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Da estratégia ao comportamento, da posição a função

Como relatei na coluna anterior, fazendo uma análise superficial dos sistemas estratégicos, na estreia da Premier League (13/08), das 20 equipes: 7 no 1-4-3-3 (Chelsea, West Ham, Liverpool, Bournemouth, Man.City, Swansea, Hull City), 6 no 1-4-2-3-1 (Arsenal, Man.United, Cristal P., Tottenham, Middlebrough, Stoke), 4 no 1-4-4-2, 2 linhas (Sunderland, Burnley, Bromwich e Leicester), 1 no 1-3-4-3 (Everton), 1 no 1-4-3-1-2, losango (Southampton) e 1 no 1-3-5-2 (Watford).

Comumente tem se falado que o Sistema Estratégico de uma equipe de futebol não diz como ela vai se comportar em campo. O que não concordo inteiramente! Penso que isso seria um conclusão errada, também simplista, da forma como enxergamos e de como tratamos o Sistema Estratégico no futebol (uma forma geométrica de ocupar o espaço de jogo, o problema que esquecemos das variáveis tempo, velocidade e adversário).

Esta simples e superficial análise demonstra (“superficialmente”) que o jogo nos aspectos físicos (principalmente, por enquanto) e técnico (talvez, de um “jeito” raso) vai cada vez mais ficar semelhante, ou pelo menos, várias equipes tendem a usar o mesmo “caminho” durante o jogo. Ao meu ponto de vista, o Sistema Estratégico, influencia determinado comportamento em determinada posição em campo: fechar a linha, cobertura defensiva, largura/profundidade, fechamento de espaço vertical/horizontal, etc. (Ps: estes exemplos partem do pressuposto de pensarmos de uma forma mais sistêmica do que linear (coletiva e não individual / racional e não energética/emocional).

O Sistema Estratégico se caracteriza por ser um precursor, um ponto inicial, de tudo que envolve o comportamento da equipe. Um ponto de partida para os comportamentos que idealizam e caracterizam a equipe. Comportamentos estes, colocados pelo treinador, que por sua vez precisa verificar a validade e a eficácia destes a partir da posição dos atletas em campo. Corroborando com isso, se torna necessário identificar as valências do atleta antes de coloca-lo em determinada posição em campo. Neste mesmo sentido, temos a diferenciação entre posição e função, determinado jogador com determinadas características (pode) ocupa(r) uma determinada posição, que prioritariamente não é a “dele”.

Sistema Estratégico é um facilitador, ou um “prejudicador” do processo. Não nos diz tudo que vai acontecer, mas nos diz alguma coisa. Se pretendemos determinado comportamento, temos que ter em mente que certo posicionamento em campo vai te ajudar a alcançar este objetivo, como também, determinada condição técnica e física do jogador. Sendo uma forma geométrica (uma disposição em campo) cada atleta, em cada posição, deve cumprir determinados requisitos tático/técnicos (função) a fim de se cumprir “bem” certas ações inerentes a posição dele no estabelecido sistema estratégico. Penso que devemos entender que cada Sistema, independente de qual seja (1-4-4-2, 1-3-5-2, etc.), tem sua virtudes e falhas estruturais intrínsecas, desde o nível mais baixo de rendimento ao mais alto. O que pretendo mostrar no vídeo abaixo:

Não podemos (não deveríamos) seguir e “adotar” determinados “princípios” (comportamentais ou não) somente por serem “belos e atraentes” (moda), ou pior, por terem dado “certo” (aqui podemos relembrar a coluna que falei sobre “o real valor da vitoria”). Este é um exemplo crasso das padronizações das ideias sobre o futebol. Se todos pensarmos as mesmas coisas sobre o jogo, treino, etc, jogaremos da mesma maneira. Podemos colocar aqui a equivocada interpretação dos tais “princípios”. A minha preocupação em demonstrar isto, está na padronização de uma determinada forma de jogar (“negativa” ou “positiva”).

Ao meu ver o que devemos olhar e observar é como tem-se evoluído o processo para se chegar em determinado lugar (ideia envolvida). Não simplesmente adotar uma estratégia (posição) ou tática (função), somente por ter dado “certo”. O porque determinada equipe/pessoa de TOP faz aquilo que faz? Pensar mais no processo do que no resultado. Devemos evoluir mais no treino cognitivo, na tomada de decisão, no pensar sobre o fazer, na leitura e interpretação do treino/jogo, na relação direta e indireta com o adversário. Pensar de uma forma mais aberta as relações das variáveis entre si. Ter uma organização de jogo mais complexa, do que rígida. Observar o jogo de uma forma original, eleger e criar os próprios exercícios e levar em conta a personalidade dos atletas, a cultura do clube e as expectativas. Assim criar uma forma de jogo própria.

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A necessidade de resiliência do futebol brasileiro

“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças. ”

Leon C. Megginson

Olá!

Em minha primeira coluna “Crise Técnica do Futebol Brasileiro” busquei instigar os leitores a refletirem sobre o atual momento do nosso futebol, aproveitando a recorrente ideia de que “não possuímos mais tão bons jogadores como antigamente”, presente na maioria das discussões sobre o futebol brasileiro dos dias de hoje. A participação dos leitores tanto no site da Universidade do Futebol, como em sua página no Facebook, foi muito bacana, e a maioria dos comentários levam à conclusão de que nosso futebol necessita de mudanças em toda a sua estrutura.

Nestes tempos em que os Jogos Olímpicos têm dominado todas as mídias, me deparei com um vídeo muito interessante. Este apresentava a diferença entre as competições de ginástica da década de 1950 para a Olímpiada do Rio de Janeiro 2016.

Segue o vídeo:

A diferença entre a ginástica praticada há mais de 60 anos para a atual é gigante! Ao longo dos anos a modalidade foi ganhando mais dinâmica, novos movimentos, novos métodos de treino, etc. Tudo conduziu para a modalidade se tornar o que é hoje, e a tendência é que ela continue se modificando…

Motivado por esse vídeo, decidi fazer o mesmo com o futebol, porém em um espaço de tempo de 20 anos. Para isso, resolvi assistir às finais das Copas de 1970, de 1990 e de 2010 para buscar identificar as mudanças mais visíveis na modalidade.

Seguem os vídeos:

1970


1990

2010

Ficam visíveis algumas diferenças no modo de jogo em cada um deles.

1970

1990

2010

Fase Ofensiva

Pouca mobilidade; troca lenta de passes (a bola quase fica parada); as equipes atacam com poucos jogadores no último terço do campo.

Maior mobilidade; troca de passes mais rápida; maior quantidade de jogadores chegando ao último terço de campo.

Grande mobilidade, principalmente no campo ofensivo; troca rápida de passes; praticamente todos os jogadores entrando no segundo e último terço de campo; utilização dos goleiros como opção de passe.

Fase Defensiva

Quase não se exerce pressão sobre o portador da bola até o último terço do campo (exceto nos atacantes); referências predominantemente individuais; os atacantes praticamente não participam desta fase do jogo.

Aumento de pressão sobre o portador da bola já no segundo terço de campo; há um misto maior entre referências individuais e zonas de marcação, os jogadores do ataque dão maior contribuição nesta fase do jogo; utilização do líbero.

Pressão constante e em todo o campo ao portador da bola; referências zonais de marcação bem definidas; todos os jogadores contribuem ativamente nesta fase do jogo; goleiros realizam coberturas constantemente.

Transições

São mais lentas e quase não há tentativas de recuperação imediata da posse de bola ou no campo ofensivo.

Já são mais rápidas tanto para atacar quanto para defender; mas ainda predominando a intenção de impedir que o adversário progrida imediatamente ao seu gol.

Muito rápidas tanto para atacar quanto para defender; já com uma intenção maior de recuperar imediatamente a posse da bola.

Além destes aspectos, destaco também:

  • Em 1970 são raras as marcações de impedimento, mais comuns em 1990 e 2010.
  • O contato físico entre os jogadores aumenta bastante em 1990 e 2010.
  • Os jogadores de defesa utilizam-se bastante da vantagem de poder recuar a bola, com os pés, para o goleiro pegar com as mãos em 1970 e 1990.
  • A distância entre as linhas das equipes, tanto para atacar quanto para defender, é muito grande em 1970, menor em 1990 e diminui muito em 2010. Os jogadores passam a estar mais próximos e as equipes mais compactas.
  • O jogo de hoje exige maior versatilidade dos jogadores.
  • As situações de 1×1 são menos constantes em 2010 do que em 1990 e 1970.

Uma análise mais profunda e detalhada poderia identificar outras inúmeras diferenças. Destaco estas por serem de mais simples visualização a partir dos vídeos e ficarem bem claras a qualquer um. Um dado interessante que se pode verificar em estudos científicos e na base de dados do site da FIFA, reforçando a crescente dinâmica do jogo, é o aumento da distância média percorrida pelos atletas e pelas equipes, o tempo efetivo de jogo (bola rolando) e a quantidade de passes trocados.

A intenção aqui não é julgar valor, não é dizer que o jogo de hoje ou de ontem é melhor, mas sim entender que o jogo mudou e continua mudando, este é o fato que não se pode negar. Sendo assim, estando o jogo em constante mutação, aqueles que não souberem acompanhar e se adaptar a estas mudanças, terão grandes dificuldades em se manter competitivos, aí entra a necessidade de resiliência do futebol brasileiro que mencionei no título desta coluna.

Ser resiliente não significa perder sua essência, suas raízes, mas entender como é a melhor forma de otimizar suas características no cenário atual. Acredito que nosso futebol tem sido pouco resiliente, tem sido resistente à muitas mudanças que ocorreram no futebol, principalmente no que tange a métodos de treinamento, capacitação profissional e gestão esportiva. O Brasil não acompanhou com a mesma velocidade estas mudanças no jogo, mas felizmente ainda é tempo, ainda possuímos matéria prima suficiente para sermos extremamente competitivos e vitoriosos e, como alguns leitores comentaram, não é simplesmente copiando o que se faz lá fora, mas entendendo e adaptando as nossas demandas, as nossas necessidades e capacidades. Isso é o que nossos adversários fizeram e continuam fazendo. O Brasil não pode ficar estagnado na ideia de que vivemos uma “crise técnica”, todo brasileiro aprecia um jogo plástico, com refino técnico, e esse jogo é possível de ser praticado!

Se desejamos continuar a ostentar a alcunha de “País do Futebol”, precisamos acompanhar e nos adaptar às mudanças do esporte e, para isso, não é necessário perdermos nossa essência, a qual esteve ao longo dos anos e ainda continua presente desde a Champions League até o famoso dez minutos ou dois gols.

Final de 1970 – http://www.dailymotion.com/video/x1ht8qc_fifa-world-cup-1970-final-brazil-vs-italy-full-match_sport
Final de 1990 – http://www.dailymotion.com/video/x1jo4iu_fifa-world-cup-1990-final-deutschland-argentinien-full-match_sport?GK_FACEBOOK_OG_HTML5=1
Final de 2010 – http://www.dailymotion.com/video/x2i3y2a_2010-fifa-world-cup-final-netherlands-vs-spain_sport
 

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A dicotomia da organização no futebol

Para começar, quero salientar que na estreia (começou sábado e terminou na última segunda) da Premier League, das 20 equipes, 7 jogaram no 1-4-3-3 (Chelsea, West Ham, Liverpool, Bournemouth, Man.City, Swansea, Hull City), 6 no 1-4-2-3-1 (Arsenal, Man.United, Cristal P., Tottenham, Middlebrough, Stoke), 4 no 1-4-4-2, 2 linhas (Sunderland, Burnley, Bromwich e Leicester), 1 no 1-3-4-3 (Everton), 1 no 1-4-3-1-2, losango (Southampton, ) e 1 no 1-3-5-2 (Watford).

Quanto mais os seres organizados diferem um dos outros em relação a sua estrutura, aos hábitos e a constituição…, tanto mais probabilidades têm de ser bem sucedido na luta pela sobrevivência ( Darwin, 1859). 

Ao se objetivar a organização de uma equipe de futebol, operacionalizam-se as convicções em forma de treino e jogo. Colocando em prática tais ideias, busca-se tamanha ordenação das ações entre os atletas, como equipe. Há um esquecimento desprezo do “querer” do atleta, com suas decisões, sua criatividade, sua forma de ver o jogo.

Para a construção de uma organização coletiva, precisa-se ter em mente a organização individual e a forma de jogar de cada atleta. Necessita-se conhecer o atleta, sua personalidade, suas características e suas ideias. Se esta não for a base da organização coletiva tender-se-á a um número maior de ocorrências durante o jogo, que propiciarão uma quantidade desnecessária de situações de risco, tendendo à ruptura organizacional da equipe.

No desenrolar do jogo de futebol, dois locais merecem ser considerados para análise, observação, construção e  desenvolvimento de “uma” certa organização em equipe: o local onde está a bola (jogo local/núcleo do jogo/micro) e o local onde a bola não está (jogo global/fora do núcleo/macro). No primeiro, a organização baseia-se na vertente setorial, organização coletiva dada por um número de atletas (1, 2, 3, 4, etc.) menor que o todo. Ou seja, a parte é responsável pelo cumprimento e eficácia da organização do todo. No segundo local, a organização tem como pilar a vertente coletiva, organização coletiva dada por um número de atletas, jogo fora do núcleo onde está a bola, próximo do todo (11 atletas). Neste caso, um grupo de atletas, na maioria das vezes maior, sustenta e dá forma a organização da equipe.

“O jogo local está para o jogo global, assim como o jogo global está para o jogo local”

O jogo local manipula todo o contexto do jogo de futebol. O(s) atleta(s) que está onde a bola está, tem o poder de guiar e dar sentido ao jogo. Este(s) atleta(s) tem o “poder” do jogo em suas mãos. Isto ocorre pois o resultado do confronto, de quem tem e de quem não tem a posse de bola, pode prejudicar ou favorecer o jogo global/macro: a chegada da bola, em um local onde ela não estava, poderá ocorrer em um contexto de prejuízo. Por exemplo, muito se fala e se faz para pressionar o local onde a bola se encontra, contudo, se a equipe não está preparada tática/estrategicamente, talvez seja melhor a bola não sair do local onde se encontra. Neste caso, melhor seria não pressionar o local da posse. A fim de pressionar, se torna imprescindível estar preparado coletivamente (vale salientar aqui a diferença entre pressão (individual) e pressing (coletivo))Outro exemplo, agora ofensivamente, o que muitas equipes fazem com a bola está na atração do adversário para abrir um determinado local do campo. Mostro no vídeo o Manchester City (treinado por Pelegrini), na transição ofensiva, a equipe “acelera” o passe/posse de um lado para abrir o lado oposto, atraindo a marcação em bloco do Southampton. Este por uma interpretação da marcação zonal praticada como princípio defensivo, basculam por completo para um lado e depois para outro, abrindo o lado oposto, onde sai o gol do Manchester City.


 

Caso o jogo local (deixar jogar sem pressão, atrair com posse acelerada, etc) permita que o global (lado oposto, cobertura defensiva, estrutura da linha defensiva, etc) seja exigido, este tende a ter maior probabilidade de erro/acerto. Quando a bola está no jogo local e, por “escolha” de quem está na defesa há passagem para o jogo global, a equipe será exigida e testada perante sua organização coletiva defensiva, por exemplo (caso do vídeo). Caso esteja devidamente estruturada e estabelecida na sua vertente defensiva, tenderá a não sofrer mal algum. Ao contrário, não estando precisamente organizada defensivamente, sofrerá as consequências de sua falta como conjunto, ou seja, será desorganizada, romper-se-á em sua própria estrutura aumentando positivamente as chances de sucesso da equipe adversária.

Levando isto em conta, conclui-se que não pode preocupar-se somente com a organização coletiva e/ou setorial de uma equipe pois esta organização, mesmo que bem executada e eficiente durante o jogo, sofrerá com as frequentes situações que colocam em prova sua organização. Porém, estas situações estarão na dependência do jogo local, ou seja, só estarão presentes se o jogo local o permitir! Sem esta anuência do jogo local, o número de situações que colocaram em teste a organização defensiva coletiva/setorial será bem menor, sendo também menores as probabilidades de ruptura. Precisa-se ter como preocupação a tomada de decisão de cada atleta em cada momento do jogo, fazendo com que o atleta perceba que a sua decisão e a sua ação são extremamente importantes, independente do local ou momento do jogo, para o bem da equipe, para o bom andamento do jogo, para que o desenvolvimento do jogo seja favorável à equipe, defensiva e ofensivamente.

Perante o pensamento sistêmico: determinada situação só está certa ou errada se a bola ali chegar. Caso contrário, não se pode inferir que aquilo que num primeiro momento parecia incorreto realmente o é.

O resultado do jogo local que dará sentido/forma à organização coletiva. 

Não se pode focar isoladamente/prioritariamente na organização coletiva da equipe. Uma boa orientação deve estar preocupada com a “organização individual” do atleta, em cada situação do jogo. Fazer com que o atleta perceba que a decisão dele é fundamental para o ideal desenvolvimento da partida, fazendo-o entender que sua decisão influenciará a decisão de outros atletas (da mesma equipe ou não) e que a mesma foi influenciada pelas decisões anteriores. Nada além do que decisões interativas.

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Olimpíada e liberdade de expressão

Os Jogos Olímpicos começaram com uma belíssima cerimônia de abertura quando o Brasil mostrou ao mundo sua capacidade de organizar uma grande festa com baixo orçamento.

A grande polêmica do início dos Jogos diz respeito ao direito dos torcedores manifestarem-se politicamente, eis que o Comitê Olímpico Internacional proíbe a exibição de faixas e cartazes durante os eventos esportivos.

Segundo a Constituição Brasileira em seu artigo 5º, IV, é livre a manifestação do pensamento.

Tal direito fundamental é dirigido ao Estado (Governo) que não pode, em hipótese alguma, restringir a manifestação do pensamento por qualquer meio, como, por exemplo, a censura.

A Olimpíada corresponde a um evento organizado por uma entidade privada e que tem seus objetivos insculpidos na Carta Olímpica que, em seu artigo 50, reforça o caráter “não ideológico” da Entidade ao proibir, em qualquer instalação Olímpica, manifestações e propaganda política, religiosa ou racial.

Tal vedação tem por objetivo promover os princípios apolíticos do olimpismo, bem como proteger os patrocinadores do evento que seriam “afugentados” em caso de manifestações para não terem sua marca vinculada a determinado pensamento ideológico.

A atenção ao art. 50 da Carta Olímpica, é recebido expressamente pelo ordenamento jurídico brasileiro no art. 28, da Lei 13284/2016 que estabelece como condição de acesso e permanência nos locais oficiais não utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável.

Ressalte-se que os eventos olímpicos são privados e que o cidadão ao adquirir o ingresso, firma contrato de adesão no qual aceita as condições de acesso e permanência.

Obrigar o Comitê Olímpico Internacional a permitir manifestações políticas em seus eventos é como obrigar um cidadão a permitir manifestação que não concorda dentro de sua propriedade.

Além disso, a liberdade de expressão deve encontrar limite no Princípio do Dano que “É o princípio de que o único fim para o qual as pessoas têm justificação, individual ou coletivamente, para interferir na liberdade de ação de outro, é a autoproteção. É o princípio de que o único fim em função do qual o poder pode ser corretamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, é o de prevenir dano a outros”. (MILL, 2011, p.35)

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Ou seja, não se pode obrigar o COI a sofrer danos com a fuga de patrocinadores para garantir que cidadãos manifestem-se politicamente nos eventos olímpicos.

Neste sentido, importante destacar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, art. 4º:

“A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.”(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, art. 4º)

Dessa forma, a vedação às manifestações políticas pelo COI não afronta a Constituição Brasileira.

Apesar disso, a Justiça Federal do Rio de Janeiro deferiu medida liminar que veta a repressão dos protestos e expulsão dos manifestantes.

A União anunciou que recorreria da decisão, mas, de certo, diante do delicado momento político que o país enfrenta, optou por não recorrer e, por consequência, diminuir a polêmica.

Entretanto, provavelmente o recurso da União seria provido e a proibição das manifestações políticas seria mantida. Isso porque, o STF, Corte Maior do país, em 2014, ao analisar caso semelhante durante a Copa do Mundo julgou constitucional a restrição de manifestação política em estádio.

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A primeira vista (sobre o real valor da vitória)

Talvez em virtude de nossa educação e de como fomos acostumados com as conquistas, nós (in)felizmente preferimos o sensacional e o extremamente visível, o que afeta a maneira pelo qual julgamos as pessoas, suas ações e a forma como chegamos às conquistas. Existe pouco espaço na nossa memória para pessoas que não apresentam resultados visíveis ou para aqueles que se concentram no processo ao invés do resultado.

Todavia, aqueles que alegam que preferem o processo aos resultados, não estão dizendo toda a verdade, pois ainda advém da espécie humana. Ouvimos com frequência a meia mentira de que treinadores e jogadores não trabalham pela glória. Outra absoluta verdade, está no fato do futebol ser um esporte que gera um fluxo constante de auto-satisfação: o gol, a assistência, o drible, a bola roubada, o passe, ver o que foi treinado acontecer, passar o adversário, superar o obstáculo, vencer, ou seja, qualquer forma de competição em si. Mas isso, também, não significa que treinadores e atletas não desejam alguma forma de atenção, nem que não estariam melhor se fossem um pouco divulgados. E como diria um amigo: “quem vence conta a história”.

Porém, o que está atrás da nossa mania (hábito/cultura) de dar suprema importância ao resultado é o que os pesquisadores (psicologia) chamam de felicidade hedônica (prazer imediato que dura pouco). Exemplo: Ganhar tudo (4/5 títulos) em uma temporada e nada nas próximas 5, não proporciona o mesmo prazer que ter um título a cada ano durante 5 temporadas.

As conquistas de hoje não sustentam, por si, as conquistas do futuro. O problema de recompensas irregulares não está na derrota, mas, sim em como avaliamos nossa vitória. Saber exatamente o motivo pelo qual ganhamos, saber esse que envolve conceitos técnicos sobre os acontecimentos (comportamentos coletivos e individuais) e não sobre fatores “místicos”, internos ou externos, ao processo que controlamos (de uma forma ou de outra controlamos as nossas ações, treinadores e jogadores). A interpretação do jogo requer conceitos técnicos fundamentais sobre o jogo, interpretar sem conceitos não é interpretar, é qualquer coisa, menos interpretar! Se pretendemos um determinado “futebol”, devemos saber construí-lo. Não podemos ter algo que não sabemos como alcançar. Como, também, não podemos tomar para si a “paternidade” de algo que foi gerado espontaneamente.

Saber o(s) “motivo(s)” e como foi o processo ao longo dos 90 minutos, te oferece subsídios “táticos” (técnico+fisico+estratégico+comportamental) para estruturar o “processo” de desenvolvimento (periodizar metodologicamente treinos e a semana) da equipe para a próxima partida/temporada, assim o placar apenas se transforma em algo visível e duradouro no tempo, um produto para a memória.

Em minha percepção, a felicidade (sucesso) no futebol depende muito mais do número de instâncias de sentimentos positivos ao longo do jogo/temporada/processo do que a intensidade deles quando eles acontecem. O que cria, a partir disto, uma “influência positiva”, coletiva e individual na forma como iremos gerir os problemas e as virtudes ao longo do processo (jogo/período/temporada), aumentando a probabilidade de êxito no(s) próximo(s) obstáculo(s). Ter um jogo/temporada constante taticamente (técnico+fisico+estratégico+comportamental) te traz subsídio mais concreto para acreditar na vitória futura (curto/médio/longo prazo) do que lampejos de “algo positivo”. Em outras palavras, vitória, antes de tudo, é vitória. Estar ciente de como foi é mais importante do que ela por si só. Assim, para se ter uma vida agradável, deveríamos espalhar essas “pequenas” “influências positivas” ao longo do tempo (jogo/temporada) da maneira mais homogênea possível. Muitas notícias modernamente boas são preferíveis a uma única notícia muito boa.

O problema, obviamente, é que não vivemos em um ambiente em que os resultados são obtidos de forma regular. As vitórias surpreendentes dominam boa parte da história do futebol brasileiro. É uma lástima saber que a estratégia adequada para o ambiente atual possa não oferecer, a priori, recompensas internas e reações positivas a curto prazo. Como se diz: “Viver com esperança, é sofrer”.

Neste contexto, faço referência a Unai Emery, atual treinador do PSG. Que comandou o Sevilla nas últimas 3 temporadas, em 3 conquistas consecutivas da Europa League, obtendo um aproveitamento de 51% (2015/2016), 70% (2014/2015) e 58% (2013/2014) ao longo destas temporadas. Trago um vídeo que editei da Construção Ofensiva sobre Pressing, do PSG ante Real Madrid, em um amistoso nesta temporada. Um padrão de comportamento coletivo que podemos esperar do PSG ao longo dos jogos nesta temporada de 2016/17.

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Jogo fragmentado – jogo argumentado

A TV Globo, em seu Esporte Espetacular do último 24 de julho, veiculou uma matéria interessante com dados sobre o jogo brasileiro jogado em 2016. Deu números da Série “A” em comparação, principalmente, ao Brasileirão de 2015. Antes de qualquer comentário, recomendo-a como matéria importante a ser vista por todos os desportistas do futebol!

A verdade dos números mostrou um fenômeno que nós, treinadores e outros profissionais da área, vimos constatando há algum tempo. Os minutos de bola em jogo no Campeonato Brasileiro 2016 são substancialmente maiores que 2015. Será que o jogo truncado está cedendo lugar ao velho e bom jogo brasileiro do toque de bola? Aquele que inspirou Guardiola e incrementou um perfil de jogo para o mundo?

Na prática, o que nos mostra a reportagem é a melhora do jogo praticado pelas equipes brasileiras. O fenômeno é mundial! Nos últimos dez anos, os efeitos do estilo de “jogo Barcelonês” se espalharam por todos os lados. O mundo da bola está jogando um futebol melhor e os brasileiros, ainda que a duras penas, têm acompanhado a tendência. Estamos saindo do futebol fragmentado, com disputas loucas e exclusivas por espaços, para um jogo argumentado em conceitos táticos que respeitam a lógica dos princípios modernos da sua construção.

Não tenho dúvidas que ainda veremos, no Brasil, treinadores caindo após duas ou três derrotas, mesmo com suas equipes jogando melhor que em tempos passados. O que continuará provocando a queda de treinadores no futebol brasileiro serão os resultados. A leitura da bola que entra ou não é mais fácil para a nossa pobre compreensão desse jogo. Ainda não sabemos avaliar o que é jogar bem e não somos capazes de bancar um projeto de construção de jogo se este não for acompanhado de vitórias nos primeiros jogos. “Eles continuam não sabendo o que fazem”!

Para uma mudança abrangente do panorama futebolístico brasileiro muita coisa há de ser reparada no âmbito da gestão esportiva nos clubes e nas Federações, além da construção e aplicação de Leis profissionais e trabalhistas no nosso mercado.

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Que os treinadores estão se qualificando, não há dúvidas. Os resultados apurados na reportagem da Globo são comprovatórios, mas existem muitas outras evidências a nossa disposição. Quem tem olhos para os cursos de formação de treinadores da CBF, verá um grande esforço profissional em busca da qualificação. As salas de aula estão sempre lotadas e é grande a procura por vagas dos treinadores jovens e experientes de todo o Brasil e até do exterior.

Muitas respostas boas têm saído deste ambiente que outrora não existia no futebol brasileiro. Um projeto de altíssimo nível que, se não atrapalharem, veio para ficar, crescer e refazer a Escola Brasileira de Futebol! Os Cursos da CBF foram implantados há quase dez anos e desde então só faz crescer.

Jogar bem é apenas “um passo” na complexa tarefa da construção do jogo, porém não é pré-requisito para vitórias a curto prazo. Pode até ser o caminho para muitas vitórias futuras! É preciso contextualizar o trabalho de campo à realidade imposta pelo futebol brasileiro, com inúmeras dificuldades no trabalho dos treinadores.

Mesmo com o quadro sombrio no mercado brasileiro da bola, os treinadores têm dado sua contribuição para a melhora do jogo. Não me canso de dizer que o treinador brasileiro é muito mais vítima que réu nesse processo de construção e/ou qualificação do nosso jogo. Haja visto o expressivo número de treinadores estrangeiros que têm vindo ao Brasil nos últimos anos sem conseguir fazer melhor que os nossos! Seria bom que eles durassem mais em seus cargos nos clubes para levarem do futebol brasileiro uma análise mais apurada do nosso mercado.

Concluir que apenas não têm tempo para trabalhar ou que “o calendário de jogos é desumano” é muito pouco para uma conjuntura tão complexa quanto a nossa. Acho esse tema importante e com detalhes tão característicos que merece um post exclusivo futuramente. Podem aguardar!!

Prefiro agora valorizar a evidente melhora do jogo jogado em nossos campos. Ótimos treinadores brasileiros têm se empenhado na qualificação dos treinamentos e outros recursos de campo que contribuem para a modernização do jogo. Talvez já seja o prenúncio do que o alemão Paul Britner vaticinou há dois ou três anos, que “quando os brasileiros descobrirem novamente os caminhos da construção do jogo moderno, retomaria a hegemonia mundial”!

Tomara que o Tite, como treinador da Seleção Nacional, ilumine boa parte destes caminhos. Tem competência e credibilidade para contribuir no desencadear deste processo.

Parabéns à Rede Globo e até a próxima! Tomara que com um futebol cada vez melhor praticado em nosso país…

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Crise técnica do futebol brasileiro

Olá, prazer! Meu nome é Danilo Benjamim, sou formado em Bacharel em Treinamento Esportivo e trabalho com futebol há cerca de 10 anos. Atualmente sou treinador do sub-11 e auxiliar do sub-20 do Coritiba FootBall Club.

Minha trajetória no futebol começou desde bem cedo, através de meu pai (o Benê), agradeço a ele por ter me apresentado a este esporte tão fascinante. Como 99% dos garotos no Brasil, tentei ser jogador profissional e consegui no máximo chegar às categorias de base, o que não diminui o amor pelo esporte ou o desejo de competir profissionalmente.  Decidi, então, ir à faculdade, realizar cursos e capacitar-me (continuamente) para ser um profissional do esporte.

Iniciei no Paulínia Futebol Clube, sob o comando do Prof. Dr. Alcides Scaglia. Neste clube, atuei como professor na escolinha, treinador nas categorias de base e auxiliar no profissional, até ter a oportunidade de participar de um processo seletivo conduzido pelo Prof. João Paulo Medina no Coritiba, o que resultou em minha vinda ao clube em março de 2015.

Para finalizar minha apresentação, quero ressaltar que desde o início da minha carreira com a chamada “paixão nacional” busco conduzir minhas ações baseado no conhecimento científico e em minhas experiências com o jogo. Diante disso, para começar nossas discussões neste espaço, pergunto: você concorda que o futebol brasileiro viva uma crise técnica?

A ideia de uma “crise técnica” no nosso futebol tem sido alimentada em diversas discussões, seja naquelas de mesa de bar até os debates acalorados da mídia esportiva, e sustentada pelos recentes e sucessivos insucessos dos clubes brasileiros em campeonatos internacionais e da seleção brasileira. A ideia de crise ganhou ainda mais força após o 7×1, a má campanha nas eliminatórias e a eliminação ainda na 1º fase da Copa América. Argumentos para sustentar esse pensamento não faltam e num primeiro momento, ao se olhar para o cenário, sustentá-lo parece ser uma opção bem atrativa.

Apoiar esta ideia significa concordar que “já não temos tão bons jogadores como antigamente”, algo que vai diretamente contra o histórico do futebol brasileiro, que em todas as décadas teve jogadores de notório destaque mundial. Será, então, que a “fonte secou”?

Vamos olhar para o ranking oficial de seleções da FIFA (a intenção não é discutir seus critérios):
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Os dados da população de cada país são fornecidos pelo THE WORLD BANK, este ainda mostra que, em média, a divisão entre homens e mulheres é de 50%. Agora vamos pensar sob a lógica de que, quanto maior o número de tentativas (população) maior a probabilidade de acerto (conseguir bons jogadores). Sob esta lógica, o Brasil que tem mais que o dobro da população de homens de todos os demais países do ranking, deveria estar no topo e com folga, visto que tem muito mais chances de possuir bons jogadores, o que, como mostra o ranking, não acontece. A que isso se deve?

Um dos princípios da probabilidade diz que “experimentos aleatórios (obter bons jogadores, no nosso caso) apresentam resultados imprevisíveis”, mesmo com uma enorme vantagem na amostragem. Segundo o senso comum, esta imprevisibilidade de resultados tem sido cruel com o futebol brasileiro, pois considera que nossa geração de jogadores não seja tão boa como as do passado. Porém, pergunto-me e também a você, leitor, por que esta imprevisibilidade não tem sido tão cruel com as demais seleções, visto que elas têm uma probabilidade menor em função de sua menor população? Que aspectos desta imprevisibilidade diferem no Brasil em relação aos demais países para que nossos resultados tenham sido tão abaixo dos demais? O que os outros tem feito para conseguir resultados melhores? Será que a geração de jogadores deles é tão superior à nossa?

Amigo leitor, minha intenção é gerar reflexão e discussão sobre o nosso atual cenário, que, indiscutivelmente, não é bom, mas acredito ser um tanto injusto e minimalista colocar a responsabilidade numa possível “crise técnica de uma geração menos talentosa de jogadores”. E você, o que pensa a respeito deste assunto?

Aguardo sua opinião certo de que este é apenas o primeiro tema que vamos tratar, ainda discutiremos bastante sobre metodologia de treino, formação do jogador e da equipe, cenário do futebol brasileiro e mundial. Conto com a sua contribuição!

Grande abraço!

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Organiza”ação”: ordem através da ação

Caros, antes de tudo, deixe me apresentar. Thiago Duarte, atualmente no cargo de auxiliar tático (dito analista de desempenho, para alguns, mas esta distinção é por si só (alg)uma(s) nova(s) coluna(s)) do Sport Club do Recife. Trabalho com futebol desde 2003, percorrendo diversas áreas e diversas categorias. Formado em Educação Física pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Com algumas Pós-Graduações, entre elas uma passagem pela Universidade do Porto (Portugal), onde fui orientado por Julio Garganta, e obtive aulas sobre metodologia do treino do Prof. Vitor Frade. Sou um apaixonado e aficcionado pela organização do jogo e do treino, onde penso que tudo pode ser alcançado com o treino e sempre há uma solução organizacional para gerar e corrigir problemas. Meus “olhos” estão sempre caracterizando e procurando falhas/virtudes no sistema, no setor, inter-setor(es) e na relação com o adversário, durante o jogo.

Seguindo a máxima dita por Vitor Frade: “quem sabe só de Futebol, nem de Futebol sabe”; tenho como referência para meus pensamentos e convicções, autores como: Julio Garganta, Vitor Frade, Edgar Morin, Teodorescu, Tavares, Go Tani, Antonio Damasio, Nietzsche, Le Moigne, Proust, Greco, Gréhaigne, entre outros… tentando sempre encontrar o método ideal…

Penso que seria interessante, neste primeiro “encontro” falar mais sobre organização do jogo e treino.

      “O “Futebol” é feito de ideias, o bom Futebol de boas ideias e o mal futebol de más ideias ou de nenhuma ideia”- Julio Garganta.

Primeiramente, se torna imprescindível iniciarmos por uma distinção na forma de pensar e perceber as ideias que predominam em cada indivíduo, na sua observação e detecção de um determinado fenômeno em um momento específico. No começo ou final de cada discussão, sempre acabamos nas ideias, nos gostas e/ou preferências de gestão técnica, da estratégia, do comportamental individual e coletivo. Contudo, não podemos negar que algumas ideias tem uma melhor eficácia (resultado) que outras, por vezes com menos eficiência (processo), chegando ao ponto final com o menor “custo” tático possível (e aqui quando falo tática me refiro sempre ao todo (físico, técnico, estratégico e psicológico) o que é diferente de estratégia. Mas enfim, deixe-me falar um pouco de organização perante minha percepção.

Organização é o resultado da interação/relação entre ordem e desordem em um sistema, que formam por si só um novo sistema organizado e organizante. Isso em todos os sistemas existentes, também na organização coletiva da equipe de futebol. De uma forma simples, ao organizar uma equipe devemos pensar no que queremos para ela (ordem/princípios do treinador) e o que cada atleta pode nos oferecer (desordem/criatividade dos atletas). Tendo em vista que a construção de uma organização, causa inquietação e indagação, é preciso estabelecer o equilíbrio entre ordem (princípios do treinador) e desordem (criatividade dos atletas) afim de se criar uma organização que ao mesmo tempo controle o jogo, gere e resolva problemas.

No intuito de elucidar, para quem gosta de receitas, quanto mais ordem (princípios do treinador) há na construção do jogar, mais a equipe vai estar “ordenada”, “rígida”, “mecânica” e vai ter determinado comportamento (previamente estabelecido) em um certo momento do jogo. Por outro lado, quanto mais desordem (criatividade dos atletas) há na construção do jogar, mais a equipe vai estar “desordenada”, “desorganizada”, “frágil”, “caótica”, e não irá apresentar um coletivo integral, no qual a equipe segue uma linha comum de jogo.

O que a organização perde em coesão e rigidez ao se complexificar, ela ganha em flexibilidade, em aptidão a se regenerar, a jogar com o acontecimento, com o acaso, com as perturbações.” Edgar Morin.

Morin, na sua coletânia de “O Método” fala em organização complexa. Penso que o alto nível do futebol se encontra em qualquer lugar neste pensamento. Uma equipe organizada de forma complexa, onde ao mesmo tempo obedeça os princípios táticos que regem o comportamento coletivo e individual e consiga agregar todas as habilidades de cada atleta. Uma organização que tenha um equilíbrio, não estável, mas sim contextual (conforme as exigências ao longo do jogo), entre ordem (princípios do treinador) e desordem (criatividade dos atletas), considero, assim, uma equipe “flexível”, “regenerável”, “reorganizante” e “organizante” (aquela equipe que consegue controlar o jogo com e sem bola).

Porém, não podemos esquecer que o futebol é o confronto de duas equipes, ou seja, de dois sistemas, com previa exigência. Alguns falam em “plano de jogo”. Contudo, esse encontro causa uma nova organização, entre dois sistemas. Ao final, esse confronto será favorável a uma equipe ou a outra, claro que em condições normais.

Todavia, toda organização (no futebol ou não) comporta diversos níveis de subordinação quanto aos seus componentes. No entanto, o desenvolvimento dessa organização, não significa necessariamente crescimento das imposições das leis impostas sobre os atletas; a verdadeira organização, dita complexa, se estabelece nas “liberdades” (e não podemos confundir com libertinagem) dos indivíduos que constituem a equipe de futebol. Há sempre, em todos os sistemas (mesmo nos que excitam criatividade) ligações, entre as partes, e coerções que impõem graus de restrições e servidões. O todo (equipe), nesse sentido, é menos que a soma de suas partes. Pois, no futebol determinamos e desenvolvemos especializações, hierarquizações, servidões e repressões.

O sistema “futebol” é ao mesmo tempo mais, menos e diferente que a soma de seus atletas (suas partes). Mas, também é verdade que, fora do sistema futebol, os atletas são menos, eventualmente mais, de que qualquer forma do que eles seriam dentro da equipe de futebol. Mas por quê? Porque cada atleta tem dupla identidade. Uma identidade dentro e outra fora do “sistema futebol”. Ele tem uma identidade própria e participa da identidade da equipe (o jogar que se pretende). Por mais diferentes que as identidades de cada atleta possam ser, eles ao constituírem um sistema, têm pelo menos uma identidade comum de vinculação à identidade da equipe e de obediência as regras organizacionais.

Torna-se necessário compreender as características de cada atleta. A equipe deve ser uma unidade, pois ela é formada por atletas que são diferentes, porém inter-relacionados. Cada atleta dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas elas devem ser construídas e organizadas (por isso, é imprescindível pensar a ordem através da ação; Organiza”ação” e não a ação através da ordem).

Contudo, não se pretende a total subordinação das ações individuais às coletivas, ou seja, o que se quer é que cada atleta encontre não sozinho, mas sim guiado (verdadeiros treinadores conseguem isso), dentro desta concepção de organização coletiva, o espaço necessário para refletir a sua própria personalidade/identidade, improvisação e criatividade. Pretende-se assim, assegurar a coordenação e a cooperação dos seus comportamentos, pois parece ser este o aspecto que consubstancia o aumento da eficácia da equipe.

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Volantes e meias

O Brasil venceu o Japão no sábado (30), em Goiânia, no último amistoso do futebol masculino antes da estreia nos Jogos Olímpicos de 2016, que serão disputados no Rio de Janeiro. Sobretudo no primeiro tempo, foi uma atuação auspiciosa da equipe comandada por Rogério Micale. Mas foi também uma demonstração do quanto a evolução do paradigma praticado no esporte mais popular do país depende fundamentalmente de uma disseminação sobre mudanças de conceitos. E nesse processo, a comunicação exerce um papel fundamental.

O time montado por Micale no início da partida tinha Thiago Maia, Rafinha Alcântara e Felipe Anderson no meio-campo. “Apenas um volante”, disse o narrador global Galvão Bueno em pelo menos três ocasiões da primeira etapa. “Thiago Maia está acostumado a ser segundo volante no Santos e na seleção atua como primeiro homem de meio-campo”, adicionou o repórter Mauro Naves durante os 45 minutos iniciais.

Micale tem sido intensamente incensado por suas ideias ofensivas, pelo nível de seus treinos e pelo time que havia montado no Mundial sub-20 do ano passado – o Brasil perdeu para a Sérvia e ficou com o vice-campeonato. Uma das premissas que o treinador tem tentado incutir na seleção sub-23 é exatamente o comportamento dos meio-campistas. “Ele costuma dizer que joga com três meias”, avisou Mauro Naves durante a transmissão da Globo no sábado.

Enquanto ficarmos procurando volantes e meias ou tentarmos dispor os jogadores em mesas táticas ou quadros, seguiremos aquém do entendimento necessário sobre o que está acontecendo com a seleção. No sábado, a única voz dissonante na transmissão da Globo foi o comentarista Casagrande, que fez pelo menos duas intervenções para dizer que “é melhor evitar rótulos como ‘volante’ ou ‘meia’ no futebol moderno”.

Ora, seguindo a lógica de que o meio-campo é dividido entre volantes e meias, qual é a posição de Iniesta no Barcelona e na seleção da Espanha? E qual era a função de Xavi, talvez o jogador mais inclassificável do futebol nos últimos anos?

Quando pediu a contratação de Paulo Henrique Ganso, o técnico argentino Jorge Sampaoli, que assumiu o Sevilla, disse que entendia o brasileiro como um armador. Para convencer os dirigentes espanhóis a investirem no meia, comparou o que ele pode entregar à equipe às funções de Pirlo durante grande parte da carreira: alguém que sempre enxerga o jogo de frente, distribui passes laterais e dá sustentação à saída de bola.

A reação imediata da maioria da mídia brasileira foi discordar da visão de Sampaoli. Vários comentaristas disseram que faltaria competitividade a Ganso para atuar como primeiro homem de meio-campo e que o jogador contratado do São Paulo percorreria uma faixa pequena do gramado para alguém com tantas funções defensivas.

Na época em que era técnico de Ganso no São Paulo, Muricy Ramalho cansou de dizer que o jogador precisava entrar mais na área. Cobrava definição de jogadas, passes terminais e gols do camisa 10. Dizia que isso era fundamental para que as pessoas percebessem o quanto ele era relevante.

O futebol moderno tem espaço para o “craque visível”, é claro. Não faltam exemplos de jogadores que são terminais, definem lances e são reconhecidos por isso. Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que têm dominado as recentes eleições de melhor do mundo, são apenas dois bons exemplos disso.

No entanto, a evolução do futebol brasileiro passa diretamente por uma compreensão sobre os “craques invisíveis”. Enquanto medirmos a qualidade de um jogador apenas pela quantidade de gols, assistências ou desarmes, perderemos chances de ter uma noção completa sobre a importância que esses atletas têm no contexto.

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Um ex-treinador do Corinthians fez certa vez uma comparação sobre Paulinho e Elias, jogadores que se alternaram como titulares no meio-campo alvinegro. Disse que o primeiro, quando orientado a pressionar a bola, ajudava no combate ao lateral direito rival, ajudava no combate aos meio-campistas e conseguia uma dobra para tomar a posse do lateral esquerdo. O segundo esperava, acompanhava a trajetória da bola e interceptava o passe do meio-campista para o lateral esquerdo. Os números podem igualar as ações dos dois, mas são atitudes totalmente dicotômicas para o jogo como um todo. Ainda que ambos cumpram o objetivo, há uma distância significativa em aspectos como preenchimento de espaço, desgaste e pressão sobre o rival.

Ganso nunca vai ser um jogador como nos acostumamos a entender os “volantes”. Nunca vai ser combativo, pressionar todos os rivais que estiverem com a bola ou funcionar como alicerce para um sistema defensivo. Nunca será sequer o homem posicionado à frente dos zagueiros para fechar trajetórias naquele setor. A questão é: essa é a única forma de alguém desempenhar aquela função?

Se quisermos cobrar evolução do futebol brasileiro, precisamos nos livrar de conceitos do passado. Já passou da hora de entendermos que jogadores desempenham papéis que vão além de números, pranchetas ou mesas táticas. O futebol, como o mestre Tostão cansou de escrever, é bem mais complexo do que isso.

Tostão também costuma dizer que uma das maiores carências do futebol brasileiro atual é a de armadores que atuem de uma área até a outra. Atletas que enxerguem a partida de frente, distribuam a bola, façam o time controlar o ritmo e proporcionem situações para os atletas agudos serem efetivamente decisivos. Alguém que faça no Brasil o que Xavi passou anos fazendo na Espanha, o que Schweinsteiger cansou de fazer na Alemanha ou o que Pirlo proporcionou durante anos à seleção italiana.

No Brasil, contudo, não nos acostumamos a formar armadores com essa característica. Desde a base, trabalhamos transição em velocidade até a bola chegar “limpa” aos meias. Volantes tomam a bola e carregam até um setor em que os criativos possam apenas criar. Por isso, em vez de Xavi ou Iniesta, passamos anos forjando atletas como Ramires (nada contra o ex-meio-campista do Chelsea, mas ele é um exemplo de alguém que faz transição em velocidade e funciona menos quando tem demanda de um repertório diferente).

Por isso, o papel da mídia em situações como a que Micale propôs no sábado é um pouco educativo. E educar nesse caso não é posicionar atletas numa mesa tática ou mostrar onde acontecem os lances ensaiados, mas dizer ao público que se acostumou com um futebol estático o quanto esses conceitos precisam mudar.

O futebol brasileiro precisa evoluir em entendimento de jogo se quiser voltar a ser competitivo em âmbito mundial. É preciso saber o que se quer para depois correr atrás disso.

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Futebol Olímpico: ame-o ou deixe-o

Os Jogos Olímpicos são a maior celebração do esporte mundial. Entretanto, por divergências políticas e, principalmente comerciais, o futebol masculino não participa efetivamente dessa celebração.

Isso ocorre porque a FIFA, temerosa de que o torneio de futebol dos Jogos Olímpicos faça frente à sua principal competição (produto), cria uma série de limitações à participação dos atletas e, principalmente, não inclui a competição em seu calendário oficial.

Até os Jogos de 1984, somente atletas amadores, sem contrato de trabalho, poderiam participar.

Nas Olimpíadas de 1988 e 1992 permitiu-se a inscrição de atletas profissionais desde que não tivessem participado em Copa do Mundo.

A partir de 1992, as seleções puderam contar com três jogadores acima de 23 anos, independente de terem ou não disputado mundiais, permitindo-se 3 atletas acima da idade.

Ocorre que a FIFA, que poderia obrigar a liberação de jogadores para o torneio olímpico, apenas recomenda que os clubes cedam os atletas para as seleções. Ou seja, na prática, os clubes cedem os atletas se quiserem, razão pela qual as seleções não terão seus principais jogadores nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Apesar disso, a FIFA não retira o futebol masculino dos Jogos Olímpicos para não perder a vitrine e a visibilidade e, o COI, por seu turno, acaba aceitando as migalhas do futebol para não perder os patrocinadores e o alcance mundial que a modalidade proporciona.

Entretanto, o sucateamento do torneio olímpico de futebol masculino vai acabar por afastar o público e trazer um marketing negativo tanto para o futebol, quanto para os Jogos Olímpicos.

Pelo status alcançado pelo futebol, as Olimpíadas não terão, para a modalidade, a mesma representatividade dos outros esportes, o que não justifica a preocupação da FIFA.

Por outro lado, comercialmente, uma competição mundial a cada dois anos pode pulverizar os patrocinadores.

Assim, o torneio olímpico de futebol masculino pode ser uma

grande competição de novos, permitindo-se a inscrição de jogadores que nunca participaram de Copas do Mundo (como em 1984 e 1988) e, desde que, incluída no calendário oficial da FIFA com consequente obrigatoriedade dos clubes liberarem os atletas.

Caso uma atitude não seja rapidamente tomada perderão a FIFA, o COI, os Jogos Olímpicos e, principalmente, o futebol que será representado na grande celebração do esporte mundial por uma competição sucateada, sem credibilidade e alijada do público.

Se a FIFA não quer uma grande competição olímpica de futebol masculino, que o retire dos Jogos e abra espaço para as suas modalidades no salão (futsal) e na praia (beach soccer).

Portanto, ou tratem o futebol de campo masculino olímpico com respeito, ou o retirem de vez dos Jogos Olímpicos.