Que a derrota do Brasil na Copa nos inspire a fazer esta reflexão crítica.
Mês: julho 2006
Embora tivesse alguns amigos queridos trabalhando na seleção brasileira que nos representou na última Copa do Mundo realizada na Alemanha, confesso que não fiquei arrasado com a nossa eliminação precoce já nas quartas-de-final.
Passado o período natural de tristeza em ver os nossos badalados craques jogando bem menos do que muitos esperavam, fiz um exercício de imaginação sobre o que aconteceria se fôssemos campeões mundiais pela sexta vez.
Conhecendo a atual e crítica realidade do futebol brasileiro me perguntei: será que o fracasso de nossa seleção não foi melhor do que a conquista do hexa, no sentido de começarmos a encarar mais de frente os nossos problemas estruturais?
Da mesma forma como discutimos, antes da Copa, se o fato de sairmos daqui favoritíssimos não prejudicaria a melhor concentração e atitude dos atletas, penso que seja válido refletir um pouco sobre a nossa derrota e o que ela pode nos ensinar.
O Brasil é ainda um país cheio de maniqueísmos, onde adotamos uma visão dualista do bem e do mal. Ou algo é bom ou é mal. Não há meio termo.
Assim, vencida a Copa, tudo seria lindo e maravilhoso. Nossos jogadores, nosso treinador e comissão técnica seriam os melhores do mundo em todos os sentidos. E seria revogada qualquer opinião em contrário. Suponho que até nossa velha e viciada CBF seria poupada das críticas, assim como nossos clubes que todos sabemos estão, em grande parte, destroçados e com sérios problemas de gestão.
Mas como perdemos, tenho mais esperanças que tenhamos, enquanto nação em processo de democratização, mais capacidade para nos indignar conosco mesmos e com nossos dirigentes, aprendendo a pressioná-los ou substituí-los se for o caso.
E isso serve não só para o futebol como para a política e outras dimensões fundamentais de nossas vidas.
Se temos muitas razões para nos orgulhar do Brasil, isso não quer dizer que vivemos num país maravilhoso em todos os sentidos.
Precisamos, enfim, aprender não só a ter vergonha da estrutura do nosso futebol, como da péssima qualidade de nossa educação, do nível dos nossos políticos, dos nossos padrões éticos e, sobretudo do verdadeiro “apartheid” social que gera tantos problemas para o nosso país.
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Leonardo Boff e o futebol
Dias destes estava navegando pela internet e me deparei com o site do filósofo e teólogo Leonardo Boff.
Conhecendo algumas das obras desse inteligente, sensível e polêmico pensador brasileiro, nas quais faz reflexões sobre política, religião, cultura, espiritualidade entre outros assuntos, causou-me surpresa ver alguns artigos sobre futebol.
Ao ler estes artigos, fica claro que Leonardo Boff percebe aspectos e situações que muitas vezes os próprios profissionais que trabalham no futebol não conseguem compreender.
Em determinados momentos, quando se imagina que vai tentar convencer o leitor de que existem coisas muito mais importantes do que o futebol, ele nos surpreende com uma leitura de mundo e do próprio futebol, acolhedora e sutil.
Durante a Copa do Mundo, por exemplo, escreveu que “nestes dias falar de outra coisa que não seja de futebol é condenar-se à irrelevância”. E continua: “É que o futebol comparece como realidade seminal. Mobiliza todos os chacras, desde aquele dos instintos mais primários até aquele do êxtase. Por isso, além de ser o esporte mais apreciado do mundo, representa uma metáfora poderosa para coisas da maior importância”.
Num determinado momento, começa a discorrer sobre alguns valores e aspectos fundamentais para sermos bem sucedidos, tanto no esporte como na vida.
Pela sua perspicácia, esse missionário bem que poderia ser um treinador.
Observando o que acontece no futebol, Leonardo Boff é capaz de perceber que as conquistas ficam sempre mais perto e têm mais valor quando em nosso trabalho entendemos o papel do amor, da amizade, da doação, da humildade, da solidariedade e da espiritualidade, além da óbvia necessidade de se ter um projeto claro e determinação para executá-lo.
Sábias observações. Pena que são poucos, entre aqueles que trabalham com essa modalidade desportiva, que se preocupam com esses assuntos. Muitos entendem que futebol é outra coisa.
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Futebol e fair play
Terminou a Copa do Mundo. Este evento, realizado a cada quatro anos e cada vez mais globalizado, proporciona-nos excelente oportunidade para avaliarmos comportamentos individuais e coletivos.
Através da Copa podemos perceber os sentimentos de nacionalismo e patriotismo expressos das mais diferentes formas pelos mais diversos povos e países.
Podemos também analisar valores éticos e morais e até o próprio caráter das pessoas fica exposto nestas ocasiões.
O fato ocorrido na partida final entre França e Itália com os jogadores Zidani e Materazzi é um bom exemplo a ser analisado.
A atitude de agressão de Zidani ao atleta italiano chocou a todos e pode ser condenado por diferentes ângulos. Entretanto, causa surpresa o fato de pouco se comentar sobre o que teria feito Materazzi para provocar tão inesperada reação.
Muitas vezes, a palavra machuca mais do que uma agressão física e tendo-se isso como verdade, não podemos condenar apenas Zidani, de forma unilateral, sem antes verificar o episódio em toda a sua amplitude e contexto.
Numa competição onde o fair play é exaustivamente pregado pela Fifa não se pode aceitar nem agressões físicas nem verbais.
Mas o mais surpreendente, entretanto, é observar pessoas condenando Zidani e enaltecendo a atitude de Materazzi, independentemente daquilo que ele tenha dito ao capitão da seleção francesa.
Cheguei até a ouvir, por parte de uma jornalista brasileira, a afirmação de que talvez tenha faltado um Materazzi à nossa seleção.
São reações como estas que nos permite, em última análise, conhecer um pouco as nuances da alma humana.
Como sempre o futebol imita a vida.
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Será que voltei para o mesmo país?
Por motivos profissionais estive fora do Brasil durante algum tempo.
No dia de meu embarque, por ter chegado cedo no aeroporto de Cumbica em Guarulhos, tive a oportunidade de assistir a um programa esportivo na televisão do próprio aeroporto que comentava a convocação da seleção brasileira feita naquele dia.
Depoimentos de vários jornalistas, bem como de pessoas comuns entrevistadas, davam destaque aos 23 nomes escolhidos por Carlos Alberto Parreira. Uma unanimidade quase que total.
Chamou-me a atenção os elogios rasgados ao treinador que nos últimos tempos vinha mostrando liderança, equilíbrio e sabedoria no comando da seleção brasileira, e por isso conquistando expressivas vitórias e títulos importantes como a Copa das Confederações, Copa América e a classificação em primeiro lugar nas eliminatórias para a Copa do Mundo.
Para não dizer que não houve nenhuma crítica, alguém comentou que Parreira estava um tanto nervoso na hora de anunciar os nomes dos 23 eleitos para representar o Brasil na Alemanha, ressalvando, entretanto, que este nervosismo era infundado já que nunca havia ocorrido uma convocação com tamanho acerto e aprovação popular.
Por conseqüência, os jogadores também eram elogiados, tanto os experientes Cafu,
Nesta segunda-feira, dois dias depois da eliminação da seleção brasileira da Copa do Mundo, desembarquei no mesmo aeroporto de Guarulhos, coincidentemente no mesmo instante em que vários jogadores brasileiros também chegavam ao Brasil de retorno da Alemanha.
Foi patético observar a reação das pessoas e as críticas veladas e explícitas aqui e ali sobre este e aquele jogador. Ouvir vaias e xingamentos dirigidos aos atletas, então, foi um espetáculo deprimente.
Fiquei ainda mais surpreso ao comprar alguns jornais e revistas e ler as críticas, quase que unânimes, a Carlos Alberto Parreira. Ultrapassado, frio, pouco vibrante, refém das estrelas, incompetente e sem comando foram alguns dos adjetivos dados ao treinador.
Enfim um contraste total com o que tinha observado no meu embarque, algumas semanas antes da Copa.
Parecia até que estava desembarcando em um outro país.