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Os Conflitos da Copa do Mundo

Já existe no momento um certo movimento nacional em busca de estruturação para que a Copa do Mundo de 2014 possa ser realizada com sucesso no Brasil, apesar de até agora não haver nenhuma garantia maior que isso vai acontecer. A única coisa palpável até o momento é a palavra da FIFA, o que por si só não é certeza pra nada. Em 1998, o então presidente da FIFA, João Havelange, se reuniu com o primeiro ministro britânico, Tony Blair, e disse que era seu desejo pessoal que a Copa de 2006 fosse sediada na Inglaterra. A Copa de 2006, como bem se sabe, foi na Alemanha. Tudo bem que o presidente da FIFA era diferente e que o próprio cenário político interno da organização era outro, mas vale a menção como um alerta para a comoção que vem tomando conta do país.
 
Essa comoção é gerada, principalmente, por dois fatores. Primeiro por ser a Copa do Mundo considerada o maior evento global contemporâneo, o que faz com que qualquer lugar que a hospede seja visto, conhecido e destacado por quase todo o planeta. Para países como o Brasil, historicamente obcecado em se apresentar e ser reconhecido pelo mundo, a Copa é um prato cheio. O segundo fator que gera tanto burburinho em torno da possibilidade do país hospedar o evento é a própria constituição da sociedade brasileira, que nos idos tempos pós República Velha, teve o futebol como um dos principais pilares de construção da identidade nacional. Com esses dois fatores em mente, pode-se facilmente perceber que não foi à toa que já em 1950 a Copa do Mundo foi utilizada para disseminar para todo o planeta a idéia do Brasil-Potência, e que também não é por acaso que a possibilidade real de o país sediar o evento já gere tanta discussão, e discórdia, mesmo estando ele a sete anos de distância.
 
Passada a Copa do Mundo de 50, o Estado brasileiro passou a investir pesado na criação de uma estrutura nacional para a prática do futebol. Foi aí, mais precisamente nas décadas de 60 e 70, que houve um boom na proliferação de estádios por todo o país, sem que houvesse necessariamente um estudo de sustentabilidade do investimento. Ao somar o populismo da ocasião com uma certa demanda momentânea pelas praças esportivas, o resultado foi uma previsível superestruturação do futebol brasileiro. Construiu-se muito para pouco. O Estado entregou uma mansão para quem deveria ter ganhado uma kitnet. A partir disso, não foi nenhuma surpresa que os estádios brasileiros tenham ficado abandonados ou bastante subutilizados, o que colabora de maneira crucial para o baixo desenvolvimento da indústria do futebol nacional.
 
Quando se pensa em hospedar uma Copa do Mundo no Brasil, é preciso definir exatamente qual a linha de pensamento que será seguida: ou uma linha que se preocupa com a estrutura e o evento esportivo em si mesmo, ou uma outra linha que entende a Copa como um evento crucial para a afirmação mundial da sociedade brasileira, que, portanto, é assunto e objeto de todos inseridos no sistema democrático vigente.
 
Na linha esportiva, o ideal é que a racionalidade seja a maior direcionadora do processo decisório. As instalações a serem utilizadas devem obedecer a critérios que busquem a otimização dos espaços, a redução dos recursos empregados, a minimização dos riscos e a sustentabilidade do projeto como um todo. Dessa forma, o melhor seria utilizar estruturas que já ofereçam condições mínimas de sediar um evento e que demandem poucas mudanças, que eventualmente devem ser bancadas exclusivamente pelo setor privado. O problema, claro, é que reduzirá o apelo popular que as grandes inovações sempre atraem, além de jogar o nível da Copa para aquele que o Brasil de fato pode oferecer, que não é muito alto. Como resultado, têm-se instalações medianas, pra dizer muito, mas adequadas ao tamanho do mercado do futebol brasileiro.
 
Por outro lado, caso se busque na Copa do Mundo a afirmação do Brasil como nação super-desenvolvida, na mesma premissa da Copa de 1950, os projetos tenderão a ser maiores e pensados de forma efêmera, ou seja, com a sua utilização pautada exclusivamente para atender aos anseios de um evento de tamanho porte, e não com aquilo que virá depois. Aí sim, dentro desse contexto, o Estado pode colocar os tanques na rua para garantir a segurança, fazer alianças com movimentos sociais potencialmente perigosos e assim por diante, de modo que durante o um mês de Copa do Mundo, o Brasil consiga se maquiar para os olhares externos da maneira que bem lhe apetecer. É dentro dessa filosofia que se pode defender os projetos megalomaníacos, com estádios para tudo e para todos, e financiados pelo poder público, uma vez que possuem um fim político e não necessariamente financeiro. Aí sim se justifica um estádio novo, neutro e democrático, feito não para um time, mas para todos. Mesmo que ninguém venha o utilizar posteriormente.
 
Para clarificar esse conflito filosófico existente na estruturação para a Copa do Mundo, basta recorrer aos números. Historicamente, a média de público de um Campeonato Brasileiro da Primeira Divisão fica entre 10 e 15 mil pessoas. Em jogos da seleção brasileira no Brasil, a média sobe pra mais de 40 mil.Ou seja, por uma análise bastante superficial – porém lógica e apropriada -, se um estádio for feito pra Seleção jogar na Copa, assumindo assim um caráter público, ele deve ser erguido pensando em 40 mil lugares. Se ele for feito para servir o futebol brasileiro, assumindo então um caráter privado deve-se reduzir o seu tamanho pela metade.
 
Independente de qual for a escolha a ser seguida, é preciso que haja um comprometimento de todos em prol de uma concordância nas ações a serem tomadas. É uma excelente oportunidade para o país aprender a se portar como uma sociedade coesa, justa e racional. A Copa do Mundo é, de fato, um grande momento para se abrir as portas do país para a comunidade internacional. Entretanto, caso todas as partes envolvidas tentem aproveitar o momento para se beneficiar individualmente sem se importar muito com algum possível bem maior, o evento acabará trazendo diversos malefícios para si e outros com os quais todos da sociedade brasileira terão que arcar futuramente.
 
Infelizmente, já existem indícios de que este último cenário será o mais provável.
Sediar a Copa do Mundo de 2014 pode, enfim, mostrar ao mundo aquilo que verdadeiramente somos.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br