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Para quê a Filosofia?

São muitos os que questionam, por vezes desdenhosamente: para quê a Filosofia? Nunca lhes passou pela cabeça interrogarem: para quê a Geologia, ou a Matemática, ou a Física, ou a Geografia?…

A Filosofia exige profunda reflexão e, nos dias em que vivemos, reflectir parece-nos algo de perfeitamente inútil. Imaginemos que uma pessoa pergunta: que horas são? Se substituir esta pergunta por estoutra: o que é o tempo? Só filosofando poderá encontrar o caminho da resposta.

Suponhamos ainda que uma pessoa é habitualmente mentirosa. Se alguém, a propósito, perguntar: o que é a verdade? Também só filosofando poderá aproximar-se de uma resposta. Por vezes, quando me questionam: para que serve a Filosofia? Sou tentado a responder: para não aceitar como óbvias e evidentes todas as coisas, todas as ideias, todas as atitudes, sem uma profunda reflexão.

A fundamentação teórica e prática do Homem, da vida, da Sociedade e da História: eis aí a grande função da Filosofia – que não é ciência, mas uma reflexão crítica sobre os procedimentos e os conceitos científicos; que não é religião, mas uma reflexão crítica sobre as origens e as formas das crenças religiosas; que não é sociologia nem psicologia, mas uma interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. É útil, ou inútil, a Filosofia?

Num tempo, como o nosso, onde não há tempo para a reflexão, a Filosofia defende o direito de ser inútil. Platão definia a Filosofia como o verdadeiro saber, o qual deverá aplicar-se em benefício dos seres humanos. Descartes afirmava que a Filosofia é o estudo da sabedoria, para que os seres humanos melhor vivam, alcancem a saúde e descubram novas artes e novas técnicas. Kant ensinou que a filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma, para saber o que pode conhecer, o que deve fazer, visando a felicidade humana. Marx declarou que a Filosofia havia passado demasiado tempo, contemplando o mundo e que era tempo de transformá-lo. Marx queria dizer, na sua, que é preciso des-construir a sociedade injusta e que, para tanto, as palavras não bastam. Merleau-Ponty referiu que a Filosofia é um despertar, para ver mais e transformar para melhor o nosso mundo. Só transformando poderemos ser plenamente conscientes de nós mesmos. Como se vê, tudo inutilidades…

Os jornais, a rádio, a televisão, a internet, os telefones móveis, as tecnologias digitais proclamam, sem cansaço, que estamos no rumo certo, em direcção às Sociedades do Conhecimento da Idade da Informação. Filosoficamente, nasce a dúvida metódica: será que todos se encontram no caminho certo, para as Sociedades do Conhecimento?

A Constituição da Unesco sublinha a nítida ligação entre a dignidade humana e “a ampla difusão de cultura e a educação da humanidade, para a justiça, liberdade e paz”. Assim, os direitos e as liberdades fundamentais situam-se, inevitavelmente, no seio das Sociedades do Conhecimento. Foi Peter Drucker que criou, em 1969, o termo “sociedade do conhecimento” (cfr. The Age of Discontinuity Guidelines to our Changing Society, Harper & Row, Nova Iorque). Só que a implementação da “sociedade do conhecimento” supõe educação ao longo da vida e… para todos!

“Interrogar a nossa condição humana é (…) interrogar primeiro a nossa situação no mundo. Uma afluência de conhecimentos, nos finais do século XX, permite aclarar de um modo completamente novo a situação do ser humano, no universo”. Daí que não será exagero adiantar que a Sociedade do Conhecimento não está no horizonte de todas as pessoas, de todos os povos. Passo agora a palavra a Edgar Morin: “O século XXI deverá abandonar a visão unilateral, definindo o ser humano pela racionalidade (homo sapiens), ou pela técnica (homo faber), ou pelas actividades utilitárias (homo oeconomicus), ou pelas necessidades obrigatórias (homo prosaicus). O ser humano é complexo (…). O homem da racionalidade é também o da afectividade, do mito e do delírio. O homem do trabalho é também o homem do jogo. O homem empírico é também o homem imaginário. O homem da economia é também o do consumo” (Os Sete Saberes para a Educação do Futuro, Instituto Piaget, 2002).

Para quê a Filosofia? Para que o código genético da Sociedade do Conhecimento seja povoado de interrogações, na boca de todos; para que não seja impossível questionar os ditadores (que os há também, na velha democracia em que vivemos); para que ninguém falte ao encontro marcado com a liberdade, “porque não há machado que corte a raiz ao pensamento”. Para quê a Filosofia? Para que as palavras voltem a ter significado, na práxis de emancipação de todos e de cada um! Para que o conhecimento científico seja pensado, como merece!

Segundo Luc Ferry, no seu livro Aprender a Viver (Temas e Debates, Círculo de Leitores, Lisboa, 2009, pp. 23 ss.) são três as dimensões da filosofia: a inteligência daquilo que é (teoria), a sede de justiça (ética) e a busca da salvação (sabedoria). No caso particular do “desporto-rei”, importa perguntar também: o que é o futebol? Trata-se de um desporto e, como tal, um aspecto particular da motricidade humana.

Ora, o ser humano em movimento intencional há-de distinguir-se por uma filosofia, isto é, por uma inteligência, por uma ética e por uma sabedoria. Para que o futebol tenha sentido – para que o futebol se transforme num exemplo de militância cívica. Mesmo nos anos fatigados em que as chamas do inconformismo começam a esmorecer, é preciso acreditar que o futebol é uma lição de obra colectiva, visando um mundo diferente.

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

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Jogos reduzidos vs treino convencional: vantagens e desvantagens

Historicamente, o desenvolvimento das capacidades físicas exigidas pelo futebol desenvolveram-se de forma seperada dos aspectos motores do jogo, principalmente pelo fato de se “importar” modelos de treinos já consagrados em outras modalidades esportivas, como o atletismo, por exemplo.

Embora em muitos clubes do mundo ainda seja comum encontrarmos treinos técnicos, físicos e táticos sendo realizados em sessões separadas, atualmente, a popularização dos chamados “jogos reduzidos” trouxeram a tendência de se integrar as diferentes exigências do futebol moderno.

Mas será que há indícios suficientes que garantam aos jogos reduzidos maior efetividade do que o treino convencional?

Os jogos reduzidos utilizam pequenos jogos em que as regras são adaptadas às quais variam o tamanho do campo, o número de jogadores e o tipo de estímulo que é dado (contínuo vs intervalado). Entre seus benefícios encontram-se a reprodução de movimentos específicos em situação competitiva, exigindo dos atletas tomadas de decisão em situação de pressão e também com fadiga acumulada facilitando a aquisição da habilidade técnica e da inteligência de jogo.

Para o sucesso efetivo desse tipo de estratégia é fundamental que as regras utilizadas permitam um jogo que aprimore exatamente aquilo que se deseja. Nesse caso, fatores como a área do jogo selecionada, o número de jogadores, a utilização ou não de goleiros, o incentivo do treinador e a característica do estímulo serão fatores que influenciam diretamente no sucesso ou fracasso da execução dos jogos reduzidos.

 

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Como controle da efetividade deste tipo de treino estudos já identificaram boa validade e reprotudibilidade. O controle da intensidade geralmente é feito pela análise da frequência cardíaca (FC), das concentrações sanguíneas de lactato ([La]) e da percepção subjetiva de esforço (PSE), sendo que a PSE apresenta-se mais confiável do que a FC e o [La].

Quanto à distância percorrida e as velocidades de deslocamento, a monitoração pelo Sistema de Posicionamento Global (GPS) tem se mostrado efetiva e impressindível no controle da carga, embora existam algumas limitações em atividades realizadas em alta velocidade e outros problemas técnicos como frequência de aquisição dos dados, quantidade de satélites para captação do sinal, bem como restrição de medida em lugares cobertos.

Quanto à especificidade do jogo, no geral os estudos demonstram que a intensidade da tarefa é maior quanto menor for o número de jogadores utilizados em relação à área do campo; entretanto, nem sempre isso significa que cada jogador tenha maior quantidade/qualidade na distância dos deslocamentos.

Também tem se sugerido que nos jogos reduzidos a intensidade costuma ser maior do que o jogo propriamente dito, assemelhando-se inclusive aos treinos genéricos realizados de forma intervalada, tanto de curta quanto de longa duração. Isso sugere que parece não haver diferença sobre o aspecto físico em se fazer um treino com jogo reduzido ou tradicional.

Sem dúvida, a grande vantagem dos jogos reduzidos está em integrar aspectos técnicos, físicos e táticos específicos do jogo que permitem economizar tempo – fator muito importante nos dias atuais. Porém, para que isso seja efetivo, a comissão técnica terá que ter o trabalho de desenvolver treinos lógicos e com logística suficiente para aprimorar aspectos específicos conforme os objetivos pré-estabelecidos. Caso isso não seja pensado, corre-se o risco de os jogos reduzidos desenvolverem outros aspectos que não são desejados no momento, ou até mesmo de se tornar menos efetivo do que os treinos convencionais.

Pelo visto, a escolha entre o chamado treino tradicional e os jogos reduzidos dependerá do conhecimento e da experiência prévia de cada comissão técnica que deverá calcular riscos, benefícios, vantagens, desvantagens e limitações de cada estratégia.

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br  

Saiba mais:

Hill-Haas SV, Dawson B, Impellizzeri FM, Coutts AJ. Physiology of small-sided games training in football: a systematic review. Sports Med. 2011 Mar 1;41(3):199-220.

Gray AJ, Jenkins DG. Match analysis and the physiological demands of Australian football. Sports Med. 2010 Apr 1;40(4):347-60.

Casamichana D, Castellano J. Time-motion, heart rate, perceptual and motor behaviour demands in small-sides soccer games: effects of pitch size. J Sports Sci. 2010 Dec;28(14):1615-23.

Foster CD, Twist C, Lamb KL, Nicholas CW. Heart rate responses to small-sided games among elite junior rugby league players. J Strength Cond Res. 2010 Apr;24(4):906-11.

Rampinini E, Impellizzeri FM, Castagna C, Abt G, Chamari K, Sassi A, Marcora SM. Factors influencing physiological responses to small-sided soccer games. J Sports Sci. 2007 Apr;25(6):659-66.