. Não se ater às declarações, sabendo que o entrevistado pode usar as palavras apenas em benefício próprio.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Descanse em paz

O futebol brasileiro está morto.

Não sou (apenas) eu que afirmo.

A revista inglesa 4-4-2 (Four Four Two) deste mês sentencia.

Tostão, em suas colunas, há um certo tempo também.

E, pelos tópicos da reportagem, diante do que tenho visto nos jogos dos clubes brasileiros, em geral, devo, tristemente, concordar.

“Futebol feio”, “A Copa 2014 é um caos”, “Eles não têm mais estrelas” e “Seus melhores jogadores são zagueiros”.

O futebol brasileiro está feio. Demais. Lento, sem criatividade, sem espírito, sem alma, sem pegada.

A impressão é que todos os jogadores estão com a cabeça na Europa – porque desejam ir pra lá, ou porque voltaram pro último ato da carreira já consagrada, cujos aplausos por aqui não lhes são mais necessários.

Dizer que a preparação para a Copa 2014 é caótica é redundante. Pra encurtar meu texto e facilitar sua compreensão, sugiro que frequente aeroportos do Sul e Sudeste, ou as estradas federais. Ah, mais fácil: tente reservar hotel de nível médio em São Paulo.

E o teste pelo qual passou o Pacaembu, na despedida do Ronaldo – que não será estádio da Copa – apontou rachaduras na organização de um evento esportivo. Das mais simples, como a falta de orientação para os acessos VIP. Imagine a classe média…

Falando em Ronaldo, nos não temos mais estrelas mesmo. As maiores são “gringas”. Neymar e Ganso já vão embora.

E, incontestavelmente, nossos zagueiros estão entre os melhores do mundo – Lucio, Thiago Silva, David Luiz, além de Juan, Luisão e os bons laterais que estão na Europa, sem falar dos goleiros.

Escrevo logo após ter visto o documentário “Telê Santana – Meio século de futebol arte”.

Telê não era unanimidade como pessoa. O que se percebe é que esse fato se dava por sua postura perfeccionista e todo exagero que disso decorre.

Por outro lado, todos os que participam das entrevistas afirmam que ele sabia armar verdadeiras equipes, ao extrair dos jogadores o melhor do corpo, da mente e da alma de cada um.

Isso o fez escrever, na história do futebol brasileiro e mundial, capítulos de beleza e vitórias.

O Santos do Muricy -discípulo de Telê – tem esta centelha de bom futebol.

O Barcelona, de hoje, tem no seu DNA holandês-catalão, nas mãos de Guardiola, aquilo que seduz e conquista.

O Cérebro Iniesta encerra os valores humanos e técnicos que são defendidos pelo Barça, até mesmo na escola que o clube mantém na Argentina.

Telê, descanse em paz, ao lado do futebol arte que tanto encantou o Brasil.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br  

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O currículo de formação do atleta de futebol – parte II

Há algumas semanas, foi proposta, aos profissionais das categorias de base, a iniciativa sobre o desenvolvimento do currículo de formação do atleta de futebol. Este material deve ser elaborado com o devido alinhamento à cultura e objetivos do clube e sua aplicação é pré-requisito para o desenvolvimento de um bom processo de formação diante das tendências do mercado.

Dias após a publicação da coluna, uma entrevista com Thiago Corrêa Duarte foi postada na Universidade do Futebol e, dentre os temas discutidos, estava o D.O.M (Documento Orientador Metodológico). Thiago, coordenador técnico das categorias de base do Grêmio, é o responsável pela elaboração do material que tem como objetivo formar atletas de futebol, a partir da filosofia e cultura do clube, caracterizando o “Jogar ao Grêmio”.

Um grande clube do futebol brasileiro já é um ótimo exemplo por conter profissionais que estão se preparando e agindo diante do novo cenário futebolístico que se desenha. Os concorrentes (outros grandes clubes, times de menor expressão com tradição em categorias de base e clubes formadores emergentes) que não se adequarem a esta nova realidade correm sérios riscos de realizarem investimentos sem retorno e sustentabilidade no médio e longo prazo.

Ciente deste cenário e respeitando as limitações estruturais, financeiras, de recursos humanos, outrora comentados, a diretoria do Paulínia FC selecionou cinco profissionais, no ano de 2009, para o desenvolvimento do material denominado “Metodologia Futebol Arte”. Nele deveriam constar os conteúdos e temas relativos ao processo de formação do sub-11 ao sub-20.

Além de apontar os oito grandes conteúdos que compreendem o processo de formação, o objetivo da coluna desta semana é padronizar algumas linguagens que serão utilizadas em colunas futuras.

Antes de apresentá-los, porém, é necessária a divulgação do nome dos outros quatro profissionais que contribuíram na elaboração do referido material: Anderson Gôngora, Cristian Lizana, Erick Martins e Lucas Leonardo. Este último coordenou a produção, porém, atualmente não trabalha mais com futebol.

O tempo de início e conclusão do currículo foi de seis meses, sendo feitas três a quatro reuniões semanais de duas horas cada, com saudáveis (mas nem sempre amistosas) discussões baseadas em diversos autores que discorrem sobre o ensino dos JDC, complexidade, teoria dos jogos, além das opiniões e experiências dos integrantes do grupo e, eventualmente, dos demais profissionais do clube.

O primeiro conteúdo é a Lógica do Jogo, que norteia todo o processo de formação e que se subdivide nos seguintes temas:

Abordar a Lógica do Jogo Formal;
Aplicar a Lógica do Jogo Formal.

O segundo conteúdo compreende as Competências Essenciais do Jogo. Tais competências se manifestam em quaisquer jogos coletivos e quanto melhor a sua manifestação, melhor será o nível de jogo realizado. Subdivide-se em:

Relação com a bola;
Estruturação do espaço;
Comunicação na ação (Leitura de Jogo).

As Referências do Jogo de Futebol fazem parte do terceiro conteúdo. Dominar as referências, de forma circunscrita ao jogo, contribui para a orientação de novas formas de cumprir a Lógica do Jogo. Este conteúdo contém como temas:

Plataformas de Jogo;
Referências Operacionais;
Referências Espaciais;
Referências Atitudinais.

O quarto conteúdo é composto pelo nível Estratégico-Tático do Jogo. A componente estratégica oferece aplicações pré-definidas pelo modelo de jogo e a componente tática, pelas emergências (problemas) do jogo e apresentam os temas abaixo:

Estratégias ofensivas;
Estratégias defensivas;
Reposições de bola;
Bolas Paradas;
Meios Táticos.

O conteúdo seguinte é relativo às Funções no Jogo e apresenta como temas:

Jogar em uma Posição;
Cumprir outras Regras de Ação;
Jogar em mais de uma Posição.

O sexto conteúdo denomina-se Relação com Companheiros e é desenvolvido em função da capacidade de jogo dos praticantes e tem como subdivisão os seguintes temas:

Jogar em pequenos grupos (até 3 jogadores);
Jogar em médios grupos (de 4 a 7 jogadores);
Jogar em grandes grupos (mais de 8 jogadores).

Fisiologia e Saúde fazem parte do penúltimo conteúdo, que inclui:

Conhecimento dos grupos musculares;
Consciência corporal;
Vivência em academia;
Exercícios profiláticos.

O oitavo conteúdo é denominado Apoio Didático e é composto pelas atividades complementares extra-campo, de caráter técnico, para contribuição no processo de ensino-aprendizagem. Apresenta como temas:

Palestras do Modelo de Jogo;
Palestras de jogos profissionais;
Palestras de jogos da própria equipe;
Palestras de jogos do adversário.

Para todos estes temas (em outras colunas virão os sub-temas), estabeleceram-se “pesos” subjetivos, de 0 a 5, que foram distribuídos, para aplicação no processo de treinamento, entre todas as categorias do clube. Quanto maior o “peso”, maior a importância da aprendizagem do tema. Para alguns temas, a letra “X” substitui a presença do número indicando que determinado conteúdo já foi aprendido pela categoria. O número zero indica que determinado tema não deverá ser abordado.

Ainda sobre a interpretação do currículo, outro ponto é de fundamental importância e se refere às dimensões do aprendizado. Para isto, os termos “conhecer, vivenciar e aprender” correspondem aos primeiros contatos com cada tema e a abordagem do treinador deverá ser constante para assimilação dos objetivos propostos nas atividades. Realizado o contato inicial, a “aplicação” e “aperfeiçoamento” deverão ser observados para excelência e acomodação do aprendizado, inclusive quando determinado tema não for o objetivo específico da atividade. E, por último, “dominar” o tema com a maior competência possível na sua execução.

Para finalizar, é válido salientar que o currículo do Paulínia FC não é um documento fechado, pronto e que não receberá alterações. É apenas um material de desenvolvimento de um processo de formação que, com exceção do sétimo conteúdo, Fisiologia e Saúde, utiliza o “jogo” como método de ensino. Sua aplicabilidade (lembrando que tem somente um ano e meio de existência) está sendo observada para que adequações sejam feitas e possíveis equívocos, sanados. Outra consideração refere-se às limitações de toda a gestão que refletem com maior ou menor magnitude no trabalho de campo.

No entanto, não é possível aguardar o “mundo ideal” para serem dados os primeiros passos de uma longa e trabalhosa caminhada. Caminhada, em que muitas questões, acertos e erros serão discutidos com profissionais do futebol dispostos a compartilhar conhecimento.

Até a próxima semana!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

Leia mais:
O currículo de formação do atleta de futebol – parte I
 

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Qual é a hora de parar?

Saudações a todos! Nesta sexta-feira aproveitarei um assunto que foi o grande destaque da semana para trazer uma reflexão a vocês. Ronaldo Luís Nazário de Lima, o maior artilheiro de todas as Copas, de talento ímpar e indiscutível, e ainda com 34 anos, parou. O “Fenômeno” parou?

Muitos acham que mesmo acima do peso, mesmo sem o arranque que foi sempre sua marca registrada, ele ainda poderia jogar por mais dois ou três anos e seria sempre destaque. Outros acham que ele deveria ter parado há um ano, após jogar a primeira temporada no Corinthians e assim encerrar a carreira com o destaque de ter sido campeão da Copa do Brasil, com a taça na mão. Isto sem falar que assim teria evitado o Tolima… Ah, quanta dor de cabeça esse Tolima me deu! Mas é melhor pularmos essa parte.

Mas existe uma regra para saber a hora de parar? Sim, existe e contarei no fim desta coluna. Antes, quero trazer para vocês algumas informações do mundo coorporativo.

Há alguns anos existia nesse ambiente um ranço, posso até chamar de uma regra, que pessoas com mais de 40 anos já estavam fora do mercado de trabalho, deveriam se aposentar. De fato, as pessoas que se aproximavam dessa faixa etária já programavam sua aposentadoria, pensavam o que fazer com fundo de garantia, se comprariam um sítio no interior e viveriam pescando, se investiriam em novo negócio e continuariam no dia a dia agitado da metrópole, ou seja, tinham dúvidas sobre o que fazer, com a única certeza de que em curto período de tempo estariam fora do mercado formal de trabalho.

Para sorte de muitos (inclusive a minha), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aumentou o número de idosos no Brasil. Já há mais pessoas da Terceira Idade do que crianças no nosso país. As regiões Sul e Sudeste são as que mais se concentram essa fatia da população E embarcada nesta realidade, a situação da empregabilidade no Brasil também mudou.

Já faz algum tempo que os profissionais com mais de 40 anos têm espaço garantido no mercado de trabalho, e como o assunto é “fenômeno”, um fenômeno vem acontecendo nos últimos 10 anos.

Com o aquecimento do mercado e com a consequente alta no emprego, profissionais com 40, 50 e 60 anos estão a todo vapor e em plena atividade profissional. Existe espaço para todos. Os experientes mais graduados ocupam posições de liderança nas empresas e passam aos mais jovens, que chegam às empresas muito bem formados, porém carentes de vivência coorporativa, toda sua experiência, sua bagagem, seus acertos e seus erros. E essa mescla entre juventude e experiência tem trazido ganhos significativos para as organizações. Outros profissionais com essa faixa etária atuam como consultores, aplicando sua experiência em projetos pontuais, nos quais não existe a necessidade de horários rígidos e de rotina. Os menos graduados também estão em plena atividade, principalmente em funções em que o contato com o publico é exigido, como em lojas de cadeias de fastfoods, livrarias e pizzarias, entre outros.

Nessas atividades, eles explicam para o público detalhes sobre os produtos vendidos, já que têm paciência e educação para dar as explicações. Em contrapartida, o público também tem com eles a mesma paciência e educação. Como resultado, as empresas têm clientes mais satisfeitos, o que é bom para todos.

Agora, se a regra de parar aos 40 não existe mais, qual a regra que vale? Eu conto:

1) Trabalhe todos os dias como se fosse seu primeiro dia na empresa, com dedicação, afinco, vontade e felicidade;

2) Mantenha-se atualizado com as tendências de sua área;

3) Saiba o que os mais jovens estão fazendo, que tecnologia e instrumentos eles usam para se comunicar. Entre no mundo deles, pois você aprenderá muito também;

4) Mantenha sempre o bom ambiente de convívio com os colegas de trabalho, deixando de lado o ar “sabichão” de quem já passou por muitas experiências;

5) Leve soluções, evite problemas. Uso aqui a sabedoria do filósofo Bruce Willis, bem apresentada por um de seus personagens: “Se você não faz parte da solução, por favor não faça parte do problema”.

Sem ser piegas, se você faz a maioria das ações que citei acima, com felicidade e prazer, independente de ter 40, 50 ou 60 anos, você ainda tem muitas partidas e muitos campeonatos para jogar.

Fazendo um paralelo com o mundo do futebol, aqui no Brasil temos um exemplo indiscutível, que independentemente da idade, exercendo sua profissão com felicidade, dedicação e prazer, tem tido sucesso garantido. Rogério Ceni, com 38 anos, 20 deles dedicados ao São Paulo, está em plena forma e continua sendo o primeiro jogador a chegar e o último a sair dos treinamentos. Alguém imagina o São Paulo sem o Rogério? Aliás, a dedicação e o sucesso são tão grandes que muitas pessoas têm até dúvida se chamam o Rogério do São Paulo ou o São Paulo do Rogério!

Agora, se na sua empresa ou em sua atividade você não tem mais essa garra, se lhe falta vontade, está sem felicidade, chegou a hora de pendurar as chuteiras e preservar sua imagem de campeão que construiu ao longo dos anos.

Tenho certeza de que refletindo sobre o assunto você encontrará exemplos de profissionais que foram além do que deveriam e desmancharam a imagem de campeão, e outros que souberam a hora de parar e brilham eternamente.

Aproveitem os exemplos e apliquem na sua rotina. E não esqueçam: ser feliz em tudo o que se faz é a chave do sucesso!

É isto pessoal. Intervalo, vamos aos vestiários e nos vemos na próxima semana.

Abraços a todos!

Para interagir com o autor: ctegon@universidadedofutebol.com.br  

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A tirania da idade no processo de seleção, formação e detecção de talentos

Como havia adiantado na última semana, durante todo o mês de junho esta coluna será dedicada a discutir assuntos relacionados à seleção, detecção e formação de talentos. O tema desta quinta-feira será a idade como fator de desempenho no futebol de base.

O sucesso no futebol é multifatorial e depende de aspectos coletivos e individuais. No aspecto coletivo, entre outros fatores, destacam-se: entrosamento, inteligência de leitura de jogo e aplicação tática da equipe. No aspecto individual, destacam-se qualidade técnica das habilidades motoras abertas e fechadas (manejo de bola, condução, passe, chute, cabeceio), aplicação tática individual, qualidade das capacidades motoras condicionais (flexibilidade, velocidade, força, potência, resistência anaeróbia e aeróbia) e qualidade das capacidades motoras coordenativas (diferenciação sensorial, observação, representação, antecipação, ritmo, coordenação motora, controle motor, reação motora e expressão motora).

Embora algumas destas classificações sejam mais didáticas do que práticas, indiscutivelmente o período pré-pubertário é a fase ótima para o desenvolvimento das capacidades coordenativas enquanto que o desenvolvimento das capacidades condicionais deve ser priorizado no período pós-pubertário.

Neste aspecto é imprescindível que o processo de detecção, seleção e formação de talentos adote critérios claros para se determinar o período maturacional de cada jogador. Geralmente, as estratégias adotadas para este fim são a utilização de exames laboratoriais de hormônios sexuais, desenvolvimento glandular, avaliação médica, períodos de dentição, velocidade de crescimento da estatura, período de menarca ou espemarca, pilosidade tegumentária de genitais, auto-avaliação das características sexuais secundárias e desenvolvimento ósseo.

O problema é que tais características se manifestam em diferentes idades cronológicas de modo que crianças ou adolescentes com mesma data de nascimento podem apresentar diferentes estágios maturacionais. Assim, indivíduos com atraso maturacional podem sofrer desvantagem no processo de formação já que fisicamente apresentam desvantagem em relação aos que se encontram em estágios mais avançados de maturação.

Um estudo recém publicado por Augste e Lames (2011), investigou o efeito da idade cronológica na seleção de jogadores alemães sub-17. Após analisarem 911 jogadores de 41 equipes diferentes, constatou-se que os times compostos por jogadores de idades mais avançadas tendiam a ter melhores colocações no ranking.

Esse aspecto pode ser um indicativo de que o processo de formação está equivocado, já que muitas vezes o desempenho pode estar baseado apenas na vantagem física apresentada por jogadores mais velhos, a qual tenderá a desaparecer na idade adulta e deixar de ser diferencial.

Com estas informações, a questão parece mais uma vez estar atrelada aos objetivos que se tem em cada clube. Se a categoria de base servir para ganhar títulos, devem-se privilegiar jogadores mais velhos com maturação adiantada. Se for para formar jogadores em longo prazo, outros aspectos além da idade e da maturação devem ser avaliados. Mas este será assunto para as próximas semanas…

Então até a próxima semana!

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br  

Referências bibliográficas

Augste C, Lames M. The relative age effect and success in German elite U-17 soccer teams. J Sports Sci. 2011 Jun;29(9):983-7.

Helsen WF, Starkes JL, Van Winckel J. Effect of a change in selection year on success in male soccer players. Am J Hum Biol. 2000 Nov 1;12(6):729-735.

Helsen WF, van Winckel J, Williams AM. The relative age effect in youth soccer across Europe. J Sports Sci. 2005 Jun;23(6):629-36.

Jiménez IP, Pain MT. Relative age effect in Spanish association football: its extent and implications for wasted potential. J Sports Sci. 2008 Aug;26(10):995-1003.

Mujika I, Vaeyens R, Matthys SP, Santisteban J, Goiriena J, Philippaerts R. The relative age effect in a professional football club setting. J Sports Sci. 2009 Sep;27(11):1153-8.

Vaeyens R, Philippaerts RM, Malina RM. The relative age effect in soccer: a match-related perspective. J Sports Sci. 2005 Jul;23(7):747-56.

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Ceni e Lacombe

Há duas semanas, o goleiro e maior ídolo do São Paulo Futebol Clube, Rogério Ceni, ganhou batalha na justiça contra a ex-comentarista esportiva Milly Lacombe. Para quem não se lembra do caso, há pouco menos de cinco anos, Lacombe, então comentarista do Sportv, acusou Ceni de falsificar assinatura para mostrar pré-contrato com o Arsenal, da Inglaterra e, assim, pleitear aumento de salário junto ao São Paulo.

No mesmo instante, Rogério Ceni ligou no programa e entrou “ao vivo” para dar uma lição não só naquela jornalista como em muitos que, por tabela, falam o que pensam sem ter efetivamente a prova real daquilo que estão querendo propalar no veículo de mídia que prestam serviço.

A história não merece muitas delongas e é conhecida da grande maioria das pessoas que trabalham com o futebol. A memória serve mais para destacar a inteligência e a preocupação com a imagem de ídolo que Rogério Ceni possui – fato esse bastante raro entre jogadores de futebol.


 

E do fato, temos duas questões para o exemplo, seguidas das respectivas reflexões: como se dá a assessoria direta para cuidar da imagem dos atletas? Como se comporta o clube diante de situações análogas?

Na primeira, deflagra o discernimento do Rogério em pegar o telefone e ligar “ao vivo” no programa, procurando minar qualquer tipo de boato que pudesse denegrir sua imagem. É bom pensarmos que a indenização por danos morais, em alguns casos, não paga todo o dano causado à imagem da pessoa desmoralizada.

Ao mesmo tempo, o fato de Rogério ser uma exceção. Ele fez o papel que um assessor de imprensa deveria fazer. Tudo bem que os assessores de imprensa não são onipresentes (e nem Ceni, que teve a “sorte” de, naquele momento, ver e ouvir o que estavam a falar dele mesmo). Mas é preciso ter planos, meios, métodos e estratégias para minimizar danos e isso passa, em muito, pelo direito de resposta com a finalidade de se chegar à verdade em casos mais polêmicos.


 

Na segunda, infelizmente é perceptível certa negligência dos clubes de um modo geral em proteger um de seus maiores patrimônios: seus ídolos. São eles que fazem (ou defendem) gols; que por sua vez vendem camisetas; valorizam os produtos licenciados ligado a ambos (clube e atleta); lotam os estádios, e por aí vai. Achar que o atleta é só mais um e depois virão outros parece ser o grande erro dentro desse tipo de relação.

O fato é que cinco anos se passaram desde que o caso “Ceni x Lacombe” ocorreu e, a meu ver, pouca coisa mudou dentro de um contexto amplo. Evoluímos para algumas plataformas de mídia digital e já presenciamos alguns embates por meio delas, com pouco efeito prático e mais desgaste entre os que falam e os que jogam. Ao que parece, poucos atletas foram bem orientados e menores ainda são as soluções para lidar com essa importantíssima relação.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Fenômenos

Não tenho a menor ideia do que passará na cabeça de Ronaldo contra a Romênia, no Pacaembu. Mal ele sabe tudo que já passou pelos pés desde 1993, quando iniciou das mais fenomenais carreiras da história do esporte. Terminar qualquer carreira, por ironia, é um parto. Uma partida para o fim do jogo. Mas um craque imortal não pendura chuteira. Não é o limbo dos reles que ralam, nem o Olimpo onde R9 já tem cadeira à direita de Pelé.

É um lugar sem explicação onde Ronaldo vai pairar quando definitivamente parar. Ele, com a simplicidade dos craques que fazem tudo mais simples, sabe que a pessoa física tem seus compromissos, já arregaçou mangas e gravatas na vida empresarial, e que o mundo real é diferente daquele vivido lá dentro. Quando ele nos fez campeões mundiais em 2002. Quando fez tanta gente feliz com gols, arrancadas e, principalmente, superações.

O R9 superou até os problemas e polêmicas do Ronaldo Nazário, o menino de Bento Ribeiro. Já tirou e deu de letra. Já botou muitos números nas contas de tantos. Agora, leva nas costas as contas que ganha de publicidade e perde as tantas em outros tantos negócios que são oferecidos a uma marca fenomenal que venceu várias marcas dentro de campo, e estampa associada à imagem uma marca registrada de talento, juventude e fantasia. A história real de carochinha na Copa de 2002, que mais parece filme da Disney com roteiro mexicano e produção venezuelana, é de filminho groselha com açúcar de sessão da tarde da TV. Mas foram reais sessões de gala nas madrugadas brasileiras de 2002.

Ronaldo não para. Mas vai parar esta terça-feira, no Pacaembu. Ele vai jogar 15 minutos. Pretende entrar aos 30 do primeiro tempo e encerrar no intervalo, oficialmente, a carreira pela Seleção onde há 17 anos, aos 17, estreava para se tornar o maior artilheiro em 80 anos de Copas do Mundo.


 

Não deverá repetir Romário que, no mesmo Pacaembu, fez seu último jogo e gol pelo Brasil, em 2005, contra a Guatemala. Outro gênio que se despediu no belíssimo estádio que irá receber as últimas chuteiras fenomenais para o Museu do Futebol.

Mas Ronaldo não precisa mais nada. E isso é a questão para o cidadão Ronaldo. Como levar a vida que nos levou como o tema do Zeca Pagodinho em 2002 sem tudo aquilo que ele ganhou e nos deu de presente?

Como tudo fica menos complicado aos craques e gênios, que Ronaldo curta o renascimento sendo aplaudido por onde for. E aplaudindo histórias tão belas como as que começa a construir Neymar. Um que ainda tem muito a aprender. Um que já devemos começar a pensar nas homenagens que faremos quando ele deixar o futebol. Já que a recíproca não será verdadeira.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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André, o antropólogo, e seu encontro com Guimba

Apresentação

Meu nome é Guimba. Isso mesmo, e me chamam assim por causa do monte de cigarros que eu fumava por dia e porque eu guardava as pontas para fumar depois. Isso até o dia em que eu já não conseguia mais correr atrás da bola.

Qualquer corridinha e eu botava a língua para fora. E foi por isso, e não porque eu era ligado nessas coisas de infarto e tal, que eu parei de fumar. Mas o apelido ficou.

Jogo no “Jura Que Sabe”, o time dos veteranos do bairro, e esse nome pegou porque todo mundo ali pensa que joga, mas quase ninguém joga nada, é só papo de botequim – por sinal, no boteco do Novelo, que fica ao lado do campo. Ali rola o maior papo, e cerveja.

Quem ouve a conversa jura que a gente joga bola. Teve até um moço antropólogo que veio aqui procurar por nós, achou interessante o nome, quis saber de onde veio essa denominação estranha, “Jurakissabi”, se era indígena, até que a gente disse para ele que não tinha essa de indígena, era “Jura Que Sabe”, assim mesmo, tudo separado.

O rapaz não gostou da história, mas gostou da gente, pena que ele não joga nada, não teve tempo de aprender, pois a mãe dele fazia ele estudar o tempo todo. De cerveja ele entende, e de conversa também, mas só depois de entornar três geladas.

E como a gente joga mais na mesa do que no campo, ele acabou virando um craque…

O primeiro encontro

Atraído mais pelo nome que pelos acontecimentos, que desconhecia, pôs-se André em campo; noviço nas artes da Antropologia, ansiava e temia o dia de deparar-se com uma autêntica comunidade daquelas cuja cultura enraizada resistia aos ataques de modernidade. Por um erro de grafia, uma pequena nota de canto de página na seção de esportes publicou o placar da peleja Jurakiçabi dois, Estação Central um. O erro do jornalista resultou em boa surpresa para André, o recém-formado antropólogo.

E lá se foi nosso André serra abaixo, rumo a Santos, disposto a realizar trabalho científico de causar orgulho aos pais e mães da ciência do homem, caso estivessem vivos. Pergunta daqui, procura dali, soube que o esquadrão de veteranos batia sua bola no bairro do Jabaquara, já na subida do morro da Nova Cintra. Quem sabe não encontraria entre eles descendentes dos próprios Tupinambás, ou dos Tamoios, daí o nome do time. Até onde se sabe, Jurakiçabi não consta do vocabulário de nenhum povo indígena conhecido, mas, até aí, não se sabe tudo. Os craques do portentoso onze se reuniam aos sábados, no período da tarde, ora no campo próprio, ora nas dependências do adversário. No próximo final de semana a porfia seria realizada em casa e indicaram a André que procurasse o Guimba, líder e um dos artilheiros do time, no boteco do Novelo, lá pela uma da tarde.

Fiel aos princípios da etnografia, nosso jovem antropólogo sentou moradia ali mesmo, no começo da Nova Cintra, num quartinho de fundos da casa de Dona Noca, senhora ponderada e apreciadora eventual dos eventos futebolísticos do bairro.

O sábado chegou, e André já não suportava mais a ansiedade da espera. Não à uma da tarde, mas ao meio-dia, fincava pé no boteco do Novelo, que de pronto lhe serviu uma brama gelada e disse que Guimba logo chegaria. O ambiente era favorável, o cenário bem armado. Que mais poderia querer André para sua estreia como pesquisador de campo, que um boteco servido por um português de bigode, no meio de uma autêntica comunidade de descentes Tupinambás. Ou Tamoios?

– Oi Guimba – cumprimentou Novelo, – está aí um moço que quer falar com você.

André virou-se emocionado. À sua frente o líder, fonte viva de conhecimentos. Guimba vinha em sua direção. Mas ele não parecia nada com um índio. Era alto e magro, seco até, cabeleira basta, além de grisalha, e vermelho, um vermelhão que ocupava todo o pescoço e partes do rosto. Os braços eram muito peludos. Junto com a barba por fazer, contrariava muito a imagem de um descendente de índios. No lugar de olhos amendoados e castanhos, olhos redondos e azulados.

– Boa tarde – cumprimentou Guimba.

– Boa tarde. É um prazer conhecer o senhor. Sou antropólogo e vim para estudar o seu time de futebol e a sua comunidade. Até aluguei um quartinho nos fundos da casa da Dona Noca.

– Caramba! – espantou-se Guimba, enquanto pedia uma brama. – É a primeira vez que vejo um antropólogo – disse, olhando para André, baixinho e magro, cabeleira farta e negra, barba e bigode, olhos fundos e óculos de lentes grossas. O antropólogo usava bata indiana, calça de algodão e sandálias de couro. Ao lado da cerveja, uma caderneta de capa verde e uma bic.

– Posso fazer umas perguntas para o senhor? – perguntou André.

– À vontade – respondeu Guimba.

– De onde vem o nome Jurakiçabi?

– Não foi a gente que inventou. Foi o pessoal aqui do boteco que escuta o que a gente fala depois do jogo. É que depois das bramas todo mundo começa a aumentar um pouco o que aconteceu no jogo.

– Sim, mas o que tem isso a ver com um nome indígena? – perguntou André.

– Indígena, o que é indígena?

– Esse nome do time, um nome que só pode ser Tupinambá ou Tamoio, os índios que habitaram o litoral séculos atrás, e dos quais vocês talvez sejam descendentes – disse André.

– Moço, que confusão. Meu pai, que Deus tenha, era português, minha mãe filha de turco, e eu fiquei assim.

– Mas, e o nome? – insistiu André, e mostrou o recorte de jornal.

– Ah, isso aí tá errado. É separado: Jura Que Sabe, aquilo que eu falei, a gente fala mais do que joga.

André virou de uma vez o copo de cerveja. Os outros craques chegavam. O Nonato, Pé de Valsa, Zoca, Chinelo, cada um menos parecido com índio que o outro, nem cara de índio, nem de jogador de bola.

– E agora? – Perguntou André – Eu até aluguei quarto. E minha pesquisa?

– Você sabe jogar futebol? – perguntou Guimba. – Pelo jeito, não.

André, desolado, explicou que nunca tinha jogado bola. Consumiu a infância e a adolescência estudando para entrar na Universidade. De vídeo game até que ele era bom.

– E de cerveja, você gosta? – perguntou Guimba.

Hoje André é o torcedor mais barulhento do Jura Que Sabe. Diz que um dia vai fazer uma tese de mestrado sobre o futebol de várzea.

Para interagir com o autor: jbfreire@universidadedofutebol.com.br