Há algum tempo tonou-se público o relatório técnico da Uefa Champions League 09/10. Esse documento trata especialmente (e oficialmente) de aspectos associados às equipes participantes da competição na temporada referente, suas características de jogo, as de seus jogadores e de seus treinadores.
Ainda que não se aprofunde especificamente em detalhes técnicos mais ligados à organização e aos padrões de jogo dessas equipes, dá indícios sobre algumas coisas ligadas a eles (padrões e organização), e é sem dúvida uma “saborosa” leitura.
Aproveitando-me da matéria publicada recentemente na Universidade do Futebol, com o título “Relatório técnico da UCL indica campeão com menos posse de bola e mortal nos contra-ataques”, que traz, em síntese, alguns apontamentos presentes no relatório, resolvi explorar uma questão que está dentro dele (do relatório) e que é destacada pela matéria.
Relatório técnico da UCL indica campeão com menos posse de bola e mortal nos contra-ataques
Vejamos o trecho em que os apontamentos levam ao surgimento da questão e em seguida a questão propriamente dita:
“Outro ponto levantado pelos peritos é uma comparação entre o Barcelona, vencedor do torneio em 2008/09, e a Internazionale, última campeã. Os italianos conquistaram o troféu com uma média de 45 por cento de posse de bola, comparada com 62 por cento dos catalães na temporada anterior. Na grande decisão, realizada no estádio Santiago Bernabéu, em Madri, o Bayern de Munique, adversário da Inter, passou a bola 643 vezes, contra 289 passes do rival – o resultado do jogo foi 2 a 0 para os nerazzurri.
“O contraste marcante entre o vencedor de 2009 e o de 2010 levanta a questão: será que jogadores e equipas precisam ser educados na arte de se sentirem confortáveis sem terem a bola em sua posse?”
Na essência de suas intenções, a questão, mais do que despertar a necessidade de uma resposta direta, propõe na verdade uma reflexão a respeito de como o jogar é mais fruto de como enxergamos o jogo de futebol, do que como ele se apresenta realmente – e a distância entre o que vemos e o que ele realmente é pode nos prender no tempo.
Jogadores e equipes de futebol precisam, independentemente do nível ou da categoria, aprender a jogar futebol melhor. Para aprenderem, devem treinar. O treino, por sua vez, precisa propiciar a chance de aprendizado (de evolução).
E é esse aprendizado, que ainda mal entendido por quem normalmente gere e deve estimular a evolução do desempenho da equipe, que acaba esquecido nas tortuosas estradas do caminho.
Jogadores de futebol não devem se sentir mais ou menos confortáveis estando com ou sem a posse da bola. A questão aqui deve ser outra.
Jogadores de futebol devem estar preparados para responder circunstancialmente aos desafios do jogo, estando ou não com ela (com a bola).
A posse de bola, em estudos que vêm se repetindo desde a década de 1980, não é variável determinante para o êxito ou não das equipes. Isso já foi sistematicamente estudado e apontado.
É sim determinante o que se faz com ela, e como a equipe se organiza coletivamente para conseguir fazer.
Isso quer dizer que se a equipe do FC Barcelona quer ficar com a bola e chegar ao campo de ataque através de um jogo apoiado, precisa construir sistemas organizacionais (sistemas de ação, de ocupação do espaço, de apoios, etc.) que propiciem da maneira mais satisfatória possível o cumprimento daquilo que o seu jogar propõe.
Isso quer dizer também que se a Internazionale de Milão prefere (ou preferia) investir em um jogo de progressão rápida, com passes verticais de curta, média e longa distância, sem se importar por não ficar muito tempo com a bola; da mesma forma precisará se organizar da melhor maneira possível para isso.
Então, de novo: ficar ou não com a bola não é problema: o problema está em conseguir criar uma cultura de jogo em que ele (o jogo) seja visto através de novas possibilidades, novos conceitos, novas verdades (verdades?).
Na Uefa Champions League 2009/2010, a equipe de José Mourinho cumpriu melhor aquilo que se propunha a fazer do que a equipe do FC Barcelona (tão bem, que mesmo ficando pouco com a bola e errando muitos passes, em todos os seus jogos percorreu uma distância menor do que aquela percorrida pelos seus adversários na ocasião dos jogos).
Então, o melhor é fazer muito bem aquilo que se tem como modelo de jogo a cumprir. E vai fazer melhor quem treinar melhor para fazer.
Ao treinador, é claro, nenhuma alternativa, a não ser a de como ensinar melhor o futebol que se quer jogar.
E aí? Bom, aí é outra questão…
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br