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Domingo, eu vou ao Maracanã…

No último domingo, os torcedores carioca e brasileiro puderam voltar a cantar a célebre música que embalou, por muito tempo, as arquibancadas do Maracanã. E ele voltou moderno, funcional e belíssimo.

Estive presente no amistoso entre Brasil e Inglaterra que marcou a reabertura do mais importante estádio do país e um dos mais emblemáticos do mundo. Além de poder aproveitar o domingo de lazer no novo Maracanã, procurei circular, dentro e fora do estádio, para ter um olhar um pouco mais técnico sobre a gestão e a operação do equipamento.

Pude constatar que temos muito mais pontos para elogiar do que para criticar. O estádio ficou, de fato, fantástico. E a operação, com algumas falhas (naturais, por ser o primeiro evento, que falarei a seguir), poderia, tranquilamente, ganhar uma nota 8,5 pelo conjunto da obra.

Sobre a organização, o entorno estava todo fechado para a passagem de carros, o que facilitou em muito o acesso ao estádio – aqui, cai por terra uma máxima que sempre se defendeu erroneamente no Brasil: “que seria necessário que uma arena estivesse circundada por avenidas largas e gigantescas”. O acesso deve sempre privilegiar o transporte público, como o foi na reabertura do Maracanã. Cheguei de forma muito tranquila pelo metrô. As duas estações próximas ao estádio (“Maracanã” e “São Cristóvão”) estavam sinalizadas para indicar os melhores acessos do público conforme seus portões de entrada.

Do lado de fora do estádio, as filas estavam grandes para a entrada do público, demorando algum tempo para o efetivo acesso. A demora foi justificável por conta das “vistorias de segurança”, nos mesmos moldes do aeroporto, com esteiras de Raio X e portas de detecção de metal. Novos procedimentos, novos aprendizados para melhorias paulatinas no futuro.

Já dentro do estádio, o visual é fantástico em qualquer assento. Quatro telões de alta definição complementavam as informações relacionadas ao jogo. Os assentos são bastante confortáveis (apesar de ter visto relato de amigos que mostraram assentos quebrados ou sujos).

Stewards e Seguranças, ao invés de policiais fardados, fizeram a organização e orientação do público dentro do estádio. Abordei este assunto aqui e aqui. Isto é fundamental se quisermos dar, de fato, uma nova cara à operação dos novos estádios.

A parte de bares e banheiros também esteve dentro de uma organização desejável, sem o registro de maiores problemas. Fiz questão de ir, no intervalo da partida, em ambos. Percebi uma pequena fila para os bares no setor que estava, o que é perfeitamente normal. Li e vi reportagens que relataram que alguns produtos haviam acabado, o que, da mesma maneira, acaba por ser uma falha que tende a ser corrigida ao longo do processo de aprendizado da operação.

O único problema que pude registrar e, talvez, um tanto quanto desagradável, ocorreu com a marcação de assentos. Tentei acessar o assento que eu havia comprado juntamente com minha noiva (nº 7 e 8, fila W do Setor 313) e, quando cheguei, havia outro casal no lugar. Pedi para sentar ali, o que me foi negado. Optei por sentar ao lado (assentos 4 e 5), em um lugar que estava livre. Aí virou bola de neve: minutos depois chegou outro casal, que deveria sentar nos lugares 5 e 6. Viram a situação e se acomodaram ao lado, nos assentos 4 e 5.

Outro tempo se passou e chegou um grupo com quatro pessoas, que exigiu sentar nos lugares de 1 a 4. Aí virou uma grande confusão, com a ira de várias pessoas sobre o primeiro casal desta breve história. Pedimos aos Stewards para intervir e eles não o fizeram (a orientação geral para arenas é que os Stewards façam a primeira abordagem, indicando quem está certo e, quem estiver em assento errado, conduzi-lo ao correto. Caso a primeira abordagem não resulte, deve-se chamar os seguranças para a solução do impasse). Por fim, com a pressão e o início do jogo, o casal saiu do lugar onde estavam sentados e todos que ali estavam conseguiram se acomodar.

Este tema de “assentos marcados” é polêmico. Trata-se de uma mudança cultural do público, que só vai ocorrer com o tempo e com um certo desgaste inicial, o que também é muito natural. O que não pode é parar com o processo, devendo ser um ato contínuo firme e sem abrir exceções em nenhum evento. E também, agora apontando uma falha grave da organização, é colocar “meio termo” para ingressos – no relato que fiz, a confusão se deu, na verdade, porque no Setor 313 em que estávamos os lugares eram marcados, sem exceção. No Setor 517 (que era o setor do referido casal), o ingresso indicava “Assento Livre”. Para quem não está habituado a ir em jogos, ainda mais em um estádio praticamente novo, a confusão é natural.

Nas imagens a seguir, temos o ingresso deste casal, com a indicação “Assento Livre” e o setor que eles deveriam estar sentados. O que podemos observar é que a confusão foi gerada por uma “exceção” aberta pela operadora do jogo, que permitiu lugares livres em um espaço. O resultado foi que as pessoas acabaram sentando nos corredores, o que deveria ser proibido – os corredores são pontos de fuga e de segurança fundamentais. Eles devem sempre (sem exceções) estar livre para o fluxo de pessoas.

 

Na saída, vi alguns relatos de demora e pequenas confusões para acesso ao metrô, o que também classifico como “normais”. Temos que convir que, se mais de 60 mil pessoas saírem de um mesmo ponto a outro, ao mesmo tempo, não será tarefa das mais fáceis, em qualquer lugar do mundo.

Fui duas vezes ao Maracanã, contando com esta do último domingo. A primeira havia sido em 1992, na final do Campeonato Brasileiro, quando eu tinha apenas 11 anos. Naquele dia, três pessoas morreram por conta da queda de uma parte das arquibancadas onde estava a torcida do Flamengo, ferindo ainda outra centena de espectadores. Outros 11 anos se passaram e agora posso dizer: chegamos definitivamente na nova era de estádios no Brasil. Que assim seja. Que a operação continue se aperfeiçoando e que possamos entregar, cada dia melhor, um serviço mais qualificado para o torcedor de futebol brasileiro.

Ah, posso classificar a experiência no novo Maracanã como EXCELENTE, tal e qual pode ser constatado pela imagem abaixo:


 

Para interagir com o autor: < a href="mailto:geraldo@universidadedofutebol.com.br">geraldo@universidadedofutebol.com.br

 

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O catalão de Neymar e o smartphone

O “Esporte Espetacular”, dominical da “TV Globo”, exibiu no mês passado uma entrevista exclusiva com o inglês David Beckham, que defendeu o Paris Saint-Germain até o fim da temporada 2012/2013 do futebol europeu. Além de ter sido solícito e efusivamente elogioso em todo o bate-papo, o jogador se esforçou para gravar chamadas com o nome do programa. A tarefa demandou muito esforço para quem, como ele, não domina a língua portuguesa.

O português enrolado de Beckham lembrou o esforço feito por músicos internacionais que se apresentam no Brasil. Todos eles ensaiam um “muito obrigado” ou qualquer expressão simpática na língua nativa.

Na última segunda-feira, Neymar foi apresentado oficialmente como novo reforço do Barcelona. O ex-jogador do Santos foi recebido por um Camp Nou lotado, e as primeiras palavras que ele falou para os adeptos da nova equipe não foram em português. Aliás, não foram sequer em espanhol. O atacante arriscou uma saudação em catalão.

Quem conhece a história de orgulho da Catalunha e a pressão separatista que há na região sabe que Neymar foi extremamente feliz ao escolher “Visca el Barça!” como a primeira frase dita no novo clube. Preparação é isso.

Voltando à entrevista de Beckham, o inglês enfatizou dois aspectos: o amor que sente pelo futebol e o quanto ele é tímido / simples. Agora eu convido você a fazer um esforço de memória: quantas vezes você ouviu coisas similares de Neymar?

Neymar é tímido, e isso é inato. O ídolo santista não é expansivo, tampouco comunicativo. O ponto é que sabe esses atributos, que teoricamente soariam pejorativos, para construir um personagem simples, que desperta facilmente a empatia do público. Aos 21 anos, o atacante não é apenas a maior referência técnica do futebol brasileiro atual. Ele também é um modelo a ser seguido em termos de relação com a mídia.

É por isso que, ainda que não seja uma estrela consolidada na Europa, Neymar levou tanta gente ao Camp Nou na segunda-feira. É isso que explica o carinho que as crianças demonstraram com ele.

A personalidade de Neymar não é a mais adequada a um popstar. No entanto, o estafe dele soube lapidar essas características e criar um personagem extremamente eficiente. O atacante fala a diferentes tipos de público, tem um índice de rejeição baixíssimo e se esquiva habilmente de polêmicas.

Desde que foi alçado aos profissionais do Santos, Neymar mudou radicalmente nesse aspecto de postura e comportamento. O atleta passou por treinamentos, entendeu o que pode ser feito e ganhou uma porção enorme de conhecimento empírico.

A evolução de Neymar como porta-voz é um dos alicerces da construção do garoto-propaganda Neymar. Vale lembrar: o atacante foi no ano passado a terceira personalidade mais acionada na publicidade brasileira – perdeu apenas para o apresentador Luciano Huck e para a cantora Ivete Sangalo.

As mudanças na relação de Neymar com a mídia já eram perceptíveis quando ele estava no Brasil. Na Espanha, a grande alteração é a relação da mídia com Neymar. Em um primeiro momento, o motivo mais óbvio para isso é que acabaram as perguntas sobre quando ele sairá do país e qual time ele defenderá.

Também mudou um pouco o tom da relação. Neymar, ídolo no Brasil, era constantemente adulado quando atuava no país natal. Na Espanha, em contrapartida, o clima é mais de curiosidade em torno de uma aposta para o futuro do Barcelona.

Antes mesmo de entrar em campo, Neymar tem trabalhado para dissipar essas dúvidas. A postura do atacante, que escolheu o Barcelona e sempre enalteceu o clube, é parte disso. A saudação em catalão e as respostas bem engendradas também.

Outra resposta que chamou atenção na coletiva de Neymar: o atacante disse que foi ao Barcelona para ajudar o argentino Lionel Messi a seguir como o melhor do mundo. A comparação óbvia é com o comportamento de Robinho, outro ex-jogador santista. Quando trocou o clube alvinegro pelo Real Madrid, o atacante disse que uma das razões era um plano para ser o número 1 do planeta.

Robinho escancarou naquela época a vontade de ser protagonista. Neymar assumiu na última segunda-feira condição de coadjuvante. O discurso do novo candidato a astro oferece menos pressão e contribui para aproximar o ídolo dos torcedores.

É muito cedo para dizer se Neymar será um ídolo do futebol mundial – a despeito de tudo que ele já fez pelo Santos, o atacante ainda é uma referência limitada ao âmbito brasileiro. Contudo, o roteiro dele fora de campo já é um dos exemplos mais bem burilados de uso da comunicação para a construção de um astro no esporte mais popular do planeta.

O poder da imagem

Um dos exemplos do bom uso que Neymar faz da comunicação é o quanto ele sabe ser a própria mídia. No último treino que fez no Santos, o atacante colocou na cabeça uma câmera para capturar imagens da atividade.

O resultado foi pouco refinado, mas ofereceu ao público uma perspectiva diferente: a chance de combinar áudio de um jogo com a visão do atacante mais badalado do Brasil.

A gravação de Neymar foi publicada no canal oficial do Santos no site de vídeos Youtube. E isso serve como mote para uma discussão sobre decisão recente do jornal “Chicago Sun Times”. O periódico decidiu demitir toda a equipe de fotografia. É, TODA A EQUIPE.

Para compensar, a diretoria ofereceu cursos de capacitação aos jornalistas de texto. A ideia é começar a usar apenas imagens produzidas com smartphones.

A decisão do jornal foi extremamente criticada nos Estados Unidos. Sobretudo porque o jornalista fotográfico Robert Hart criou um blog provocativo para dizer que havia sido substituído por um iPhone.

A decisão do “Chicago Sun Times” custou 28 empregos, e isso gera um trauma claro, mas não pode ser avaliada apenas por isso. É fundamental que o movimento seja visto como símbolo de uma nova era na comunicação.

Imagens e textos são igualmente fundamentais para uma notícia. Quando decidiu demitir a equipe de fotografia, porém, o “Chicago Sun Times” não priorizou o texto. O movimento revela uma busca por uma visão diferente.

O que o jornal espera é uma visão como a da câmera na cabeça de Neymar. A ideia é colocar ali uma visão mais pessoal, ainda que ela tenha menos recursos técnicos.

A demissão coletiva, que no jornalismo é chamada de “passaralho”, é sempre traumática. Nesse caso, contudo, é uma aposta em um modelo diferente, mais focado na experiência.

A evolução da comunicação mudou radicalmente o comportamento de personalidades e criou novos paradigmas de comportamento para porta-vozes. Os jornalistas não evoluíram na mesma medida e ainda buscam caminhos para isso. Ab
rir mão da imagem técnica pode não ser a melhor das rotas, mas é uma tentativa.

Com novas mídias e várias plataformas para publicar conteúdo, qualquer um é mídia hoje em dia. Da mesma forma, os smartphones transformaram todos em fotógrafos. Nos dois casos, o principal desafio é saber captar e contar as histórias. Afinal, mesmo com saudação no idioma local, simpatia e comportamento ensaiado, a essência de um show ainda é sempre a música.
 

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br

 

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No país dos banguelas

Xico Sá, brilhante, publicou ontem, durante o jogo amistoso entre Brasil e Inglaterra, em seu Facebook: "Se tivesse aqui no Maracanã hj, Nelson Rodrigues diria: ñ há um desdentado, só gente c/ saúde dentária de artista de cinema” (sic).

O Brasil tem 30 milhões de desdentados. Destes, 8 milhões não tem nenhum dente na boca.

Para a maioria de nós, problemas dentários se resumem à dor, a algo estético que pode ser mais facilmente corrigido com aparelho, a um acidente (inclusive no esporte) que faça quebrar ou perder um dente.

Nada que nos dificulte os caminhos para viver e desfrutar a vida plenamente na sociedade. Ainda, 45% da população não têm acesso a material de higiene bucal (escovas, pastas, fio dental).

E, somente, 70 milhões de brasileiros tem, em suas casas, acesso à água fluoretada, capaz de reduzir em 60% os riscos de cáries. Todos estes são dados do Ministério da Saúde de outubro de 2012.

Logicamente, este cenário evidencia uma grande questão de saúde nacional a ser enfrentada. Em contrapartida, temos 20% dos dentistas de todo o mundo. Mais que a soma de EUA e Canadá. Um dentista para cada 838 brasileiros – o triplo do que recomenda a OMS.

Como costumo dizer, o Brasil possui grande déficit de cidadania, sendo esta questão como mais um dos seus fatores. Acessibilidade e inclusão: duas palavras importantíssimas nesse contexto.

Quais as dificuldades que uma pessoa sem dentes enfrenta na busca por emprego? Quais os reflexos disso na saúde mental, na auto-estima, no convívio social?

Todos os quase 80 mil ingressos foram ocupados para o jogo de reabertura do Maracanã. De fato, um estádio lindíssimo, multicolorido, reformado totalmente, uma grande festa, pese toda polêmica que o antecedeu.

São quase 5000 mil cadeiras destinadas aos portadores de necessidades especiais, numa clara e moderna política de acessibilidade e inclusão no esporte, que já acontecem na Europa e nos EUA.

Os novos estádios construídos, no Brasil, para a Copa do Mundo, devem estimular ainda mais esta tendência – ou dever do Estado e de todos – de garantir o binômio acesso e inclusão social através do esporte, contribuindo para o desenvolvimento do país e, também, criando um círculo virtuoso para a indústria esportiva.

Meu pai, comerciante do setor de autopeças, contava que um cliente, dias atrás, queria incrementar seu caminhão e gastou uma boa quantia de dinheiro.

Não tinha alguns dentes na boca. Mas, com o desenvolvimento econômico do Brasil, tinha conquistado, com o trabalho, o dinheiro para equipar melhor seu caminhão, e assim decidiu.

O grande desafio do Brasil, agora e cada vez mais, é oferecer alternativas de acesso e inclusão social às pessoas, para que, tal qual o caminhoneiro, possam decidir se se sentarão nas arquibancadas do Maracanã ou se investirão na saúde bucal.

Quem sabe, um dia, as duas opções sejam possíveis…

 

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br