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A estruturação das competições

Com o término da Copa, o foco dos debates e comentários agora volta a ser a estruturação do futebol brasileiro, que é bradada por muitos no sentido de posicionar o Brasil como a maior potência do esporte mundial. Um dos focos desta estruturação passa pelas competições, que se coloca como base para que o país possa ter um melhor produto vendável para um “público sedento por consumo”.

É inegável a necessidade de se debater e de transformar em algumas medidas o calendário do futebol brasileiro. Mas, seguindo o tom dos meus últimos textos, precisamos ter cautela. Vejo muitas propostas que parecem fazer muito sentido em termos esportivos, mas não levam em conta o aspecto financeiro em relação à autossustentabilidade das competições no médio-longo prazo.

Quer-se uma transformação do dia para a noite, subsidiada pelo governo ou a CBF – aliás, é comum da nossa cultura esperar que alguém, alheio ou não ao processo, pague a conta, sem determinar efetivamente quanto, como e por que deve pagar!!! E este é o ponto: não se pode querer uma ruptura total já em 2015 com recursos alheios.

Para o crescimento das competições e a ampliação da participação de mais clubes com um calendário mais consistente e duradouro do que os atuais 3-4 meses, é preciso “fazer crescer o bolo financeiro” aos poucos, em um plano que compreenda a realidade da maioria dos clubes pequenos e que leve em conta um desenvolvimento orgânico. Ilustro esta breve retórica com dois exemplos: um do momento atual e outro com a narrativa de um fato histórico.

Primeiro, a saber, conforme divulgado no site www.srgoool.com.br, na primeira rodada da Série D do Campeonato Brasileiro deste ano, que ocorreu no último final de semana, das 16 equipes que jogaram em casa, nada menos do que 11 “pagaram para jogar”. Isso mesmo, 11 equipes, fazendo um cruzamento da renda líquida sobre o número de “pagantes”, tiveram que pagar para cada torcedor ir ver o jogo. A Cabofriense-RJ, por exemplo, “pagou” o equivalente a R$ 53,22 para cada um dos seus 134 torcedores irem ao estádio ver o jogo diante do Guarani de Palhoça-SC. Essa premissa, obviamente, não se restringirá à primeira rodada. A tendência é que se repita ao longo dos próximos 5 meses de competição. Ou seja, não temos mercado consumidor, por enquanto, para sustentar mais do que as 60 equipes das Séries A, B e C (sabendo que algumas destas equipes igualmente são deficitárias).

O segundo caso é um que remonta o ano de 1995, quando eu acompanhava futebol apenas como torcedor. Naquele ano, assisti todos os jogos em casa do Joinville-SC na Série C do Campeonato Brasileiro. O JEC foi derrotado nas quartas-de-final pelo XV de Piracicaba (em jogos de ida e volta), equipe que lançou naquela época o famoso “Carrossel Caipira” com o técnico Oswaldo Alvarez e se sagraria campeão Brasileiro da Série C na final contra o Volta Redonda, 4 jogos mais tarde.

Pois bem, o regulamento da Série C de 1995, que contou com 107 equipes (sendo que praticante 80% das equipes jogou menos de 8 jogos e o campeão disputou 16 partidas) previa o acesso de 2 equipes para a Série B de 1996. Acontece que, ao se definir o regulamento e as equipes para disputarem a Série B de 1996, houve várias desistências, abrindo vaga para o 3º, 4º, 5º e 6º colocados da Série C, que acabou por incluir o Joinville-SC na Série B de 1996 (além de ABC, Atlético Goianiense e Gama). Isso mesmo: 4 equipes simplesmente desistiram de participar da Série B por razões econômicas!!! Série B!!!

O que isso quer dizer? Passados aproximadamente 10 anos desde 1996, a Série B se tornou um produto bom em meados da década de 2000. Hoje, quase 20 anos depois, é um produto consistente para equipes de médio-grande porte. A Série C, desde que foi implantado um novo formato de disputa em 2009 (com 20 clubes), vem ganhando espaço na mídia e está em um bom processo de crescimento. Esse processo de desenvolvimento até a sua efetiva consolidação tende a levar mais 5 ou 10 anos.

É isso que precisamos compreender ao propor inovações no calendário e no formato das competições: que nem todos os clubes terão condições de jogar em um sistema profissional (a constatação é dura, mas é real) e o desenvolvimento levará, naturalmente, bons anos para se consolidar – será preciso analisar todas as etapas para não haver atropelos e tampouco rupturas que desviem o foco.

E é lógico: com boa gestão, somado à qualidade do projeto, a tendência é que a curva de crescimento se acelere. O que não existe é o alcance de um “patamar ótimo” do dia para a noite. Não existe mágica… nem no futebol, nem em nenhum outro tipo de negócio no mundo!!! 

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Dunga paz e amor

Ele não foi tão mal na Seleção como amam detestá-lo os muitos críticos. Também não foi tão bem como adoram defendê-lo seus poucos defensores tão empedernidos quanto ele em campo e no banco.

Ele é mais do mesmo. Como é o vice que será presidente Marco Polo. Como é o presidente que será vice Marin. Dois que apreciam o estilo e conservador de Dunga. Pátria de chuteiras e de coturnos. Guarda pretoriana canarinho. Escola militar de organização pétrea. Disciplina além da conta. Liberdade vigiada. Vigilância privada. Segurança máxima. Fervor a ferro e fogo.

Não gosto do estilo. Mas respeito o homem e o profissional. Não seria o meu treinador. Prefiro Tite. A bola desta vez. Muito mais que o Dunga que já virou em campo um jogo mais pesado da Copa de 1990 para a de 1994. Mas que não me parece o treinador pronto para o que precisamos. Ele pode resgatar algo que o grupo de Felipão havia resgatado até ser rasgado no Minerazen. Ele sabe botar mais Brasil na camisa.

Mas o mais importante é colocar mais futebol brasileiro nas chuteiras. Não acho que é o cara certo.

Não me parece o treinador ideal. E mesmo o meu “ideal” ainda está longe do necessário.

Até por falta de muitas coisas que o treinador da Seleção não pode resolver. E nem sabe como fazer.

Ao menos começou bem o papo de Dunga no comando da Seleção. Mandou bem na humildade do primeiro pronunciamento ao dizer que ele errou no trato com a imprensa, que ele focou muito no desempenho em campo e que, agora, será mais, digamos, aberto a diálogo. Ou não tão fechado num casulo, num feudo.

Foi bem. E espero que a imprensa também dê um crédito a ele a esse respeito. Até por que a imprensa não ganha jogo. Mas pode perdê-lo. Um ambiente ruim como foi criado de lado a lado não ajuda o Brasil. Dar-se bem com a imprensa não importa tanto, como bem soube a Itália de 1982, campeã do mundo em greve com toda a stampa italiana.

Dunga pareceu sereno, tranquilo, na escala Dunga de humor, que vai de Dilma a doutor Enéas.

Não se aprofundou em nada, também por que não foram levantadas bolas nessa direção a ele. Mas deixou claro que não fará milagres. Não venderá sonhos. Irá aprimorar o coletivo. Disse que aprendeu algumas coisas com a Copa (sobretudo com a Alemanha). Falou muito da “inteligência calcis” (apertando o SAP do português para o italiano), ops, inteligência futebolística. Algo que ele conversou muito com o amigo “Enrico” (Arrigo) Sacchi.

Elogiou bastante o trabalho sem bola dos alemães, a marcação mais recuada atrás da pelota de muitas equipes na Copa, o comprometimento do artilheiro Muller na marcação, e o comprometimento do goleador Klose em prol do coletivo, não para quebrar o recorde individual de Copas.

Embora tenha dito que a “única” equipe que atuou ofensivamente com três na frente foi o Chile – que não foi, era um 3-4-1-2, no mais das vezes. A Alemanha que tanto ele gostou jogou, sim, no 4-3-3, embora com o meia Ozil como o homem pela esquerda e, por vezes, Muller pela direita (quando Klose assumiu o comando de ataque).

Dunga enfatizou a questão coletiva – ótimo -, não gosta tanto de malabarismos com a bola – faz parte -, mas, de fato, não falou – e a ele não foi perguntado – como fará com o time.

De bom, mesmo, é que não vai adotar o estilo terra arrasada. Vai aproveitar o que houve de bom em 2014. E vai trabalhar também a curto e médio prazo. Não adianta escalar agora o time para o pontapé inicial na Rússia, em 2018. É tempo de fazer uma transição segura e gradual.

Dunga também cutucou a questão do equilíbrio emocional da Seleção. Veladamente, mas tocou no assunto que pode e deve ser melhor tratado. Mas não com defesas de teses definitivas.

Enfim, mais do mesmo de Dunga e de entrevistas coletivas.

Ao trabalho, meus velhos.

 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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Curso intensivo de comunicação

O Brasil pagou caro por isso, mas recebeu neste ano a maior aula de comunicação da história do esporte nacional. Até o epílogo, período entre quarta-feira (16) e o último domingo (20), a Copa do Mundo descarregou no país uma série de lições que merecem ser deslindadas e que podem alicerçar mudanças paradigmáticas em âmbito nacional. Desde que sejam levadas a sério, é claro.

A primeira lição vem do próprio evento. A Copa do Mundo é feita para as marcas que a financiam. É uma festa popular, mas o foco essencial não é esse. Transmissões, estádios, entornos e eventos são projetados para satisfazer as marcas que se associam à competição. Conceitos como zona de restrição, área para ações de ativação, identidade visual, camarotes e setores corporativos estão no cerne do que a competição se transformou nos últimos 40 anos.

Quer entender o tamanho disso? Compare com as duas rodadas do Campeonato Brasileiro que foram realizadas depois da Copa do Mundo. Estádios que receberam partidas das duas competições serviram como exemplos do quanto é possível fazer muito com ações que parecem simples.

De quarta a domingo, ouvi ou li de pelo menos seis pessoas que “os estádios eram muito mais bonitos na Copa”, quando tinham identidade visual padronizada e envelopamento simples desenvolvido pela Fifa. Essa é apenas a parte mais perceptível, mas já escancara a diferença de tratamento das marcas.

Na Copa, patrocinadores tinham uma série de direitos exclusivos nos ambientes de jogos. O pacote de apoio ao evento não é baseado apenas em placas e inserções nas transmissões dos jogos, mas na experiência de quem vai ao estádio. E no Campeonato Brasileiro, quais são as marcas parceiras?

Outra lição de comunicação dada pela Copa é a isonomia. O tal “padrão Fifa” dos estádios tem uma razão de ser que influencia o jogo: gramados e ambientes similares criam um conceito de ambiente do evento. Basta olhar para saber que é um jogo de Mundial. Além disso, parâmetros como dimensões do campo e corte da grama servem para balizar um pouco o nível do jogo.

Aqui cabem parênteses: no início da década de 1990, a Premier League estabeleceu dimensões específicas para os gramados. A medida teve como principal foco o nível do jogo – a ideia foi criar campos mais estreitos e acelerar o toque de bola. O impacto disso no ritmo das partidas foi tão imediato quanto evidente.

Ainda sobre a Copa, o público que visitou o Brasil também deu lições de comunicação. A mais gritante é que consumidores apaixonados não precisam de uma experiência perfeita, mas de uma experiência marcante. Dê ao público algo inesquecível.

Essa noção foi clara em qualquer conversa com turistas ou profissionais de serviços. O Brasil não estava preparado para a Copa e não fez um evento tecnicamente perfeito, mas compensou com duas coisas: recepção calorosa e histórias marcantes. As festas, os ambientes, a troca de experiências… Todo mundo que participou terá algo para lembrar durante muito tempo.

Outra história ilustrativa: conheci em Cuiabá (MT) um turista japonês que veio ao Brasil apenas para ver a primeira fase da Copa. Perguntei se havia passado por alguma situação embaraçosa ou constrangedora no país, e ele relatou o seguinte: “Não tinha onde dormir em Recife e resolvi passar a noite no aeroporto. Quando acordei, alguém tinha levado minha mala com tudo que eu tinha. Fiquei sem documentos, ingressos, dinheiro ou roupas. Só consegui sobreviver no país porque um funcionário do aeroporto falava um pouco de japonês e me deu comida e R$ 20. Nos dias seguintes, muita gente me ajudou”. Em seguida, perguntei quantas Copas ele já havia presenciado e qual tinha sido a melhor. “Estive nos últimos quatro Mundiais, e este é o melhor. Eu amo este lugar”, respondeu o japonês sem roupas, documentos ou dinheiro.

Mas as maiores lições de comunicação que a Copa de 2014 ofereceu vieram de lugares improváveis: as seleções. Houve tantos exemplos que o torneio pode ser considerado como um curso intensivo.

– Miguel Herrera, técnico do México: é impossível que você tenha acompanhado a Copa sem notar o carisma do treinador. Ele assumiu a seleção em situação delicada no hexagonal final das Eliminatórias da Concacaf. O México correu risco de perder vaga para o Panamá, mas conseguiu classificação ao Mundial após vencer uma repescagem contra a Nova Zelândia e se tornou personagem. Com “selfies” em redes sociais, declarações divertidas e reações exacerbadas na beira do campo, o comandante Herrera simbolizou tudo isso.

– Van Persie: o capitão da Holanda não fez uma Copa acima de qualquer crítica, mas mostrou o quanto a inovação pode abastecer a comunicação. Logo no primeiro jogo, completou de cabeça um passe do lateral Blind e marcou o primeiro gol da seleção laranja no Mundial (abrindo caminho para uma vitória por 5 a 1 sobre a Espanha, de virada). O lance acrobático (ele se jogou na direção da bola e ainda encobriu o goleiro Casillas) criou uma reação em redes sociais. Fãs publicaram imagens em que apareciam deitados no chão, numa pose que foi batizada de “persieing”. A finalização foi tão inusitada que virou uma marca.

– Grécia e Suíça: uma das maiores dificuldades de comunicação é lutar contra conceitos estabelecidos. Nos estádios, em redes sociais e até em parte da mídia, Grécia e Suíça eram times “com defesas sólidas e ataques pouco eficientes”, estereótipos moldados por seleções da década passada (a Grécia campeã europeia de 2004 e a Suíça que não levou gols na Copa de 2006). E aí, não bastou a ambas a adoção de um modelo mais ofensivo; foi preciso reafirmar isso em entrevistas, por exemplo. Foi comum ver jogadores e membros de comissões técnicas das duas seleções dizendo que não eram mais os times que estavam na memória dos brasileiros.

– Sul-Americanos: a Copa serviu para mostrar que não há continente tão emocionalmente ligado ao evento quanto a América do Sul. As torcidas sul-americanas foram episódios no evento – independentemente da sede, foram responsáveis por dar vida e um colorido diferente. O Mundial teve festas enormes em outras edições (2006, por exemplo), mas eram apenas festas. Os sul-americanos mostraram um envolvimento incrível. Essa é a relação que qualquer marca deseja ter.

São apenas bons exemplos do quanto a Copa de 2014 ensinou sobre comunicação. Os dois maiores casos, contudo, foram a campeã Alemanha e o Brasil, país-sede do evento.

A Alemanha ensinou demais sobre projeto e organização. O tí
tulo conquistado em 2014 é reflexo de uma reestruturação que o país começou a fazer no fim da década de 1990 e que envolveu todas as esferas do futebol nacional (clubes, campeonatos, centros de formação e a própria seleção). Foram três semifinais consecutivas em Mundiais (2002, 2006 e 2010) antes de erguer a taça no Brasil. Sequência de trabalho, evolução gradual e noção de longo prazo.

No entanto, a maior lição que a Alemanha ofereceu sobre comunicação foi dada fora de campo. A seleção europeia decidiu se concentrar em Santa Cruz Cabrália, na Bahia, e construiu um espaço para isso. O aparato teve a condição ideal para unir trabalho reservado e interação com o público.

E por que a interação foi tão relevante? Porque é um projeto enorme que a Alemanha desenvolve há anos, e o futebol é apenas uma parte. O mote da Copa de 2006 foi “vamos fazer amigos”, e o país trabalha há tempos a ideia de que tem estrutura, mas também conta com um povo capaz de receber bem e ser alegre.

É lógico que o perfil dos jogadores conta e que manifestações como Neuer e Schweinsteiger cantando o hino do Bahia não foram combinadas, mas essa descontração fora do ambiente de trabalho é algo que tem tudo a ver com o projeto do país. A Alemanha tem se esforçado para construir uma imagem de país receptivo, e nada melhor do que deixar essa marca num país conhecido mundialmente exatamente por esse traço.

E aí chegamos ao Brasil. O time da casa deu algumas lições de comunicação durante a Copa, e é importante que isso seja pontuado:

– Nem todo mundo sabe lidar com pressão: O ambiente jogou enorme responsabilidade nas costas dos jogadores. A comissão técnica não fez grande esforço para amenizar isso. As reações exageradas, como choro no hino nacional, em comemorações de gol e até em disputas de pênaltis, têm relação direta com isso. O que está em discussão aqui não é o choro ou o quanto isso pode ser prejudicial, mas o que isso revela. Havia uma pressão enorme sobre os atletas, e nem todo mundo consegue lidar com isso sem exteriorizar.

– Valorize todas as peças: Em uma equipe, o protagonista deve ser preparado para resolver. Tratá-lo como salvador e única esperança diminui o potencial de ação de outras peças, e o que o Brasil fez com Neymar depois que o camisa 10 sofreu fratura em uma vértebra é um exemplo perfeito de como não lidar com um talento dominante.

– Entenda o contexto: O Brasil decidiu atacar a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo porque é um time grande, jogava em casa e teria apoio da torcida para fazer uma blitz inicial no duelo. Perdeu por 7 a 1 e viu a importância de se colocar em um contexto. Opções não são simplesmente boas ou ruins, mas adequadas ou inadequadas. Nesse caso, por exemplo, o técnico Luiz Felipe Scolari ignorou tudo que havia acontecido nos jogos anteriores da equipe germânica no Mundial.

– Saiba que tipo de mensagem você quer transmitir: Afinal, o que o Brasil queria “vender” na Copa? É claro que o objetivo do país era o título, mas de que modo? Qual era a aposta para isso? Nenhuma dessas perguntas foi bem respondida durante o Mundial. A Alemanha tinha um projeto pronto (de jogo e de comportamento). O Brasil não passou sequer perto disso.

– Derrotas contundentes merecem reações contundentes: Não finja que erros não aconteceram. É possível absolver pessoas, mas é impossível esconder do público todas as falhas de um projeto. E se as falhas forem muito gritantes, como aconteceu com a seleção na Copa de 2014, reaja de forma enfática. Dê ao público uma nova razão para acreditar. E aí a seleção brasileira terminou ainda pior o Mundial: independentemente do próximo técnico ou do futuro imediato da equipe nacional, o fato é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) reagiu mal e de forma pouco enfática à maior derrota da história da equipe nacional.

Há vários outros exemplos e várias outras lições de comunicação na Copa de 2014. Foi um mês de aprendizado intensivo para quem acompanhou o desenrolar do evento. Tudo isso ficou ainda mais claro com o retorno do Campeonato Brasileiro, dos estádios vazios e das crises de significados. Afinal, que história o nosso futebol conta?
 

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Carta Aberta à presidente Dilma

Começo esta carta externando meu respeito a Vossa Excelência, presidenta de meu país, e à sua história de vida. Diferentemente do que possa aparentar estas linhas, estarei votando na senhora nas eleições de outubro próximo, repetindo gesto realizado em 2010.

Não! Não estou satisfeito com todas as decisões tomadas pelo seu governo, mas tenho clareza de ser o PT – partido ao qual sou filiado desde 1988 -, no atual contexto político brasileiro, aquele capaz de continuar desenvolvendo esforços para minimizar as desigualdades sociais que nos assolam desde sempre…

Poderia aqui continuar seguindo nessa direção, detalhando pari passu os inúmeros equívocos cometidos pelo governo presidido pela senhora, mas não é isso que me proponho fazer aqui e sim me deter em apenas uma das políticas sociais que, a meu juízo, deve ser merecedora de sua especial atenção em seu próximo mandato.

Refiro-me à Política Esportiva.

Faço isso no entendimento de não podermos deixar passar a oportunidade da recente Copa do Mundo de Futebol – e o insucesso de nosso selecionado -, de enfrentarmos de frente as mazelas que afetam essa política setorial não de hoje e nem tampouco a partir de 2003 com a chegada de Lula à presidência do país. Quem as atribui ao governo petista ou age de má fé ou é ignorante da história da política esportiva brasileira.

Também não me limitarei ao futebol, mesmo sabendo ser ele para nós muito mais do que uma questão de vida ou morte… Fato é presidenta, que nesses últimos 12 anos se perdeu rica oportunidade de desenvolvimento de política esportiva que fizesse jus ao nome.Até que o início em 2003 foi alvissareiro…

O Plano Pluri Anual de Governo (2004/07) explicitava equilíbrio orçamentário entre os Programas, reservando lugar de relevo aos projetos sociais esportivos. O documento aprovado pelo Conselho Nacional de Esporte em 2005, autodenominado Política Nacional de Esporte, trazia em seu bojo avanços significativos no entendimento do papel do poder público em relação ao Esporte. As duas primeiras Conferências Nacionais de Esporte, respectivamente intituladas Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano (2004) e Construindo o Sistema Nacional de Esporte e Lazer (2006), davam mostras que o verdadeiramente “novo” estava sendo gestado…

Mas tudo não passou de ilusão… O documento da Política Nacional de Esporte, em sua essência, não chegou a sair do papel. Até hoje frequenta a página virtual do Ministério do Esporte, como que avivando nossa lembrança do que ela poderia ter sido…

O Conselho Nacional de Esporte expressou sua subserviência ao se submeter, docilmente, ao lugar de tabelião das decisões ministeriais, carimbando-as quando solicitado.

As Conferências derramaram um balde de água fria na esperança daqueles que acreditaram que de suas deliberações sairiam o norte da política esportiva. Não só as viram ignoradas como também presenciaram sua terceira versão (2010) ir no sentido contrário a tudo o que até então havia sido motivo de construção coletiva, explicitando o total comprometimento do governo com os anseios do setor conservador do campo esportivo… Plano Decenal do Esporte e Lazer: 10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais, seu tema central, quase único, refletiu acima de tudo a infeliz coincidência de interesses dos defensores da visão liberal de “cidade empresarial” – para os quais os megaeventos (não só) esportivos eram e são um prato cheio – e os interesses da carcomida “elite esportiva”…

Diante desses fatos, Senhora Presidenta, sugiro a extinção do Ministério do Esporte.

Saiba de antemão que não vai ser fácil fazê-lo, porque contra essa medida se juntarão as forças conservadoras (não só) do campo esportivo brasileiro, nele – assim como também em outras esferas de nossa vida pública – hegemônicas. Sim! Também no interior de nosso Partido encontrará resistência…

Não! Não defendo tal medida por conta do acontecido na recente Copa Fifa aqui realizada. Apenas peço, em contrapartida, que não se deixe enganar pela forma festiva e entusiasmada pela qual ela foi recebida e tratada pelos que aqui estiveram, pois esse crédito precisa ser atribuído a quem de direito, nosso povo.

Defendo sua extinção pelo conjunto da obra…

Vou mais além… Defendo a extinção do Ministério do Esporte por vê-lo como desnecessário em um cenário político que vê no Esporte, não a prática social reconhecida como direito social na letra – infelizmente ignorada – de nossa Carta Constitucional, mas sim como produto/mercadoria altamente rentável, com forte impacto em nosso PIB em razão da força de sua cadeia produtiva.

E não só isso, mas também pela ciência de que seu forte apelo popular é permissionário de ações governamentais centradas no conceito de cidades empresariais, acima já mencionado, articulador dos megaeventos como a Copa do Mundo que acabamos de presenciar e com o qual, com as olimpíadas de verão em futuro próximo, continuaremos a nos deparar, abrindo brechas para fazer de nosso aparato legal de ordenamento da vida nas cidades, tal qual o Estatuto da Cidade se caracteriza, exceção à regra.

Nesse sentido, proponho que a senhora desloque tal política para o, digamos… Ministério dos “Grandes Negócios”. Tenho esperança que assim procedendo, as entidades de administração e prática esportivas deixarão, pelo menos, de ser aquilo em certo momento chamado de “feudos esportivos” voltados à “pequena” política. Já a esperança de que o interesse público prevaleça sobre o privado, dentro da lógica enunciada, não a tenho…

Em relação aos Programas Orçamentários de natureza social, materializados nos comumentemente chamados projetos sociais esportivos, sugiro que os coloque sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sim, porque penso que se faz necessário acrescentar à cesta do Programa Bolsa Família produtos que venha alimentar a formação humana dos brasileiros, ampliando e qualificando o conceito de inclusão social hoje presente. Afinal os Titãs já cantavam “que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”…

Nesse particular, estava propenso a sugerir que os recursos do Ministério do Esporte alocados nos seus projetos sociais esportivos fossem canalizados para o de sua “nova casa”, mas ao me lembrar do volume orçamentário a eles destinados ao longo desses anos, entendi por bem me calar por tão irrisórios, insignificantes e desrespeitosos que foram e são.

Resta falar do chamado Esporte Educacional, aquele presente nas instituições de educação brasileiras. Desculpe-me a obviedade do que aqui defendo, mas entendo que deva caber a elas, institui&ccedil
;ões de educação básica e superior, estabelecerem políticas definidoras de como o Esporte – seja na ótica do conhecimento, na de rendimento/performance ou na perspectiva de fruição no tempo livre de trabalho -, deva compartilhar de seus objetivos institucionais. Com esse proceder, minimizaríamos o risco de ver a presença do Esporte nessas instituições submetida aos objetivos da instituição esportiva e não aos delas, configurativo do quadro exaustivamente denunciado do Esporte Na Escola e não do almejado Esporte Da Escola.

Ao me despedir, sei que a Senhora ficaria satisfeita se os problemas que terá que continuar a enfrentar se limitassem ao terreno aqui enunciado. Sei da envergadura dos desafios que enfrenta e continuará enfrentando na condição de presidenta do Brasil. Peço apenas que não descure destes aqui relatado.

Respeitosamente,

Lino Castellani Filho

Brasileiro

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A derrota para a Alemanha, a gestão e o direito desportivo

A derrota por sonoros sete gols para a Alemanha nas semifinais da Copa do Mundos trouxe à tona a necessidade de mudanças.

É importante destacar que a campanha da Seleção na Copa não foi trágica. A equipe chegou entre os quatro primeiros após doze anos. A tragédia se deu na partida contra a Alemanha.

O primeiro ponto a ser observado diz respeito a uma preparação dos técnicos brasileiros a fim de que compatibilizem-se com as formas e táticas mais modernas. Por exemplo, há treinadores argentinos e chilenos em grandes clubes europeus, mas não há brasileiros.

Os jovens jogadores também devem ser melhor observados, eis que, invariavelmente um jovem jogador nascido no Brasil desponta na Europa e acaba se naturalizando em outro país. A isso, soma-se a necessidade de se integrar as Seleções de base com a Seleção principal.

Entretanto, no sistema brasileiro, a formação dos atletas se dá nos clubes, ou seja, qualquer reformulação passa, necessariamente, por um incentivo no investimento dos jovens jogadores.

Ocorre que a legislação brasileira desestimula a manutenção de categorias inferiores há quatorze anos, já que as garantias do clube formador são bastante restritas, eis que nesse período não há contrato de trabalho e atleta, após os dezesseis anos pode assinar contrato de trabalho com qualquer clube. Nesse caso, o Clube formador teria direito a uma indenização.

Tal sistema desestimula os grandes clubes a formarem jogadores para o seu plantel e estimula a criação de clubes de empresários criados exclusivamente para obtenção de lucros.

Historicamente, os grandes atletas como Pelé, Zico, Garrincha, Reinaldo e Tostão foram formados por clubes que queriam tê-los atuando e ganhando títulos e não de forma “caça-níquel”.

Diante disso, é imprescindível que a Legislação Desportiva, diante das peculiaridades da atividade de atleta profissional, incentive os grandes Clubes a investirem nas categorias de base que envolvam crianças e adolescentes, pois, este é o celeiro dos grandes craques. 

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Fracasso e o recomeço

Fim do mundial de futebol e os atletas que participaram da competição e tiveram um desempenho muito abaixo do esperado, como os jogadores da seleção brasileira, passam pelo difícil momento do recomeço. O que fazer agora? Por onde recomeçar e continuar a carreira que os levaram as suas seleções?

Essas e outras questões ficam na mente dos atletas e muitas vezes a ausência das respostas fazem com que os atletas fiquem deprimidos e alguns ocasionalmente demorem demasiadamente para retomarem seus melhores desempenhos em seus clubes de origem.

O atleta devem relembrar que um desempenho ruim numa competição importante não representa a totalidade de sua carreira, pois se ele chegou a participar desta é porque seu desempenho até o exato momento anterior a ela era de altíssimo nível, o que justificou sua convocação para representar a seleção do seu país.

Cabe então falarmos brevemente sobre a nossa compreensão de carreira, seja ela esportiva ou não, e para isso Mariá Giuliese nos fornece uma abordagem sobre desenvolvimento de carreira.

“A construção de uma carreira se dá por meio de movimentos ondulatórios, de idas e vindas, e envolve períodos de luz e sombras. Nesse processo, ora ocorrem grandes mudanças e descobertas, ora paralisia e escuridão. Imaginar que desde o início da vida profissional é possível determinar como ela será, quais caminhos deverão ser percorridos e aonde se quer chegar é negar que, na realidade, tudo se modifica ao longo do tempo – as pessoas, as situações, as necessidades e os próprios sonhos. Portanto, a carreira precisa ser analisada de tempos em tempos, de modo a permitir a reavaliação da própria trajetória. A carreira se constrói enquanto caminhamos, e quanto melhor nos parecer o terreno, os guias que encontrarmos ao longo do percurso, nossa capacidade de aprender com as nossas experiências e nossa criatividade, melhor se tornará sua estruturação.” (Giuliese, 2011)

A partia desta reflexão precisamos compreender que numa carreira, como na vida, há espaço para erros, acertos, repetições por falta de entendimento e movimentos que têm começo, meio e fim, mas que não se encerram em si próprios; pelo contrário, originam novos e mais amplos movimentos de avanço e retrocesso.

Por este motivo, os atletas que se encontram num período de “escuridão” precisam aproveitar este momento para revisarem sua carreira e promoverem reflexões sobre os novos rumos, elaborar novas metas que os levarão para uma nova rota de sucesso, resgatando assim os seus melhores desempenhos profissionais ou até em alguns casos conseguindo superar esta referência de desempenho nesta nova etapa de sua carreira.

Para isso, uma boa sugestão para estes atletas é utilizar os serviços de um Coach e implementar o BSCP© (Balanced Score Card Pessoal) de Hubert Rampersad. O BCSPessoal identifica-se como uma nota pessoal com base na autoanálise. A mudança no processo de pensamento e no raciocínio, formadora da base, tem o sentido de preparar o atleta para a ação e para o envolvimento interno em seu trabalho, com resolução, paixão e energia.

Ao elaborar seu próprio BCSP, o atleta coloca um espelho a sua frente, e com base nas ideias adquiridas, torna-se mais proativo, seguro de si e aprenderá com maior rapidez, além de ganhar em inteligência. O BCSP é extremamente valioso nestes momentos pois ele aborda a missão e visão pessoal, os papéis-chave, os fatores críticos de sucesso, os objetivos, os indicadores de desempenho, as metas e iniciativas de melhoria.

Com este apoio o atleta conseguirá resgatar seu alto desempenho e superar as adversidades que um eventual fracasso possa trazer para sua carreira.

E você, o que acha?

Até a próxima! 

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O Futebol na Sociedade Pós-Capitalista ou a vitória da Alemanha

A reflexão é uma atitude afastada do mundo do futebol. Tudo, nele, é um apelo ao mais ardente sentimentalismo, posto ao serviço de objetivos menores de apologia ou denegrimento. Ora, findo que foi o Mundial de Futebol, chegou a altura de deixarmos de lado aquela fase dogmática-autoritária em que tudo o que há a dizer sobre o futebol já foi dito, ou que há uma “via régia crítica” que só os antigos praticantes podem trilhar e façamos no futebol o que entrou de fazer-se nas outras áreas do conhecimento: a interdisciplinaridade entre a teoria e a prática! Desde 1977, quando publiquei o meu livrinho A Prática e a Educação Física, venho afirmando que “quem só teoriza não sabe e quem só pratica repete”. Isto, no intuito de ligar duas noções que, nesses anos já defuntos, pareciam inconciliáveis, no desporto: a teoria e a prática. Quando, dezanove anos depois, li e estudei La Fin des Certitudes (O Fim das Certezas), de Prigogine, retomei a ideia-mestra que são as incertezas da teoria, ou seja, da reflexão sobre a prática, que antecipam uma prática nova. A prática e a reflexão sobre a prática (a teoria) ou se unem indissoluvelmente, ou não há progresso. É preciso de facto integrar, no mesmo todo, as certezas e as incertezas, a teoria e a prática, o abstrato e o concreto. Como ensina Edgar Morin: no pensamento científico, o investigador navega num oceano de incertezas, por entre ilhéus e arquipélagos de certezas. Procuremos então um corte, uma rutura, em relação às nossas rotinas interpretativas, dado que, como já o disse Heidegger, pensar consiste em repensar o já pensado, para pensar o ainda não pensado…

Cito de cor meia dúzia de palavras extraídas do Quod Nihil Scitur de Francisco Sanches: “É fácil portanto ver quão estultos são os que, desprezando a observação das coisas, vão buscar toda a ciência aos autores”. Já um intelectual dos séculos XV e XVI (intelectual notável, percursor de Descartes) ridicularizava um saber meramente livresco, teórico tão-só. Só que na Sociedade Pós-Capitalista (Peter F. Ducker), que é a nossa, o capital e o trabalho baseiam-se no conhecimento. E conhecer é transcender a dicotomia teoria-prática e, com elas, tentar uma síntese que nos conduza a um conhecimento novo. Por isso, um treinador de futebol (ou de qualquer outra modalidade), hoje, mais do que um gestor de recursos humanos, é o responsável pelo desempenho e aplicação de um determinado conhecimento – que nâo é só teoria mas, sem a reflexão teórica, não evolui. No desporto, como na medicina, ou no direito, ou na engenharia, ou na física, ou na química, etc., etc. , o conhecimento há-de ser praticamente eficaz. No alto rendimento, o conhecimento manifesta-se nos resultados. Mas, sem conhecimento, devidamente organizado, as vitórias não acontecem. Foi esta, salvo melhor opinião, a grande lição dos alemães, neste Mundial do Brasil. E, por isso, venceram. Eles foram uma equipa de futebol, entre um conhecimento que morre e outro que nasce, que jogaram futebol, com o saber atualizado da Sociedade Pós-Capitalista ou Sociedade do Conhecimento ou ainda Sociedade das Organizações. Do que venho de escrever poderá inferir-se que há muito “agente do futebol” que está a mais no futebol, pela sua sujeição absoluta ao que era novidade… há 50 anos atrás!

Quando perguntaram a Joachim Low, nos primeiros dias de 2014, se o Sami Khedira, lesionado com gravidade, em 15 de Novembro de 2013, após uma disputa de bola com o Andrea Pirlo, poderia jogar, respondeu, com naturalidade: “É provável. Só tenho uma certeza, ele faz muita falta à equipe”. E o jornalista insistiu: “Mesmo sem o Khedira espera ganhar o Mundial?”. Lacônico, proferiu a mesma palavra: “É provável”. Prigogine acentuou, em 19 de Setembro de 1998, na Universidade Livre de Bruxelas: “Estamos a caminhar de um mundo de certezas para um mundo de probabilidades (…). E assim voltamos a dar valor à noção de… valor. Num mundo determinado e determinista, não há valor” (in Arnaud Spire, La pensée Prigogine, Desclée de Brower, p. 173). O valor, no alto rendimento, supõe conhecimento, organização e trabalho especializado. É a organização e o trabalho especializado que dão, de fato, eficácia aos conhecimentos. O conhecimentos, como teoria que são, não transformam. Os conhecimentos transformam, quando a organização e o trabalho os materializam. Quando um jornalista insistiu na questão: qual o segredo da vitória? Joachim Low desfez assim as dúvidas: “Dez anos de trabalho!” Poderia ter respondido: “Dez anos de estudo, de organização e de trabalho especializado!”. Passo a palavra a Peter F. Drucker: “Porque a organização moderna é uma organização de especialistas do conhecimento, ela tem de ser uma organização de iguais, de colegas, de sócios. Nenhum está colocado mais acima do que um outro” (Sociedade Pós-Capitalista, Atual, Lisboa, 2013, p. 68). De facto, numa equipa, “eu sou um de nós”. Como a seleção alemã que, sem Messis, Ronaldos ou Neymares, ganhou o Mundial que findou, há poucas horas…

Fico atônito ao verificar que a esmagadora maioria dos nossos treinadores, nem lê, nem sabe o que há-de ler. Servem-lhes um “chá requentado” de autores que dizem o que toda a gente sabe e o treinador perde paulatinamente a vontade de conhecer os autores que verdadeiramente fundam o conhecimento. E entre os autores que fundam o conhecimento de um treinador de futebol não há nenhum daqueles que já vos aconselharam! Com toda a certeza, meus caros treinadores de futebol! Os meus amigos já leram o Peter Drucker, o pai da gestão atual? Só com “Avé-Marias” a Nossa Senhora de Fátima não chegaremos aos cumes que, de longe, contemplamos. O Sr. Scolari provou-o para convencer os incrédulos. E tendo à sua disposição alguns dos melhores jogadores do mundo. Há duzentos, em números redondos, treinadores portugueses a trabalhar, rodeados de sucesso e de admiradores, por esse mundo além. Mas serão expoentes de uma época, se estudarem mais e pensarem melhor. Perguntem ao Doutor Eduardo Barroso, prestigiado médico-cirurgião doublé de amante do futebol, as “causas das causas” do valor incontroverso da sua prática científica. A resposta será esta, com as mesmas ou outras palavras (se eu me enganar, tenho a certeza que ele me telefona, porque serei sempre seu discípulo, nesta matéria): “Uma prática incessante, uma informação cuidada e muito estudo”. Na teorização do conhecimento científico, há prática, em primeiro lugar, e depois informação cuidada e um estudo sem domingos.

Mas.., qual informação? Para já, comecem por ler dois livros: A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas K
uhn e a Sociedade Pós-Capitalista de Peter Drucker. Depois, indicar-vos-ei o Edgar Morin e o Ilya Prigogine. “Mas (já estou a ouvir a graçolarem comigo) o que é que essas leituras têm a ver com o futebol?”. Amigos, eu nunca ensinei o WM, nem o 4-2-4, nem o 4-3-3, nem o 3-5-2, nem o 4-4-2, nem o 4-2-3-1. Eu nunca ensinei futebol. Eu procuro (com todas as minhas limitações) ensinar a pensar o futebol. O que é coisa despicienda… principalmente para os que não sabem pensar! Guardo comigo uma carta de José Maria Pedroto, que me foi dirigida, quando já se vislumbrava o seu passamento (23-1-84): “Caro PROFESSOR. É a primeira vez na vida que conscientemente escrevo esta palavra – professor- em letras grandes. É para si”. Por essa altura, o Sr. Pedroto lia o Gabriel Garcia Marquez e eu aconselhava-lhe a leitura de Gaston Bachelard. Não me sinto livre perante a verdade. É a minha consciência moral que me obriga a que diga, sem receios, que a “revolução”, levada a cabo, unicamente (sem a intromissão de mais ninguém) pelo saber de José Maria Pedroto e pela argúcia de Pinto da Costa, no F.C.Porto, teve um radical fundante: o conhecimento! Nunca fui “portista”. A minha admiração pela dupla Pinto da Costa-José Maria Pedroto nasce na subordinação àqueles valores, sem os quais eu penso ser impossível viver humanamente. E peço desculpa se desta vez irrompeu da minha prosa algum assomo de vaidade…
 

*Manuel Sérgio é antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

 

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Calma, calma. muita calma!!!

A “ressaca” pós-Copa nos deixa uma série de reflexões e projeções para o futebol brasileiro. E não é só a derrota de 7 a 1 para a agora tetracampeã mundial Alemanha ou os 3 a 0 sofrido diante da Holanda na disputa de 3º lugar. É o conjunto da obra do futebol brasileiro, que vem desde os projetos de formação de atletas, passando pelos clubes até chegar na ponta, que é a Seleção Brasileira.

Vi muita coisa sendo falada, desde “especialistas em generalidades das redes sociais” (a ironia é válida, pois tem muito “gênio” navegando na internet, cheio de razão, sem o mínimo de conteúdo analítico sobre o que é gestão do esporte e o que significa “futebol brasileiro”) até “grandes especialistas da crônica esportiva brasileira” (aqui, sem ironia!!!). Todos tentando apresentar fórmulas mágicas de sucesso, tendo como referência a Alemanha, que se tornou, merecidamente, o exemplo e o modelo global de gestão do futebol.

O fato é que o Brasil precisa encontrar seu modelo. Somos um país diferente em todos os aspectos, inclusive na organização política, econômica, social e cultural, que afetam diretamente na forma de gestão, operação e planejamento do futebol como um todo. E existem boas ideias para isso!!!

A intervenção estatal, como sugeriu o Ministro do Esporte Aldo Rebelo, causa arrepios. Não é esse o caminho. A CBF é e deve permanecer como entidade independente. Cabe ao Estado, se assim desejar, promover mecanismos para regulação fiscal e jurídica, mas jamais técnica-administrativa. Jamais.

Gostem ou não, a Seleção Brasileira é a Seleção da CBF sim, única entidade reconhecida como de administração do futebol no país pela entidade máxima do futebol, que, também, gostem ou não, é a FIFA. Este é o sistema esportivo formal e ponto final.

Mas como mudar o atual estágio de depreciação do futebol brasileiro? Tenho plena convicção que não é na força, mas sim na forma. Existem boas soluções para o desenvolvimento e o resgate do futebol brasileiro – elas já foram largamente apresentadas por bons especialistas da área, mas, às vezes, a forma de o fazer, não contribui para a aplicação mudança.

O que precisamos a partir de agora é o alinhamento tanto dos interesses técnicos (gestão, formação de atletas, clubes, competições, seleção etc.) quanto dos interesses políticos em relação à entidade de administração do futebol. Não adianta uma imposição de conceitos de lados opostos, que significa choque e, consequentemente, ineficiência ou mera estagnação. É preciso criar as sinergias que melhor se adaptem à realidade, tendo uma lógica mínima de planejamento.

Para compreender este último parágrafo, vamos a um exemplo recente: a saída de Mano Menezes do comando da Seleção Brasileira no início de 2013 foi o claro exemplo de choque ideológico entre o ambiente político com o técnico-esportivo. Mano Menezes, na minha percepção, vinha fazendo um bom trabalho (comentei isso à época com meus pares), que não necessariamente representaria conquista do hexa em 2014, mas significava uma reformulação do elenco que vinha se construindo ao longo dos últimos dois anos e meio. A mudança, pressionada pela opinião pública e por razões políticas, transformou completamente a filosofia de trabalho na Seleção, incluindo aí as seleções de base. O resultado é que saímos derrotados na Copa de 2014 e tendo que começar novamente do zero, rumo a 2018.

Quando o título desta coluna clama por “calma”, significa dizer que devemos ter sim paciência e sabedoria para compreender que as coisas no futebol não se transformam em um piscar de olhos. O tão sonhado resgate do futebol brasileiro irá demorar pelo menos uma década, com resultados conquistados no final deste processo, se todas as etapas forem bem construídas, sem atropelos.

E isso implicará em possíveis derrotas em duas ou mais Copas, sem necessariamente achar-se que os rumos estão sendo conduzidos de maneira equivocada. E se, por acaso, uma conquista vier logo na Rússia ou na Copa seguinte em 2026, também não significará a redenção completa. O caminho permanecerá longo e cheio de surpresas!!! Precisamos trabalhar, com consciência e… CALMA!!! 

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Prêmio Fair-Pai

Cheguei em casa hoje e vi enfim meu mais velho, que desde 29 de junho não beijava.

Não é como foi na volta da Copa de 2006, quando não o reconheci quando cheguei ao saguão do aeroporto. Com sete anos, naquela idade em que começam a crescer a cada 15 minutos, não reconheci aquele molecão que vira toda a Copa junto com o caçula.

Em 40 dias, o meu Luca pirara com o Mundial da Alemanha. Não apenas pelo que vira em campo. Também pelo que começara a jogar bem como goleiro. Foi o número um da escola. Do clube. Treinou na escola do Zetti de goleiros. Até ter um problema no joelho que o tirou das traves mais que a fratura em dois ossos do braço direito enquanto treinava na véspera de ganhar troféu como melhor goleiro do campeonato interno do Pinheiros. Prêmio que eu recebi por ele enquanto ele estava sendo operado no São Luiz.

Luca queria ir pro jogo mesmo assim. Hoje, o skate e outras artes ocupam mais os sonhos do meu mais velho. Ele viu pouco a Copa que eu vi toda. E via em cada lance um pouco dele e do caçula Gabriel que me acompanhou nos últimos dias de Mundial, no Rio. E que acompanhou toda a Copa o tempo todo.

Vi como todos os pais o choro de outro Luka, de 6 anos, em Itaquera. Quando ele viu o pai Robben perder nos pênaltis para a Argentina a vaga na final. Meu Luca teve uma desilusão com a Seleção de 2006 que ele ainda não recuperou. Acontece. Talvez até não volte mais. Faz parte.

Como o choro sem parar do Luka Robben no colo da mãe em Itaquera. O pai Arjen não conseguiu mais uma vez ser campeão do mundo. Mas uma vez mais ele foi muito. Foi um dos melhores da Copa. Talvez até o melhor, junto com Rodríguez e Neuer.

Além do golaço de placa de James no Maracanã, e da defesa de placa de Neuer no tiro de Benzema no mesmo palco sagrado, outra imagem emplacada é o choro do pequeno Luka.

Quando o filho viu o pai não ganhar um jogo – mas não o perder. A Holanda foi pela primeira vez invicta numa Copa. Perdeu nos pênaltis para os argentinos. Em 2010, Luka tinha dois anos. Não viu o pai perder o mundo na frente de Casillas. Em 2014, pela bola que jogou o pai, ele e o planeta podiam achar que não havia como parar o velho. O Robben tão bom e tão pilhado que, quando acabou o hino holandês em São Paulo, antes da partida, ele ficou pulando como canguru. O único. Toda a Holanda perfilada, e Robben pilhando todo o estádio.

Quando acabou o jogo, o camisa 11 tentou consolar o filho. Não deu. Mas deu uma cena que se repetiu durante toda a Copa. E vai se repetir pela vida. Eterna. Para ele e para todos os pais e filhos.

Como a história citada no post anterior. Podolski defendendo pênaltis do filho de seis anos no Maracanã, mais de uma hora depois do final da decisão contra a mesma Argentina. A torcida alemã ainda presente no estádio aplaudindo o Podolskinho que leva jeito para coisa. Chutando as bolas que Podolskão defendeu enquanto era “vaiado” pelos novos torcedores tetracampeões mundiais.

Louis Gabriel é o nome dele. Gabriel como o meu filho. Como o meu caçula, ele também bate pênaltis. Joga na linha. E Podolski, como eu, se vira para defender os chutes do filho.

Como Neymar pai tanto ensinou o Jr a bater na bola em Praia Grande e outras areias e terras. Como o pai de Willian ia depois do almoço de domingo defender os chutes do filho num campinho em Ribeirão Pires. Imaginando estar numa final de Copa no Maracanã. E Podolski pai pôde dar esse delírio ao filho.

Como tantos pais de boleiros tanto ensinaram os filhos. Ou, ainda melhor: não precisaram dar um peteleco nos pés do filho para ensinar onde bater na bola, como fazia o pai de Neymar. Muitos pais não fizeram isso por não saber onde bater direito na bola, onde ficar dentro da meta.

Não fizeram por não saber. Por não serem craques de bola.

Mas eles não sabem mesmo que o importante não é saber driblar como Robben. Não é ser campeão de campo e de simpatia como Podolski, que deu aulas de como se comportar fora de campo.

O importante é ser um pai presente para ensinar a perder como Robben. Importa é também saber ganhar como Podolski e ainda se divertir com o filho. Brincando sério sem dar pelota e colher de chá ao moleque.

É assim que se educa.

É assim que se ganha um amigo.

É assim que se vive.

Luka Robben, você é tão campeão quanto Louis Gabriel Podolski.

Arjen e Lukas, vocês ganharam o meu voto no prêmio Fair-Pai.
 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

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As cartas estão na mesa! Você vai jogar?

Caímos… e não é a primeira vez!!!

Nos últimos dias, muito tem se comentado sobre os motivos do fracasso de nossa seleção.

Em todos os veículos de comunicação, através de debates, discussões, conversas formais, informais, reportagens e mesas-rodadas buscam-se explicações para o vexame da seleção brasileira na semifinal da Copa do Mundo.

Tais explicações vão desde a escalação equivocada de Bernard aos problemas globais do futebol brasileiro, advindos do órgão que rege a modalidade em nosso país. Entre estes extremos, encontramos ainda explicações como: um apagão que não mais irá se repetir, ou ainda, a ineficiência das nossas categorias de base.

O fato é que todos nós, direta ou indiretamente envolvidos com este esporte, em maior ou menor grau, somos os responsáveis por aquilo que acompanhamos no desastroso (e histórico) 08/07/2014, pois nossa seleção nada mais é do que um produto de que como pensamos, sistemicamente, o jogo de futebol.

A diferença do nível de jogo da Copa do Mundo em relação ao Campeonato Brasileiro, o esvaziamento das arenas que observaremos em breve, a dança das cadeiras dos treinadores e a dívida interminável de muitos clubes são apenas alguns exemplos que ilustram a goleada que estamos sofrendo.

Cabe a nós assumirmos a derrota, entregarmos o jogo e presenciarmos o distanciamento cada dia mais evidente da elite do futebol mundial (no país penta campeão já são 6 anos sem um brasileiro na lista dos 3 melhores jogadores do mundo), ou então, podemos encarar os problemas e através de transformações (das mais simples as mais complexas) reinventarmos o futebol brasileiro.

Logo os dias se passarão e, culturalmente, o fatídico confronto contra os alemães pode cair no esquecimento para os profissionais do futebol. Desta forma, as reflexões ficarão no ambiente superficial do discurso enquanto as demandas pedem, urgentemente, ações.

Precisamos de treinos melhores, de jogos melhores, de campos melhores, de mais projetos de formação, de menos salários atrasados, de ética profissional, de políticas sustentáveis, de um calendário adequado para os mais de 600 clubes espalhados pelo país, de profissionais mais qualificados, de cursos de capacitação, de pessoas que queiram fazer estes cursos, de agentes mais sérios, de diretores mais competentes, do apoio incondicional dos torcedores, de menos violência, de mais intercâmbios e de muitos outros desdobramentos que se originam a partir de cada um destes itens mencionados.

No cenário atual do futebol brasileiro, em quais itens você consegue intervir?

As cartas estão na mesa e estamos perdendo vergonhosamente. Podemos apontar os culpados ou enfrentar coletivamente este jogo numa dura batalha para a virada. Você vai jogar ou prefere um espelho?