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O futebol reflete uma (doentia) sociedade

Em jogo pelo apuramento ao campeonato europeu de seleções de futebol (Eurocopa) de 2020, a Inglaterra venceu a Bulgária, fora de casa, por 6 a 0. Era para que o placar e o bom futebol fossem celebrados. No entanto, a partida ficou marcada pelos insultos racistas de alguns torcedores búlgaros à seleção inglesa. No empate entre França e Turquia, os turcos comemoraram o gol com uma saudação militar em apoio a ação bélica das tropas do país na Síria. Em Pyongyang, nas eliminatórias para a Copa de 2022, um empate “oxo” entre as Coreias do Norte e do Sul, em um estádio “às moscas”.
É inaceitável que em pleno século vinte e um, o da inovação tecnológica, o da velocidade da informação, o do aumento do fluxo de pessoas e o da plena globalização, a humanidade ainda retroceda em casos de racismo, guerra e intolerância. Nas atividades cotidianas talvez isso passe desapercebido, velado. Mas não. O futebol escancara tudo isso. Como na tese de Marcel Mauss, do “fato social total”, o futebol o é. Por ele se entende a economia, a cultura, as relações humanas e a sociedade. Foi através do esporte-rei que se manifestaram os episódios de intolerância no Bulgária x Inglaterra, das restrições à liberdade no Coreia do Norte x Coreia do Sul e de apoio a ataques militares no França x Turquia.

Coreia do Norte e Coreia do Sul empataram em zero em estádio “às moscas” em Pyongyang. (Foto: Reprodução/AP)

 
Entende-se o porquê de o futebol ser palco de manifestações como esta. Em primeiro lugar, conecta-se com milhões de pessoas ao mesmo tempo. Representam identidades locais e regionais. Suas imagens correm o mundo todo e a opinião pública internacional dará julgamentos sobre cada episódio conforme o que é visto, como, por exemplo, avaliará a aproximação e abertura dos norte-coreanos se vissem um estádio repleto e com torcedores sul-coreanos. Como não foi isso o que aconteceu, talvez Pyongyang queira mostrar ao mundo que a sua abertura será muito mais lenta do que se demonstra em outros aspectos, como o político.
Entretanto, isso não justifica que o futebol deva ser espaço para estas manifestações. Muito pelo contrário. É preciso condená-las, puni-las severamente e relembrar a todos o porquê gostamos deste esporte: pela inclusão, pela união, pela alegria, pela partilha, pela universalidade, por ser um “idioma” único e compreendido por todo o mundo. Não há espaços para diferenças.
Assim sendo, há quem vai dizer que esta coluna está muito “romântica”. Pode ser que seja, sim. Há como mudar isso e esta mudança está na educação, no compartilhamento dos bons valores, do respeito, do jogo limpo. Os mesmos valores que lá no século XIX foram as bases para a criação do jogo de futebol.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Dizem que o futebol não tem nada a ver com a vida do homem, com as suas coisas mais essenciais. Não sei o quanto esta gente sabe da vida, mas de algo estou certo: não sabem nada de futebol”.
Eduardo Sacheri, escritor argentino