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O experimento “quase científico” de uma vitória

Dia desses fiz um experimento “quase científico” em uma partida realizada pela equipe que dirijo. Era um jogo amistoso, parte dos preparativos para uma competição futura.

Sob a perspectiva organizacional do jogo, as duas equipes iniciaram a partida com a organização defensiva adequada para controlar as organizações ofensivas adversárias. A minha buscava a recuperação da posse da bola na “linha 1”; a adversária, impedir progressão a partir da “linha 3”.

Os princípios operacionais de ataque das duas equipes não eram os adequados para desequilibrar as organizações defensivas propostas.

Obviamente que com poucos minutos de jogo ficava evidente a necessidade de uma intervenção que mudasse o princípio operacional de ataque dominante (tanto da minha equipe, quanto do adversário).

Ficávamos com a bola, controlávamos o jogo, ocupávamos melhor os espaços e não corríamos risco algum de sofrer um gol (mas também não chegávamos nem perto de “assustar” o goleiro adversário).

Exceção feita aos princípios operacionais de ataque (e de transição ofensiva), todas as outras dimensões de controle estavam apropriadas ao jogo e sendo bem executadas (tarefas de ação, plataforma de jogo, princípios estruturais, norteadores da ação, etc) na direção do cumprimento da lógica do jogo.

Todas as evidências apontavam para a necessidade de alteração dos princípios operacionais de ataque; mas…

Resolvi mexer em todas as variáveis “alteráveis” menos nos princípios operacionais de ataque e observar mudanças que isso desencadearia.

Em tese, as “alterações desnecessárias” deveriam alterar um pouco (bem pouco!) a dinâmica do jogo, mas não “resolvê-la” (pois os problemas que estavam associados à dinâmica daquele jogo, naquele momento, não teriam correlação alta com as mudanças que eu estava realizando).

O tempo foi passando. Terminou o 1º tempo. O jogo continuava apresentando o “mesmo rosto”. Insisti no experimento. Não alterei o que precisava ser mudado e aguardei ansioso para saber quais seriam as “mexidas” do meu companheiro de profissão do “banco ao lado”.

Cinco minutos de algum desequilíbrio (mudei jogadores de posição e dei funções que normalmente não eram as deles) e lá voltou o mesmo jogo do 1º tempo.

A lógica do jogo pedia, para seu cumprimento, alterações nos princípios de ataque.

O jogo caminhava para o zero a zero. Quando faltavam 15 minutos para o término da partida, fim do “experimento”; veio então a grande substituição da minha equipe no jogo: saía o princípio operacional de ataque “manutenção da posse da bola” e entrava a “progressão ao alvo” (terminava o jogo em largura, com muitos passes horizontais, de circulação da bola sem intencionalidade clara de progressão, e começava o jogo de profundidade, vertical, mas sem bolas alongadas, com “desapego” a manutenção da posse da bola, e com chegada rápida ao alvo).

O jogo se mudou completamente.

Como o adversário manteve sua organização de ataque da mesma maneira, o jogo se transformou em um “ataque versus defesa”. Resultado: vencemos por um a zero.

Poderia ter terminado zero a zero (assim como, antes da grande alteração, a partida já pudesse estar com um ou dois gols para uma das equipes). O fato é que quando fora alterada pontualmente aquela variável que estava comprometendo a dinâmica ofensiva de minha equipe no jogo, ele (o jogo) se transformou por completo.

Nesse caso em especial, a alteração de um princípio operacional gerou uma grande alteração no jogo em direção ao cumprimento de sua lógica. Mas nem sempre é assim. Algumas vezes o problema para o cumprimento da lógica do jogo não está no cumprimento ou alteração deste e daquele princípio.

E é bom que isso fique bem claro, porque, equivocadamente, treinadores, pesquisadores e equipes dão maior valor ao cumprimento de um princípio operacional do jogo, em detrimento do cumprimento da lógica do jogo.

A lógica do jogo deve ser sempre a meta a ser cumprida. Princípios operacionais, estruturais, etc e tal, são meios para alcançá-la (a lógica do jogo).

Equipes de futebol devem ser preparadas para o cumprimento da lógica do jogo (e isso é o “jogar bem”).

Cumprir a organização defensiva, por exemplo, de acordo com um modelo de jogo, pautada em determinado princípio, só fará sentido se isso for feito para se alcançar o cumprimento da lógica do jogo.

Caso determinada variável do modelo de jogo não esteja adequada em uma partida (ou momento da partida), é ela, a variável, que deve ser alterada.

Porém, o que tenho notado, é que muitas decisões acabam sendo tomadas para mudar não as variáveis do modelo de jogo, e sim a lógica do jogo.

Como ela (a lógica do jogo) é imutável, decisões erradas fazem com que, na tentativa de se aproximar do jogo e da vitória no jogo, muitos treinadores, pesquisadores e equipes têm cada vez mais se distanciado do próprio jogo e da conquista da vitória.

E aí, o de sempre. Equipes continuarão ganhando e perdendo sem saber exatamente porque.

Para interagir com o autor: rodrigo@149.28.100.147

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Vencemos! Vencemos?

Em 1990 ficou célebre a declaração do Lazaroni, então técnico da nossa seleção, de que seu objetivo era conquistar o título, pouco lhe importando se isso se desse através de um gol feito com a mão, aos 49 minutos do segundo tempo e em completo impedimento! Não ganhamos… E ele foi crucificado.

 

A Geração Dunga, como ficou batizada, passou a carregar o estigma de incompetente, descaracterizadora dos valores que davam luz própria ao futebol brasileiro, onde a habilidade técnica estava em perfeita sintonia com um jogo de alto padrão estético, plástico e lúdico no qual Garrinchas, Pelés e Tostões desafiavam a lógica da vitória, em muitos momentos preterida por um chapeuzinho a mais, uma bola por entre as canetas dos joãos que ousavam nos enfrentar.

 

É esclarecedor o sentimento – triste, mas de peito lavado – vivenciado por todos nós nas duas Copas anteriores à de 90, nas quais mesmo eliminados prematuramente da competição, nos sentimos confortados pelo reconhecimento internacional de nosso ímpar valor.

 

Nesta Copa de 94, Parreira e Zagalo reproduziram, em dose dupla, a lógica de Lazaroni e de uma elite que tem no aforismo o importante é levar vantagem, certo, difundido pelo canhotinha de ouro da Copa de 70, o princípio ético (?) norteador do projeto histórico de sociedade que querem para o país.

 

Tão logo Baggio chutou aquela bola para longe da meta defendida por Taffarel, saímos às ruas festejando o tetra, mas… Engraçado… Por que, lá no fundo, nos sentimos constrangidos, com um gosto amargo na boca, como que se estivéssemos festejando a vitória de uma seleção que não é nossa, de um país que não é o nosso, que não reflete o sentimento de milhões de miseráveis absolutos que silenciosamente sonham, também eles, poder participar de um Brasil de fato vitorioso?

 

Vencemos! Vencemos? Esse futebol de resultados (qualquer semelhança com outras coisas de resultado não é mera coincidência) sinaliza para a vitória de um projeto de sociedade brasileira que não é nosso, pois aponta para a derrota de um povo solidário, sofrido mas orgulhoso de sua cultura e que quer o futebol, portanto, resgatado em toda a plenitude de sua riqueza, colocando por terra – de uma vez por todas – a falsa idéia de que para vencermos temos que, necessariamente, abrirmos mão daquilo que nos identifica enquanto brasileiros.

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do “Observatório do Esporte” – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06)


 

[1] Publicado no folheto semanal Destaque, do Diretório Regional – São Paulo – Do Partido dos Trabalhadores, nº 187 (ano IV), 06 a 13 de agosto de 1994.

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O experimento "quase científico" de uma vitória

Dia desses fiz um experimento “quase científico” em uma partida realizada pela equipe que dirijo. Era um jogo amistoso, parte dos preparativos para uma competição futura.

Sob a perspectiva organizacional do jogo, as duas equipes iniciaram a partida com a organização defensiva adequada para controlar as organizações ofensivas adversárias. A minha buscava a recuperação da posse da bola na “linha 1”; a adversária, impedir progressão a partir da “linha 3”.

Os princípios operacionais de ataque das duas equipes não eram os adequados para desequilibrar as organizações defensivas propostas.

Obviamente que com poucos minutos de jogo ficava evidente a necessidade de uma intervenção que mudasse o princípio operacional de ataque dominante (tanto da minha equipe, quanto do adversário).

Ficávamos com a bola, controlávamos o jogo, ocupávamos melhor os espaços e não corríamos risco algum de sofrer um gol (mas também não chegávamos nem perto de “assustar” o goleiro adversário).

Exceção feita aos princípios operacionais de ataque (e de transição ofensiva), todas as outras dimensões de controle estavam apropriadas ao jogo e sendo bem executadas (tarefas de ação, plataforma de jogo, princípios estruturais, norteadores da ação, etc) na direção do cumprimento da lógica do jogo.

Todas as evidências apontavam para a necessidade de alteração dos princípios operacionais de ataque; mas…

Resolvi mexer em todas as variáveis “alteráveis” menos nos princípios operacionais de ataque e observar mudanças que isso desencadearia.

Em tese, as “alterações desnecessárias” deveriam alterar um pouco (bem pouco!) a dinâmica do jogo, mas não “resolvê-la” (pois os problemas que estavam associados à dinâmica daquele jogo, naquele momento, não teriam correlação alta com as mudanças que eu estava realizando).

O tempo foi passando. Terminou o 1º tempo. O jogo continuava apresentando o “mesmo rosto”. Insisti no experimento. Não alterei o que precisava ser mudado e aguardei ansioso para saber quais seriam as “mexidas” do meu companheiro de profissão do “banco ao lado”.

Cinco minutos de algum desequilíbrio (mudei jogadores de posição e dei funções que normalmente não eram as deles) e lá voltou o mesmo jogo do 1º tempo.

A lógica do jogo pedia, para seu cumprimento, alterações nos princípios de ataque.

O jogo caminhava para o zero a zero. Quando faltavam 15 minutos para o término da partida, fim do “experimento”; veio então a grande substituição da minha equipe no jogo: saía o princípio operacional de ataque “manutenção da posse da bola” e entrava a “progressão ao alvo” (terminava o jogo em largura, com muitos passes horizontais, de circulação da bola sem intencionalidade clara de progressão, e começava o jogo de profundidade, vertical, mas sem bolas alongadas, com “desapego” a manutenção da posse da bola, e com chegada rápida ao alvo).

O jogo se mudou completamente.

Como o adversário manteve sua organização de ataque da mesma maneira, o jogo se transformou em um “ataque versus defesa”. Resultado: vencemos por um a zero.

Poderia ter terminado zero a zero (assim como, antes da grande alteração, a partida já pudesse estar com um ou dois gols para uma das equipes). O fato é que quando fora alterada pontualmente aquela variável que estava comprometendo a dinâmica ofensiva de minha equipe no jogo, ele (o jogo) se transformou por completo.

Nesse caso em especial, a alteração de um princípio operacional gerou uma grande alteração no jogo em direção ao cumprimento de sua lógica. Mas nem sempre é assim. Algumas vezes o problema para o cumprimento da lógica do jogo não está no cumprimento ou alteração deste e daquele princípio.

E é bom que isso fique bem claro, porque, equivocadamente, treinadores, pesquisadores e equipes dão maior valor ao cumprimento de um princípio operacional do jogo, em detrimento do cumprimento da lógica do jogo.

A lógica do jogo deve ser sempre a meta a ser cumprida. Princípios operacionais, estruturais, etc e tal, são meios para alcançá-la (a lógica do jogo).

Equipes de futebol devem ser preparadas para o cumprimento da lógica do jogo (e isso é o “jogar bem”).

Cumprir a organização defensiva, por exemplo, de acordo com um modelo de jogo, pautada em determinado princípio, só fará sentido se isso for feito para se alcançar o cumprimento da lógica do jogo.

Caso determinada variável do modelo de jogo não esteja adequada em uma partida (ou momento da partida), é ela, a variável, que deve ser alterada.

Porém, o que tenho notado, é que muitas decisões acabam sendo tomadas para mudar não as variáveis do modelo de jogo, e sim a lógica do jogo.

Como ela (a lógica do jogo) é imutável, decisões erradas fazem com que, na tentativa de se aproximar do jogo e da vitória no jogo, muitos treinadores, pesquisadores e equipes têm cada vez mais se distanciado do próprio jogo e da conquista da vitória.

E aí, o de sempre. Equipes continuarão ganhando e perdendo sem saber exatamente porque.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br