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Futebol e Formação Integral – A Escola Brasileira do Jogo

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

O tema da formação no futebol é algo que me dedico por anos, estudando, praticando, dialogando, observando e buscando entender seus problemas e possíveis soluções. Nesta série de artigos, estou propondo alguns pilares para sempre termos uma Escola Brasileira de Futebol capaz de formar atletas de maneira integral. No primeiro texto argumentei sobre a nossa Escola Brasileira do Talento que ainda permanece viva, sustentada por três elementos centrais descritos lá (clique para acessar).

No texto de hoje quero abordar a Escola Brasileira do Jogo. Esta, segundo o próprio Ricardo Drubsky, referência para as duas primeiras escolas desta série, é uma que temos deixado a desejar na formação de nossos jogadores. Se por um lado a Escola Brasileira do Talento foi bastante eficaz em formar diversos/as atletas diferenciados/as na nossa história futebolística, a Escola Brasileira do Jogo ainda não chegou a esse grau de excelência.

E o que seria essa Escola Brasileira do Jogo?

Podemos interpretá-la como aquela que ensina os muitos conteúdos do jogo formal de futebol para que os/as atletas compreendam a sua lógica, regras, todos os princípios de jogo, as posições-funções, as estratégias e conexões coletivas fundamentais para que uma equipe seja competitiva. Para essa Escola ter sustentação, destaco ao menos 3 vertentes básicas:

– Profissionais qualificados.

– Competições adequadas.

– Infraestrutura esportiva.

Vamos iniciar pelos profissionais. São eles que conduzirão as crianças e adolescentes que chegam das práticas informais às instituições educacionais do futebol para seguirem o seu processo de formação. Aqui não destaco apenas os professores e treinadores, embora eles sejam responsáveis centrais do processo.

Como diz o ditado africano: “É uma aldeia inteira que educa uma criança”.

Portanto, todos devem estar preparados para educar as crianças e adolescentes que chegam às instituições. Dos professores e treinadores a donos de escolas e presidentes de clubes. O conjunto de crianças que chega nessas instituições não pode ser tratado como diamantes a serem lapidados ou descobertos. Ou mesmo não podem entrar em uma espécie de fábrica de atletas com a simples lógica de produção de jogadores e jogadoras de alto rendimento para o futebol nacional e mundial. Nem meros clientes que estão ali para passar o tempo ou apenas se divertir. Primeiramente, é preciso haver a essência da qualidade de educadores nesses profissionais.

Aqui posso resgatar Paulo Freire que certa vez disse: “Educar-se é impregnar-se de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.”

Nessa perspectiva, os educadores do futebol precisam oferecer às crianças e jovens que frequentam as instituições esportivas a possibilidade de encontrarem sentido no que fazem. Um sentido que os levem para uma vida melhor, em todos os aspectos. Dentro disso, a instituição precisa saber em qual etapa ou etapas do processo de formação ela se dedica, e como pode desempenhá-la da melhor maneira. Abaixo deixo um texto sobre essa diferenciação dos contextos.

Nas próprias questões específicas da formação para o jogo, para que a criança (já talentosa ou não) se desenvolva para além de uma especialização precoce, os profissionais envolvidos na sua formação precisam estar preparados para enxergar o mapa completo do jogo, com todos os seus conteúdos pedagógicos. Desde aqueles que ela já consegue desempenhar até aqueles que ainda não consegue. Diante disso, oferecer estímulos e feedbacks que a prepare ao mais alto nível possível de conhecimento sobre e para o futebol que ela possa chegar. Isto é, ensinar bem futebol a todos/as (clique para ler um texto sobre isso). Veja a imagem completa do Mapa do Jogo que ilustra essa ideia.

A autoria desta imagem é do Treinador Eduardo Barros e do Professor Bruno Pasquarelli em colaboração com a Universidade do Futebol. Caso queira entender mais profundamente este Mapa do Jogo, procure pelo curso: O Mapa do Jogo: desvendando a complexidade do futebol

Outra vertente central, que, sem ela, profissional ou instituição nenhuma isoladamente é capaz de fazer um trabalho de excelência, é a existência de competições adequadas para essas crianças e jovens praticarem o jogo mais próximo à sua lógica formal. De maneira gradativa com o passar dos anos, mas que forme competências para que o desempenho final seja compatível com um futebol de alto nível.

Contudo, o que caracterizaria uma competição adequada?

Aquela resposta que você já deve ter ouvido para diversas questões: depende! Pois o cliente final de qualquer competição, para que ela seja adequada no sentido integral que estou apontando, não pode ser os pais, clubes ou patrocinadores, mas sim, as pessoas que jogam. O regulamento, o calendário, as regras do jogo, a postura das pessoas em volta ao jogo, os símbolos, as honras e os méritos etc., todas as variáveis que envolvem uma competição precisam ser pensadas para favorecer quem joga a jogar da maneira mais plena que puder, nas condições possíveis de realizar.

Tamanhos oficiais de campo e gols para crianças de 11 anos não podem ser características de uma competição adequada, tais como não são adequadas: competições com placares muito elásticos; equipes com condições logísticas totalmente desfavoráveis jogando contra equipes com condições logísticas totalmente favoráveis; lógica de competições de alto rendimento para torneios de crianças em iniciação ou de jovens em especialização; reforço à cultura de supervalorização dos resultados em detrimento dos processos não pode fazer parte de uma competição adequada para a maioria dos contextos, diria até para o alto rendimento; calendário de equipes com competições/jogos demais ou de menos também prejudica a formação integral e contínua de atletas. É preciso que os responsáveis por organizar competições de todos os níveis pensem, sobretudo, em quem joga. Pergunte-se: o que é mais adequado para que esta competição seja saudável e potencializadora das pessoas que jogam e do futebol que será produzido aqui?

Por fim, a última vertente que eu gostaria de destacar é a infraestrutura esportiva. É muito difícil possuir uma Escola Brasileira do Jogo de excelência. Pois para produzi-la de tal qualidade, baseada na formação integral de atletas, é necessário contar com espaços para a prática e treinamento de futebol correspondentes a esse nível de exigência. Especialmente nas últimas fases de especialização, na transição base-profissional e no alto rendimento, o jogo se torna muito prejudicado quando não existem bons gramados, bons espaços para treinar, com estrutura para que os profissionais e atletas consigam desempenhar o que sabem de maneira minimamente razoável. Portanto, aspectos econômicos entram nessa equação, pois para termos uma Escola Brasileira do Jogo que forme integralmente nossos e nossas atletas, é necessário investimento em infraestrutura esportiva. As qualidades do jogo e dos treinamentos são altamente dependentes dessas condições.

Diante das vertentes que compõem a Escola do Jogo, como você classificaria a situação do Brasil nas questões de profissionais, de competições e de infraestrutura esportiva para o futebol? Damos as condições de nossos e nossas atletas se desenvolverem plenamente no jogo? Como avançarmos no desenvolvimento desta Escola?

Neste ponto, encerro a reflexão de hoje, já convidando para o próximo texto, que será sobre a Escola Brasileira do/a Atleta. Será que todo jogador talentoso ou talentosa é um bom atleta? Será que isso é ensinável? Vamos conversar sobre isso na próxima semana. Até lá!