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Sobre Cueva, Rodrigo Caio e a comunicação na crise

Penúltimo colocado, o São Paulo já bateu nesta temporada o recorde de rodadas na zona de rebaixamento em Campeonatos Brasileiros disputados no sistema de pontos corridos. Foram apenas 24 pontos somados em 23 rodadas, com seis vitórias, seis empates e 11 derrotas, além da segunda defesa mais vazada do certame nacional (35 gols sofridos). A crise é profunda, permeia diversos setores do clube e oferece cada vez menos perspectiva de recuperação em curto prazo. Mas se é difícil melhorar a situação, dois jogadores mostraram no último fim de semana que erros no processo de comunicação podem aumentar – e muito – o buraco em que o clube se enfiou.

A celeuma começou, na verdade, na quinta-feira (07). Zagueiro revelado pelo clube, Rodrigo Caio deu entrevista coletiva e foi questionado sobre a queda de desempenho do meia peruano Cueva, dono da camisa 10. Respondeu com elogios ao companheiro, ressaltou sua capacidade técnica, mas lembrou que o futebol moderno não admite times que tenham jogadores menos participativos. Encerrou a tese com a frase que marcou a conversa com jornalistas: “Ele precisa se ajudar”.

No sábado (09), Cueva foi reserva do São Paulo que empatou por 2 a 2 com a Ponte Preta no Morumbi e perdeu uma chance de deixar momentaneamente a zona de descenso. Entrou no segundo tempo e participou pouco do duelo, mas foi interpelado por jornalistas assim que passou pela zona mista do estádio. Cenho fechado, respondeu apenas um “fala com o Rodrigo Caio”.

Discutir quem tem razão é uma boa dose de oportunismo, ainda que a crítica de Rodrigo Caio coubesse mais em um ambiente fechado. Entre um e outro, o melhor comentário partiu do meio-campista Hernanes, autor de sete gols em sete jogos desde que voltou ao São Paulo. O jogador tem sido a grande referência técnica da equipe nesta temporada, mas também se destaca pelo comportamento. Questionado sobre a crise de relacionamento, tentou colocar panos quentes: “Um bateu, outro apanhou: é um empate”.

Desentendimentos e diferenças de perspectiva entre atletas são comuns, assim como acontece em qualquer ambiente profissional. Qualquer um que já tenha vivenciado o dia a dia de uma empresa, independentemente da proporção do negócio, tem histórias a contar sobre pessoas que não se davam bem ou erros internos de avaliação.

Há dois aspectos a serem considerados na discussão Cueva/Rodrigo Caio, portanto: 1) como a sociedade se sente confortável para exigir de jogadores de futebol um comportamento que não consegue impor nem para si e 2) como os jogadores do São Paulo, a despeito de conviverem há anos com essa patrulha, agiram de uma forma que contribuiu sobremaneira para a pressão externa. Graças às frases de um e de outro, criou-se no clube uma agenda sobre o comportamento do elenco. A situação chegou a ponto de dirigentes terem comparecido ao treino de segunda-feira (11) a fim de discutir com atletas o que tem acontecido com o ambiente tricolor.

O principal legado da discussão entre Rodrigo Caio e Cueva, portanto, é que o São Paulo passou a conviver com pressões externas para que a roupa suja fosse lavada. Isso expôs uma cobrança irreal que existe sobre jogadores de futebol e também mostrou como um simples problema de comunicação pode colocar todo um trabalho em direção errada.

É nesse sentido que a discussão sobre o que aconteceu no São Paulo remete a um episódio protagonizado por jornalistas do canal fechado Sportv. Tudo começou quando Tim Vickery, britânico que é comentarista habitual da emissora, criticou a relação de profissionais de imprensa no país com jogadores de futebol. Segundo ele, existe um fator social que fomenta alguma dose de desrespeito da mídia com os atletas, algo que não existia na Premier League até bem pouco tempo e que tem começado a surgir também por lá.

Quando formulou o raciocínio, Vickery usou um bordão do narrador Daniel Pereira, que costuma dizer algo como “presta atenção no serviço”, como exemplo de profissional de imprensa que se sente habilitado a cobrar publicamente o jogador de futebol. O locutor respondeu na rede social Twitter, disse que não passa de uma brincadeira e lembrou que também usa a expressão quando comete erros. Luiz Ademar, comentarista que também trabalha na casa, respondeu a essa postagem lamentando o tom usado por Vickery e as críticas recorrentes que ele faz, na visão do companheiro, sobre o conteúdo produzido pelo canal.

Existe uma patrulha exacerbada sobre comportamento de atletas e o ambiente que se cria em cada time, evidentemente. Existe uma falta de critério em análises comportamentais, com exigências que muitas vezes não são compatíveis com outros segmentos. A natureza dessa diferença pode ser algum tipo de preconceito, mas também é possível que contenha enorme dificuldade para assimilar algo além do lugar comum.

O São Paulo precisa de ajuda, mas essa ajuda não precisa ser necessariamente voltada a dirimir problemas entre os atletas. Em vez de discutir se os funcionários se gostam ou o que um diz sobre o outro publicamente, o clube deveria se preocupar com problemas como a montagem do elenco, a diretoria perdida, as comissões técnicas que pouco acrescentam e a possibilidade cada vez mais real de queda à Série B do Campeonato Brasileiro. Diante de um cenário de tantos problemas, preocupar-se com o que acontece entre duas peças da engrenagem é bem menor do que entender por que essas mesmas peças têm rendido aquém do esperado. A análise sobre o caso também poderia ser bem mais prolífica se considerasse esses aspectos.

Você pode dar razão a Rodrigo Caio, a Cueva ou a ambos, mas uma coisa é indiscutível: o São Paulo perde com essa história, e não porque dois de seus jogadores têm uma rusga. Ah, tem outra coisa indiscutível: não é apenas o clube que perde quando a imprensa se sente no direito de patrulhar. Há erros de comunicação de todos os lados, mas a discussão mais relevante do episódio é o quanto podemos ser bedéis de nós mesmos.

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O “fair-play” financeiro e a competitividade no futebol

Diante dos gastos exorbitantes de alguns clubes europeus neste início de temporada no hemisfério norte, combinados aos diversos interesses políticos e econômicos envolvidos em todas essas transações, a federação de futebol daquele continente (UEFA) resolveu intervir e instituiu o “fair-play financeiro” para os clubes sob sua esfera, que tem como princípios: não permitir o calote; o controle de gastos e incentivar o investimento sustentável dentro deles. Objetivos desta iniciativa: controlar e melhorar a saúde financeira das equipes.

Entretanto não é apenas isso. Os principais trabalhos conduzidos por uma entidade de administração do esporte (federação) são: proteger e difundir a modalidade. Dentro da proteção, enxergamos o “fair-play financeiro” citado acima, uma vez que os grandes gastos na contratação de alguns atletas por determinados clubes, fere um fator muito importante dentro do futebol: a competitividade. Isso significa em proporcionar equivalentes condições de competitividade entre as equipes, a fim de proporcionar equilíbrio. Quanto mais imprevisível for o resultado, mais atrativo ao público é o jogo. Nessa linha de pensamento, é por isso que os “clássicos” atraem mais torcida. Além da história e palmarés das equipes, o placar de um clássico é uma incógnita.

Há cerca de duas décadas, quando ainda não existiam os grandes volumes de dinheiro do mundo árabe, dos chineses, dos empresários do sudeste asiático, dos grandes conglomerados norte-americanos e dos magnatas do leste europeu, percebia-se mais equilíbrio em ligas europeias, sobretudo na alemã. O Kaiserslautern no fim dos anos 1990 fora promovido da segunda para a primeira divisão e de cara conquistou a competição. Já não se vê mais isso. Conta-se nos dedos de apenas uma mão qual clube pode ser o campeão ao final de uma temporada: na Alemanha, na Inglaterra, na Itália, na França e na Espanha (nem se fala!), por exemplo.

Kaiserslautern campeão alemão. Foto: Divulgação
Kaiserslautern campeão alemão. Foto: Divulgação

 

O futebol sul-americano e especificamente o brasileiro estão distantes deste investimento estrangeiro – que em um primeiro momento pode encantar muitos torcedores. Entretanto é preciso aplicar bons princípios de gestão do esporte a fim de tornar a modalidade sustentável e melhorar a saúde financeira das equipes. Bom, mas atenta-se neste texto a um aspecto positivo no futebol de clubes do Brasil: o fator equilíbrio. Basta vermos os campeões nacionais na última década e os classificados para os torneios continentais. Na vizinha Argentina, percebe-se o mesmo. Vai sempre haver um clube que tem mais investimentos, outros nem tanto, mas essa diferença é pequena perto dos clubes da primeira liga da França, em que uns poucos têm muito, e outros muitos têm bem pouco. Consequência disso? Desequilíbrio. Bom para o futebol? Não!

Com tudo isso, o trabalho para a igualdade de condições entre as equipes é fundamental para a competitividade de um torneio, que é um dos fatores que vai manter o interesse do público. Caso contrário, com o tempo os placares serão previsíveis, os estádios se esvaziarão e a audiência da TV, vai cair. Como foi dito, o Brasil está longe dessa realidade europeia. O “fair-play” a ser aplicado por estes lados é a boa gestão, em respeito ao atleta profissional e ao torcedor.

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Justiça pode vetar estádio novo do Atlético-MG?

A torcida do Atlético-MG está na expectativa da reunião do conselho do clube que decidirá pela construção do estádio em operação que envolveria a venda de 50,1% do shopping Diamond Mall. Como todo debate e toda reunião importante, existem opiniões diversas.

Um dos conselheiros contrários à operação que pode culminar na construção do estádio do clube alvinegro, Edison Simão, propôs Ação contra o Atlético com pedido de tutela antecipada satisfativa em caráter antecedente para suspender a reunião e decretar a nulidade do edital de convocação.

A referida ação possui, principalmente, os seguintes fundamentos:

                 a). o regimento do Atlético limita o tempo da reunião a 3 horas (o edital prevê duração de 08h30min às 21h);

                 b). o regimento determina que o edital deverá mencionar com clareza a data, o horário e o lugar onde se realizará a reunião e indicará, com precisão, a pauta.

A ação foi distribuída por sorteio para a 1ª Vara Cível de Belo Horizonte que no despacho inicial não analisou o mérito do pedido, mas, determinou que se alterasse a petição inicial para que o valor da causa seja o valor do edital.

Importante esclarecer que, segundo a legislação, toda ação judicial tem que ter um valor de causa. Este valor será indicado pelo advogado (“conferido” pelo juiz ou pela parte contrária) e deverá obedecer o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.

Este valor da causa indicará as taxas a serem pagas para ingressar com a ação e o valor a ser pago a título de sucumbência em caso de derrota.

No caso em questão, o autor conferiu à causa o valor de R$ 1.000,00 e pagou R$ 215,90 de custas. Caso perca a ação, a sucumbência giraria em torno de 20% de R$ 1.000,00.

Com a determinação do Juiz da 1ª Vara Cível de Belo Horizonte, a causa deverá ter o valor do edital, ou seja, 250 milhões de reais. Consequentemente, as custas iniciais passarão a ser de R$ 11.591,24 e, caso perca a ação, o autor poderá ser condenado a pagar aos advogados do Atlético, o valor de 50 milhões de reais.

Diante dessa nova realidade, do dispêndio financeiro e dos riscos envolvidos, talvez o conselheiro desista da demanda.

Havendo a adequação do valor da causa e o pagamento da diferença das custas de mais ou menos onze mil reais, o juiz analisará o pedido de tutela antecedente, comumente conhecido como liminar.

Ainda assim, o pleito do conselheiro, salvo melhor juízo, tende a não obter sucesso.

Inicialmente, imprescindível destacar que inexiste qualquer urgência e/ou risco que justifique o cancelamento da reunião, uma vez que a operação não ocorrerá durante a reunião. Ou seja, ainda que haja irregularidade, basta anular a deliberação e impedir a venda do shopping.

No que diz respeito ao tempo de duração da reunião, além de se tratar de prática habitual no clube (usos e costumes são fonte do direito), a dilação do período de duração parece ter se dado justamente para que os conselheiros tenham todo o dia para analisar o projeto que está à disposição deles na sede do clube.

Aliás, a clareza da pauta está na disponibilidade do projeto desde 21 de agosto. Ou seja, há tempo hábil para se inteirar sobre o tema e, ainda, todo o dia da reunião para debatê-lo.

Por fim, imprescindível destacar que há um aparente conflito entre o período de 3 horas previsto no regimento e a exigência de amplos debates e análise previstos no mesmo texto normativo. Aparente porque o conflito é sanável no caso concreto e, por óbvio, diante da importância e da magnitude do projeto, sempre deve-se primar pelo debate e pelo conhecimento.

Assim, a reunião tende a ocorrer normalmente e a decisão sobre o futuro do shopping e do estádio do Atlético estará no voto de seus conselheiros.

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Dar importância ao que é importante (ou pelo menos deveria ser)

Talvez seja perceptível, através da leitura dos textos que produzo, o meu modo de pensar futebol e até mesmo a minha afinidade metodológica. Mas antes de tudo defendo um futebol pensado como um “todo”. Algo “minimamente complexo”. Um jogo que mescla, “divinamente”, a Arte com a Ciência. Arte no sentido de ver o que é “bonito”, a tal criatividade, admirada na “mágica beleza” da resolução dos problemas que o jogo te oferece (individual e coletivamente).

Por outro lado, a defesa que faço da minha forma de pensar não obriga, de forma alguma, a afinidade (completa ou não) por aqueles que leem. A cada um se reserva sua crença, e é necessário a discórdia para que haja discussão e, assim, desenvolvimento do pensamento e, posteriormente, aprimoramento da prática, do dia a dia. Isto, na verdade, é o que mais interessa, fazer e não somente falar. Aliás, para chegarmos em resultados diferentes, precisamos pensar e agir de forma diferente. Precisamos mudar nosso comportamento para obter resultados diferentes. Se por ventura fizermos as mesmas coisas, não podemos esperar resultados diferentes (Albert Einstein). E muito disso passa pelo treino.

Entre os jogos existe(m) o(s) treino(s). E, inevitavelmente, há uma quantidade maior de treinos do que jogos. Uma porcentagem bem maior que fundamenta a importância crucial de se estruturar e arquitetar (periodizar) as sessões de treinamento. Precisamos nos importar mais e melhor com o período de treinos. Saber organizar o tempo que se tem para construir uma forma de jogar. Por isso, pode ser considerado, um processo de ensino-aprendizagem, tanto individual como coletivo, da maneira como se pretende jogar. Este processo de ensino-treino tem como objetivo aperfeiçoar as diferentes capacidades e competências dos atletas e da equipe. Porém, ainda algumas práticas vêm limitando e coibindo o desenvolvimento individual e coletivo.

Um treino analítico, por exemplo, é configurado em uma dinâmica onde dificilmente os jogadores podem expressar as suas aptidões criativas, através do gesto técnico ou da ação em movimento. O que infelizmente reflete em uma característica constantemente observada no nosso futebol, uma inoperância da criatividade decisional nas soluções de algumas dificuldades que o jogo apresenta.

Aprender futebol a base de repetições debilita as possibilidades criativas dos jogadores. Este tipo de treino onde se propõe, ou impõe o mesmo, um treino analítico. Onde se observam tarefas fechadas e práticas físicas dirigidas todas elas a um único aspecto (geralmente físico ou técnico). Deste processo resultam jogadores que passam anos se exercitando, onde a sua técnica melhora, mas eles não jogam (individual e coletivamente) necessariamente melhor (o que podemos observar atualmente). Isto porque as tarefas que estimulam a repetição mecanizada e “cega” das ações são nefastas para o desenvolvimento dos jogadores, hipotecando a sua inteligência, criatividade e adaptabilidade. Treinamos jogadores para executarem melhor. E para pensarem melhor o jogo? E para resolver melhor os problemas do jogo (como ter a posse de bola, por exemplo)? Quando iremos nos importar com o pensar? Quando iremos treinar mais o cognitivo?

Treinar os jogadores para fazer o que deve ser feito em determinada situação do jogo. Nas mais variadas e distintas situações do jogo, termos no mínimo 7/8 atletas pensando sobre o mesmo referencial coletivo. Não fazer as mesmas coisas ao mesmo tempo, mas sim, pensar sobre o mesmo referencial ao mesmo tempo. O principio é começo e não o fim, o ponto de partida. Caso contrário, o desempenho da equipe e o atleta ficam a mercê apenas da vontade e motivação. Só não podemos cair no erro de esquecer que esta “vontade” e “motivação” é para fazer algo. Algo específico. Motivação: motivo + ação. Objetivo da ação. Qual o propósito do seu desempenho?

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Intensidade

Não é fácil retirar fatos pré-concebidos na sociedade atual. Somos espelhos de vícios e jargões que devastam possibilidades evolutivas. Em qualquer área, os fatos prontos, feitos por medidas padrões, capacitam a cegueira e dificultam a abertura dos olhos.

E o que vem chamando atenção ultimamente é o termo intensidade. Intensidade, no olhar pragmático, conceitua-se pelo esforço físico dos jogadores, por correr, pressionar, apertar e chocar. Se os jogadores correm, são intensos e se não correm, não são.

Evidente que uma das facetas da intensidade é o esforço físico, mas só partindo por essa análise simplista, já levantamos três perguntas: de que forma esses esforços físicos são realizados anteriormente ao jogo nos treinamentos? De que forma serão realizados no jogo? Só pode ser intenso sem a bola?

Por essa via já temos muitas interrogações. E há muitas coisas que sobrepõem apenas o correr no conceito de intensidade.

Enxergar apenas no dia do jogo o conceito de intensidade, ou apenas nos trabalhos físicos isolados, podemos entrar numa limitação conceitual, pois esse conceito é muito rico e complexo.

Mudando a lente, olhando sistemicamente, qualquer exercício, com bola ou sem bola, qualquer interação no jogo pode ser intensa, pois carrega consigo uma intensidade relativa que engloba fatores específicos: forma de jogar, emocionais, cognitivos, decisionais, técnicos e físicos. Essa ideia sobrepõe a imagem de que o treino com intensidade é apenas físico e clarifica o poder da concentração específica.

Um elevado nível de performance necessita antes de qualquer coisa um elevado nível de concentração. Esse elevado nível de concentração, que busca sempre ser o máximo que é relativo, primeiramente é contextual a cada realidade, a cada equipe, a cada interação entre os jogadores intra-inter equipe e contra os adversários. Apenas com um nível alto de concentração, o jogador pode ser intenso realmente. Imaginemos um jogador que corre muito durante uma partida, se não estiver concentrado para correr no momento e para o lugar certo, não estará sendo intenso, apesar de parecer ser. Imaginamos uma equipe que usa a bola como instrumento de jogo, sua intensidade será diferente.

Afinal, a operacionalização dessa intensidade relativa deve estar entranhada na frase “se joga como se treina”. E todos os dias devem ser intensos, pois se escolhermos dias para treinar intensamente, poderemos não ter intensidade no jogo. Assim, o revestimento dessa intensidade em cada dia é que deve ser ajustado. Esse ajuste gera um impacto emocional que faz os jogadores se identificarem com todos os intervenientes dessa terminologia.

E, em cada dia os exercícios requerem níveis relativos cuja intensidade máxima e ideal para o desempenho seja coincidente com os requisitos do momento semanal, sendo que essa intensidade se refere a concentração individual, grupal, setorial, inter-setorial e coletiva, ou seja, um traço qualitativo-quantitativo de informações que um jogador/jogadores processarão durante um ciclo de treino/jogo originário de uma especificidade permanente.

Eu pergunto: quando o gajo vai marcar um pênalti, não é intenso? É por isso que eu chamo de intensidade máxima relativa: é sempre máxima, mas relativa em função da complexidade contextual. (Vitor Frade)

Mudamos nosso conceito de intensidade!

Abraços a todos e até a próxima quarta!

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Copa da Primeira Liga: falta "marketing"?

Semana passada Abel Braga, treinador do Fluminense, disse em entrevista coletiva que a ausência de clubes de São Paulo na Copa da Primeira Liga era ruim para o “marketing” do torneio. Independente da presença ou não deles, é preciso perguntar qual o objetivo do torneio, qual o público-alvo e qual a sua vantagem competitiva em relação às demais competições. É este o produto que vai ser colocado no mercado (e concorrer com outros torneios de futebol e outras opções de lazer que as pessoas têm) e estará disponível para as televisões e o público torcedor.

Em uma análise superficial, a Copa do Nordeste tem tudo isso e em relativamente pouco tempo conseguiu construir um produto excepcional, muito disputado e com estádios repletos. Dentre outros motivos, está muito claro para o torneio Nordestino o que foi citado no parágrafo anterior. A Copa da Primeira Liga por sua vez já mostra publicamente que nos bastidores os clubes divergem bastante, muito antes de a competição começar. Ademais, dentro de um produto, a frequência e regularidade de uma competição também são aspectos a serem bastante considerados. Nesse sentido, um torneio ficar meses sem um jogo cria um enorme vazio institucional cuja recuperação é possível, mas é um esforço que pode ser evitado.

Esses questionamentos devem ter sido feitos, mas é preciso deixar claro o que quer a Copa da Primeira Liga e qual o diferencial em relação aos outros torneios com que concorre, nomeadamente a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro. A Copa do Nordeste tem isso muito claro. A Copa do Brasil, quando criada no final dos anos 80, passou a proporcionar aos médios e pequenos clubes uma oportunidade para se projetarem nacional e internacionalmente, haja vista o Criciúma Esporte Clube do início da década de 90.

Foto: Divulgação
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Portanto, falta sim “marketing” para a Copa da Primeira Liga. Falta conceber melhor este produto para que ele seja interessante aos torcedores. Se for preciso, levar em consideração o formato, a periodicidade, os clubes participantes e suas categorias utilizadas. Se é uma liga, há espaço para inovação no uso da tecnologia, por exemplo. Tudo isso lado a lado com os objetivos do torneio, em respeito aos dois elementos mais importantes do esporte: o atleta e o torcedor.

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Concentração e excelência no futebol

“São situações de jogos grandes que inevitavelmente vão acontecer. Tem que ter um nível de concentração muito alto. Se não tiver mentalmente muito forte para as adversidades, facilmente deixa de produzir o melhor. Falei no intervalo para manter o nível de concentração alto e o segundo tempo foi muito melhor do que o primeiro”. Essas são as palavras do técnico da seleção brasileira, Tite, após a vitória do Brasil sobre o Equador, no último dia 31/08/2017.

Observando essa menção sobre a concentração, achei importante nesta semana falar brevemente a respeito deste assunto dentro do grande tema excelência do atleta profissional de futebol.

Posso e devo recorrer à obra da Terry Orlick para provocar nossa reflexão sobre a busca da excelência e o papel da concentração nesse contexto. O autor comenta que todos nós temos a capacidade de buscar nossos sonhos e alcançar os objetivos significativos para nossas vidas, pois existe uma força inacreditável dentro de nós mesmos quando conseguimos extrair todo o poder de nossa concentração, quando aumentamos a qualidade e a consistência da nossa concentração, e estes acréscimos ajudam a elevar a consistência e a qualidade do nosso desempenho profissional.

A concentração é o primeiro e o mais importante elemento da excelência. A grande maioria dos atletas profissionais que atingem o seu melhor desempenho ou que conquistam a excelência em níveis mais elevados, aprenderam a se concentrar efetivamente.

É valioso termos em mente que a melhora da concentração poderá permitir que o atleta continue a aprender, experimentar, crescer, criar, aproveitar e alcançar um desempenho cada vez mais próximo da sua capacidade máxima.

Então agora podemos começar a perceber o valor das palavras do técnico Tite, quando menciona a importância da concentração de seus atletas e o efeito positivo ou os benefícios que uma concentração elevada pode gerar. Complementando, para termos uma noção exata de como se pode promover o aumento das reflexões sobre a importância da concentração, seguem alguns exemplos de indagações que podem ser feitas aos atletas, para que eles possam começar a refletir verdadeiramente sobre a sua concentração.

  • Você está trabalhando para manter seu melhor estado de concentração o tempo todo em sua atuação, seja em treinos ou nos jogos?
  • Você consegue lembrar de momentos em que uma melhor concentração traria um melhor resultado de sua ação em campo?
  • Você pode elaborar novas ações para elevar o seu nível de concentração atual?
  • Você tem trabalhado constantemente para melhorar a qualidade e consistência de sua concentração a cada dia?
  • Você está concentrado em fazer as pequenas ações, necessárias e programadas, que têm o melhor efeito para o aumento do seu desempenho a cada dia?

Reflexões como estas podem contribuir e muito para que todo atleta profissional se mantenha na busca constante do seu melhor desempenho possível na carreira.

Até a próxima!

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A autonomia do jogador

Olá, caro leitor.

Alguém de vocês já fez, ou faz, aulas para aprender a tocar algum instrumento? Eu já fiz! Por um curto período de tempo (pretendo retomar um dia, não necessariamente neste instrumento) fiz aulas de violão. Em função de uma série de fatores não dei continuidade, na época ainda não trabalhava com o esporte, porém, algumas posturas didáticas do meu professor me fizeram refletir bastante e influenciam na minha ação como professor/treinador hoje.

Meu antigo professor me apresentou as bases de qualquer canção, as notas musicais, utilizou algumas músicas prontas para que eu pudesse começar a dominar as notas tanto em relação ao conhecimento declarativo (ouvir e reconhecer), como também em relação ao conhecimento processual (tocar). E sempre me dizia que era importante que dominasse as notas e pudesse reproduzi-las, a fim de que, na sequência, começasse a usar minha criatividade e predileções para compor minhas próprias músicas. Ele não estava tão preocupado se eu fosse tocar rock, música clássica ou sertaneja, simplesmente queria que eu fosse capaz de tocar e produzir música por mim mesmo.

Trazendo esta situação para o jogo de futebol, é notória (e imprescindível) a grande importância que tem se dado à tomada de decisão dos jogadores em uma partida (nas colunas “Tomar decisões, algo simples e complexo” e “Como você está formando ‘Jogadores Inteligentes’?” trago algumas reflexões sobre o tema). As principais e mais recentes pesquisas apontam que um jogador tem de tomar cerca de 2 mil decisões em um jogo de 90 minutos, enquanto que uma pessoa num dia “normal” toma cerca de 8 mil decisões. Podemos dizer que a densidade de tomada de decisão em um jogo é muito alta, portanto, é altamente plausível que se dê muita atenção à qualidade destas decisões.

Agora, o que são boas decisões?

Poxa, Danilo! Boas decisões são aquelas que aproximam a equipe de cumprir a lógica do jogo, marcar mais gols do que o adversário!

Ok, concordo. Porém, são muitas e distintas as decisões que podem conduzir a isso!

Um jogador pode decidir pegar a bola, sair driblando os adversários e fazer um gol. Um defensor pode decidir dar um “chutão” para frente e a equipe conseguir marcar um gol. Ou a equipe decidir iniciar uma sequência de movimentações e trocas de passe que culminem em colocar a bola dentro do gol adversário. E aí, qual destas decisões é a melhor?

Algumas vezes já ouvi as expressões “jogador de joystick” e “treinador de Playstation”, fazendo alusão a jogadores que só agem segundo os comandos do treinador e a treinadores que buscam ter o controle total sobre todas as ações dos jogadores. Será que a todo momento é necessário que o treinador fique dizendo o que deve ser feito e que os jogadores só ajam de acordo com aquilo que lhes é dito?

Nos últimos anos tem se discutido muito a respeito das decisões que os jogadores tomam no jogo, em mecanismos para se qualificar e potencializar estas decisões, em desenvolver a autonomia dos jogadores. Mas, como direção e comissão técnica, estamos realmente preparados para isso? Ou a cada decisão diferente daquilo que consideramos certo, mesmo que a mesma tenha sido eficaz para a situação, sabemos lidar com isso? Ou nossa resposta a essa decisão vai somente de acordo ao resultado dela? Por exemplo: um jogador tem a opção de dar um passe vertical curto para outro logo a sua frente, mas arrisca e tenta fazer uma inversão através de um passe longo. Duas decisões aceitáveis e com seu grau de produtividade. Se o jogador acerta a inversão, lhe damos os parabéns e se erra lhe cobramos por não ter feito o passe curto? Estamos realmente dando o poder para os jogadores tomarem as próprias decisões ou através dos treinos e abordagens só lhe damos a opção de tomar determinadas decisões que desejamos.

É sabido que equipes como o Barcelona possuem uma linha de pensamento de jogo bem definida, assim como uma metodologia de treinamento que induz, desde muito cedo nas categorias menores, seus jogadores a tomarem decisões de acordo com a filosofia que o clube defende. E longe aqui de julgar se isso é bom ou ruim, mas sim, pontuar que no Barcelona isso ocorre de forma estruturada, planejada e consolidada há muito tempo e que, ainda assim, não limita totalmente as decisões de seus jogadores. Agora, quantas equipes no Brasil tem algo similar a isso ou estão construindo algo nesse sentido? E de acordo com a nossa cultura e história, nossos melhores jogadores foram e são aqueles mais criativos e autônomos ou aqueles que só reproduziam o que os treinadores lhe pediam/pedem?

Meu antigo professor de música, queria me preparar para conhecer mais de música, aprender a tocar e, assim, de acordo com a minha vivência musical, poder tocar aquilo que me agrada, que me satisfaz, não importando se o estilo de música tocada, necessariamente fosse aquele que mais lhe agradava. Queria me preparar para tocar bem música, seja ela qual for. Será que nós estamos preparando nossos jogadores para tomar somente as decisões que nós queremos ou os estamos conduzindo para serem capazes de reconhecer e avaliar o cenário, para então tomarem as próprias decisões, pautadas no contexto em que estão inseridos, na experiência que possuem e tendo autonomia naquilo que fazem?

Estamos preparados e somos capazes de lidar com as decisões dos nossos jogadores, sobretudo com aquelas que divergem daquilo que esperamos? A orquestra toca segundo a batuta do seu regente, porém, ainda nela, existem espaços para as improvisações dos músicos.

Como lidamos com as decisões dos nossos jogadores que são diferentes do que desejávamos e/ou não tem a eficácia que deveriam?


Até a próxima!

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Quanto mais ideias de qualidade, mais jogos de qualidade

Quando falamos de esportes coletivos, falamos de equipe, uma união de jogadores com a finalidade de conseguir algo em comum. Todavia, cada jogador tenta alcançar o que é melhor para si, trabalhando no/e para o coletivo, assim como o coletivo tem que extrair o melhor de cada jogador para alcançar o seu propósito enquanto instituição. No intuito de pôr em ordem diversos jogadores, distintos objetivos (que podem se contrariar) e principalmente diferentes formas de interpretar, pensar e “gostar” do jogo de futebol, há a necessidade de organizar esse emaranhado de elementos que constituem o grande fenômeno futebol. Organizar no sentido de tomar forma regular. Equipe com um perfil frequente ao longo do jogo e dos jogos. Regularidade que advém dos hábitos da equipe e do jogador. Hábitos que se adquirem na prática (ecoando, aqui, algumas reflexões de uma coluna anterior).

Portanto, o que dá corpo a “organização” é o que acontece no treino. Contudo, primeiramente precisamos nos desvencilhar da interpretação convencional de “treino”. Devemos pensar o “treino” como prática, sobre o que fazemos diariamente, o que estamos nos habituando a fazer. Tudo aquilo que acontece antes do jogo, com o objetivo de se preparar para este jogo. E nisso entra os exercícios, as orientações, a comunicação (fator crucial), a convivência, as interações, dia a dia, etc. Podendo estes fatores serem arquitetados deliberadamente ou não. Premeditados pelo treinador (ou qualquer outro agente do meio) ou simplesmente fruto das interações dos jogadores (o hábito da convivência edifica, em certo nível, a organização do coletivo). Com essas peculiaridades, o que causa mais inquietação e indagação é a própria construção da organização. Por isso o treino é indispensável. Tudo que precisamos para estruturar uma organização (que pretendemos). Ao meu ver, neste fator que se encontra um dos grandes pontos a ser melhorado em nosso futebol, o treino. Precisamos nos dedicar mais para compreender melhor o treino. Precisamos treinar mais aquilo que queremos fazer no jogo. O treino faz a competição. Treinar de uma determinada forma para jogar desta maneira. Treinar para alcançar aquilo que queremos.

A organização da equipe vem do que ocorre no treino. Aquilo que acontece no treino vai definir a qualidade da organização. Se é oriundo das ordens (ideias pré-concebidas, principalmente pelo treinador) ou da espontaneidade das interações dos jogadores. Se pretendemos uma organização mais complexa (flexível e adaptativa) é preciso saber “consertar” esses convívios. Fazer com que cada jogador faça o seu melhor dentro de uma perspectiva coletiva. Caso se pretenda uma organização mais rígida, quanto mais “ordens”, principalmente de caráter terminante, melhor.

Não sou apologista de deixar “a reveria” o treino. Contudo, precisamos entender que ordens (ideias, princípios, etc.) limitam, coíbem, de uma certa maneira, o desregramento, a desordem. Esta que se manifesta na criatividade, autointerpretação, na tomada de decisão do jogador no jogo.  Não obstante, precisamos lembrar que o jogador deva tomar a melhor decisão para ele e o grupo. Pois, a decisão dele depende e é influenciada pela decisão do(s) outro(s) jogadores. Provavelmente essa seja a diferença entre “liberdade” e “libertinagem”.

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A importância da comunicação no futebol

Para quem acompanha diariamente o noticiário esportivo, sabe bem que a palavra “marketing” está cada vez mais presente nos textos, no rádio e na televisão. Muito se fala disso, muito se discute sobre, muito se estuda e muito se deturpa também. Como se o “marketing esportivo” fosse a solução para a gestão do futebol, ou de todos os problemas financeiros. Uma coisa é gerir, outra coisa é colocar um produto no mercado (‘marketing’) e outra terceira coisa é comunicar para que este produto chegue ao consumidor final, você torcedor.

Um clube de futebol, uma federação ou uma confederação possuem vários produtos ligados à modalidade: a equipe, o jogo, o craque, o estádio, o bar, o restaurante. Obviamente, todos estes itens precisam ser geridos de acordo com os recursos financeiros disponíveis. Por exemplo, a gerência de um plantel ou gerir um estádio em um dia de partida ou de um treino. Não parece, mas estes itens já são parte do conceito do mix de marketing, são os produtos. Quanto mais “azul” for o caixa disponível, maior a possibilidade de se investir no time ou no recinto de jogo, a fim de colocar à disposição do público um produto mais atraente para ser consumido. Aí os respectivos gestores terão que saber lidar com as suas áreas. Os das equipes, com o trabalho dos agentes, com o “vestiário” ou as janelas de transferências para o exterior. Os dos estádios, em proporcionar o melhor conforto e segurança, ou seja, a experiência em frequentá-lo, cujo torcedor teve conhecimento do jogo através de uma comunicação abrangente e eficiente do clube, que chegou até ele e foi capaz de fazê-lo decidir em comprar a partida de futebol. Simultaneamente, as marcas vinculadas ao esporte nele se posicionam e se comunicam com o público-alvo. Quanto melhor comunicado, mais simpática será a mensagem, mais receptiva à vista do torcedor. E uma marca, associada a uma instituição esportiva, quer se comunicar através dela. Quanto mais barreiras e falta de transparência encontrar para expor sua marca, menor o interesse em associar-se ao produto esportivo.

Paixão faz parte do esporte, faz! Mas não é o quinto “P” do “marketing”! Assim como o esporte, também o clube, o craque, o estádio e outros produtos esportivos se comunicam com o público-alvo (o torcedor, o fã, o simpatizante), que é justamente o “P” de promover, da promoção, em se comunicar. Um exemplo disso, quando se aplaude e parabeniza ao se ver os mascotes das equipes se encontrando para promover um jogo. É um tipo de comunicação bem bacana para um produto interessante no mercado: a partida de futebol. O Manchester City bolou algo interessante: camarotes no túnel de acesso aos jogadores e árbitros (quem está no túnel não chega a ver quem está nos camarotes), para potencializar os rendimentos do clube. O preço por jogo para estar no túnel: R$1.200,00 (mil e duzentos reais).

Mascotes do São Paulo FC e do América FC em frente ao Mineirão. Foto: Divulgação
Mascotes do São Paulo FC e do América FC em frente ao Mineirão. Foto: Divulgação

 

Com tudo isso, o marketing é uma ferramenta da gestão que trabalha em cima do conceito dos quatro “Ps” (Produto, Preço, Praça e Promoção). O produto (um desses quatro “Ps”) deve ser muito bem elaborado para ser promovido (outro desses quatro “Ps”) em um competitivo mercado – com um leque imenso de opções de lazer e entretenimento – e só vai alcançar o consumidor através de um processo de comunicação estratégica, eficiente e efetiva, capaz de fazê-lo preferir este produto, não os outros.