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A tática do pote de duas bocas

Guimba, treinador e craque do “Jura Que Sabe”, não declara a tática empregada por sua equipe. “Não é preciso”, ele diz. O desenho do campo de várzea a descreve melhor que ninguém. Basta vê-lo de cima: o pouco de grama que existe se concentra nas laterais, empurrado pelo terrão vermelho que domina quase tudo.

“Depois, a gente tem algum verde na região da grande área, mas nunca dentro da pequena. Onde pisa o arqueiro jamais nascerá grama”, profetiza Guimba, que chama essa tática futebolística de “pote com duas bocas”, e é aquela que, segundo ele, domina o futebol no mundo todo.

Não fosse o cuidado extremo que alguns funcionários dedicam aos gramados dos grandes times profissionais, também neles haveria um terrão vermelho dominando o meio do campo.

Foi o que Guimba disse ao repórter que o entrevistou antes do jogo no domingo frio de garoa, quando o campo fica mais enlameado e a bola mais pesada que os anos de vida de um time de veteranos. A seguir, algumas passagens da célebre entrevista que Guimba deu a um jornal de Santos.

Repórter – Por que o senhor acha que a tática maior do futebol em todo o mundo é concentrar os jogadores todos no meio do campo?

Guimba – Não é o que eu acho, é um fato. O meio do campo, tirando o goleiro, é onde jogam os jogadores de futebol. Basta examinar os campos. Olha o nosso. Por que é que não cresce grama ali no meio do campo? É porque é onde todo mundo corre. Depois, naquele lugar que vocês chamam de intermediária, há um funil, por onde só alguns passam. Repare que dos lados da boca do funil há um pouco de grama, e ali na entrada da área também. A grama nasce porque raros frequentam essa zona. Na pequena área também não tem grama, porque a disputa de bola ali é terrível, e tem o goleiro que não para de pisotear o chão. É o lugar em que a bola mais tem que ser protegida. É o gargalo, que não pode vazar.

Repórter – E o senhor não acha que isso pode ser mudado?

Guimba – Mudar pra quê? É assim que o futebol é. A gente pode mexer em muita coisa, mas o desenho é esse. São vinte e dois sujeitos correndo atrás de uma bola. A chance maior de tocar nela é no meio do campo, é dentro do pote. Ali é onde mais se pode correr, passar a bola, pensar. É onde tudo é preparado para que alguém chegue à área adversária com chances de fazer o gol.

Repórter – E as laterais, por que ali tem grama?

Guimba – Os jogadores não gostam de se movimentar por ali. É muito fácil ser desarmado ou sair pela lateral. Tudo que um jogador quer é ficar com a bola. Ele não gosta de perdê-la e nas laterais ela pode ser perdida com facilidade. É por isso que a grama nasce ali, porque tem pouca gente pisando.

Repórter – E o Garrincha, que passava quase todo o tempo na lateral?

Guimba – Gênio não se discute.

Repórter – Mas e o 4-3-3, o 4-4-2?

Guimba – É tudo conversa fiada. Você já viu 4-3-3 no Barcelona de hoje? Lá tem um monte de jogadores dominando o meio do campo, tocando a bola dentro do pote, que é a zona protegida. E eles só saem dali com um bom plano para invadir a área adversária e fazer o gol. Seria mais correto dizer que, em vez de 4-4-2, o que a gente tem durante um jogo é, num momento 1-3-1-2-2-1, noutro 2-2-3-1-1-1. Toda hora muda. Time inteligente muda a disposição dos jogadores a cada instante, porque, se não mudar, o adversário logo percebe e marca com facilidade.

Repórter – Mas se vocês sabem tudo isso, por que perdem tantos jogos?

Guimba – Porque o futebol é um jogo e a gente nunca sabe o que vai acontecer, nunca sabe qual vai ser o próximo lance. E mesmo que a gente soubesse, seria preciso ter muito mais técnica do que a gente tem para fazer o gol e impedir que o adversário o faça.

Repórter – E você não acha possível prever os lances do time adversário?

Guimba – E nem a gente quer, porque, senão, o futebol não seria divertido. Você, por acaso, assistiria a um jogo sabendo antecipadamente o resultado final?

A entrevista terminou quando Guimba disse ao repórter que faltavam 30 minutos para o início do jogo e ele tinha que se aquecer. O jogo valia taça. Tinha morrido o pai de um dos fundadores do “Jura Que Sabe” e a taça era em homenagem a ele.

O repórter ainda insistiu – “mais uma perguntinha, uma só”. Queria que Guimba dissesse sobre o jogo de hoje, como jogaria o “Jura Que Sabe”. Educado, Guimba disse que apenas repetiria o que já havia declarado: tentariam dominar o interior do pote, jogar no meio do campo, praticar aquilo que torna o futebol um jogo coletivo, ou seja, o passe.

O segredo, disse Guimba, é não perder a bola dentro do pote. “Ah”, acrescentou, “e não podemos deixar vazar água no nosso gargalo. De vez em quando, quando sentirmos que o terrão está dominado, a gente se atira para dentro da área deles, às vezes usando as laterais, tentando provocar um vazamento no gargalo deles”.

Guimba nada mais disse e o repórter nada mais perguntou. O jogo terminou 2 a 1 para os adversários. E a taça do falecido foi parar no Macuco, o bairro do time que derrotou a poderosa esquadra do “Jura Que Sabe”.


*Meu nome é Guimba. Isso mesmo, e me chamam assim por causa do monte de cigarros que eu fumava por dia e porque eu guardava as pontas para fumar depois. Isso até o dia em que eu já não conseguia mais correr atrás da bola. Qualquer corridinha e eu botava a língua para fora. E foi por isso, e não porque eu era ligado nessas coisas de infarto e tal, que eu parei de fumar. Mas o apelido ficou.

Jogo no “Jura Que Sabe”, o time dos veteranos do bairro, e esse nome pegou porque todo mundo ali pensa que joga, mas quase ninguém joga nada, é só papo de botequim, por sinal, no boteco do Novelo, que fica ao lado do campo. Ali rola o maior papo, e cerveja. Quem ouve a conversa jura que a gente joga bola.

Teve até um moço antropólogo que veio aqui procurar por nós, achou interessante o nome, quis saber de onde veio essa denominação estranha, Jurakissabi, se era indígena, até que a gente disse para ele que não tinha essa de indígena, era “Jura Que Sabe”, assim mesmo, tudo separado. O rapaz não gostou da história, mas gostou da gente, pena que ele não joga nada, não teve tempo de aprender, pois a mãe dele fazia ele estudar o tempo todo.

De cerveja ele entende, e de conversa também, mas só depois de entornar três geladas. E como a gente joga mais na mesa do que no campo, ele acabou virando um craque.

Para interagir com o autor: jbfreire@universidadedofutebol.com.br
 

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Cidade-sede: Curitiba

A cidade com as melhores soluções em urbanismo, mobilidade e maior área verde (bem maior que o índice pedido pela ONU para garantir qualidade de vida) será a cidade que contará com a Arena da Baixada como sede do evento.

Este palco, antes da candidatura do Brasil ao evento, era o mais moderno e adequado de todos os estádios brasileiros. No entanto, isso não quer dizer que estava atualizado e com capacidade de abrigar um evento de porte internacional como a Copa do Mundo Fifa. Por este motivo, a arena também passa por reformas, que, por sua vez, são as causas de tanto transtorno para Curitiba.

Em uma localização complicada pelo seu entorno edificado e bem consolidado, o estádio é um dos grandes exemplos de dificuldade na evacuação e dispersão de pessoas em momentos de emergência.

Apesar de a mobilidade urbana ser a mais eficiente do país, Curitiba pode apresentar saturações de seus sistemas, principalmente nas proximidades do estádio. Jaime Lerner, arquiteto e urbanista e ex-prefeito de Curitiba, foi um dos principais responsáveis por toda a evolução de Curitiba e seria muito legal ver na Copa a cidade se destacando com novidades e com o já existente sobre a funcionalidade da capital paranaense.

Sobre o projeto em si, as grandes modificações estão em sua fachada. Antes pesada e um tanto sem atrativos, hoje o projeto conta com uma acessibilidade maior e um potencial para naming rights pela estética simples da mesma.

Como podemos ver na imagem acima, o projeto propõe espaços de convivência, como as mesas para alimentação no térreo. Já o acesso é direto pelo mesmo nível ou por rampas que dão acesso a uma platibanda para melhor distribuição do público antes de entrar de fato no estádio, facilitando o encontro da cadeira numerada.

Para adequação do estádio ao evento, a principal mudança foi a construção da arquibancada lateral. Antes o estádio tinha forma de “U”, com arquibancadas atrás de ambos os gols e de uma das laterais somente, sendo uma pena por ser uma destas a com melhor visibilidade.

O fato desse formato era a existência de construções vizinhas. Junto a esta construção veio a casca da fachada que envolve o estádio todo junto à nova cobertura.

Sobre esta nova cobertura, ela será sustentada por treliças sob a cobertura e treliça espacial em arco travando a estrutura (ver imagem abaixo). Deve ser revestida por telhas metálicas perfuradas e de trechos com policarbonato – o que pode ajudar na manutenção do gramado. Este, por sua vez, deverá ser de grama do tipo “bermuda” mais resistente ao frio de Curitiba.

Ao mesmo tempo, para manter a qualidade, Curitiba pretende plantar a grama e, posteriormente, ainda reforçar com sementes. Além disso, contará com um sistema de drenagem a vácuo, questão que algumas cidades estão tendo problemas pela inviabilidade financeira e por não acreditarem ser necessário. A drenagem a vácuo drena cerca de quatro vezes mais rápido, em casos de temporais, que uma drenagem convencional.

O arquiteto responsável pelo projeto, Carlos Arcos, alega que o principal acesso à arena será a pé, de bicicleta ou de táxi e que, por fugir das vias mais congestionadas da capital, não terá grandes distúrbios viários. Não acredito que seja tão simples assim e, de uma forma ou outra, quem for assistir aos jogos na Arena da baixada deverá sair algumas horas antes para não perder o começo do jogo, como acontecia no Soccer City, em Johannesburg, na Copa do Mundo de 2010.

Deverão, também, se preparar para um tempo extra de comemoração depois da partida, pois serão 40.000 pessoas saindo ao mesmo tempo em vias pequenas. Uma estratégia é promover atividades na saída das partidas para que, aos poucos, as pessoas se vão.

Com uma fachada de vidro, a arena promete ter uso diário com comércio e áreas de alimentação que, somente no caso de Curitiba, por ser bem adensada a região, pode ter, de fato, um uso cotidiano e ser forte concorrente na cidade.

Para interagir com o autor: lilian@universidadedofutebol.com.br

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