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Alguns entraves que atrasam o desenvolvimento do futebol brasileiro

Crédito imagem – Robson Mafra/AGIF/CBF

Quando se analisa o jogo de futebol praticado no Brasil, logo surgem percepções otimistas de que nosso campeonato – equilibrado e com muitos favoritos ao título – deveria ter maior aceitabilidade no mercado internacional e ser comercializado com cifras mais robustas. Entretanto, ao se observar com maior atenção ao ambiente no qual se insere, emergem alguns aspectos que parecem nos impor uma desvantagem quando comparados com outros países. Não pretendo exaurir essa discussão, mas apenas levantar aqueles que, a meu ver, poderiam ser enfrentados como prioridade.

 O primeiro que se apresenta no topo da lista é o calendário. São inúmeras competições – estaduais, regionais, nacionais e continentais – espalhadas pelas 52 semanas de um ano. Como não se pode aumentar esse número, logo surge um problema, pois, ao se inserir as 4 semanas de férias e outras 4 de preparação, sobram 44 apenas para uma quantidade absurda de partidas. Não entrarei no mérito de importância de uma ou de outra disputa, mas apenas salientar que essa carga excessiva de exigência – física e mental – inerentes a uma partida de futebol faz com que se tenha reflexos na qualidade do jogo no futebol brasileiro; sobretudo com a baixa intensidade e a qualidade discutível na maioria das partidas disputadas no país. A diferença com as existentes em outras localidades, não se resume apenas a qualidade dos jogadores, mas também ao nível de preparação e de descanso dos atletas.

Soma-se a isso, a estrutura física colocada à disposição dos times para a ocorrência das partidas. Não me refiro aos aspectos externos, mas sim ao palco principal do espetáculo: o gramado. Esse item onde se transcorre toda a disputa, não recebe a atenção que deveria e, muitas vezes, é relegado a um segundo plano. Não desprezarei o aspecto da diferença climática de um país continental que impacta na sua conservação. Contudo, para os atletas, se apresentarem em campos sem um nível adequado para a prática de excelência – como a maioria em uso no Brasil – consiste em um desafio técnico, físico e médico: passes e chutes são afetados no aspecto técnico; uma sobrecarga física é exigida para a prática do jogo; e um risco maior de lesões preocupa a muitos.

No decorrer do espetáculo, um outro aspecto triste que se vê no país do futebol é a busca constante por se querer levar vantagens de forma pouco honesta em todos os lances. Seja através dos jogadores, a todo momento, se jogando em campo na tentativa – algumas grotescas – de simularem faltas ou agressões; ou de seus treinadores, sempre à beira do campo, aos berros e palavrões reclamando a cada decisão contrária por parte da arbitragem; protagonizando péssimos exemplos a seus jogadores e aos torcedores. Um vexame deprimente que parece sem solução, mas comum a todos os clubes que se apresentam no futebol brasileiro. Atitudes pouco profissionais que nos envergonham, pois na maior parte dos países, tais comportamentos são condenados por torcedores e pela imprensa.

Por último, mas não menos importante, temos os horários dos jogos. Partidas são disputadas em horários sem qualquer respeito ao fuso horário. Como vender um campeonato cujas partidas se iniciam as 22h para o público europeu? Ou querer realizar jogos às 11h da manhã em um dia de verão, algo que afeta significativamente a dinâmica do jogo? Esse equacionamento, que deve levar em consideração os anseios das emissoras que investem recursos em sua produção, precisa ser gerenciado também para a comercialização externa. Sem essa visão de mercado, o produto ‘futebol brasileiro’ continuará afastado dos principais consumidores desse esporte no planeta.

Esquece-se que um estádio lotado cria uma atmosfera esportiva mais acalorada, o que deixa a disputa dentro e fora de campo mais interessante. Um fator importante que impacta diretamente nas finanças dos nossos clubes, pois muitos deles ainda tem grande parte de suas receitas vinculadas às bilheterias em dias de jogos. Menos dinheiro, menos investimentos, menos qualidade no time, piores resultados, menor o interesse da torcida, menos público no estádio, menor atratividade do produto.

Querer equiparar o nosso principal campeonato às melhores ligas de futebol disputadas no mundo é desejável, contudo, é preciso ter a nítida noção de que esses países que estão à nossa frente no quesito ‘qualidade do jogo’ foram muito bem-sucedidos em seus planejamentos de enfrentar as dificuldades que os impediam de evoluir na prática do futebol.

La Liga, Premier League, Bundesliga e Ligue 1 não são apenas nomes de competições criadas para se comercializar a preços maiores suas partidas de futebol. Todas elas adotaram estratégias racionais de construção do calendário de jogos; têm especial atenção ao palco disponibilizado para a ocorrência da partida; não toleram simulações de jogadores e mau comportamento de treinadores à beira do campo; e decidem, em comum acordo com as emissoras conveniadas, o horário das partidas tendo como objetivo principal o melhor para a visibilidade dos clubes e da competição. Um olhar econômico para um produto nacional que tem interesse comercial.

Não se conseguirá elevar o futebol brasileiro ao nível das principais competições mundiais sem equacionar, enfrentar e resolver os inúmeros problemas que nos impedem de reconquistar o status de referência na prática do futebol. Hoje, infelizmente, deixamos de ser vistos e temidos, pois sabem que nossa técnica não consegue sobreviver à ausência de um mínimo de planejamento – dentro e fora do campo – para a prática profissional do futebol.

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O jogo tem vida

Crédito imagem: Coritiba/Twitter

Dentro de um jogo, o que é a finalização? A habilidade de chutar ou arremessar a bola em um alvo predeterminado para pontuar? E o drible? A habilidade de conduzir a bola mantendo o seu controle durante o processo? E o passe?

O passe, podemos dizer, é a habilidade de chutar ou arremessar a bola para um colega de equipe. Aqui está a fresta por onde começo a explicar por que acredito que o jogo é algo vivo. Diferentemente dos exemplos no primeiro parágrafo, não tem como excluir a outra pessoa na explicação da ação do passe. Isso é porque é incontornável que o passe seja compreendido mais como uma interação do que ação. Em outras palavras, depende de alguém para realizar o gesto técnico do passe assim como alguém para receber.

Faça um exercício simples: em uma sala fechada e com alguém perto, amasse uma bolinha de papel e com a pessoa te olhando de frente jogue a bolinha para ela. Agora, a pessoa sem a bolinha vira de costas e a outra joga a bolinha sem avisar. O passe ficou quase impossível. Sem a disposição da outra pessoa para receber o passe, ele não existe.

Podemos dizer o mesmo para a finalização, afinal quem ataca tentará marcar ponto, então a goleira da equipe adversária está constantemente interferindo onde finalizar, como e quando. Igualmente no drible, pois são as adversárias os grandes desafios para quem conduz a bola, comunicando (com e sem intenção ao mesmo tempo) com a atacante sobre como, quando e para onde tentar driblar. Isso segue com todos os outros fundamentos nos jogos.

Foi mais ou menos a partir daí que o genial Paco Seirul-lo disse que no futebol não existem ações, mas interações. Os jogadores estão constantemente reagindo às mais diversas situações de jogo, prestando atenção na bola e nos adversários. Como o próprio Seirul-lo diz, “o futebol é um fenômeno complexo (…) de interação, imprevisibilidade, auto-organização dos organismos e variabilidade, onde os critérios de causa única e cumulativos não tem lugar” (Seirul-lo, 2017 p. 31). Porém, gostaria de dar aqui meio passo adiante.

O jogo se dá em um continuado processo de improvisação por parte dos jogadores. Para ajudar aqui trago o antropólogo Tim Ingold, que explica o improviso como “seguir os modos do mundo à medida que eles se desenrolam” (Ingold, 2012 p. 38). Ingold entende que a vida – e digo que o jogo também – se forma por um emaranhado de fios vitais que se entrelaçam, não para alcançar um fim, mas para seguir em frente. As coisas são formadas por uma malha de fios, que se atravessam e cruzam, sem começo ou fim. Por isso que no jogo, o passe, finalização ou drible não estão isolados do todo. Existem colegas de equipe, adversários, bola… e é aqui que começo a dar o meio passo além de Paco Seirul-lo.

Voltemos à bolinha de papel para sairmos da sala e imaginar o mesmo exercício um ambiente aberto. Agora tem o vento ou a chuva interferindo o passar da bolinha de papel. Ou seja, existem elementos que estão fora do nosso controle atravessando o lançamento da bolinha no ar. Tim Ingold em seu artigo usa o exemplo de uma pipa: em uma sala fechada, é impossível dela voar, porque não basta a interação entre Eu e o objeto; é necessário o vento para que a pipa ganhe vida e vire o que ele chama de pipa-no-ar. Na mesma lógica escrevi logo no início “dentro de um jogo”
para pensarmos aqui.

Antes de continuar, um momento para esclarecer: é lógico que um jogador tem mais ou menos habilidade individual para realizar o gesto técnico do passe, finalização, drible, cabeceio, etc. Maior habilidade técnica pode permitir uma gama mais vasta do que fazer no jogo. Não se trata disso, mas sim destacar que a jogadora está jogando um jogo. Seguimos.

Em um jogo de futebol de campo, não estão jogando apenas 22 pessoas. A bola (lembra da icônica Jabulani em 2010?), o tempo, a grama, a torcida e como bem lembrou Hudson Martins em sua coluna, a fortuna, tykhe ou simplesmente imprevisibilidade também jogam. Ou melhor, diria que nós jogamos o jogo assim como o jogo joga com seus jogadores. A imprevisibilidade é mencionada por Paco Seirul-lo, por isso que qualquer contribuição que eu possa dar aqui é ínfima comparada com tudo que Seirul-lo já fez. Ainda assim, acredito que seja válida e por isso escrevo essa breve divagação.

Os limites entre jogadores e jogo são porosos, forçando processos complexos de habilidade em quem joga o jogo para que o ambiente seja considerado como parte da dinâmica de seus gestos no jogo. O jogador sente, ouve e olha ao mesmo tempo que joga, caracterizando um movimento de atenção, que só é possível quando o jogador ou jogadora é capaz de responder contínua e fluentemente a perturbações do ambiente, sem a necessidade de interromper a ação (Ingold, 2010 pp. 17-18). Ou seja, é quando o jogador faz parte do jogo, deixando-o fluir por si que a habilidade mais refinada pode ser executada.

Através dos movimentos de atenção que o jogo vai ganhando vida, através dos fluxos e contrafluxos que atravessam seus jogadores e jogadoras. Um jogo é onde “aconteceres” se entrelaçam, se transbordam e se refazem em síncopes. Por sua autotelia e relações humanas, além da sua imprevisibilidade, que Paco Seirul-lo mesmo reconhece e por isso digo que estou no máximo dando meio passo além, acredito que no jogo o que existem são itinerações. Jogadoras e jogadores transitam pelo jogo mais do que o controlam. Na transição, também o transformam, tecendo fios vitais que o atravessam, e é no “dar forma”, na contínua improvisação que reconhecemos como jogar, que o jogo está vivo.

Bibliografia
Ingold Tim Da transmissão de representações à educação da atenção [Periódico] // Educação. – Porto Alegre : [s.n.], jan./abr. de 2010. – pp. 6-25. Ingold Tim Trazendo as coisas de volta à vida [Periódico] // Horizontes Antropológicos. – Porto Alegre : [s.n.], jan./jun. de 2012. – pp. 25-44.

Martins Hudson Universidade do Futebol [Online]. – 31 de mar. de 2021. – 29 de jul. de 2021. – https://universidadedofutebol.com.br/2021/03/31/sobre-o-modelo-de-jogo-como-um-organismo-vivo/.

Seirul-lo Francisco Vargas O treinamento dos esportes em equipe [Livro]. – [s.l.] : Mastercede, 2017.

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O peso do grupo no futebol

Crédito imagem – Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

É interessante observar equipes jogando melhor, com mais desempenho, vencendo jogos e ao mesmo tempo apresentando um decréscimo nos índices físicos mais, digamos, tradicionais. Ou então, um time que treinou a semana toda ser esmagado no segundo tempo por outro que teve uma viagem desgastante e um jogo decisivo nesse mesmo intervalo de tempo – o senso comum diz que o time que só treinou deveria estar mais “inteiro”.

Poderia colocar tantos outros exemplos, porém aqui me valem mais as ideias e conceitos do que propriamente casos específicos. O jogo de futebol não pode ser fragmentado. Não existe um time melhor fisicamente que o outro. Não há um ‘nó tático’ de um treinador em outro. Os melhores jogadores tecnicamente podem juntos não gerar uma equipe melhor. Assim como estar mentalmente mais preparado pode não representar mais vitórias. Porém ao combinarmos esses elementos encontramos a beleza da complexidade, muitas vezes imperceptível aos olhos da maioria, que carrega um jogo de oposição e invasão, como o futebol.

A equipe que joga melhor mesmo com seus jogadores levantando menos peso na academia demonstra estar tão bem taticamente e tão confiante nos movimentos a serem executados que o referencial físico passa a ser outro. Ou o jogador que não tem o gesto técnico tão apurado, mas uma destreza que é física, porém também mental, de personalidade, de atitude proativa e positiva para resolver problemas, que acaba sendo mais útil do que outros tecnicamente mais qualificados. Ou quantos times em que declaradamente o ambiente de trabalho não era bom, com rusgas fora de campo, mas que nas quatro linhas a sinergia técnica e tática acoplada a uma boa combinação física era tão grande, que as vitórias vinham naturalmente…

Quando digo aos quatro ventos que ‘o todo é maior que a soma das partes’, que o futebol é um jogo complexo, que a preparação deve ser transdisciplinar, é por essas e outras… não cabe mais analisarmos ‘compartimentos’. Um time campeão não se faz com os melhores jogadores. Mas sim com a melhor combinação possível entre todos os seus elementos.

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Outro patamar em esporte coletivo?!

Crédito imagem – Site Atlético Mineiro/Reprodução

Contratações e reforços sempre causam impacto. A cultura do futebol brasileiro, individualista e em busca de heróis, necessita sempre de grandes personagens. Ou nem tão grandes assim, mas o que importa é ter personagem. Torcedores em geral gostam disso e dirigentes embarcam na onda para dar uma resposta a esse anseio. Travestidas de ‘oportunidade de mercado’, contratações são feitas sem muito critério, muitas das vezes baseadas no passado e não no presente do jogador e muito menos observando a forma como a equipe joga e as reais carências do elenco.

O termo da moda é ‘mudança de patamar’. Quando uma contratação de impacto é feita a pergunta que logo vem é: agora esse time está em ‘outro patamar’?!  Entendo o futebol pelo viés da complexidade. Ao invés dessa frase do patamar prefiro a “o todo é maior do que a soma das partes”. 

O resultado de um clube é fruto de tudo o que acontece nele. Cada departamento, como nutrição, psicologia, fisiologia, análise de desempenho etc, tem um tipo de participação no que é entregue dentro de campo. Claro que jogadores e comissão técnica tem um peso maior. Mas para a bola entrar é necessário muito mais do que bons jogadores. Ou já não vimos verdadeiras seleções de craques reunidas em um clube e um pífio desempenho dentro de campo?!

A visão global e integral do jogo não nos permite cair nessa história do patamar diferente com uma ou duas contratações. Seria o mesmo que dizer: Messi não é tudo isso porque não conquista na seleção da Argentina o que ganha no Barcelona. Ou ‘Cristiano Ronaldo já está acabado pro futebol já que na Juventus não ganhou a Champions League. Ou até mesmo que Neymar não tem bola para ser o melhor do mundo já que até aqui não conduziu o PSG a um título europeu.

Dentro de campo vale mais organização, ideias claras, conceitos bem treinados, do que simplesmente ter os melhores talentos. E fora de campo boa gestão, contas em dia, planejamento, estrutura física e recursos humanos também tem uma parcela brutal no resultado final. Tudo isso extrapola simplesmente contratar mais um jogador. Por melhor que ele seja!

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Como será o futebol das próximas gerações

Crédito imagem – C.Gavelle/PSG

Tivemos no final da última semana a divulgação de possibilidades de mudanças que a FIFA estuda implementar no futebol para os próximos anos. Não é nada oficial e até por isso nem vou entrar no mérito dos pormenores, como duração das partidas, número de substituições, o cronômetro ser paralisado quando a bola não estiver em jogo etc. Mas o que fica como positivo para mim é a entidade máxima do futebol estar atenta a maneiras de tornar o jogo mais atrativo, principalmente pensando nas próximas gerações. O futebol é algo inserido na sociedade. Se ela muda, o jogo tem que acompanhar. É nítido e notório que os mais jovens não consomem futebol como os mais velhos. Meu filho de três anos tem acesso a diversas fontes de entretenimento que eu não tinha na minha infância. Eu vivia inserido quase que ‘full time’ no jogo. Seja praticando, falando sobre, lendo, ouvindo etc. Porém ele já não. A agilidade dos games, dos celulares, das redes sociais pode tornar massante acompanhar um jogo de aproximadamente cem minutos (com acréscimos) sem nenhum gol acontecer.

A discussão hoje no Brasil é como fisgar os mais jovens para continuar torcendo pelos nossos clubes. A paixão que passa de geração para geração, de pai para filho, capta e convence apenas uma parcela. Para outras é preciso entregar algo mais, senão eles irão consumir e gerar receita para o Barcelona, Paris Saint German, Manchester City e etc. Ou o número de camisas desses clubes nas ruas é o mesmo de vinte anos atrás?!

Se nada for feito, no médio e longo prazo a discussão não será mais qual clube do mundo vende mais produtos no Brasil. E sim como criar uma nova geração apaixonada por futebol, que prefira jogar e consumir a modalidade ao invés de ficar no videogame, nas series e nas centenas de outras formas de diversão que serão criadas, mas que hoje nem fazemos ideia. Mais da metade dos aplicativos que tenho hoje no meu aparelho celular não existiam há cinco anos. Veja a velocidade das coisas!

A FIFA está atenta a tudo isso. Até porque para a própria indústria funcionar o torcedor é a parte mais fundamental. Sem ele nada gira! Portanto, por mais que eu seja tradicional e conservador na essência do jogo, tenho que admitir que algo precisará ser feito. Para que meu filho e meus netos tenham a mesma paixão que eu sempre tive por futebol. O mundo é outro e não irá parar de mudar!

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A queda de Rogério Ceni no Flamengo

Crédito imagem – Alexandre Vidal/Flamengo

A saída de Rogério Ceni do Flamengo é mais um capítulo que nos ensina e nos faz refletir sobre a complexidade que envolve o futebol de alto rendimento. Se dentro das quatro linhas as coisas já são complexas, aleatórias e imprevisíveis, já que a decisão de um jogador desencadeia uma ramificação gigantesca de novas situações, o que dizer então dos bastidores, das relações, das entranhas de um clube?! 

É verdade que o Flamengo não vinha jogando um futebol de encher os olhos. Mas estão mais do que óbvios que os motivos que determinaram a queda de Ceni foram extra-campo. Aliando sempre conhecimento à prática, há um consenso no mundo acadêmico de que o treinador de sucesso deve ter três competências muito bem apuradas: a técnica, a interpessoal e a intrapessoal.

A competência técnica diz respeito a questões de campo: ideias táticas bem elaboradas, metodologia eficaz de treinamentos, boa capacidade de leitura e uma correta intervenção no jogo e etc. A interpessoal trata das relações. Tudo o que envolve o relacionamento do treinador com as pessoas ligadas ao trabalho: dirigentes, jogadores, funcionários, imprensa e torcida. E por fim a competência intrapessoal é uma reflexão crítica do profissional sobre a própria prática e a consequente melhoria e aperfeiçoamento com base nos erros e acertos percebidos. É interessante notar que duas entre três dessas habilidades são comportamentais. E elas são maioria porque justamente são as mais determinantes para o sucesso. Claro que para chegar no alto nível um treinador precisa ter bons conhecimentos de campo. Mas até mesmo o jogar da equipe está relacionado a uma boa liderança do técnico, já que se a comunicação dele com os jogadores não for assertiva nem mesmo a melhor ideia de jogo do mundo será plenamente absorvida. Ou se a motivação e a visão de futuro dos atletas não estiver em dia será difícil ter o melhor de cada um.

Rogério Ceni tem uma curta, porém já vitoriosa carreira como treinador. Que essa saída do Flamengo e os flagrantes problemas de relacionamento que ele teve aflorem ainda mais suas habilidades inter e intra pessoais. Partindo do pressuposto de que não existe fracasso e sim feedback, Ceni tem bons argumentos para refletir a voltar ainda melhor.

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Brasil entre as melhores seleções do mundo, sim!

Crédito imagem – Lucas Figueiredo/CBF

Com a disputa da Copa América simultaneamente a Eurocopa as comparações são inevitáveis. Porém, mais do que falar dos gramados, da eficiência da arbitragem e até da gostosa energia que os torcedores já trazem de volta ao Velho Continente em contraste com as arquibancadas que seguem vazias por aqui, vale falarmos de bola, do jogo em si. E pelo futebol apresentado a seleção brasileira não deve em nada para nenhuma potência européia.

Por mais que eu ame estudar e entender tudo de tática, no final das contas o que vai decidir jogos e campeonatos é a técnica. É a qualidade do jogador. E todos os nossos principais atletas atuam no mais alto nível. Neymar está acostumado a driblar os principais zagueiros do mundo. Casemiro tem experiência de sobra em marcar os melhores atacantes. Alison e Ederson já pegaram bolas indefensáveis nas competições mais difíceis e importantes dos últimos anos. E por aí vai…por que então esses jogadores não estariam prontos para uma Copa do Mundo?

Reconheço que nos clubes todos eles estão inseridos em outro contexto. Há uma cultura por trás. E também o trabalho de grandes treinadores potencializando pelo coletivo todas as individualidades. Entretanto chego aqui em outro ponto: Tite não está atrás de nenhum outro técnico de seleções. O trabalho da atual comissão técnica da seleção brasileira está conectado com o que há de mais moderno em todos os aspectos. Desde a parte médica, passando pela tática, conceitos de jogo, análise de desempenho, treinamentos e etc. Há cinco anos, Tite tem conseguido uma hegemonia no continente que deve ser destacada. Se os confrontos contra os europeus inexistem, a seleção brasileira vem se impondo de maneira convincente sobre todos os adversários que encontra.

Copa do Mundo é um torneio curto. São sete jogos para ser campeão. E que fique bem claro: uma coisa é a Copa, confronto de “times” contra “times”. Outra coisa é a gestão do futebol como um todo. Organização, calendário, gestão e etc. Nisso, sim, estamos anos luz atrás. E mesmo se o Brasil foi hexa campeão no Qatar não teremos o melhor futebol do mundo. Apenas quer dizer que o “time” de Tite foi eficiente em uma competição que dura pouco mais de um mês.  E essa sexta estrela pode sim estar na nossa camisa no final do ano que vem. No quesito bola ainda estamos no bolo do que há de melhor no mundo.

*As opiniões de nossos parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O dilema para a formação de jogadores criativos

Crédito imagem – Projeto Love.Futbol/Rio Doce/Divulgação

No FutTalks que foi ao ar ontem entrevistamos o coordenador de performance do Internacional e especialista em Ciências do Esporte Élio Carravetta. Com seus anos de experiência prática e teórica no futebol e na formação de jogadores, uma das falas de Élio chamou atenção quando o especialista mencionou a necessidade de um ambiente livre e prazeroso para que o talento possa se desenvolver e que os jogadores possam exercitar sua criatividade.

Para quem aqui á foi uma criança que amava jogar futebol vai ficar mais fácil entender. Você lembra quando o treino de terça, ou quarta, acabava e o próximo iria acontecer só no começo da semana seguinte? Lembra como era acordar no dia do treino ansioso para tentar tudo o que você havia visto seus ídolos fazerem no final de semana? Imitar a falta de Zico, os calcanhares de Sócrates, os biquinhos Romário, as arrancadas e dribles de Marta, os chutes indefensáveis de Adriano e as jogadas espetaculares de tantos outros fenômenos do futebol? Ou, se você tem filhos ou filhas, já reparou como eles acordam animados para o “dia do futebol” na semana deles?

Élio destaca que é justamente essa empolgação, ansiedade e prazer pela prática que tornam a experiência de jogar futebol rica para o desenvolvimento da criatividade de jogadores e jogadoras. Então se, por outro lado, você percebe que seus filho ou crianças que fazem parte de seu cotidiano estão cada com cada vez brilho nos olhos ao pisar na quadra, temos um problema.

Formação de jogadores nas categorias de base

Isso vale também para as categorias de base. E aí, o grande desafio é manter esse espírito nos ambientes mais competitivos já que, cada vez mais cedo eles se apresentam para milhares de meninos e meninas no Brasil. Garotos de 7, 8 anos já viajam o Brasil em busca de uma vaga nos “elencos” das equipes de formação dos maiores clubes do país, para eles, muitas vezes essa jornada já não representa uma brincadeira e sim um fardo, o fardo de salvar a si próprio e à sua família de uma realidade em que seus direitos mínimos estão constantemente sob ameaça. Nesse contexto, todo o cenário descrito por Élio tende a cair por terra.

Nem ele, nem nenhum profissional que atuam nos clubes tem o poder de mudar essa realidade, a conjuntura social do Brasil está posta e o fato de que muitos garotos, e cada vez mais garotas, enxerguem o futebol como uma tábua de salvação não se pode mudar, pelo menos não da noite para o dia.

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Por uma política de desenvolvimento do futebol brasileiro – Uma utopia

Crédito imagem – Rafael Ribeiro/CBF

“Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

(Eduardo Galeano, pensador e escritor uruguaio)

Talvez muitos possam considerar inoportuno e irrelevante – além de “utópico” – defender a elaboração e implantação de uma política de desenvolvimento do futebol brasileiro levando-se em conta estes tempos tão difíceis, em que mal se consegue estabelecer políticas de natureza econômica, sanitária, educacional, cultural e social para o nosso país.

Mas entendendo o futebol como um importante fenômeno socioesportivo que mobiliza milhões de pessoas e que ainda caracteriza fortemente nossa identidade como nação, não é descabido sonharmos com a possibilidade de um grande pacto, que reúna lideranças capazes de definir uma política nacional de desenvolvimento do futebol e que possa, por extensão, contribuir para o desenvolvimento econômico, sanitário, educacional, cultural e social do Brasil, de forma mais ampla e sistêmica. Não se separa futebol e sociedade.

É verdade que o senso comum costuma interpretar a utopia como sendo algo inalcançável, que contém objetivos impossíveis de serem atingidos. E provavelmente seja isso mesmo. Como nos alerta Fernando Birri, cineasta e educador argentino, “a utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.”.

Contudo, a utopia pode significar também um propósito pessoal e coletivo de vida, que alimenta nossa imaginação em busca, por exemplo, de uma sociedade ideal, mais humana e solidária, formada por instituições políticas autenticamente comprometidas com a justiça social e o bem-estar da coletividade, mesmo considerando todas as suas contradições, conflitos e interesses divergentes. A utopia, portanto, pode ser um norte para que busquemos nossos propósitos mais nobres enquanto seres humanos e sociais, historicamente constituídos. Afinal, que sentido podemos dar às nossas vidas sem as utopias?

Por outro lado, ao mesmo tempo que somos determinados ou condicionados pelos contextos históricos, econômicos e culturais em que vivemos, somos também, de certa forma, capazes de contribuir para mudarmos a nossa realidade, tendo como referência os nossos sonhos. Somos nós, seres humanos, dentro de nossas circunstâncias existenciais, que construímos nossas determinações e nossos condicionamentos. Se estamos insatisfeitos, por que não construímos coletivamente uma utopia que nos faça caminhar com mais esperança?  

São com estes pressupostos que podemos considerar válida e relevante a ideia de concebermos, elaborarmos e implantarmos uma política de desenvolvimento para o futebol brasileiro; uma política através da qual não só o ecossistema do futebol poderá ser favorecido, como também a sociedade de forma geral.

Problemas novos e urgentes apresentam-se nesta terceira década do século XXI. Não podemos deixar de reconhecer que o modelo político e econômico hegemônico, predominante hoje no mundo, nos impõe enormes dificuldades e barreiras. Neste sentido, não podemos ser ingênuos a ponto de achar que apenas com boa vontade e alianças frágeis conseguiremos progredir de forma mais consistente. Mas isso não pode nos desmobilizar. Há sempre a possibilidade de encontrarmos soluções inovadoras, que nos façam crescer como indivíduos e como sociedade. Afinal, somos nós, seres humanos, quem temos que tomar as decisões e tentar encontrar as melhores soluções para os problemas que nos afligem.  

Dados da própria CBF revelam que hoje a indústria do futebol brasileiro movimenta recursos na ordem de 50 bilhões de reais, cerca de 0,72% do PIB, e que há potencial para alcançarmos algo próximo de 1,5% se nos organizarmos para tal, trazendo possibilidades de mais desenvolvimento para esta indústria que atualmente mobiliza, com todas as suas limitações, um número em torno de 150 mil empregos.

O futebol e a sociedade estão mudando rapidamente, e já está passando da hora de entendermos criticamente o cenário em que vivemos, diagnosticarmos nossos problemas e caminharmos coletivamente em busca de suas soluções. Em relação ao futebol especificamente, questões como o estímulo à prática da modalidade enquanto lazer e educação, atratividade dos eventos esportivos, qualidade dos jogos, calendários, arcabouço jurídico das instituições esportivas (clubes, federações, CBF etc.), entre outros elementos, além – é claro – de uma análise cuidadosa das novas tendências, são aspectos que precisam anteceder a elaboração de uma política consistente de desenvolvimento do futebol brasileiro.

Evidentemente que um plano realista que fundamente esta política, deve também considerar as contradições e conflitos de interesses dos diferentes setores que compõem a cadeia produtiva do futebol. Considerar esta correlação de forças que interfere na dinâmica desta indústria é indispensável, e só um pensamento crítico poderá fazê-lo. Se queremos mudanças radicais (no sentido de irmos à raiz das questões), entender essas peculiaridades é fundamental. Só avançaremos se tivermos lideranças que resolvam encarar estes desafios de frente.

Àqueles que acreditam nestas possibilidades e ainda alimentam a sua paixão por esta manifestação sociocultural e esportiva ímpar que é o futebol, fica aqui o convite para refletirmos de forma crítica e coletiva e, assim, construirmos essa utopia que transcenda o próprio futebol e nos faça avançar como uma sociedade mais justa, civilizada e humanizada.

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Como manter o apetite por vitórias no futebol?

Crédito imagem – Site oficial Palmeiras

Chamou a atenção a fala do técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, dizendo que após as conquistas do começo do ano – Libertadores e Copa do Brasil – ele pediu reforços a diretoria do clube. Ainda temos como verdade aquele falso clichê: em time que está ganhando não se mexe. E por mais que o treinador português tenha claramente mudado sua forma de se comunicar – a simpatia inicial deu lugar a um permanente aborrecimento – ele está coberto de razão nas reivindicações e traz a tona mais um tema importantíssimo para a discussão: como manter a fome de vencer de um grupo já campeão?

Toda conquista no futebol não é simples e deve ser comemorada. Seja um título de campeonato amador seja o da Serie A do Campeonato Brasileiro. De vinte times, dezenove “perdem” e só um ergue o troféu na primeira divisão nacional. Ou seja, é a exceção e não a regra.

E é natural do ser humano entrar em um estado de relaxamento após um esforço continuado. Ainda mais se esse esforço for bem sucedido e culminar na obtenção de um objetivo. E voltando a questão da exceção e da regra, são raros os jogadores que mantêm a vontade de vencer logo após um título. A maioria entra em uma zona de conforto. Nem todos são Messi, Cristiano Ronaldo e afins…

Quando Abel Ferreira fala em novos jogadores não necessariamente ele se refere a contratações para qualificar o elenco. A questão é muito mais mental, de apetite de vencer, do que técnica. Alex Ferguson, lendário técnico do Manchester United, eternizou a ideia de que após uma temporada sem conquistas a ordem era a manutenção do time porque as derrotas preparariam para as vitórias e que após um ano bem sucedido era necessário trocar de vinte a trinta por cento do elenco. Justamente para renovar essa sede de títulos.

Todo treinador com um mínimo de experiência sabe quando as vitórias estão se aproximando ou se afastando. O discurso que funcionou em um ano pode não funcionar no ano seguinte. Por isso, vale a pena refletir sobre as palavras do técnico do Palmeiras. E não ir pelo caminho de que ele simplesmente está dando desculpas pelas derrotas recentes.