Categorias
Sem categoria

Concorrência desleal

A tecnologia mudou drasticamente a experiência de ver TV. Os aparelhos ganharam cores, definição, recursos de som e um nível de detalhamento que anteriormente era exclusividade das salas de cinema. Então, como os complexos sobrevivem? Por que as pessoas saem de casa e trocam o conforto do sofá por uma sala impessoal, distante de casa e paga?

A relação entre TV e cinema é algo que o esporte precisa começar a observar com mais atenção. Sobretudo no Brasil, país em que o ato de ver uma competição in loco ainda é basicamente o mesmo da primeira metade do século 20.

Pense nisso: a maioria dos equipamentos esportivos do Brasil foi construída até a década de 1970. Nesse período, os raros televisores disponíveis no país transmitiam em preto e branco. O som era ruim, o nível de definição das imagens era paupérrimo.

A experiência de ver um programa em uma TV daquela época é radicalmente diferente do ato de assistir a qualquer coisa em um potente aparelho atual. O esporte não acompanhou essa curva de evolução.

A estrutura física é o aspecto em que essa diferença fica mais clara, mas esse está longe de ser um fator isolado. Toda a experiência de ver uma competição esportiva está defasada.

No Brasil, isso passa até pelo nível do jogo. Algumas modalidades, como o vôlei, buscaram evolução técnica para serem mais palatáveis para a TV. Isso alterou a dinâmica de pontos e as regras da competição. E o espectador que está nos ginásios, como fica?

Um exemplo contrário é o futebol americano. O número de intervalos de uma partida da liga profissional dos Estados Unidos (NFL) também foi algo pensado para a demanda de quem transmite. No entanto, há uma preocupação simultânea com entretenimento do público que está nos estádios – e mais do que isso, com meios de fazer com que essas pessoas aproveitem as paralisações para consumir.

O Botafogo começou a fazer algo parecido com isso há dois anos, no Campeonato Brasileiro de futebol, quando criou uma agenda de shows antes de jogos no Engenhão (que na época ainda se chamava estádio João Havelange). A ideia da diretoria alvinegra era usar apresentações artísticas como argumento para que o público chegasse mais cedo. Com isso, diminuir filas e facilitar a entrada.

A medida é simples, mas é um exemplo de como um organizador de eventos deve se preocupar com toda a experiência que o consumidor tem. Não adianta proporcionar a ele um grande espetáculo durante 90 minutos, mas irritá-lo com serviços ruins em todos os aspectos que estão fora das quatro linhas.

Porque a evolução das TVs é apenas um dos aspectos favoráveis à experiência caseira. Também é necessário considerar que os ambientes estão melhores – os sofás são mais confortáveis e a oferta de comida é mais vasta, para dar dois exemplos banais.

Um dos segredos para a sobrevivência dos cinemas no mercado brasileiro foi entender o perfil do público. As salas comerciais saíram das ruas, onde ofereciam dificuldades de estacionar e tinham parcos serviços complementares, e migraram para dentro de shoppings.

Hoje em dia, ver um filme em uma sala comercial é uma experiência confortável. Além disso, o espectador pode unir o longa-metragem a uma série de atividades que o ambiente impessoal e higienizado dos shoppings oferece.

Se quiserem disputar público com as TVs, os estádios precisam "ir para dentro de shoppings". Em outras palavras, é fundamental que eles adotem um perfil de serviço mais adequado à demanda do consumidor de agora. E isso não quer dizer apenas uma nova aparência.

O Brasil terá 14 novos estádios nos próximos anos. A oferta de serviços vai mudar, assim como a aparência. Resta saber se eles estarão preparados para entender e atender o que o público deseja.

Essa discussão é fundamental para o esporte brasileiro no atual momento. Aliás, é fundamental para o esporte global. Nos Estados Unidos, a popularização dos pacotes de pay-per-view e o incremento de qualidade das transmissões esportivas têm gerado discussões sobre a experiência de quem vai às arenas. O foco do debate é como ter diferenciais ao vivo.

No último fim de semana, o Brasil teve três clássicos regionais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Juntos, os três jogos que movimentaram algumas das maiores torcidas do país não colocaram 51 mil pessoas nos estádios.

Em contrapartida, as transmissões televisivas de Flamengo x Botafogo e de Santos x Corinthians tiveram audiências expressivas e grande participação no número de TVs ligadas. Não é falta de interesse o motivo para as arquibancadas vazias.

Há vários caminhos para melhorar o serviço dentro dos estádios. Todos eles passam, necessariamente, por um entendimento maior sobre o perfil do público. Quais são os pontos mais relevantes para as pessoas que você quer levar para aquele espaço? Que tipo de restaurante elas preferem? Que tipo de produto elas consomem?

E mais do que isso: é preciso oferecer subsídios para que a experiência de ver o jogo seja diferente. O público no estádio precisa de acesso a replays, estatísticas e informações. Acabou a era do rádio de pilhas no ouvido.

A mídia é, hoje em dia, uma das fontes de receita mais relevantes do esporte. Não há grande liga esportiva no mundo que sobreviva sem vender direitos de transmissão. No entanto, é necessário repensar o produto para que a comunicação não passe de suporte a vilã.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

O mérito do treinador Josep Guardiola: o FC Barcelona vs o estrategista do tempo

Em abril de 2012 o então treinador do FC Barcelona, Josep Guardiola, anunciava sua saída do comando técnico da equipe catalã. Os motivos exatos, nunca ficaram precisamente claros.

O fato é que independentemente da realidade concreta ou das especulações, muitos foram os seus títulos e muitos foram seus recordes frente ao clube.

E mesmo com as inúmeras conquistas, e com o futebol vistoso e vencedor de sua equipe, esteve muitas vezes em segundo plano – na análise de especialistas (ou “especialistas”) – sua competência como treinador; afinal, como diziam: “com tais jogadores qualquer um poderia ser ou parecer ser bom treinador”.

Sempre discreto, Guardiola nunca se incomodou com o fato. Pelo contrário. Em mais de uma dezena de vezes disse que o mérito por suas conquistas era totalmente dos seus excelentes comandados.

Claro, indiscutível a qualidade dos futebolistas do FC Barcelona.

Claro, também, que dentro de um clube com aclamada filosofia de trabalho e de jogo, é de se aparentar (aos olhos mais desatentos) que as dificuldades devessem ser menores para fazer as coisas acontecerem.

E quando elas não acontecessem (vitórias, títulos, recordes, etc.) é claro que o primeiro e principal foco responsável passaria a ser o treinador.

Ora, se a equipe vai muitíssimo bem, lá vem o famoso “qualquer um faria”; se vai mal, responsabilidade toda do treinador (e não estou eu dizendo que não seja!).

O fato é que Guardiola saiu do FC Barcelona, e como escrevi recentemente em outro artigo, existem diferenças importantes entre o Barcelona de Guardiola e o do pós Guardiola.

E como complexamente falando é melhor analisarmos os resultados dos jogos, do que qualquer outra variável (porque os resultados são os melhores argumentos), o que podemos dizer da atual equipe catalã, é que ela tem tido maiores dificuldades para vencer seus jogos e fazer sobressair sua filosofia.

O FC Barcelona que perdeu para o Milan e que perdeu para o Real Madrid nem de longe se pareceu com o FC Barcelona que encantava com Guardiola.

E por mais que o que mais pese nesses jogos sejam as derrotas, pesa muito também como elas aconteceram.

Alguns podem dizer que no Campeonato Espanhol tudo vai bem.

Honestamente, não concordo. Assisto a todos os jogos que são transmitidos dessa competição e, para mim, está evidente que hoje o desgaste complexo que o FC Barcelona tem para ganhar seus jogos é muito maior do que antes.

Para mim, está claro que a mudança de comando da equipe tem feito muita diferença (mesmo quando Tito Vilanova era treinador, ao longo do tempo emergiram indícios de que as coisas não estavam bem).

Pep Guardiola tinha, sim, muitos méritos! Parece cada vez mais evidente que minimizar seu papel nas conquistas do time catalão é uma grande irresponsabilidade.

O FC Barcelona não parece mais ser o mesmo – e nem poderia ser, pois Guardiola (melhor ou pior) não dirige mais a equipe, e o tempo passou (e nem foi muito rápido).

Contra o Milan (no 2º jogo da Champions League) e a favor da filosofia do FC Barcelona, talvez ainda as coisas não estejam perdidas (claro que não!) – não se joga fora, mais de uma década de uma filosofia, de uma hora para a outra em função da mudança de comando técnico.

Contra o Real Madrid, porém, a certeza de que a distância que antes separava as duas equipes hoje é muito menor (mas chamo a atenção: apesar da vitória do time de Mourinho no último confronto, estou certo de que ainda a vantagem [mínima e prestes a se perder se o rumo das coisas não mudar] é da equipe de Barcelona).

E os maiores problemas do FC Barcelona não são nem o Milan e nem mesmo o Real Madrid.

Contra o FC Barcelona, o maior dos problemas é o tempo. Sim, o tempo, porque o tempo que inevitavelmente passa, evidencia a “desaprendizagem”, a mudança de comportamento de jogo e a perda de padrões.

Se “somos aquilo que fazemos repetidamente”, e a “excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito” – (Aristóteles) –, me parece claro que os hábitos (de jogo) dos jogadores do FC Barcelona, mudaram.

O treinador é, sim, um semeador de hábitos, comportamentos e padrões (todos de jogo) que devem reforçar coletivamente um TODO muito forte e maior que a soma simples das partes que o integram.

Josep Guardiola saiu, e é fato, o FC Barcelona perdeu com isso!

E aqui mais uma vez destaco, não sabemos realmente porque ele saiu.

Há quem diga que isso foi plano de alguém que vê o TODO, para mais do que o jogo de dentro das quatro linhas do campo. Alguém que pensava (ou tinha certeza) que a desestruturação da equipe do FC Barcelona passava por um plano muito mais elaborado do que aquele para vencer uma partida no fim de semana.

Há quem diga, que há algo de “Mourinhoavélico” no ar… e que o tempo; só ele mesmo o tempo, é quem dirá…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
 

 

Categorias
Sem categoria

Corinthians e a punição disciplinar da Conmebol

Desde a partida entre Corinthians e San José da Bolívia, em Oruro, quando um jovem de 14 anos faleceu vitimado por um sinalizador disparado pela torcida do time paulista, o noticiário desportivo tem conferido atenção especial ao tema. A análise de que deve ser realizada não é do justo ou injusto, mas do que é previsto no regulamento.

Neste ano, a Conmebol iniciou a "era da disciplina" ao criar um Código Disciplinar e instituir um Tribunal Disciplinar e quis o destino que a torcida corintiana que encantou o mundo ao "invadir" o Japão fosse a protagonista do primeiro grande julgamento do recém-criado tribunal.

O Código Disciplinar responsabiliza os clubes objetivamente pelos atos de seus torcedores, por esta razão o Corinthians está sujeito às penalidades da entidade que podem ir de uma simples advertência até a eliminação da competição.

Com relação à punição cautelar para que o clube dispute suas partidas sem a presença de torcida, analisando-se a norma aplicável percebe-se não haver os requisitos para sua concessão, eis que o Código Disciplinar prevê a aplicação de pena preventiva quando necessária para elucidação dos fatos ou quando houver risco de inocuidade da punição pelo transcurso do tempo.

A questão que já é bastante complicada tornou-se ainda pior quando seis torcedores do Corinthians ganharam na Justiça Comum o direito de assistir à partida entre Corinthians e Millionarios, no Pacaembu.

A Fifa abomina qualquer intervenção da Justiça Comum nas questões disciplinares, o que pode ocasionar punições para a CBF e para o Corinthians.

Tais medidas seriam necessárias para desestimular o perigoso precedente de se buscar alteração de decisões disciplinares no Poder Judiciário. Considerando que a CBF e o Corinthians são filiados à Fifa, que é uma instituição privada, eventual punição não encontraria obstáculo legal.

Seguramente, esta história ainda irá desenrolar por bastante tempo e coloca o novíssimo Tribunal Disciplinar da Conmebol em uma situação delicada, pois se agir com rigor garantirá autonomia de suas decisões e valorizará a competição, mas, se decidir sem rigor correrão o risco de se desmoralizar e perder a credibilidade.

De toda sorte, toda esta discussão colocou o direito desportivo como um dos tópicos mais comentados, o que é importantíssimo para o desenvolvimento do desporto nacional. Aguardemos os desdobramentos.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Violência

A morte do torcedor boliviano Kevin Espada no jogo entre San José e Corinthians na semana passada repercutiu imensamente nos meios de comunicação a partir de um debate sobre punições, acusados, culpados, violência e assim por diante.

O caso, na realidade, está um pouco mais na origem, que é a cultura da violência do futebol sulamericano. Não que isso seja uma particularidade nossa – até porque assistimos em diversas partes do mundo casos similares, com alguma frequência, de grandes tumultos entre torcedores de diferentes agremiações.

Por aqui, permanece algo evidente pelo modelo arcaico de gestão, tanto dos ambientes onde são disputados os jogos, quando se cria um clima que permeia o limiar da guerra, quanto pela benevolência dos dirigentes com as torcidas organizadas, que só é quebrada quando ocorrem tragédias como esta de Oruro.

A grande diferença, talvez, seja o clima de guerra e violência que se instala a cada jogo. Isso é caracterizado pelo armamento pesado dos policiais até a estrutura dos estádios, onde muitos torcedores ficam quase que enjaulados em pequenos espaços.

Enfim, o relato não serve para justificar a atitude dos torcedores corintianos, tampouco isentá-los de culpa. Qualquer punição, se bem aplicada, servirá como medida educativa para que esta e outras torcidas se respeitem mais. E que as nossas organizações do futebol trabalhem, acima de tudo, medidas preventivas mais eficazes…

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Despachando Kevin

– Próximo! Nome e idade.

– Beltrán, Kevin. 14.

O agente celestial olha por sobre os óculos. O caso do menino boliviano já era notícia no Céu.

– Meu filho… Vou te confessar, bem baixinho: Tem horas aqui em cima que nem nós entendemos o que o Chefe pretende com isso. Eu adoraria dizer algo para você que te confortasse, explicasse melhor… Mas não sei. Só posso te falar que, com tanta gente lá embaixo que eu não vejo a hora de despachar, fico estarrecido quando vem alguém como você pro meu departamento…

– Não tem aqueles que nem vão subir pro Céu?

– Tem, né. Mas alguns casos a gente gosta de ter uma conversinha aqui em cima. Só para despachá-los lá pro tacho do… Ops, dá justa causa por aqui falar o nome.

– Mas, então. O que eu fiz para estar aqui?

– Nada, filho. Nada. Mas nosso Chefe trabalha muitas vezes assim. É só ler O Livro. São várias histórias que ele conta e ensina. Pena que os homens não aprendem. Vamos ver agora.

– Eu precisava ter morrido?

– Claro que não. Pelo que vi do seu caso, nosso Chefe ficou desde 1960 protegendo gente nos estádios sul-americanos. Era para ter muitos outros por aqui. Mas só agora ele resolveu dar um toque nas pessoas. Para ver se as autoridades tomam jeito. Para ver se os organizadores conseguem evitar que arsenais entrem nos estádios. Para ver se os torcedores aprendem a fazer festa. A respeitar.

– Mas por que eu?

– Eu não sei. Só espero que as pessoas saibam que alguma coisa precisa ser feita. Ainda que muitos inocentes paguem por esse crime. Que não foi acidente. Não se brinca com fogo. Gente que vai pagar barato – ou deixar de pagar caro por um ingresso – por algo que não se discute. Nem com advogado.

– Foi o menino mesmo que fez isso?

– Não sei. Aqui realmente adotamos a presunção de inocência. Embora, lá no Brasil, estão criando também a presunção da culpa. É muito difícil a gente entender o mundo lá debaixo. Mas deve ter sido. Não acho que alguém diga que é culpado sem ter culpa.

– O que vocês podem fazer para a minha família?

– Confortá-los. Abençoá-los. Independente da fé. Ou mesmo que a tenham perdido com o amor que veio para cá. Só espero que lá no mundo o clube cujo torcedor foi irresponsável (independente da idade) pague alguma coisa à sua família. A renda do jogo de volta deveria ser inteira para os seus pais. É o preço mínimo por algo que não tem preço. Mesmo que não tenha público no estádio, é necessário que se tenha vontade pública de fazer algo para a sua família.

– Não quero que ninguém sofra como os meus pais. Não quero vingança. Só justiça. Ou que outros não morram como eu. Por nada. Por mais que o San José fosse tudo para mim, não era para isso que vivi. Não é por isso que morri.

– Filho, há muitos anos trabalho aqui. Quase todo mundo que chega à minha mesa fala a mesma coisa. Não era a hora, não estava preparado, tinha ainda tanta coisa a fazer… Entendo cada caso. Mas você, meu filho, devo confessar. Ainda vou entender os desígnios e a vontade do Chefe.

– Mas você não disse que é uma lição para os homens?

– Eu acredito Nele. Mas não nos filhos Dele. Vai passar toda essa comoção. As autoridades vão falar grosso. Alguns vão pagar contas que não são deles. Adversários vão querer sangue e os pontos. Inimigos vão querer tudo e de tudo como justiceiros sem piedade. Mas quem mais queria o que realmente importa não terá o calor do seu abraço, filho.

– Eu sei.

– Pena que poucos parecem saber disso, filho. Por eles devemos também orar. É o que nos resta.

– É… [longo silêncio]. Então, meus documentos estão aqui, senhor.

– Pode passar, filho. O paraíso é aqui. Não precisa de papelada. Nem provas.

 

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

Categorias
Sem categoria

O papel do espectador no esporte

Sou apaixonado por ligas esportivas dos Estados Unidos. Mais do que isso, sou apaixonado por como os norte-americanos tratam o esporte. No entanto, há um aspecto em que eu considero frustrante a experiência que eles promovem: o público.

As ligas dos Estados Unidos são o exemplo mais burilado de como o espectador de esporte deve ser abordado. Quem frequenta arenas do país, independentemente da modalidade, é visto como um consumidor. Há uma combinação extremamente competente de conforto, serviços e produtos. Ah, e de emoção no jogo, o que é fundamental para fomentar a relação do público com o restante.

Contudo, o modelo norte-americano freia o que adiciona muito à experiência de outros pontos do planeta: a emoção da plateia. Não que os espectadores sejam menos fanáticos ou menos dedicados a seus times nos Estados Unidos, mas a relação, ao menos durante o jogo, é menos emocional.

E para quem nasceu em um país tão passional quanto o Brasil, a emoção do público é um elemento fundamental para qualquer esporte. É um elemento indissociável do modelo que sempre nos foi impingido como ideal.

O problema é que todo comportamento extremamente passional oferece riscos. A ausência de comedimento está sempre a um passo de extrapolar qualquer limite.

Pense em quantas vezes você teve uma atitude extrema em um momento de emoção aflorada. Pense em quantas dessas atitudes extremas, como choro, gritos ou brigas com o vizinho de janela, foram relacionadas ao esporte.

Quando esse comportamento é individual, o risco é bem menor. Em grupo, sobretudo quando o que une é justamente o sentimento pelo jogo, a tendência é que as reações sejam exacerbadas.

Porque o esporte proporciona união entre pessoas que têm paixões similares. Isso, é claro, gera sensação de pertencimento. E em nome do pertencimento surgem demonstrações de compromisso, como rituais, uniformes e gírias coletivas.

Controlar grupos é sempre uma tarefa complicada. Durante anos, a China coibiu qualquer tipo de manifestação popular – o esporte, inclusive – por medo de isso servir como mote para agrupamentos contrários ao poder. Sobre isso, veja um filme chamado "A onda" ("Die Welle", no original), dirigido por Dennis Gansel.

O longa-metragem alemão relata uma experiência vivida em uma escola. Um professor faz um experimento com alunos sobre manipulação de massas e surgimento de ditaduras, e o plano começa com a formação de um grupo uniforme.

O esporte, notadamente o futebol, vive um dilema muito parecido. Fomentar a existência de grupos associados a um time acrescenta emoção e devoção ao jogo, mas também facilita manipulação e atos extremos.

A manipulação de massas, evidentemente, é terra prolífica para todo tipo de crime organizado. É por isso que precisamos ter cuidado extremo com qualquer tipo de generalização nessa seara.

Torcidas organizadas, escolas de samba e outros agrupamentos populares são tradicionalmente associados ao crime. Muitas dessas instituições são realmente loteadas entre grupos de bandidos. E nem assim são formadas apenas por bandidos.

Conheço pessoas ilibadas que fazem parte do cotidiano de escolas de samba e de torcidas organizadas. E que convivem com bandidos, mas não são influenciadas por isso. O que os aproxima é apenas o amor pela instituição.

Todo esse preâmbulo é necessário para discutir a participação do público em eventos esportivos. Sem generalizar ou usar o rumo fácil de padronizar comportamentos de pessoas tão diferentes.

Em primeiro lugar: existe uma relação promíscua entre torcidas organizadas e times de futebol. Isso é claro. Entretanto, se o comportamento passional do público é tão importante para o espetáculo e se essa festa é um elemento importante para a composição do cenário, não cabe à instituição zelar por isso? Se não, por que é comum em outras modalidades a figura do animador de plateia?

O que acontece é que os times, em busca de apoio e dedicação dos torcedores, oferecem benesses às organizadas. Em troca, abrem espaço para a participação desses grupos no cotidiano da instituição. No fim, o que se tem é uma extensa cadeia de troca de favores e apoio político.

O esporte não pode prescindir de torcidas passionais. Por outro lado, é fundamental que o torcedor seja tratado como um consumidor submetido à lógica dos Estados Unidos: conforto, serviço e produto.

Esse é o dilema que o esporte internacional precisa resolver. Fora do Brasil, é cada vez mais clara a escolha do segundo caminho. Com um tíquete médio mais alto, espectadores têm uma experiência bem diferente na relação com o jogo. Isso gera o que muitos chamam de "torcida de teatro".

Um modelo híbrido e mais competente é visto na Alemanha, país em que há setores específicos nos estádios para torcedores organizados ou extremistas. Atualmente, a Bundelisga tem a melhor média de público entre as grandes ligas do planeta.

Parte do tratamento adequado é garantir a segurança do espectador. E garantir a segurança não é encher o estádio de agentes repressores ou despreparados. É fundamental criar procedimentos para controle de público e gestão de multidões.

Regulamentar a relação com as torcidas e estabelecer padrões de conforto e segurança são preceitos fundamentais na construção de uma nova experiência em estádios de futebol. O Brasil terá 14 novas arenas nos próximos anos, mas o concreto não será suficiente para impor essa mudança.

Na última semana, em Oruro, o adolescente Kevin Douglas Beltrán Espada morreu no jogo entre San Jose e Corinthians, válido pela Copa Bridgestone Libertadores. Ele estava na torcida do time boliviano, mas foi atingido no olho direito por um sinalizador.

A tragédia podia servir como mote para uma discussão estrutural e densa sobre a interação do futebol sul-americano com quem o consome. O que tem acontecido, porém, é um misto de clubismo e sensacionalismo.

De uma forma geral, a imprensa brasileira parece mais interessada em apontar culpados e determinar punições. Pouco se fala em mudar comportamentos e procedimentos.

Até o momento, ninguém tem convicção de quem foi o autor do disparo. Ainda que um garoto corintiano de 17 anos tenha confessado, faltam provas para determinar se a versão dele procede.

Apurar quem fez o disparo e aplicar punições, nesse caso, são ações paliativas. Elas podem ajudar a amenizar a tristeza de quem chora pelo garoto, mas não vão impedir a repetição de incidentes.

Entender isso e colocar as coisas em perspectiva são passos fundamentais para qualquer cobertura eficiente do que aconteceu em Oruro. Apurar a morte de Kevin é vital, mas é necessário enten
der o problema para evitar que outras tragédias assim aconteçam.

O futebol sul-americano precisa discutir urgentemente uma série de aspectos de sua estrutura. A relação com o público talvez seja o maior deles.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Renunciar

Renunciar é o ato de abrir mão de algo ou de alguém. Renegar, rejeitar, recusar, desistir.

A mais recente e célebre renúncia é a do Papa Bento XVI, por inesperada que foi. Quando uma decisão como esta ocorre repentinamente, as razões pelas quais se chegou a ela costumam causar curiosidade e perplexidade.

Os motivos podem ser de ordem pessoal, íntima, ou provocados, objetivamente, por determinadas situações em que a alma inquieta ou pressionada precisa decidir-se por qual caminho prosseguir.

Bento XVI – ou Joseph Ratzinger? – deve ter iniciado o processo interno de decisão há alguns meses. Ao mesmo tempo, já imaginou as consequências que isso provocaria na Igreja Católica.

E, de tudo o que li e do pouco que se sabe até agora, antes que se escolha o novo Papa e a calmaria volte à Santa Sé, achei muito pertinente a abordagem que afirma que Bento XVI estaria renunciando para salvar a Igreja.

Sim, salvar a Igreja. Cortando na própria carne – renunciando – o Papa daria uma prova contundente de que algo não vai como o planejado por ele, bem como serviria de reflexão e convocação para que muitos de seus pares, sob suspeita de envolvimento em escândalos de desvio de dinheiro, pedofilia e intrigas de poder também renunciassem.

Com isso, o caminho para uma verdadeira expiação dos pecados da própria Igreja estaria pavimentado e ele, o Papa, seria o bode a expiá-los.

Não sem, antes, conduzir a transição do seu papado, nos bastidores do Vaticano, segundo sua visão de como deve ser administrado quando de sua saída.

As instituições que não estiverem preocupadas em evoluir, constantemente, podem se ver soterradas pela hierarquia e conjuntos de princípios, regras e procedimentos burocráticos que apenas favorecerão àquelas pessoas que almejam o poder. E que, no mais das vezes, quando ali chegam tem com propósito permanecer.

O conservadorismo extremo da Igreja serviu para acobertar séculos de desmandos e escândalos, sob um pretenso purismo de intenções, não necessariamente de ações. Assim, quando os rejeitos vêm à tona, vem com a força do peso daquilo que havia submergido.

O futebol brasileiro bem que carece de algumas renúncias. Mas elas não ocorrem facilmente, embora existam grandes e graves indicadores para que alguns mandatários as fizessem.

Tem gente que rouba medalha, faz "gato" de energia elétrica, aumenta salários indiscriminadamente. Outros desviam dinheiro privado, público, superfaturam serviços contratados dos seus amigos.

Gente que vai ao estádio com o propósito de delinquir, de extravasar a violência latente. Alguns que promovem negociatas envolvidas em transferências de jogadores.

Se o povo brasileiro renunciar a esse futebol carregado de vícios, a história tem chance de mudar. Senão, muita coisa ainda vai pro fundo, pra ficar escondida e não incomodar.

Até que um dia volta, e volta com força pra escancarar e cobrar a conta do passado.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

A formação dos goleiros e os momentos do jogo

Com a evolução do jogo de futebol e sua compreensão a partir das teorias da complexidade, admite-se que a contribuição de cada jogador (unidade funcional) para o bom desempenho da equipe (sistema complexo) seja dada pela totalidade (ofensiva, defensiva e transições) que compõe o jogo.

Desta forma, tem-se como pré-requisito a participação efetiva de todos em cada um dos momentos do jogo, respeitando, obviamente, as particularidades de cada modelo, o conceito de que o todo deve ser maior que a soma de suas partes e as regras de ação referentes a cada uma das funções no campo de jogo.

Como no futebol brasileiro, para muitos, a compreensão/intervenção sistêmica está longe de ser atingida, as implicações no jogo resultam num desempenho coletivo aquém do apresentado pelas equipes-referência do futebol mundial.

Se considerarmos as equipes que buscam o controle do jogo com a troca de passes enquanto progridem o mais rápido possível ao gol adversário e que as mudanças do futebol profissional dependem do que é feito hoje nas categorias de base, precisaremos, com urgência, readequar os treinamentos dos goleiros nos centros de formação espalhados pelo país.

Pelo que se tem observado na maioria dos clubes, a preocupação em relação aos goleiros se dá, exacerbadamente (muitas vezes exclusivamente), no momento defensivo. Porém, a mencionada evolução do futebol pede goleiros completos, inteligentes e participativos nos demais momentos do jogo.

Para saber como estão as preocupações da comissão técnica quanto à formação e ao treinamento dos goleiros, abaixo, algumas perguntas:

Em qual local o seu goleiro fica quando sua equipe está em posse no campo de ataque?

O seu goleiro usa bem os pés?

Das reposições que seu goleiro faz no jogo, quantas a equipe se mantém com a posse de bola?

Quantas reposições são feitas no campo de ataque?

Quantas reposições são feitas no campo de defesa?

Quanto tempo o goleiro demora para fazer a reposição?

Quantas coberturas defensivas o goleiro realiza por jogo?

O goleiro escolhe a melhor opção para fazer a reposição?

Quando a equipe está no campo de defesa sem opção de passe ofensivo, o goleiro abre linha de passe adequadamente para ser uma opção na circulação da posse de bola?

Se você é treinador e não está atento a nenhuma destas questões, provavelmente sua equipe irá se desfazer da posse de bola quando a mesma estiver com o seu goleiro ou, no máximo, irá brigar pela "segunda bola".

Se você é treinador de goleiros e para você estas questões são pouco importantes, provavelmente você faz parte do grupo que se preocupa somente com o momento defensivo do jogo.

Se você é preparador físico ou auxiliar técnico, é evidente que para cada erro a equipe terá que correr mais até recuperar a posse de bola. Tal fato precisa ser registrado.

Se não modificarmos a maneira que interpretamos o jogo, continuaremos formando goleiros com gestual técnico perfeito, potentes, com boa velocidade de reação e com boa tomada de decisão para ações defensivas. No entanto, teremos que estar cientes que ignoraremos a inteireza do jogo.

Com uma visão sistêmica, entenderemos as funções do goleiro sob o viés coletivo, onde o sucesso de sua ação de jogo individual dependerá, por exemplo, da rápida mudança de atitude dos laterais para facilitar a reposição, do bom posicionamento do zagueiro para facilitar circulação ou da pressão de espaço e tempo dos meias e atacantes na região em que se encontra a bola para facilitar a cobertura defensiva no chutão do adversário.

Como você treina o seu goleiro?

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Conmebol inaugura era da disciplina

Durante uma partida de futebol, catimba, jogadas violentas, confusões entre torcidas e problemas de acessos aos vestiários e estádios são ingredientes comuns, especialmente no futebol sul-americano.

Entretanto, nas competições promovidas pela Conmebol até o ano passado não havia um Tribunal ou Código Disciplinar, diferentemente do que ocorre no futebol brasileiro que possui Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e um Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Assim, com o objetivo de trazer maior disciplina às competições sul-americanas, este ano foi criado o Código de Disciplina da Conmebol, em casos de distúrbios nos jogos ou problemas extracampo.

Elaborado ao longo de 2012, o documento é o embasamento legislativo do Tribunal de Disciplina e da Câmara de Apelações, órgãos judiciais recém-criados que entraram em janeiro. Estes tribunais são formados por um advogado de cada um dos dez países membros da Conmebol, distribuídos em cinco para cada câmara, e responsáveis por disciplinar as competições.

Na Conmebol, não há a figura da procuradoria, responsável pelas denúncias. Os clubes que se sentirem lesados poderão entrar com um comunicado formal, através da federação de seu país, para instaurar o procedimento.

Presidido pelo brasileiro Caio César Rocha, o Tribunal de Disciplina compõe-se, ainda, o uruguaio Adrián Leiza (vice-presidente), o chileno Carlos Tapia Aravena, o colombiano Orlando Morales e o boliviano Alberto Lozada. A sua função é fazer o julgamento em primeira instância, analisar os lances violentos, as expulsões e os problemas extracampo dentro de um prazo de até 48 horas.

Os julgamentos ocorrem a portas fechadas e não precisam ser presenciais, e tudo se dá por escrito.

A Câmara de Apelações tem o equatoriano Guillermo Saltos como presidente e é composta ainda pelo peruano Miguel Morales Lavaud (vice-presidente), o argentino Alejandro Marón, o venezuelano Carlos Manuel Terán e o paraguaio Eduardo Gross Brown.

Trata-se de órgão de segunda instância que julgará apenas os casos mais complexos, como doping, corrupção ou casos de penas de maior gravidade, seja pela sanção imposta ou pela infração. Ele não tem tanta preocupação com a questão do tempo e, eventualmente, poderá conceder efeitos suspensivos.

Com a formação da Justiça Desportiva no âmbito da Conmebol, a expectativa é que o "fair play" e a disciplina tornem-se constantes nas competições sul-americanas.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

A história se repete

Há uma máxima entre muitos historiadores que dão conta que a história é cíclica, seguindo processos repetidos ao longo do tempo. Talvez, das poucas coisas que mudam drasticamente a história são as evoluções tecnológicas, cujo tema não é o foco deste texto.

A breve reflexão histórica tem a ver com o comportamento, tanto das grandes estrelas do futebol (ou do esporte) quanto das entidades esportivas em seu modo de gestão. Em ambos, assistimos constantemente casos fortuitos, de erros repetidos, que prejudicam suas respectivas imagens ou trajetória profissional.

Dos atletas, fatos como os de Jobson, Adriano e Bruno (para ficar apenas com atletas brasileiros do futebol) se reproduziram em espelho após Garrincha, Reinaldo e Paulo César Caju, sem a devida compreensão e aprendizagem sobre as consequências de uma vida desregrada na sociedade que afetam a evolução de suas carreiras e pós-carreira.

Seria isso evitável sob a ótica da sociedade ou a “organização futebol” ou a “organização esportiva” poderia adotar medidas profiláticas para que tais fatos não se sobressaiam ante a natureza real da sua prática?

No que se refere às entidades esportivas, será que elas estão devidamente preparadas para tratar com cuidado de questões de ordem pessoal dos atletas? E quais poderiam ser os reais benefícios de medidas que induzam um melhor comportamento de todos os agentes envolvidos neste meio?

A verdade é que os desvios comportamentais são inerentes da condição humana. Em organizações mais evoluídas, como a NBA, ocorrem periodicamente casos de desvios de conduta por parte dos atletas, possuindo, uma resposta e uma atitude mais clara e precisa da entidade para a manutenção de sua imagem corporativa.

O risco de atitudes como a que assistimos de Oscar Pistorius na semana passada, a ponto de manchar a sua idolatria nacional e mundial, além de arrastar todo um segmento que vinha se desenvolvendo em um sentido exponencial e positivo por conta dele para um grande ponto de interrogação pode ser minimizado por estratégias de gestão de crises pelas entidades que o cercam. E isso não é diferente na indústria do futebol.

 

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br