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Saber dosar

No futebol temos várias dimensões que devem ser levadas em consideração para a organização de um processo de treino-competição. Se alguns aspectos não forem dosados adequadamente, resíduos processuais podem ser acumulados e prejudicar a equipe.

Dosar significa medir com cautela o que está sendo feito, o que está sendo observado e o que está sendo aplicado. E nisso algumas perguntas podem ser levantadas: O que dosar? Como dosar?

O que dosar seria, dentre várias dimensões, a modificação do contexto, a progressão dos princípios de jogo, os exercícios a serem aplicados, os minutos, as repetições, a fadiga complexa (central/periférica), horários de treinamento, possíveis concentrações antes de jogos, liberação de jogadores para saírem em grupos, tempo com a família, alimentação e etc. Enfim, todos os fatores dentro e fora do campo que perfazem o modelo de jogo do treinador, o contexto, a cultura, os costumes.

Ao modelarmos um contexto, temos que ter muita sensibilidade e compreendermos tal complexidade deste processo. Algumas vezes ficamos obcecados por implantar algumas ideias e alguns treinamentos que fogem daquele determinado momento e acabamos colocando doses acima da recepção ideal e sadia para os jogadores. Isso aos poucos vai gerando uma desconfiança, que pode fazer com que os jogadores não acreditem no que se está fazendo. Por isso a dosagem do que é feito e do que pode ser feito é um dos requisitos principais. A modificação brusca e o excesso de algumas coisas serão sempre prejudiciais.

Nesse aspecto, uma das primeiras questões, quando uma equipe inicia um trabalho novo, troca de treinador, é o excesso de informação. O excesso de informações conceituais pode gerar um lapso cognitivo, que mais que ajudar o jogador a assimilar as novas estruturações criadas, arrastará uma estranha sensação do jogador não reconhecer mais o jogo e o seu jogo.

Também, o excesso de treinamentos, a famigerada obsessão pelo volume de treino ou excesso de treino organizacionais em campo aberto, pode ocasionar uma fadiga acumulativa que também mais que ajudar vai atrapalhar no dia do jogo.

Outra questão também é a concentração em hotéis. E será que isso é um fator tão importante assim, a ponto de não deixar os jogadores passarem horas a mais com filhos, esposa e amigos? Isso exige um olhar muito aguçado do treinador e de sua comissão, para que nada seja para mais ou para menos. Esses três exemplos são apenas simbólicos das variâncias que estão inertes ao futebol e sua dosagem.

Bem, se temos que ter equilíbrio da dosagem em tudo que perspectivamos, o fator “como dosar”, que depende primeiramente das estratégias criadas para lidar com questões que corriqueiramente estão no futebol, entra no plano principal.  E, esse entendimento é ajustável a cada realidade e a cada momento.

Por isso, nada deve ser feito pelo poder ou pelo autoritarismo dentro de um processo com regras pré-definidas. É idêntico às relações de trabalho dentro de uma empresa. Se existe uma dosagem contextual entre todos, as coisas tendem a andar da melhor forma possível. Os jogadores ficam felizes e com alegria trabalham em prol sempre do clube e do grupo que pertencem. Isso é dosar, é dividir para depois somar com sensibilidade.

Abraços e até a próxima quarta!

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Qual a importância da posse?

Penso que temos que tomar cuidado ao indicar ou dar importância a determinado fator do jogo de futebol. Como tentei relatar, a posse de bola é um componente inerente ao jogo de futebol. Em todos os jogos existirão momento de posse, defesa, transição, bola parada, etc (enfatizei esse assunto na coluna anterior). O que faremos em cada um destes momentos é de escolha: própria, coletiva, imposta “empiricamente” pela cultura do clube e uma particularidade de cada partida.

Qual a importância da posse? Toda. Para o jogo, toda. Para a equipe, toda (porém, vista de diversos modos). A posse é um problema que teremos que resolver durante o jogo. Com a máxima importância, tanto quanto os demais momentos. Todavia, podemos tratar esse problema da posse como algo simples; simplesmente pelo fato de se preocupar mais com outros aspectos do jogo, como defesa, transição, bola parada, etc.

Talvez, pelo fato de se estar com a bola e sabendo que o futebol é um jogo de imposição, costuma-se dar a culpa ao individualismo do jogador quando não se consegue ultrapassar a defesa do adversário. A famosa “jogada individual”. Falta “jogada individual” para “quebrar” a defesa! Falam por ai (diversos “comentaristas”). Evidente que a criatividade individual, em prol do bem comum, vai trazer algo de produtivo. Contudo, ela por si só não resolve nada. Nunca vi com bons olhos o fato de tentarmos resolver um problema coletivo com uma solução individual.

Falamos tanto da criatividade individual, mas e a criatividade coletiva? Em alguns casos, as equipes têm aprimorado cada vez mais o momento defensivo. Os treinadores, cada vez mais, têm percebido a importância da marcação zonal. Eles têm tentado treinar e organizar melhor esta forma de defender (que possui por essência a gestão do espaço de forma inteligente). Corroborando com isso, temos o velho e bom princípio, que talvez sirva quase sempre para todos, de voltar o mais rápido possível para “reorganizar-se” defensivamente. E é neste ponto que precisamos nos desligar da ideia de que quem tem a bola, é quem controla o jogo. O espaço a ser ocupado se torna o artifício primordial para controlar (ou tentar) o jogo. Se a equipe não consegue gerir o espaço com a bola, então, talvez, seja melhor ficar o menor tempo com ela. E esse conseguir pode ser: preferir, não saber, não gostar, etc. Como também, pode ser algo cultural, como já falamos (algo que emerge da filosofia da instituição). O espaço a ser ocupado é o mais importante para “controlar” o jogo, até o momento de saber jogar o jogo. Aquele jogo.

Pois, cada jogo tem sua própria característica peculiar, ao ponto de dizermos que não há 2 jogos iguais. Essencialmente o próprio jogo, com sua devida particularidade, vai ditar o ritmo da partida. O jogo de futebol  é um jogo de imposição. Aproveitar as fragilidades do adversário e tentar superar, da melhor forma, as vantagens do mesmo. Sendo que o adversário vai tentar fazer o mesmo com a sua equipe. Caso não consigamos resolver os problemas do jogo e da partida (com seu adversário “único”), não conseguiremos colocar o que temos de melhor individualmente e coletivamente.

Precisamos antes de tudo analisar o contexto e (tentar) perceber tudo aquilo que envolve cada jogo e cada equipe. Temos que ter cuidado para não ser reducionista como qualquer outro “pensador” analítico. Não devemos separar as coisas. Parece que a cada ano que passa, procuramos separar e analisar isoladamente cada variável que compõe o futebol. Quando chegarmos ao ponto de perceber que não devemos separar as coisas, nomeadamente, quando estamos avaliando e analisando os resultados, começaremos o longo caminho da compreensão do futebol.

O problema “posse” não passa somente por saber sua importância. Pois isso, já sabemos, a importância é toda. Começaremos a entender e a resolver esse problema quando soubermos qual a intencionalidade quando se tem posse? O que quero e o que vou fazer quando estou com ela? E em cada situação do jogo? Lembrando que todo o problema inerente ao jogo é um problema para cada atleta/equipe/treinador/clube e, também, da(s) partida(s).