Crédito imagem: Reprodução/NBA.com
O livro “Onze anéis: a alma do sucesso”, escrito pelo ex-treinador de basquetebol Phil Jackson com colaboração de Hugh Delehanty, aborda, dentre outros temas, algumas estratégias para promover uma elevação dos níveis de coesão social das equipes da National Basketball Association (NBA), a liga de basquetebol profissional dos Estados Unidos.
Na NBA, cada título conquistado equivale a um anel: Phil Jackson, como treinador do Chicago Bulls e do Los Angeles Lakers, conquistou seis e cinco campeonatos, respectivamente. É o treinador mais vitorioso da história da NBA, tendo se utilizado de alguns métodos pouco ortodoxos, sobretudo no que se refere às preparações social e psicológica de suas equipes.
De acordo com Jackson (2014, p. 87):
o basquete é um grande mistério. Você pode fazer tudo certo. Pode ter a combinação perfeita de talentos e o melhor sistema ofensivo no jogo. Pode elaborar uma estratégia defensiva infalível e preparar os jogadores para cada eventualidade possível. Mas de nada valem os seus esforços quando os jogadores não têm um senso de unidade enquanto grupo. E o vínculo que une uma equipe pode ser muito frágil, muito fugaz.
(JACKSON, 2014, p.87)
Assim como o basquete, esportes coletivos como o futebol também apresentam performances dependentes de algo mais que talento, técnica e táticas: esse algo mais é a coesão social entre os integrantes das equipes, denominada “unidade enquanto grupo” por Phil Jackson. Este treinador compreende que a transformação de atletas em um time campeão pode ser traduzida como um malabarismo que representa o “conhecimento das leis consagradas pelo tempo do jogo, mas também coração aberto, mente clara e aquela curiosidade atenta aos caminhos do espírito humano” (JACKSON, 2014, p. 19).
A leitura de “Onze anéis” evidencia algumas concepções e estratégias para a conquista da unidade em um grupo de atletas. São elas:
- A compreensão do todo como algo maior que o somatório das partes (das individualidades).
- A promoção do pertencimento dos atletas à equipe.
- A construção da autonomia dos atletas, através da liderança e das tomadas de decisão.
- As adversidades estruturais e conjunturais como elementos que fortalecem a coesão social.
- A importância das contribuições particulares para a consolidação do coletivo.
- Modelos de jogo e relacionamentos sociais como bases para o exercício da criatividade e da técnica;
- A submissão dos egos estelares aos interesses coletivos.
Respeitadas algumas diferenças fundamentais entre o basquete e o futebol, como as dimensões dos espaços de jogo e os números de atletas na quadra / em campo, as estratégias adotadas por Phil Jackson podem perfeitamente ser aplicadas em equipes de futebol, tanto na formação (categorias de base) quanto nas equipes principais (profissionais). Através das contribuições de Jackson detalhamos a seguir cada um dos itens supracitados como instrumentos para a construção da unidade de grupo (ou coesão social) no ambiente do futebol.
Jackson (2014) diz que a união dos jovens atletas é traduzida pela devoção a algo maior do que eles próprios, algo que mobiliza suas almas e seus corações. Neste contexto compreendemos que o somatório dos indivíduos não significa o todo coletivo, uma vez que as normas da consciência coletiva podem ser constituídas a partir de fenômenos exteriores aos indivíduos. É a situação das pessoas que, ao nascerem e crescerem em um país, encontram um idioma e uma moeda pré-estabelecidos.
O mesmo pode ocorrer em um clube de futebol, que apresenta cultura, tradições e valores localizados para além das aspirações individuais de atletas contratados. A consciência coletiva, então, paira como um fetiche (uma entidade dotada de vida própria, de acordo com o pensamento marxista) que exerce influência poderosa sobre as consciências individuais. A esse respeito diz Durkheim (2008, p. 133):
quanto mais definidas as crenças e as práticas, menos elas deixam espaço para as divergências individuais. Elas são moldes uniformes em que vazamos todos, uniformemente, nossas ideias e nossas ações. Portanto, o consenso e tão perfeito quanto possível; todas as consciências vibram em uníssono.
(DURKHEIM, 2008, p. 133)
Em uma equipe de futebol existem objetivos que são compartilhados por todos os atletas: a conquista de títulos, o alcance de uma classificação para etapas posteriores das competições, a fuga de rebaixamentos para uma divisão inferior. O papel do treinador, neste âmbito, deve ser o de expor aos atletas a adaptação dos mesmos aos objetivos do clube, priorizando-os em relação às metas individuais.
Sobre a sensação de pertencimento à equipe, Jackson (2014) diz que sempre estimulou debates que contavam com as participações e expressões de todos, atletas e membros da comissão técnica. Segundo o treinador, esse método viabiliza a criatividade e a inclusão de todos, sendo especialmente importante para promover a sensação de pertencimento por parte dos jogadores que jogam pouco e/ou menos que os outros.
O futebol, de certo modo e em várias circunstâncias, é um ambiente complexo permeado pelo conservadorismo. Ainda resistem ideias incapazes de realizar a distinção entre hierarquia e autoritarismo. Jackson (2014) afirma valorizar sua própria posição no comando do elenco de atletas, mas segundo uma perspectiva que cultiva as verbalizações particulares. O respeito à hierarquia é importante, tanto quanto o diálogo. Sobre as reuniões com todos os integrantes da equipe, Jackson (2014, p. 90) diz:
compartilhávamos informações uns com os outros e nos certificávamos se estávamos todos no mesmo passo em termos de estratégia do dia a dia. Cada membro da comissão tinha um alto grau de autonomia, mas quando conversávamos com os jogadores o fazíamos com uma única voz.
(JACKSON, 2014, P.90)
Entendemos que esses procedimentos, baseados na hierarquia, na unidade da comissão técnica e no exercício do amplo diálogo, são fundamentais para que os futebolistas se sintam integrados e com sensações de contribuição e de pertencimento à complexa estrutura de um clube de futebol.
A construção da autonomia dos atletas, através da liderança e das tomadas de decisão, é também uma causa defendida por Jackson (2014). O autor / treinador afirma:
uma coisa que aprendi como treinador é que você não pode impor sua vontade sobre os outros. Se você quer que ajam de maneira diferente, inspire-os para que se transformem. A maioria dos jogadores deixa que o treinador pense por eles. Quando se deparam com um problema na quadra, olham para o lado com nervosismo, esperando que o treinador tenha uma resposta. Muitos treinadores sentem prazer em acomodar o problema. Mas eu não. Sempre procurei fazer com que os jogadores pensassem por si mesmos para que pudessem tomar decisões difíceis no calor da batalha.
(JACKSON, 2014, p.22)
Jackson (2014) afirma que chegava a evitar a solicitação de tempos durante alguns momentos críticos do jogo: dessa forma ele fazia com que os atletas tivessem que tomar suas próprias decisões em momentos de pressão e estresse agudos.
A conexão com a autonomia cognitiva dos atletas de futebol é inevitável. Existem treinadores de futebol que passam instruções para seus jogadores com frequência espantosa: são orientações em série, sendo muitas delas ordens e determinações para que os atletas executem jogadas que seriam as mais apropriadas para momentos específicos dos jogos. Trata-se, no limite, da execução de jogadas de acordo com as tomadas de decisão do treinador, o que compromete a autonomia crítica dos futebolistas.
Não propomos o extremo oposto, constituído por total apatia dos treinadores nos bancos de reservas. Sugerimos orientações pontuais que permitam aos atletas, sejam eles das divisões de base (formação) ou das equipes profissionais, o pensamento autônomo no momento de decidir entre uma ou outra opção técnica ou tática durante uma partida de futebol. Nesse contexto o treinamento tático deve ser construído segundo uma perspectiva de abertura para a inovação e a criatividade: muito além de repetições exaustivas de movimentos e manobras defensivas, ofensivas, de transições e de bolas paradas, a preparação da equipe deve conter situações-problema em que um leque de opções surge para a definição da solução por parte dos atletas envolvidos.
A liderança em uma equipe de futebol, por sua vez, deve extrapolar os limites determinados por aptidões “naturais” de um ou outro atleta: o ato de liderar um grupo passa necessariamente pela construção dessa capacidade social e psicológica (a liderança) a partir da metodologia de trabalho do treinador e da comissão técnica. A esse respeito Jackson (2014) diz que o treinador deve liderar “de dentro para fora”. Mas o que significa isso? Vários treinadores lideram “de fora para dentro”, construindo metodologias que se sustentam sobretudo na avaliação de adversários e nas estratégias para superá-los. Jackson afirma que o pilar, o sustentáculo da liderança, é a conexão das concepções pessoais com a metodologia que rege o trabalho. Jackson (2014, p. 21) afirma: “durante longo tempo acreditei que tinha de separar as convicções pessoais da vida profissional.” A metamorfose na carreira de Phil Jackson ocorreu quando o treinador buscou refúgios espirituais no cristianismo, na meditação e no misticismo dos índios da América do Norte, elaborando uma síntese entre a espiritualidade e a prática profissional esportiva propriamente dita. Ele diz:
embora a princípio temesse que talvez os jogadores achassem minhas opiniões heterodoxas ou um pouco amalucadas, com o tempo acabei descobrindo que, quanto mais falava com o coração, mais me ouviam e se beneficiavam do que era colhido por mim.
(JACKSON, 2014, p. 21)
Ora, vivemos em um país cuja cultura foi alicerçada no patriarcalismo, no coronelismo e no machismo, construções históricas que enfatizam papéis sociais masculinos desvinculados das expressões emocionais e espirituais. Em uma sociedade em que as concepções conservadoras ainda encontram razoável espaço, são requeridos do Homem a força e pragmatismo daqueles que buscam produtos (os fins) e relegam os processos (os meios) a um segundo plano.
O futebol, determinado culturalmente pelos valores hegemônicos na sociedade mais ampla, ainda se reveste do conservadorismo que pauta as relações humanas. Nesse contexto, “talvez Homem não chore” e nem revele seus sentimentos particulares. Phil Jackson nos mostra, via basquete da NBA, que a “voz do coração” pode produzir diversas repercussões benéficas para uma equipe esportiva. É algo que deve ser adotado no âmbito do futebol de alto nível (rendimento), evidentemente associado a uma metodologia de treinamento avançada, complexa e sistêmica , conforme assinalado por Medina (2021).
Além da liderança cognitiva e emocional que parte do treinador, é importante que o exercício da liderança provoque o surgimento de novos líderes. Jackson (2014) explica que sempre estimula a liderança, abrindo mão de reter a “última palavra” e promovendo as expressões verbais de todos os atletas. Assim surgem novos líderes, o que se aplica perfeitamente ao futebol. O diálogo amplo é o veículo para a formação de novas lideranças.
Jackson (2014) também afirma que as adversidades são elementos constitutivos da coesão social. O autor cita um exemplo prático de quando era um atleta de basquete jogando fora de casa contra uma equipe cujo treinador colocava uma série de obstáculos para o desempenho do time visitante. Diz Jackson (2014, p.61):
ele (o treinador adversário) sempre tornava nossa vida um inferno: éramos colocados em vestiários onde as chaves não funcionavam, as toalhas faltavam e o aquecedor era regulado acima de quarenta graus, isso sem que pudéssemos abrir as janelas. Nessa série (de jogos do playoff), ele nos colocou em vestiários diferentes a cada jogo, e o último – no jogo 7 – era um quartinho apertado do zelador, sem armários e com um teto tão baixo que a maioria de nós tinha que se abaixar para se vestir. Em vez de nos humilhar, o que certamente ele queria, o minúsculo vestiário nos enraiveceu tanto que nos fortalecemos ainda mais.
(JACKSON, 2014, P.61)
Jackson (2014) relata uma interessante experiência também da época de atleta, quando atuava no New York Knicks: os atletas tinham que lavar seus próprios uniformes, algo impensável no altamente profissionalizado esporte contemporâneo. Segundo o autor, na época não havia um gerente de equipamentos, “mas por mais estranho que pareça essa lavagem dos uniformes surtia um efeito unificador no time” (JACKSON, 2014, p. 64).
De modo independente do nível técnico do futebol a que possamos nos referir (um jogo regional da categoria sub-15 ou um confronto da série A do campeonato brasileiro), as adversidades sempre existirão, posto que são inerentes ao esporte competitivo. A ocorrência de um gol adversário, as condições climáticas ou do campo de jogo, as limitações estruturais para o treinamento da equipe ou problemas na logística para o deslocamento para um jogo são elementos que, se trabalhados de forma coerente pelo treinador e pela comissão técnica, podem surtir efeitos bastante positivos para a coesão social dos atletas de um clube de futebol. Trata-se do “efeito unificador” citado por Phil Jackson.
Jackson (2014) também entende que as contribuições particulares dos atletas colaboram para a consolidação do coletivo / para o estabelecimento da coesão social. De acordo com o monge Wayne Teasdale citado por Jackson (2014, p. 124):
o trabalho é sagrado quando se interliga à realização espiritual e representa a paixão e o desejo de contribuir para a cultura e, especialmente, para o aprimoramento dos outros. E entenda-se por paixão os talentos divididos com os outros e que moldam o destino de todos quando estão à serviço da comunidade.
(JACKSON,2014,P.124)
Este é um aspecto central da metodologia de trabalho de Phil Jackson: todos contribuem, de uma forma ou de outra, para a construção de uma cultura de alta performance. Esse conceito repercute de forma global em todos os esportes coletivos, de modo geral, e no futebol, em particular. Jackson (2014) acrescenta que os líderes – e nesse caso ele se referia ao fabuloso Michael Jordan – devem compreender que os atletas são diferentes uns dos outros, mas que todos são importantes para a construção da equipe. Nesse contexto o líder precisa saber como obter a melhor contribuição de cada um dos integrantes do time.
No futebol existem diversas formas e vários níveis de contribuições individuais para o sucesso de uma equipe: convivem em um mesmo ambiente os atletas, a comissão técnica, pessoal administrativo e os encarregados da logística. Mesmo entre os atletas persistem diferentes contribuições, derivadas da técnica individual, das características psicológicas e sociais, da aptidão física, da inteligência de jogo e das diversas funções táticas e posições ocupadas no campo de jogo. Além disso, alguns atletas atuam por mais tempo que outros. Assim, cabe ao treinador valorizar todos os esforços individuais que contribuem para a consolidação de uma cultura de alta performance em uma equipe de futebol.
Também merece atenção, no contexto futebolístico, a concepção que defende modelos de jogo e relacionamentos sociais como bases para o exercício da criatividade e da técnica. Um detalhe deve ser observado preliminarmente: de acordo com Lobo (2007), o futebol apresenta atletas geniais e imprevisíveis que podem ser considerados artistas do esporte, que interpretam a tática como formas de amarras (ou limitações). A tática não pode jamais tolher a criatividade e o caráter artístico dos atletas de futebol; ao contrário, ela deve se constituir em um instrumento (um meio) para viabilizar as exposições individuais de talento, sempre em busca dos objetivos coletivos da equipe.
Ora, a organização tática durante a execução das fases de um jogo de futebol (ofensiva, defensiva, transições e bolas paradas), sendo compreendida coletivamente e adequadamente treinada, oferece às equipes, de modo amplo, e a cada atleta, de forma específica, o domínio de um vasto repertório de movimentos e posicionamentos que constituem possibilidades concretas de desenvolvimento técnico. Assim, torna-se irracional a teoria que sustenta a tática como elemento impeditivo da técnica! Na realidade, e adotando uma licença poética, podemos dizer que “no jardim das táticas e das estratégias se destacam as flores da técnica”.
Phil Jackson sempre utilizou um sistema denominado triângulo ofensivo em suas equipes, compreendendo que a estratégia em questão viabilizava aspectos técnicos, criativos e tomadas de decisão por parte dos seus atletas. A esse respeito Jackson (2014, p. 24) diz:
o que me atraía era o caminho que o triângulo abria para os jogadores, propiciando-lhes um papel vital a desempenhar, bem como um elevado nível de criatividade dentro de uma estrutura clara e bem definida. O segredo é treinar cada jogador de maneira que possa fazer a leitura da defesa adversária e reagir de modo adequado.
(JACKSON, 2014, P. 24)
A referência de Jackson ao “elevado nível de criatividade dentro de uma estrutura clara e bem definida” revela um conceito que transcende os limites da quadra de basquete. No futebol, por exemplo, a adoção de um modelo de jogo que priorize marcação alta (por pressão) na saída de bola adversária, ações ofensivas agudas (verticais) e transições velozes requer atletas fisicamente muito bem preparados e com leitura de jogo adequada para a execução de movimentações rápidas. O modelo exemplificado requer tomadas de decisão criativas, notadamente nas manobras ofensivas que visam ataques incisivos precedidos de recuperações da posse da bola. Trata-se, então, de momentos técnicos e criativos que se destacam a partir de uma base tática anteriormente treinada.
Compreendemos também que a coesão social, segundo uma perspectiva que contemple todos os atletas e comissão técnica de uma equipe de futebol, oferece as bases emocionais e de solidariedade para que cada futebolista possa apresentar plenamente seus recursos técnicos. Em um grupo fortemente coeso os atletas podem se submeter a alguns riscos técnicos (ou jogadas ousadas) que não correriam caso fossem colocados à margem da unidade social.
Há ainda um último aspecto que deve ser considerado no processo de construção de um time de alto nível, seja ele de futebol, basquete, voleibol ou de outra modalidade: trata-se da submissão dos egos das celebridades esportivas aos interesses coletivos da equipe. Os esportes de rendimento, sobretudo o futebol internacional e o basquete americano, atingiram status e prestígio ímpares no mundo globalizado contemporâneo e se converteram em ícones da indústria midiática e do espetáculo. Nesse contexto, a mobilização de bilhões de euros ou dólares e o poder da Indústria Cultural são responsáveis pela fabricação de ídolos úteis aos interesses do mercado do entretenimento. Celebridades permanentes ou provisórias emergem desse panorama e nem sempre estão dispostas a se submeter às normas e concepções que fundamentam a coesão social, a unidade de grupo em que os fatores coletivos estão sobrepostos às questões individuais.
Phil Jackson apresenta um histórico de sucesso em relação ao trabalho com grandes estrelas do basquete americano, como Michael Jordan, Kobe Bryant e Dennis Rodman. A respeito da construção da união e da consciência coletiva de uma equipe na NBA, Jackson (2014, p. 14) afirma:
não se forma um tipo de consciência como essa da noite para o dia. São necessários anos de abnegação para que os jovens atletas deixem de lado os próprios egos e se engajem de corpo e alma na experiência de grupo. E a NBA não é exatamente o ambiente mais amigável para o aprendizado da abnegação. Embora o jogo em si seja um esporte com equipes de cinco jogadores, a cultura circundante celebra o comportamento egoísta e acentua a realização individual acima da união da equipe.
(JACKSON, 2014, P. 14)
Também no futebol temos atletas que se destacam acima da média de desempenho das equipes. Esses atletas, sejam eles celebridades que disputam competições internacionais ou talentos promissores de equipes de base (formação), precisam compreender que suas capacidades técnicas dependem dialeticamente da qualificação coletiva. Em outras palavras, entendemos que a qualidade global de uma equipe viabiliza o desenvolvimento da técnica individual, assim como o potencial técnico de cada atleta colabora para a construção ideal do todo.
O treinador de basquete Red Holzman, citado por Phil Jackson (2014, p. 39), afirma que
Em um bom time não há superestrelas. Há grandes jogadores que se mostram como grandes por sua capacidade de jogar com os companheiros como um time. E mesmo com as qualidades das superestrelas encaixam-se no bom time e se sacrificam, fazendo de tudo para ajudá-lo a vencer. O que interessa não são os números em salários ou estatísticas, e sim se os jogadores atuam em conjunto.
(RED HOLZMAN APUD JACKSON, 2014, P. 39)
A citação acima demonstra que os atletas rotulados como “acima da média” precisam do entendimento que os coloque como peças fundamentais para o funcionamento em excelência de suas equipes. Não são atletas que “jogam para si próprios”, mas que compreendem que seus protagonismos estão inseridos em uma coletividade maior. Da excelência coletiva emergem, logicamente, desempenhos individuais cada vez mais aprimorados.
Futebolistas “fora de série”, como Pelé (no Santos e na seleção brasileira), Johan Cruyff (no Ajax, no Barcelona e na seleção holandesa) e Cristiano Ronaldo (em diferentes clubes e na seleção de Portugal), sempre se destacaram individualmente e apresentaram inegáveis contribuições para os desempenhos coletivos de suas equipes. São exemplos que, dentre vários outros, devem ser expostos pelos treinadores para seus atletas.
A história do futebol apresenta algumas situações em que atletas excepcionais “se sacrificaram” individualmente em favor da construção coletiva da equipe. Na copa do mundo de 1970, na qual a seleção brasileira conquistou o tricampeonato, Tostão, à época integrante do Cruzeiro (MG), atuou na posição/função que hoje denominamos “falso 9”, que seria um centroavante com papéis flexíveis de abertura de espaços para outros atletas e de criação de jogadas. O atleta em questão foi bem-sucedido em suas tarefas técnicas e táticas no mundial de 1970, colaborando de modo decisivo para o sucesso da seleção brasileira de futebol. Trata-se de um perfeito exemplo de adequação do aspecto individual às aspirações coletivas de uma equipe esportiva.
Em síntese, podemos afirmar que as ideias e conceitos apresentados por Phil Jackson em Onze Anéis não se constituem em “receitas prontas e aplicáveis” em qualquer contexto esportivo. Adaptações são necessárias, considerando as especificidades de cada modalidade esportiva. No entanto, e para além das características específicas do basquetebol, um esporte praticado por equipes de cinco atletas em uma quadra de pouco mais de 437 metros quadrados, as estratégias de coesão social de Phil Jackson são indicadas para situações que envolvem a psicologia do esporte e a gestão de pessoas.
A adequação das concepções de Phil Jackson, extraídas de Onze Anéis, à realidade cotidiana das equipes de futebol é possível e indicada, mas deve considerar fatores que determinam a identidade cultural dos clubes, como dimensão no cenário nacional (internacional e/ou regional) e tradição, além de aspectos como o modelo de gestão, os retrospectos recentes e as características do elenco montado e das competições a disputar.
Por fim, destacamos as concepções de Touraine apud Lallement (2004, p. 239), para quem o movimento social:
é apresentado como a combinação de um princípio de identidade, de um princípio de oposição e de um princípio de totalidade. Não será necessário, para travar um combate, saber em nome de quem, contra quem e em que terreno se vai combater?
(TOURAINE APUD LALLEMENT, 2004, P. 239)
Desse modo, compreendemos que, para além de pressupostos teóricos, o planejamento e a execução das estratégias de coesão social no futebol dependem dos contextos específicos de cada clube, conforme citado anteriormente e ressaltado pelos dizeres de Touraine.
Referências
- DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
- JACKSON, Phil; DELEHANTY, Hugh. Onze anéis: a alma do sucesso. Rio de Janeiro: Rocco, 2014,
- LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004,
- LOBO, Luís Freitas. O planeta do futebol: em busca da alma, dos magos e das táticas que fizeram história. Lisboa: Prime Books, 2007.
- MEDINA, João Paulo. Uma introdução ao pensamento complexo e sistêmico no futebol. Universidade do Futebol. Disponível em https://universidadedofutebol.com.br/2021/01/25/uma-introducao-ao-pensamento-complexo-e-sistemico-no-futebol/. Acesso em 27 de Novembro de 2021.