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Planilha de tempo de jogo e aproveitamento individual

Há cerca de dois anos, foi discutida neste espaço a importância do controle de tempo de jogo em competição para estabelecer a relação custo x benefício para cada atleta integrante do elenco. Seja num elenco de categorias de base, ou então numa equipe profissional, sugeriu-se que o dado fosse cruzado com a expectativa de desempenho individual
Desta forma, existem bons elementos para definir se o investimento que está sendo realizado com cada um dos atletas é (ou não) coerente.
Na ocasião, foi apresentada a seguinte classificação referente ao percentual jogado numa determinada competição:
•De 0% a 25% – Participação pequena;
•De 25% a 50% – Participação média;
•De 50% a 75% – Participação alta;
•Acima de 75% – Participação muito alta.
Considerando a expectativa de desempenho, é aceitável encontrar um jovem atleta em potencial na categoria sub-17, não maturado, com participação inferior a 50%. É importante salientar, porém, que para potencializar a boa formação, o referido atleta participe de competições secundárias e de um bom número de amistosos adquirindo minutos significativos de experiências específicas.
Num outro exemplo, desta vez ilustrando uma relação custo x benefício não vantajosa, um valor inferior a 50% não pode ser considerado aceitável para um atleta que, durante a formação do elenco, sua expectativa inicial era de compor a “espinha dorsal” da equipe e ser uma das referências de liderança.
Para auxiliar a obtenção destes dados de forma prática e eficaz, nesta semana será disponibilizada aos leitores interessados a planilha de tempo de jogo e aproveitamento individual.
Com a inserção do tempo total do jogo, do resultado da partida e dos minutos jogados por cada atleta, é possível obter ao longo da competição algumas informações importantes tanto para gestão do grupo por parte do treinador, como para a análise de desempenho individual por parte da coordenação técnica-administrativa.
Veja, abaixo, a planilha:

Após o preenchimento prévio de cada um dos adversários, a planilha está pronta para ser abastecida depois do término de cada rodada. Além dos minutos jogados, as células aceitam as seguintes siglas para quem não participou do jogo:
•DS – Departamento Médico/Saúde
•NR – Não relacionado
•B – Banco de Suplentes
•S – Suspenso
Com o acúmulo de jogos, diversas relações interessantes podem ser estabelecidas. Entre elas:
•Os jogadores que têm melhor aproveitamento individual;
•Os jogadores que têm maior participação na competição;
•Os jogadores que mais vezes são substituídos;
•Os jogadores que mais vezes entram no decorrer do jogo;
•Os jogadores que nunca são relacionados.
Ao final da temporada, o clube tem mais uma ferramenta para analisar o trabalho com dados objetivos para além do resultado de campo.
No clube que trabalho atualmente, passados dois meses da competição estadual sub-17, os dados atuais do elenco (que tem 26 atletas) quanto ao tempo de participação nos jogos são os seguintes:
•Participação pequena – 8 atletas (30,7%)
•Participação média – 7 atletas (26,9%)
•Participação alta – 7 atletas (26,9%)
•Participação muito alta – 4 atletas (15,3%)
Com o término da primeira parte da temporada estes dados serão cruzados com outras ferramentas (vídeos de jogos, aproveitamento em treinos, relatórios individuais) para definir a relação custo x benefício de cada atleta do elenco.
No mercado do futebol atual, minimizar o erro é procedimento indispensável para a sustentabilidade de um projeto. A renovação de contratos e a realização de promoções ou dispensas podem ser mais precisas se dispusermos de informações de qualidade. O tempo de jogo e o aproveitamento individual, sem dúvida, fazem parte destas informações.
Aguardo o seu contato. Abraços e que venha a Copa do Mundo!
PS: Agradeço novamente ao Lucas Leonardo, pela cessão da planilha em 2009 e desde então utilizada por mim em todas as temporadas e competições.
 
Caso tenha interesse, clique aqui para fazer o download. 

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Fernandão

Como assim?

Capitão campeão não morre.

Com 36 anos, em acidente aéreo?

Não.

Não torço por nenhum dos clubes pelos quais ele defendeu com honra e seriedade. Mas adoraria tê-lo visto com a 9 esmeraldina. A do Palmeiras, não do Goiás de berço. Do coração que também se tingiu de vermelho.

Da alma colorada que não sabe agora como expressar a dor pela perda de quem só soube ganhar no Beira-Rio. Não só títulos. Respeito. Admiração. Um lugar na história eterna.

Para a caríssima colega colorada Renata Fan, nem o caríssimo colega Falcão é mais ídolo que ele.

Gol 1000 do Gre-Nal em que vestiu pela primeira vez a camisa vermelha. Referência do Inter campeão do mundo contra Ronaldinho do Barcelona e do Grêmio.

Capitão que ergueu a taça da conquista da América. Capitão que foi para o outro lado do mundo conquistá-lo erguendo acima da cabeça privilegiada o troféu da Fifa.

Atacante, meia-atacante, técnico, inteligente, sabia se colocar dentro e fora da área e do campo.

Mas me recuso a colocar Fernandão no passado. Ele segue presente na vida de quem gosta de alguém que joga e se joga por um time.

Não há torcedor do Goiás e do Inter que não queira ainda olhar para a grande área esperando ver aquela figura por ali. Em qualquer área. Ajudando no cabeceio, orientando, dando um pé. Mão. Coração.

É daqueles caras legais que a gente gosta por ser gente. Não precisava jogar o que jogou. Ganhar o que venceu. Bastava ele ser do nosso time. Era um orgulho. Bastava isso. Era da nossa gente.

Esse é o maior título. Campeão no futebol qualquer um pode ser. Campeão pela vida é para poucos.

Fernandão é ídolo que não precisa dar carrinho na lateral. É torcedor que sabe como se portar. Soube como honrar a profissão com inteligência privilegiada. Dando a cara de titãnio pra bater.

Gostava de contar histórias das placas que tinha pelo rosto, fruto de pancada futebolística. Homem de ferro. De convicções férreas. De conduta pétrea.

Começava agora carreira de comentarista. Tinha tudo para dar mais certo do que dera no Inter como diretor e treinador. Sabia do que falava. Sabia o que fizera. Sabia.

Só não sabemos dizer a falta de um ídolo. E tão jovem.

Para a família, toda a força do mundo que ele ganhou em 2006.

Para as torcidas em luto, tudo que um ídolo traz de lembrança.

Um minuto de barulho por um grande.
 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

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Contagem Regressiva

Apesar de nascido no ano dos Jogos Olímpicos de Moscou, minha vida sempre foi intimamente ligada às Copas do Mundo.

Com a tenra idade não pude acompanhar a fascinante Seleção da Copa de 1982 (Espanha) que foi eliminada pela Itália na batalha do Sarriá com três improváveis gols de Paolo Rossi.

Assim, minha “primeira Copa” foi a de 1986, no México. Até hoje quando ouço os acordes de “Mexe Coração” sinto o coração bater mais forte. Lembro-me dos primeiro jogos. Das goleadas e dos gols de Josimar e Careca.

Naquele época era um hábito familiar ir aos domingos para a casa de minha saudosa avó, em Nova Lima e foi lá que assisti à eliminação para a França com direito à cobrança de pênaltis. Pela primeira vez chorei por futebol.

Quatro anos depois (1990), a Copa era na Itália cujo campeonato eu acompanhava semanalmente na tela da Band. Animadíssimo com a conquista da Copa América no ano anterior, aquela Seleção me encheu de esperanças. Foi o Mundial do “Papa essa Brasil”.

Infelizmente, fomos eliminados pela Seleção Argentina nas oitavas de final. Partida que, novamente, eu acompanhara na casa de minha avó.

O ano de 1994 trouxe consigo a morte do ídolo Ayrton Senna na véspera do meu aniversário e a esperança econômica com o Plano Real. A Seleção, depois de uma campanha sofrida nas eliminatórias, viajou para os EUA sob muita desconfiança.

Entretanto, jogo após jogo a Seleção foi ganhando moral e sagrou-se tetracampeã contra a Itália em uma sofrida disputa por pênaltis. Não consegui assistir às cobranças. Fiquei do lado de fora da casa ouvindo as comemorações.

Aliás, finalmente, a casa da minha avó exorcizou os fantasmas de 1986 e 1990 com a conquista da Copa do Mundo, 24 anos depois. A emoção aumentou com o tema da vitória que tanto marcara as conquistas brasileiras na Fórmula 1.

Neste ano deu-se início ao “hit” “Eu sei que vou” que tem sido, desde então, repaginado a cada quatro anos.

Em 1998 a Copa do Mundo aconteceu simultaneamente ao meu “debut” na faculdade de direito. Aquela seleção encheu os olhos e a confiança no Penta aumentou depois da dramática semi-final contra a Holanda.

Na final contra os donos da casa reuni vários amigos, mas após os dois gols de Zidane, as esperanças já haviam se exaurido no intervalo da partida.

O ano de 2002 trouxe a primeira Copa realizada na Ásia e em dois países. Eu já estava terminando a faculdade de direito e virei as noites acompanhando as partidas no fuso de Japão e Coréia.

A final foi marcada pelo primeiro encontro de Brasil e Alemanha em Copas Mundo. Naquela partida, Ronaldo (Fenômeno) marcou dois gols e deu a definitiva volta por cima.

Brasil, pentacampeão.

A Alemanha organizou a Copa do Mundo de 2006. A anfitriã não conquistou o título, que ficou com a Itália, mas a torcida fez uma verdadeira festa mostrando ao mundo a hospitalidade e alegria do povo alemão.

Nesta Copa, Ronaldo, o fenômeno, atingiu a marca de 15 gols em Mundiais e tornou-se o maior artilheiro da história das Copas do Mundo.

Tínhamos um timaço com Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Adriano, Kaká, Roberto Carlos e Cafu, mas, novamente fomos eliminados pela França, nosso maior carrasco em Copas do Mundo.

No ano seguinte, 2007, a FIFA escolheu o Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. Começava ali um sonho.

Em 2010, enfim, a Copa do Mundo chegou ao continente africano, mais precisamente na África do Sul.

A Seleção Brasileira chegou credenciada pelos títulos da Copa América e da Copa das Confederações, mas, caiu nas quartas de final para a Holanda.

A Espanha sagrou-se campeã do mundo. A primeira seleção europeia campeã do mundo fora do seu continente.

Terminado o Mundial da África do Sul, o mundo voltou seus olhos para o Brasil.

Eu, que sempre acompanhei apaixonadamente as Copas do Mundo, tenho vivido cada dia de espera intensamente.

Quis o destino que eu fosse abraçado pelo Direito Desportivo e tivesse a oportunidade de participar de palestras, aulas e eventos sobre a Lei Geral da Copa.

Tive a honra e a satisfação de, a convite da Comissão Especial que debateu a Lei Geral da Copa no Congresso, participar dos debates de formação da lei.

Poucos dias nos separam de um momento mágico.

A Copa do Mundo está arraigada na cultura do brasileiro de forma tão indissociável que mesmo o mais pessimista dos brasileiros não conseguirá ficar indiferente.

Organizar a Copa do Mundo e vencê-la nos dá a oportunidade de extirpar definitivamente o nosso complexo de vira-latas e, ainda, trazer ao país um legado inestimável.

Com ou sem manifestações, com ou sem Lei Geral da Copa, quando Neymar e companhia estiverem em campo estaremos todos juntos em um só coração.

Nas próximas semanas está coluna se renderá ao maior evento esportivo de todos os tempos e durante sua realização a Copa do Mundo será a temática abordada. Na próxima semana, falaremos sobre as condições de acesso e permanência nos estádios durante a Copa.

Hexa Brasil!!!! 

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O valor de um ambiente positivo

Neste momento pré-copa do mundo da FIFA é comum escutarmos sobre como é importante termos uma atmosfera positiva nas concentrações das seleções que irão disputar o mundial aqui no Brasil. Todos comentam que isso ajuda a manter o bom astral e que isso contribui para a união das equipes.

Mas será que sabemos realmente o que está por trás do famoso ambiente positivo e de que forma ele pode contribuir para a melhor performance das equipes de futebol?

O psicólogo Martin Seligman comenta que “Um estado de espírito positivo induz as pessoas a um modo de pensar completamente diferente de um estado de espírito negativo”. No caso do futebol, este estado de espírito positivo pode levar os atletas a um modo de pensar mais criativo, tolerante, construtivo, generoso e desarmado. Com isso, este modo de pensar contribui na detecção não do que está errado num ambiente, mas do que está certo; podendo contribuir no aperfeiçoamento das virtudes da confiança.

E quanto à relação do estado positivo com a capacidade física do atleta, existe alguma relação?

A resposta é sim! Ainda conforme estudo realizado por Seligman, as emoções positivas de alta energia, como a alegria, por exemplo, tornam as pessoas mais divertidas e este saudável ambiente de brincadeira leve está ligado à geração de recursos físicos. Existem evidências que a emoção positiva funciona como prevenção de saúde e longevidade, o que demonstra sua capacidade de promover reservas físicas para as pessoas, sendo que no caso dos atletas isso acontece da mesma forma.

Apesar de não existirem fatos comprovados sobre se a maior satisfação na sua atividade profissional torna uma pessoa mais feliz ou se a disposição de ser feliz gera algum tipo de satisfação na profissão, não é surpresa para nós que as pessoas mais felizes demonstrem de maneira mais nítida maior satisfação na sua atividade profissional. Além disso, podemos considerar o importante fato de que as pessoas num estado de espírito mais positivo definem metas mais ousadas e possuem um desempenho melhor.

Com isso, agora podemos compreender um pouco melhor o que existe por trás da busca pelo ambiente positivo nas equipes de futebol, afinal de contas descobrimos que ele contribui para a saúde física do atleta, bem como para o seu melhor desempenho em sua atividade profissional.

Cabe a nós, profissionais do esporte, buscar aprofundar mais nessa questão e refletir de que forma é possível se contribuir neste processo de gerar emoções positivas de uma maneira efetiva, inclusive buscando utilizar formas comprovadas para apuração da pontuação de uma escala geral de felicidade de uma equipe e com isso gerar novas reflexões e planos sustentáveis de metas que contribuam para o aumento geral da felicidade. Afinal de contas, já entendemos que o tal ambiente positivo ajuda certo?

Até a próxima! 

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Alguém ainda questiona a necessidade de mudança no calendário?

Falar em mundo globalizado nos dias de hoje é quase um pleonasmo. Para o ambiente do esporte, é cada dia mais evidente o crescimento de marcas de clubes europeus ou franquias de ligas americanas no gosto dos brasileiros, o que é um indicador importante deste olhar mais amplo. No entretenimento, a popularização da TV por Assinatura permitiu um maior acesso ao que ocorre mundo afora.

O fato é que o futebol brasileiro está se apequenando diante de todo este processo. E a soma entre uma visão míope de quem decide os rumos estratégicos com as entregas que os clubes fazem ao torcedor e aos investidores só pode conduzir a um resultado de estagnação ou, quando muito, crescimento moderado.

E neste período, como resultado das más decisões estratégicas, o que salta os olhos é a insistência em um calendário que não respeita as diretrizes globais. Enquanto os principais clubes no mundo terminaram suas temporadas há quase um mês, os clubes nacionais terão uma Copa do Mundo para se preparar para a “segunda metade do Campeonato Brasileiro”, em uma espécie de inter-temporada.

Será que um dia teremos que escolher jogar apenas quando não há jogos lá fora para não competir diretamente com o gosto das pessoas que preferem o futebol europeu, tal e qual fazem competições que se consideram de fato menores?

A Copa está chegando para mostrar e meramente ilustrar como o nosso calendário está defasado e distante de um projeto de globalização para o futebol daqui. Esta e outras adequações são fundamentais para que, no médio-longo prazo, o Campeonato Brasileiro não pareça simplesmente o “Torneio do Bairro” perto do tamanho, alcance e proporção das principais competições do mundo. 

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Marinho Chagas

Não foi o melhor lateral-esquerdo do Botafogo.

Ou foi – que Nilton Santos é Enciclopédia.

Não foi o melhor lateral de uma seleção que, além de Nilton, teve Roberto Carlos e Júnior, por exemplo.

Não foi o melhor destro a atuar na esquerda, como muito bem sabem Nilton e Júnior.

Certamente não era o lateral que melhor marcava, como mal soube Leão, em 1974.

Mas, com a bola aos pés, partindo em velocidade pela esquerda, driblando como se fosse mais um ponta que um lateral, foi um dos melhores da posição em 1974 – e numa Copa com Breitner, que era craque, Krol, que era ótimo, e Facchetti, que foi eliminado na primeira fase.

Cobrando falta era impressionante. Como outros também foram. E mais que ele.

No futebol potiguar, não houve jogador igual.

Na lateral, insisto, outros foram melhores, mais completos, mais laterais.

Mas poucos divertiram e se divertiram tanto.

Poucos fizeram as magias e truques da Bruxa de General Severiano.

Um jogador que tinha de ser ídolo do Botafogo, pelas características peculiares do clube e do jogador.

Um cara diferente. Extremo. Exaltado. Externo. Exalava espírito indomável.

A chaga de Marinho pela vida pós-bola cobrou preço. Viveu como jogou. Jogando-se. Desafiando. Não ficando preso. Soltando-se.

Espírito livre, futebol libertário.

Podia não ser o mais confiável dos jogadores. Mas o jogador, por definição, vive no risco. No limite. No riso. No choro.

Marinho viveu para isso.

Morreu por isso.

Mas segue vivo em quem viu. 

 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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Uma mentalidade para ser vencedor

É difícil falar no estilo que o Barcelona imprimiu na última década sem falar de Xavi Hernández. O dono da camisa 6 da equipe catalã é um meio-campista com raro talento para organizar e “ler” o jogo, e por isso consegue ser ao mesmo tempo um armador prolífico e uma opção constante para receber a bola. Xavi pode ter desenvolvido tudo isso nas categorias de base ou em treinamentos, mas essas são características inatas. Um perfil do atleta publicado pelo jornal “El País” diz que ele já mostrava isso quando brincava com amigos na rua – orientava, identificava espaços nos times adversários e planejava movimentações, por exemplo.

Mas este não é um texto sobre Xavi. Aliás, o foco aqui é um ex-jogador que é quase uma antítese de tudo que o meio-campista espanhol simboliza: Filipo Inzaghi, que vai assumir na próxima temporada o comando do Milan.

Inzaghi era um centroavante com muito poder de definição, mas não demonstrava como atleta um nível refinado de conhecimento sobre o que acontecia no restante do campo. Não tinha uma leitura fantástica sobre defesas adversárias e tampouco exercia papel fundamental para dar ritmo ao time ou abrir espaços.

Quando foi contratado pelo Milan, em 2001, Inzaghi estava perto de completar 28 anos. Já havia passado por Piacenza, Verona, Parma, Atalanta e Juventus. Também já tinha conquistado em 1997 o título de melhor jogador jovem do Campeonato Italiano.

No Milan, Inzaghi conheceu o auge. Transformou-se em centroavante decisivo e foi fundamental para a equipe em várias conquistas, incluindo duas edições da Liga dos Campeões da Uefa. Foi convocado pela Itália e integrou a seleção que venceu a Copa do Mundo em 2006.

É difícil explicar o que fez de Inzaghi um jogador especial. Sorte, talvez. Capacidade técnica, física e mental, certamente. Difícil é imaginar um jogador assim, com participação pequena no todo e uma leitura de jogo que muitas vezes foi motivo de piadas – sobretudo pela altíssima quantidade de vezes em que ele se precipitava e recebia passes em impedimento – como alguém que entende sistemicamente o andamento de uma partida.

Esse é o primeiro estereótipo que Inzaghi derrubou no trabalho “Uma mentalidade para ser vencedor”, que ele usou para concluir o curso de treinador da Federação Italiana de Futebol (FIGC, na sigla em italiano). O texto é de alguém que entende, sim, o que acontece em um campo de futebol.

O que mais chama atenção é que Inzaghi não teve tempo para estudar depois da aposentadoria e planejar a transição. Ao contrário: encerrou a carreira como atleta em 2012, com direito a um gol e muitas lágrimas no jogo de despedida, e meses depois começou a treinar equipes de base do Milan.

Inzaghi pode ter evoluído nos dois anos em que comandou equipes jovens do clube italiano, é verdade, mas ainda assim é surpreendente ver o nível de entendimento que ele tem sobre o jogo. Isso não quer dizer que ele vai ser um grande treinador no futuro ou que ele tenha enorme preparação para o novo ofício. Entender o jogo é como entender a vida, mas conhecer a totalidade do quadro não é necessariamente suficiente para desenvolver as melhores soluções.

Na última semana, depois de o Milan ter anunciado que Inzaghi será o novo treinador da equipe principal, o site “Soccer Translator” publicou o trabalho de conclusão de curso que o ex-jogador apresentou à FIGC (veja aqui, ó: http://www.soccertranslator.com/2014/03/thesis-review-mentality-to-be-winners.html). O arquivo original está em italiano, seguido de uma resenha escrita em inglês.

O trabalho de Inzaghi tem 60 páginas divididas em dois blocos. O primeiro tem seis capítulos, e o segundo é composto por quatro. O ex-jogador fala sobre o ofício de um treinador, abordagens psicológicas, trabalhos mentais e como todas essas coisas podem convergir para o sucesso no futebol.

“Você pode definir o sucesso como um resultado favorável ou vantajoso no fim de cada ação tomada”, definiu Inzaghi. “E somando conceitos de vários autores você pode dizer que há uma relação entre psicologia e sucesso”, completou treinador neófito.

Ler o trabalho de Inzaghi é muito bom para entender a linha de pensamento do técnico. A começar pela relação com a sorte: apesar de sempre ter sido considerado um jogador “iluminado”, o italiano defende que não há sorte no futebol. Em vez disso, ele acredita numa combinação entre eficiência e força psicológica.

“Na realidade, hoje, com o conhecimento para iniciar uma nova viagem que não tem nada a ver com o que eu fiz como jogador, que é a primeira experiência como treinador, eu levo em conta quantas coisas são necessárias para um bom técnico. Liderar um grupo, saber como relacionar os aspectos individuais, encarar críticas, programar e delegar, manejar sucesso e fracasso, mediar conflitos, tomar cuidado da comunicação interna e externa e lidar com as competências técnicas”, enumerou o técnico.

O Inzaghi jogador era um definidor simples e eficiente. O Inzaghi treinador ainda não mostrou uma cara entre os profissionais, mas o Inzaghi estudioso de futebol mostra um perfil que está muito mais para Xavi: detalhista, sistêmico, preocupado com meandros.

O maior desafio que ele vai ter agora será incutir nos outros jogadores os conceitos que ele defendeu no trabalho. Inzaghi vai precisar priorizar a comunicação e as relações institucionais. Ele já mostrou que sabe ler o jogo, mas ainda precisa dizer se sabe como transformar isso em proposta e como transmitir essas ideias.

O desafio dele hoje é muito maior do que apenas anotar gols. Inzaghi mudou de posição. Hoje, como todo técnico, precisa ser mais organizador e mais líder. Mas, tomando o trabalho de conclusão de curso como base, o novo comandante do Milan sai muito na frente da maioria nesse sentido.