Categorias
Sem categoria

A evolução das peneiras: o processo seletivo do jogador de futebol

Ainda como colunista semanal, no final de 2009, o Dr. Alcides Scaglia propôs que a detecção de potenciais jogadores inteligentes deve ser o grande objetivo num processo de avaliação de atletas. Nesta oportunidade, mencionou que atributos físicos e habilidade com bolas nos pés devem ser menos importantes que a capacidade de entendimento de jogo e de aprendizagem do padrão organizacional sistêmico dos jogos. A coluna desta semana apresentará breves informações sobre procedimentos de análise na captação de atletas, buscando contribuir com o esboço outrora proposto.

O sonho de se tornar jogador de futebol alimenta a vida de milhões de crianças e adolescentes do nosso país. Na busca do sonho, o primeiro passo de muitos é ser aprovado em uma peneira de um clube de futebol. É neste ambiente que, dia após dia, expressões costumeiras são ditas, ouvidas e propagadas (muitas vezes erroneamente) acerca das “peneiras”, dos “peneirados” e de quem as organiza.

“De mil, vira um!”
“Em vinte minutos dá pra ver se o jogador é bom!”
“Tenho olho clínico para observar jogador”
“Só pelo jeito de andar, dá pra ver que não leva jeito.”
“Ele é bom zagueiro, mas é muito baixo.”
“Jogador igual a você eu já tenho no elenco, então, pra você ficar, teria que ser melhor do que os que estão aqui.”

Com processos de captação devidamente elaborados e co-relacionados com uma boa formação, num futuro próximo, as frases poderão ser as seguintes:

“De mil, viram cinquenta!”
“Em cinco sessões de treino dá pra ver se o jogador é bom!”
“Tenho olho clínico para observar jogador, mas os olhares de mais alguns profissionais (outros técnicos, adjuntos, psicólogo) podem me auxiliar.”
“Anda todo desengonçado, mas joga bem”.
“Ele é bom zagueiro mesmo sendo baixo.”
“Jogador igual a você eu já tenho no elenco, então, te darei oportunidade para evoluir, pois você está chegando agora.”

Os procedimentos de análise têm uma estrutura semelhante, porém, possuem algumas especificações de acordo com as faixas etárias correspondentes a cada categoria, que estão subdivididas em: (1) Transição Esportiva, (2) final da Transição e inicio da Especialização e (3) Especialização.


Categorias de Transição Esportiva – 11 e 12 anos

No processo de avaliação desta faixa etária, não deve haver preocupação exclusiva com a definição de função dos jogadores, principalmente em ambiente formal. A estruturação de espaço no campo de aproximadamente 100m x 68m não permite uma boa aplicação de qualquer que seja a posição.

Quanto ao tempo de avaliação, deve-se permitir a realização de pelo menos seis sessões de treino, entre duas e três semanas, para possibilitar assimilação dos conteúdos vivenciados nos diferentes tipos de jogos. A análise das características do jogador deve compreender o potencial de execução de atitudes predominantemente defensivas, ofensivas ou ambas, pois, compreendendo as características do jogador (táticas, técnicas, físicas e emocionais), facilita posterior definição de suas regras de ação.

O predomínio de jogos deve ter dimensão e número de jogadores reduzidos. A relação com menos jogadores exige um menor nível de complexidade, o que facilita a interpretação e leitura de jogo dos praticantes.

Alguns jogos elaborados devem fugir significativamente a lógica do jogo de futebol. Para isso, retirada de alvos, aumento de alvos, utilização de perna/braço não dominantes, pontuação por número de passes, desarmes, são ferramentas que devem ser amplamente exploradas.

Alguns jogos elaborados devem assemelhar-se à lógica do jogo de futebol. É para tal prática que eles estão sendo avaliados.

A intervenção do treinador deve ser constante com o intuito de elevar a compreensão do jogo praticado. A ação centrada à bola é comportamento padrão desta faixa etária, logo, desconstruir um jogo anárquico é função do treinador.

Classificar e perceber a evolução da manifestação das Competências Essenciais (relação com a bola, estruturação do espaço e comunicação na ação) do jogo, pelo jogador, em ambientes não formais. Como destaque na análise destas competências, qualifica-se a eficiência do passe em situação de jogo, por ser fundamento predominante do futebol, o posicionamento sem bola em função das referências do jogo (alvo, tamanho de campo, bola, companheiros e adversários) além do acerto e da antecipação nas tomadas de decisão.

Após aprovação no processo seletivo, realizar inserção no grupo de jogadores, disponibilizando tempo hábil para adaptação. Uma reunião com os pais pode ser realizada para apresentação da filosofia de trabalho de clube.


Final da Transição Esportiva e início da Especialização – 13 e 14 anos

No processo de avaliação desta faixa etária, deve haver preocupação com o cumprimento de uma posição específica pelo jogador, sobretudo em ambiente formal. É necessário avaliar o nível de aplicação inicial de conteúdos ofensivos, defensivos e de transições.

Quanto ao tempo de avaliação, a realização de pelo menos oito sessões de treino, entre duas e três semanas, para permitir assimilação dos conteúdos.

A análise das características do jogador deve compreender o potencial de realização de mais de uma posição, identificando versatilidade. Caso não demonstre tais características, observar potencial de se tornar especialista da posição que desempenha.

Deve haver um equilíbrio de jogos com dimensão e jogadores reduzidos e em ambiente formal. Poucos jogos elaborados devem fugir significativamente a lógica do jogo de futebol. Alguns jogos elaborados devem assemelhar-se a lógica do jogo de futebol. Para isso, a estrutura gol a atacar e a defender deve ser mantida.

Alguns jogos elaborados devem ter relação com o Modelo de Jogo pretendido/praticado pelo treinador. A ideia de jogo do treinador deve estar presente em algumas atividades por meio de conteúdos tático-estratégicos ofensivos, defensivos e de transição relativos aos comportamentos de sua equipe.

A intervenção do treinador deve ser constante com o intuito de elevar a compreensão do jogo praticado e reduzida nas situações em ambiente formal para observar a transferência da aprendizagem.

Em relação às Competências Essenciais, a análise é equivalente à categoria anterior.

Após aprovação no processo seletivo, realizar inserção no grupo de jogadores, disponibilizando tempo hábil para adaptação. Uma entrevista com pais deve ser realizada para apresentação da filosofia de trabalho de clube, além de uma anamnese com membros da comissão técnica para identificar histórico de treino, lesões, hábitos alimentares e comportamentais.

Especialização – 15, 16 e 17 anos

Nesta faixa etária, o processo de avaliação deve observar quem é competente no exercício de uma posição.

Em relação ao tempo de avaliação, cinco sessões de treino, correspondente a uma semana, são suficientes para definir a aprovação do jogador e inserção no elenco.

Inicialmente, um questionário pode ser realizado com o intuito de descobrir em quais plataformas de jogo o avaliado já jogou e quais são as regras de ação que o mesmo entende como designadas a sua posição.

Ter o conhecimento teórico (intuitivo e/ou adquirido) de suas funções no jogo permitirá comparação com o desempenho circunscrito ao jogo.
No passo seguinte, caberá ao treinador formar diferentes equipes e solicitar regras de ação específicas para cada jogador. Com esta faixa etária, espera-se uma alta capacidade de interpretação e aplicação das informações da comissão técnica.

No jogo formal, conforme mencionado na faixa etária anterior, a qualidade das ações ofensivas, defensivas e de transiçõ
es também devem ser identificadas.

Jogos que forem realizados com dimensão e espaços reduzidos devem, posteriormente, ter suas regras transportadas para aplicação em ambiente formal de jogo. O ambiente formal é o predominante na realização das atividades.

Nenhum jogo elaborado deve fugir significativamente a lógica do jogo de futebol e todos os jogos aplicados devem ter relação direta com o Modelo de Jogo pretendido/praticado pelo treinador. Nesta faixa etária, ao menos quatro anos de formação já se passaram e bom desempenho de jogo prévio é imprescindível para aprovação no processo seletivo.

Cada sessão de treino pode ter como macro-objetivo os diferentes momentos de jogo, o que permitirá um mapeamento detalhado do nível de aplicação de conteúdos possuídos por cada jogador.

A abordagem e intervenção do treinador devem ser pontuais, principalmente quando as regras de ação desempenhadas forem diferentes das solicitadas pela comissão.

O tempo restante de formação para atletas aprovados nesta faixa etária é bastante reduzido, logo, ampla discussão interdisciplinar sobre um atleta que desperte interesse deve ser proposta para estimar seu potencial de formação integral, aliado ao perfil desejado pelo clube. Nesta discussão, devem participar psicóloga, nutricionista, fisiologista, treinadores e adjuntos, para comporem a decisão final e apresentarem o resultado à diretoria que, ao analisar o relatório do atleta avaliado, decide o investimento.

As populares “peneiras” precisam evoluir. Potenciais grandes jogadores de futebol se perdem no imenso território brasileiro devido à escassez de verdadeiros “olhos clínicos” para atletas inteligentes. Avaliar um atleta de 12 anos é diferente de avaliar um atleta com 16, já no final do período de formação. Trinta minutos de coletivo não pode ser a atividade proposta para ambos.

E, para finalizar, a obviedade e a certeza de que as melhores escolhas, lembrando que aliadas a uma boa formação, serão fundamentais para a sustentabilidade das categorias de base do clube. Foi assim com Sneijder, no Ajax, Cristiano Ronaldo, no Sporting, Neymar, no Santos, e Puyol, no Barcelona.

Por falar em Barcelona, dos atletas aprovados em avaliações do clube catalão (por seletivas, observações e captações na Espanha e em todo o mundo) e que passam a residir no La Masía, 10% debutam na equipe principal. Equipe que decidirá o título da Uefa Champions League com um número significativo de jogadores “pratas da casa”.

É a prova que de 1000, “viram” mais que um!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Partida final

Caros amigos da Universidade do Futebol,

depois de alguns anos colaborando com este projeto como colunista semanal, termina hoje um importante ciclo de grande troca de experiências e informações, muito aprendizado, e acima de tudo muitas amizades conquistadas. Esta é a última coluna que escrevo neste espaço de toda sexta-feira.

Entretanto, não se trata de um adeus, mas sim de um até breve. Sempre continuarei colaborando com esse projeto que conquistou ao longo dos anos o espaço e o respeito que merece no meio do futebol. Minha partida não é final, mas temporária. Espero encontrar com vocês, leitores e colaboradores da Universidade do Futebol, com muita frequência pelos corredores da nossa profissão.

Portanto, a “partida final” a que me refiro no título desta coluna não é a minha – é a deste sábado, entre Barcelona e Manchester United. Escolhi esse tema justamente porque ele consegue resumir muito do que escrevi neste espaço ao longo desses anos.

O formato de organizar um torneio absolutamente profissional, eficaz e competente em todos os aspectos deve ser o modelo para alavancar os nossos campeonatos nacionais e regionais, fortalecer nossos clubes, e segurar em casa por mais tempo os nossos talentos.

A Uefa conseguiu criar um produto altamente lucrativo, que atrai a atenção de torcedores nos quatro cantos do mundo e, por conseguinte, da mídia, dos patrocinadores, dos jogadores, dos clubes, das ligas, de todos.

O modelo de venda coletiva de direitos televisivos, desigual conforme critérios técnicos, mas respeitando um caráter de solidariedade aos clubes de menor expressão; a forma de vistoriar e preparar os estádios de forma propiciar um grande espetáculo e o conforto necessário aos torcedores. Tudo isso é fundamental para que o futebol como um todo continue mantendo sua viabilidade econômica.

Por outro lado, esse modelo europeu não pode ser encarado como perfeito para o nosso país. Ele deve ser o exemplo, mas deve evidentemente passar por uma “tropicalização”. Temos aqui uma infinidade de clubes do interior, que são os nossos reais formadores. Os nossos campeonatos regionais são fundamentais para o funcionamento de toda a engrenagem do futebol. Os nossos jogadores são tentados a rumar para o exterior cada vez mais cedo. As camadas subalternas da nossa sociedade precisam participar do espetáculo, não podendo apenas ser excluídas dos estádios sob o pretexto de se minimizar a violência (isso é um equívoco!). São várias as especificidades do futebol no Brasil que precisam ser respeitadas.

Enfim, creio que todas as colunas apresentadas neste espaço poderiam receber um título único e coletivo: algo como “Tentativas para a melhora do futebol no Brasil e garantia do cumprimento de sua função soberana de inclusão social”.

Espero que tenham gostado dessas despretensiosas colunas. Ficarei sempre à disposição dos apaixonados pelo tema para as infindáveis e prazerosas discussões!

Finalmente, um agradecimento especial a todos os amigos da Universidade do Futebol, em especial ao querido Gheorge Randsford, pelo extremo profissionalismo, amizade e paciência dedicados para com este colunista.

Obrigado e até breve!

Para interagir com o colunista: megale@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Quem não ajuda não atrapalha

No auge da minha preguiça infanto-juvenil, quando eu não queria ajudar nas tarefas de casa e ainda zanzava pela casa com o chão molhado, logo alguém disparava: “Sai daí! Quem não ajuda não atrapalha”.

Sei que as coisas que vivi com minha família não importam muito neste momento, mas como o assunto desta semana é flexibilidade, ao invés de afirmativa, podemos colocar o ditado na interrogativa: “Quem não ajuda não atrapalha?”.

Definida como o maior grau de amplitude que uma ou mais articulação(ões) pode(m) atingir, a flexibilidade é considerada uma capacidade motora condicional à qual pode ser melhorada por meio de alongamentos realizados de forma passiva, ativa ou balística, com freqüência de 2 a 3 vezes por semana e duração de 30 segundos por grupo muscular.

Embora muito utilizado nas sessões de treino como estratégia de aquecimento, pelo fato de a flexibilidade não ser a capacidade física mais importante para o desempenho do futebol, quase sempre ela acaba sendo negligenciada. Calendário apertado, falta de planejamento, sensação de desconforto, falta de aderência dos atletas, falta de cultura deste tipo de treino, prioridade das sessões de treino para outras capacidades motoras e interferência desta capacidade física na força e na velocidade são os principais fatores que fazem da flexibilidade não ser priorizada.

Apesar de o alongamento ter se tornado uma forma universal de aquecimento e de resfriamento (ou volta a calma) para quase todas as atividades, cientificamente esta prática apresenta grandes controvérsias. Embora parte das controvérsias seja explicada pelas diferentes metodologias, medidas e amostras empregadas em cada estudo, ao contrário do imaginário popular, além de não haver evidências suficientes de esta prática prevenir lesões, também não há consenso se ela melhora o desempenho de todas as tarefas.

Estudos recentes têm evidenciado que o alongamento em grandes amplitudes, além de não ajudar pode prejudicar o desempenho, especialmente em tarefas de potência que necessitam da utilização do ciclo alongamento encurtamento de ações musculares excêntricas. A alteração do limiar de excitação dos mecanoceptores e o retardo na restituição de energia elástica são os principais mecanismos que justificam a piora do desempenho. Além disso, retardo no chamado reflexo H ao invés de prevenir lesões pode aumentar a incidência.

Em termos práticos, para se aplicar um treino de flexibilidade com segurança, o conhecimento da comissão técnica sobre o assunto, a idade dos atletas, o estado de condicionamento, o hábito de cada atleta treinar ou não flexibilidade ao longo da carreira, a existência de desequilíbrios musculares, assimetrias de cada jogador e a quantidade de sessões semanais disponíveis para treino são os fatores que devem ser considerados.

Na tentativa de direcionar o que deve e o que não deve ser feito no treinamento, elaboramos o quadro abaixo resumindo as principais recomendações e precauções que deverão ser tomadas.


 

Pelo exposto até aqui, tratando-se de flexibilidade, concluímos que dependendo da forma como o treino é ministrado. o ditado popular pode ser facilmente alterado para “Não ajuda e atrapalha”.

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

Referências bibliográficas

Amiri-Khorasani M, Abu Osman NA, Yusof A. Acute effect of static and dynamic stretching on hip dynamic range of motion during instep kicking in professional soccer players. J Strength Cond Res. 2011 Jun;25(6):1647-52.

Amiri-Khorasani M, Sahebozamani M, Tabrizi KG, Yusof AB. Acute effect of different stretching methods on Illinois agility test in soccer players. J Strength Cond Res. 2010 Oct;24(10):2698-704.

Fletcher IM, Monte-Colombo MM. An investigation into the possible physiological mechanisms associated with changes in performance related to acute responses to different preactivity stretch modalities. Appl Physiol Nutr Metab. 2010 Feb;35(1):27-34.

Little T, Williams AG. Effects of differential stretching protocols during warm-ups on high-speed motor capacities in professional soccer players. J Strength Cond Res. 2006 Feb;20(1):203-7.

Sayers AL, Farley RS, Fuller DK, Jubenville CB, Caputo JL. The effect of static stretching on phases of sprint performance in elite soccer players. J Strength Cond Res. 2008 Sep;22(5):1416-21.

Witvrouw E, Mahieu N, Danneels L, McNair P. Stretching and injury prevention: an obscure relationship. Sports Med. 2004;34(7):443-9.

Categorias
Sem categoria

Sbórnia

Reservei esse espaço para contar um relato histórico, com um tom irônico e que, qualquer semelhança talvez seja mera coincidência. Talvez! É o caso da Sbórnia*, um país da Idade Média onde se praticava um esporte primitivo ao futebol.

Naquele país e naquele tempo havia, como hoje, agremiações, atletas, uma entidade soberana, que controlava o esporte, e uma emissora de televisão – sim, eles possuíam satélites e viviam em uma sociedade muito avançada, embora pouca gente a conheça com maiores detalhes.

Mesmo sendo uma sociedade evoluída, ninguém conseguia entender como a entidade de administração do esporte e a emissora de televisão detinham tanto poder sobre as agremiações e os atletas.

As agremiações eram extremamente populares. As pessoas vestiam a camisa, compravam produtos, discutiam sobre os jogos em um volume enorme em seus cotidianos. Estas instituições implicavam em um fascínio sem igual no imaginário daquele povo.

Os atletas, por sua vez, também exerciam um poder social incrível. Jovens chegavam a cortar seus cabelos para imitar os ídolos. Se vestiam e falavam tal e qual os seus astros preferidos, imitando-os sempre que julgavam interessante.

Mesmo com todos esses ingredientes, nem clubes, nem atletas, conseguiam negociar bons contratos com a televisão e se mostravam estranhamente passivos aos desmandos da entidade de administração do esporte.

A TV mudava horário de jogos para períodos complicados para que o público fosse às arenas – isso sem falar na saúde física e mental dos jogadores, que era indiretamente afetada. Além disso, pagava proporcionalmente pouco para retransmitir os espetáculos disputados nos campos do país.

Ora, se os clubes e os atletas eram o centro das atenções, por qual motivo não exerciam poder suficiente para brigar por aquilo que acreditavam? A realidade, segundo historiadores, é que os mesmos não tinham capacidade de se reunir e lutar por interesses comuns. Desta maneira, os demais agentes, que se apresentavam de maneira mais organizada, sobrepunham seus anseios perante os verdadeiros personagens do espetáculo.

Ufa. Mas ainda bem que isso tudo aconteceu há muito tempo e em um local muito, mas muito distante do nosso. Vivemos um tempo diferente, com saberes e inteligências distintas, não é, caro leitor?


*Sbórnia é um lugar fictício, criado pelos humoristas gaúchos Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez para o espetáculo “Tangos e Tragédias”, onde, segundo eles, está depositado todo o lixo cultural do mundo.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

Categorias
Sem categoria

Capital de risco

São Paulo não é somente uma das maiores cidades do Brasil. É uma metrópole mundial.

E, com isso, desfruta do melhor e do pior na vida das grandes cidades. Os problemas são exponenciais que, para resolvê-los, são exigidos esforços proporcionais.

Naturalmente, diante desse gigantismo de coisas, a capital sempre será candidata a sediar os grandes eventos esportivos que vêm ao Brasil.

Como a Copa do Mundo.

Mas a capital segue com dificuldades superlativas.

A mais recente é com o “Itaquerão”, a futura casa do Corinthians. Não para de chover problema.

Duto de petróleo. Falta de licença ambiental. Problemas com o Ministério Público e concessão do terreno.

Antes, a novela tinha o endereço no Morumbi. Agora, até a Arena Palestra Itália – que tem sua novela própria e ainda mais apimentada – tenta entrar no páreo para receber jogos da Copa.

Sem falar nas críticas públicas da Fifa, como se fosse um irmão mais velho a cobrar conduta exemplar de todos, à sua sombra e semelhança.

Mas a sombra e a semelhança da Fifa projetam suspeitas de corrupção por toda a parte.

Como exigir investimentos incertos, que aumentam na medida em que os famigerados “encargos” do caderno da Copa não param de pipocar?

Maracanã, Itaquera, Arena da Baixada, Beira-Rio sofrem com surpresas de última hora. Custos da obra saltam 30%, 40%.

Para piorar, nos estádios privados, há uma tremenda confusão entre o que é particular e o que é público.

Falta articulação estratégica.

E num grande regime de incerteza, com temor de que a planilha não feche pra ninguém, exceto pra Fifa.

Capital de risco, pra mim, tem duplo sentido: que alguma grande cidade do Brasil seja excluída do mapa da Copa 2014; quem investe dinheiro no evento tá na linha de fogo.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br  
 

Categorias
Sem categoria

Será que estaremos vivos?

Após as finais dos Estaduais-2011, muitas rodas de conversa sobre futebol tiveram como assunto principal a falha do goleiro corintiano Júlio César na jogada que terminou com o gol de Neymar, o segundo do Santos na vitória por 2 a 1, na Vila Belmiro.

Inconformado com a derrota, um torcedor (sem o amplo olhar das vitórias e derrotas num jogo) questionou um técnico de futebol, argumentando como pode ser possível alguém que tem como profissão a função exclusiva de fazer defesas, não conseguir segurar uma bola tão fácil.

 

 

Leia a história abaixo, ocorrida num destes lugares em que se discute futebol:

Torcedor: Não é possível! Ele é muito bem pago pelo que faz e “engoliu um frango” num chute rasteiro, fraco e, ainda por cima, no meio do gol. As desculpas que a grama estava molhada e a bola estava lisa não servem! Ele não poderia ter defendido?

Técnico: Poderia, sim. Mas considere toda a jogada. A recomposição da defesa do Corinthians foi lenta, o posicionamento de cobertura do zagueiro central ao lateral direito não foi bem executado e a visão do Júlio César pode ter sido atrapalhada no momento da finalização do Neymar.

Torcedor: Não interessa! Ele treina todos os dias com o preparador de goleiros e eu já vi centenas de vezes como são os treinamentos. Ele tem que defender chutes, chutes e mais chutes. Vi numa reportagem que alguns preparadores chutam até 500 bolas em um único dia. Muitos são dificílimos e incluem saltos, deslocamentos, rolamentos, quedas. Uma bola daquela não pode passar!

Técnico: Você está certo! Os goleiros defendem chutes, chutes e mais chutes, porém, escute-me: os treinamentos de goleiros um dia irão mudar!

Torcedor: Eu sei. Tenho acompanhado que alguns treinadores de goleiros utilizam raquetes e lançam bolinhas de tênis para serem defendidas. Clubes modernos dispõem até de uma máquina que dispara bolas. Tudo isso para melhorar o reflexo, certo? Espero que com isso os “frangos”, ao menos do meu time, não aconteçam mais!

Técnico: Não é bem isso que eu quis dizer. Os treinamentos que contenham disparos exagerados, seja com raquete, com máquina ou com o próprio treinador de goleiros, um dia irão acabar! Só não sei se nós ainda estaremos vivos…

Torcedor: Como assim? Se os goleiros já falham com a quantidade de treinamento de defesas que realizam, imaginem se pararem de treinar? O futebol está perdido!

Técnico: Eles não vão parar de treinar. Somente irão fazê-lo de maneira diferente!

Torcedor: Como assim?

Técnico: Chegará o dia que todos os treinamentos de uma equipe serão o mais próximo possível da realidade do jogo. O goleiro não vai ter que ficar pulando corda, cone ou estaca, pois o jogo de futebol não tem nada disso!

Torcedor: E como ele melhora a altura do salto?

Técnico: Ele não precisa saltar mais alto, e sim, na hora certa.

Torcedor: Mas e as defesas?

Técnico: Ele continuará fazendo. Não na mesma quantidade, no entanto, sobrará tempo para o aprendizado de outras questões muito importantes para o jogo.

Torcedor: Mas o que é mais importante para o goleiro do que defender?

Técnico: Não precisar defender, oras!

Torcedor: Isso é impossível!

Técnico: Não é, não! Defesas são ações técnicas bem menos realizadas do que reposições e interceptações ao longo de uma partida. Há estatísticas de jogos que uma equipe não acertou nenhum chute no gol durante os 90 minutos.

Torcedor: Incompetência!

Técnico: Ou competência da que não permitiu o chute?

Torcedor: E se uma equipe consegue chutar muito?

Técnico: Como o Barcelona, por exemplo?

Torcedor: Isso, o Barça finaliza demais! Como o goleiro se prepara para este bombardeio?

Técnico: De acordo com os números da Uefa Champions League, sabe qual a média de chutes no gol da
equipe espanhola por partida nesta competição?

Torcedor: Vinte e cinco?

Técnico: Sete!

Torcedor: Só?

Técnico: Sim! E é a melhor. Então, pra que defender mais de 200 bolas em um único dia?

Torcedor: Não sei, não sei… Estou confuso! Quer dizer que com estes novos treinamentos os goleiros não vão mais falhar?

Técnico: Vão sim!

Torcedor: E você não se importa?

Técnico: Claro que me importo, mas todos os jogadores erram…

Torcedor: Se for do meu time, vou ficar bravo sempre!

Técnico: Tudo bem, mas lembre-se de considerar toda a jogada…

Torcedor: Você já me disse isso! Me diga uma coisa: quem que está falando tudo isso? É você quem está inventando?

Técnico: Inventando, eu? Não… Quem me disse? Os mesmos que falam e escrevem que a preparação física do jogador de futebol está mudando, que os treinamentos das equipes de futebol irão mudar e que, consequentemente, o futebol brasileiro um dia irá mudar, e pra melhor!

Torcedor: Mudar? Somos pentacampeões do mundo. Você está ficando louco!!!

Técnico: É melhor pararmos por aqui…

O técnico em questão não considerou pertinente continuar a discussão, pois expressões como a função do goleiro no modelo de jogo da equipe, as regras de ação a serem executadas nos quatro momentos do jogo (ataque, defesa e transições) e o entendimento do fenômeno futebol a partir de uma visão sistêmica não seriam compreendidas. Felizmente, o diálogo ocorreu com um simples torcedor. O grande desafio é quando as justificativas têm que ser feitas para profissionais do futebol, muitas vezes sem sucesso!

Quando o treinamento de goleiros mudar, será que estaremos vivos? Se existe dúvida sobre a veracidade da história acima, fica a critério da imaginação do sábio leitor!

“A mudança é a lei da vida. E aqueles que confiam somente no passado ou no presente estão destinados a perder o futuro.” (John F. Kennedy)

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Como evitar sobrecarga excessiva com acúmulo de jogos?

Em tempos de transição dos campeonatos estatuais para o Brasileirão, alguns cuidados podem ajudar a preservar a integridade dos jogadores. Em meio às transferências e reformulação de elenco, equipes eliminadas precocemente dos regionais, da Copa do Brasil e da Copa Libertadores podem sair com vantagem.

Jogadores mais descansados e maior tempo de preparação permitem começar o Campeonato Brasileiro em ritmo mais forte. Para os que disputaram mais de uma competição simultaneamente iniciam mais fracos e naturalmente têm maior desgaste. A estes, o rodízio entre jogadores e a utilização de estratégias que aceleram a recuperação são alternativas para se evitar a fadiga, lesões e queda de rendimento.

A busca pelo máximo desempenho exige incrementos nas cargas de trabalho que, quando assimiladas, provocam melhorias. Contudo, à medida que o número de jogos por semana se eleva, só há tempo para recuperar o atleta. A tentativa de fazê-los melhorar pode levá-los do estado de overreaching para o overtraining. O primeiro refere-se a uma condição aguda (dias ou semanas) em que o atleta responde de forma ótima aos estímulos (treino). O segundo é uma condição crônica em que o indivíduo responde de forma negativa às cargas de trabalho.

Entre os sinais e sintomas do overtraining, encontram-se as alterações fisiológicas (aumento da atividade simpática, redução da atividade parassimpática, redução da frequência cardíaca de repouso, submáxima e de recuperação; aumento do consumo de oxigênio submáximo, redução da capacidade de trabalho, redução do peso corporal, insônia, distúrbios gastrointestinais, dores e lesões no aparelho locomotor, maior sensação de fadiga), bioquímicas (redução do glicogênio muscular, aumento do cortisol, redução de minerais e da densidade óssea), psicológico-comportamentais (depressão, apatia, mau-humor, medo de competir, queda da auto-estima e da autoconfiança), imunológicas (alergias, resfriados e infecções), as quais provocam queda de rendimento (redução da coordenação, da habilidade técnica e da força muscular).

Para evitar o overtraining recomenda-se monitoração constante de todas as variáveis e, quanto mais cedo a identificação do problema, menor será o risco para os atletas.

Entre as ferramentas para o diagnóstico encontram-se questionários de humor (POMS), de recuperação de treino (RESTQ) e de qualidade do sono; exames de sangue para dosagem hormonal e imunológica (linfócitos e eusinófilos); acompanhamento nutricional e observação permanente do atleta.

Outra recomendação é a monitorização diária da variabilidade da frequência cardíaca pelo intervalo de pulso para obtenção dos parâmetros de domínio do tempo (SDANN, RMSSD, NN50 pNN50) e da frequência (LF, HF, LF/HF), verificação do balanço simpato-vagal e diagnóstico de hiperatividade simpática.

Tendo em vista que nem todos os sintomas aparecem ao mesmo tempo na mesma magnitude e que cada ferramenta exige determinado conhecimento, dispêndio financeiro, equipamento e tecnologia disponíveis, caberá a cada clube definir os parâmetros que são mais ou menos importantes para fazer a escolha de quais variáveis deverão ser monitoradas com maior ou menor rigor ao longo da temporada.

Referências bibliográficas

Achten J, Jeukendrup AE. Heart rate monitoring: applications and limitations. Sports Med. 2003;33(7):517-38.

Angeli A, Minetto M, Dovio A, Paccotti P. The overtraining syndrome in athletes: a stress-related disorder. J Endocrinol Invest. 2004 Jun;27(6):603-12.

Armstrong LE, VanHeest JL. The unknown mechanism of the overtraining syndrome: clues from depression and psychoneuroimmunology. Sports Med. 2002;32(3):185-209.

Baumert M, Brechtel L, Lock J, Hermsdorf M, Wolff R, Baier V, Voss A. Heart rate variability, blood pressure variability, and baroreflex sensitivity in overtrained athletes. Clin J Sport Med. 2006 Sep;16(5):412-7.

Halson SL, Jeukendrup AE. Does overtraining exist? An analysis of overreaching and overtraining research. Sports Med. 2004;34(14):967-81.

Hynynen E, Uusitalo A, Konttinen N, Rusko H. Heart rate variability during night sleep and after awakening in overtrained athletes. Med Sci Sports Exerc. 2006 Feb;38(2):313-7

Kellmann M. Preventing overtraining in athletes in high-intensity sports and stress/recovery monitoring. Scand J Med Sci Sports. 2010 Oct;20 Suppl 2:95-102.

Meeusen R, Watson P, Hasegawa H, Roelands B, Piacentini MF. Brain neurotransmitters in fatigue and overtraining. Appl Physiol Nutr Metab. 2007 Oct;32(5):857-64.

Pearce PZ. A practical approach to the overtraining syndrome. Curr Sports Med Rep. 2002 Jun;1(3):179-83.

Purvis D, Gonsalves S, Deuster PA. Physiological and psychological fatigue in extreme conditions: overtraining and elite athletes. PM R. 2010 May;2(5):442-50.

Rogero MM, Mendes RR, Tirapegui J. Neuroendocrine and nutritional aspects of overtraining. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2005 Jun;49(3):359-68.

Roose J, de Vries WR, Schmikli SL, Backx FJ, van Doornen LJ. Evaluation and opportunities in overtraining approaches. Res Q Exerc Sport. 2009 Dec;80(4):756-64

Urhausen A, Kindermann W. Diagnosis of overtraining: what tools do we have? Sports Med. 2002;32(2):95-102.

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Brasileirão

Mais um Campeonato Brasileiro que está por começar, com os mesmos cenários e as doses de emoção prometidas para as rodadas finais da competição. O modelo de pontos corridos se solidifica, para o bem do calendário e da “justiça” competitiva, ao indicar de fato a melhor equipe da competição.

Nestes oito anos foi possível perceber melhor que os resultados esportivos do Campeonato Brasileiro refletem as equipes com melhor estrutura e modelo de gestão, embora quase que a totalidade dos clubes vivam aquilo que podemos chamar de “ondas de organização”, ou seja, momentos em que os dirigentes resolvem colocar os pés no chão e promover um equilíbrio entre as contas a pagar, as contas a receber e a administração global da entidade e em outros, quando voltam à década de 1980, com um modelo incompatível para a atual época.

Nem mesmo clubes que pareciam trilhar um caminho interessante e compatível com seus valores, cultura e público consumidor no início da última década foram capazes de manter a evolução e se posicionar em um patamar de soberania no futebol nacional. Assim, os últimos oito anos refletiram momentos e não efetivamente projetos.

No que concerne à competição como um todo (e, por tabela, aos clubes participantes), chamo a atenção para dois pontos interessantes: a evolução significativa do trabalho realizado pelos departamentos de marketing e a falta de investimentos sobre a estrutura de estádios Brasil afora. Sobre o marketing, apesar de estarem longe daquilo que se percebe em mercados como Europa e EUA, temos de reconhecer que houve um progresso significativo, com inúmeras ações voltadas à exploração da marca dos clubes brasileiros.

Sim, repito, estamos longe do ideal – e essa distância se deve mais pelo amadorismo de quem comanda o clube como um todo do que propriamente dos profissionais que lideram os departamentos específicos da área.

O surgimento de revistas especializadas, a atenção de jornais e revistas setoriais sobre negócios a explorar casos ligados ao futebol, prêmios internacionais em razão de campanhas realizadas por clubes brasileiros, congressos científicos com um nível de debate elevado sobre marketing ligado ao esporte e outros podem ser traduzidos como alguns dos indicadores relevantes para essa evolução.

Por outro lado, lamento a estrutura (ou falta de) oferecida para o torcedor (consumidor), que pouco ou nada mudou ao longo desses últimos anos. Como temos uma competição longa, com vários jogos que, geralmente, guardam as principais emoções para as rodadas finais, é fundamental pensar no conceito de entretenimento.

Sem essa ideia na cabeça, somado à ausência de conforto oferecido para todos os torcedores – que é diferente da segmentação por espaços, como a criação de áreas VIP, conceito que se alastrou como a “galinha dos ovos de ouro” para as receitas em estádios no Brasil – não é possível alcançar um nível ótimo de rentabilidade ao longo de toda a temporada. Os nossos velhos estádios continuam velhos, com os mesmos problemas, os mesmos pontos cegos, a dificuldade de acesso e uma negligência incrível sobre o bem-estar do público como um todo.

Os estádios da Copa devem trazer um novo conceito de arenas esportivas para o Brasil, a exemplo do que já ocorre em outros países. Essa estruturação é fundamental para o aumento das receitas, a otimização da exploração comercial em dias de jogos e o estreitamento da relação com os torcedores.

Que o Campeonato Brasileiro seja melhor que o do ano passado e pior que o do próximo ano. E que essa evolução venha em progressão geométrica, multiplicando a cada temporada as inovações em torno da principal competição do nosso calendário.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Arena quase multiuso

Na onda da modernização da infraestrutura do futebol nacional, além dos atrasos em obras desse tipo, outro termo muito em moda é a tal “arena multiuso”, que justifica a construção dos estádios.

Aqui na capital paulista, os três clubes estão trabalhando nessa perspectiva. O Palmeiras com a Arena Palestra Itália, o Corinthians com o tão discutido Itaquerão, e o São Paulo com o seu bom e velho Morumbi.

Pois bem! É com base no clube tricolor que gostaria de ilustrar alguns de nossos textos anteriores nesse mesmo espaço, quando discutimos inovações tecnológicas e ressaltamos que de nada adianta virem aparelhos e recursos de última geração se os processos e pessoas não compreenderem suas reais funções.

Penso que a partir daí podemos ilustrar para os críticos de carteirinha da palavra “processo no futebol” que não é apenas um termo bonito para justificar qualquer coisa, e sim algo que precisa de fato ocorrer para dar sentido às mudanças e inovações que virão.

O São Paulo adota o termo “Arena do Morumbi”, embora muito resistentes, os meios têm noticiado de alguma forma esse caráter que o clube tenta atribuir para seu estádio. Mas fica evidente que o conceito de arena requer mais do que o simples fato de abrigar shows e eventos de grande porte. Sabemos que é necessário pensar em transporte, acessibilidade, conforto, flexibilidade, cronograma de eventos de grande porte. Mas mesmo com isso tão evidente, não entrarei nesse mérito ainda no texto desta semana. Quero chamar a atenção para outro fator.

Se pararmos para observar o estádio da final da Copa do Mundo de 1998, perceberemos que existe um calendário de eventos de conhecimento antecipado, vinculando esporte, shows, espetáculos e exposições. E que nesse calendário tudo se encaixa sem necessidade de ajustes, mudanças, cancelamentos e adiamentos.

Não precisamos sair do país, mas temos de certo modo, como visualizar algo parecido com a Arena HSBC no Rio de Janeiro. O que isso significa? Que tais arenas são entendidas de fato como arena multiuso, nas quais existe uma programação de eventos para uma temporada.

E onde quero chegar com essa discussão?

Justamente naquilo que o São Paulo tem feito com seu estádio, e que pode refletir a mentalidade do que os dirigentes venham a fazer com a Arena Palestra Itália e com o Itaquerão: transformá-los em arenas quase multiuso.

É compreensível, porém inaceitável, ver o São Paulo ter que mandar jogos em Barueri ou outro estádio porque o Morumbi seria usado para shows. Quando digo compreensível, falo pela questão de pôr a conta na ponta do lápis, calcular quantos torcedores o clube arrasta para o estádio, quanto isso traz de receitas e quanto um show traz de receitas para os cofres do clube.

Porém, é inaceitável que o clube tenha de fazer isso, relegando o próprio time para segundo plano.

Um clube de futebol (o São Paulo é apenas tomado como exemplo da mentalidade dos dirigentes brasileiros que agem em sua grande parte da mesma maneira) deve aprender a utilizar esses recursos e infraestruturas que o país vai adquirir, sobretudo com a Copa do Mundo. Fazer um planejamento de eventos vinculado a jogos não é tarefa das mais complicadas, ainda que existam fatores que devem ser um tanto complexos.

Como podemos pensar uma arena multiuso para os estádios se os próprios clubes mantêm o futebol longe do palco principal? Aí já entramos numa questão de gerenciamento mais ampla, que extrapola a discussão das arenas apenas. E tais questões, da forma como são conduzidas hoje, apenas justificam e dão razão para tirar o jogo do clube de seu estádio para cedê-lo a outro espetáculo – afinal, se meu time não é capaz de atrair torcedores, ou seja, não se consolida como espetáculo, é sem dúvida muito mais fácil trazer o U2.

O receio é que daqui a pouco os dirigentes acreditem que possam fazer o Bono Vox virar jogador de futebol e anunciá-lo como contratação…

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Jornalista é notícia?

Na semana passada, os jornais esportivos da hora do almoço na Globo e na Band dedicaram parte de seu tempo com reportagens sobre a Copa Nike Aceesp de Imprensa, que acontece na capital paulista. Os dois programas deixaram de noticiar outros fatos relevantes do universo esportivo para dedicarem sua reportagem ao torneio disputado entre jornalistas.

No último domingo, o programa “Pânico na TV” produziu uma matéria sobre o embate entre os colegas de imprensa, mas o foco da pauta era polemizar sobre a briga entre o comentarista da Band Neto e o apresentador do Globo Esporte Tiago Leifert. Em determinado momento da reportagem, os repórteres questionaram Mauro Beting, comentarista da Band e de diversos outros veículos, sobre o que ele achava da briga e quem teria razão:

“Ninguém tem razão. Nem quem acha que jornalista é notícia. A imprensa não pode ter essa importância toda”.

Os repórteres caíram no riso e brincaram com Mauro, dizendo que ele tinha acabado de “estragar a pauta”. Mas aí é que é o ponto. Jornalista, realmente, é notícia?

A discussão sobre isso passa, necessariamente, pelo debate do que é notícia. O que é relevante para o consumidor da informação? O que a pessoa que vai comprar o seu jornal, ler a sua revista, ligar a TV ou o rádio e clicar na internet espera?

Dedicar parte de um programa de 20 minutos para falar sobre uma partida de futebol entre jornalistas é um pouco demais da conta. Muito mais ainda é perder tempo discutindo se um ou outro jornalista está com a razão dentro de um conflito de ideias, algo absolutamente natural de acontecer e salutar para o desenvolvimento do processo democrático.

Quase sempre vivemos nos extremos. Ou o noticiário deve ser denso e crítico, ou então leve e descontraído. Essa é a graça do surgimento dos veículos de imprensa. A função é exatamente defender um ponto de vista e comunicar-se para aqueles que têm interesse naquele tipo de informação e, mais do que isso, de forma de abordagem do noticiário.

Não podemos incorrer no erro de acreditar, porém, que a notícia é o jornalista. Qual a relevância em saber, dentro do noticiário de esportes, sobre o feito alcançado por um profissional da imprensa? Não seria mais correto com o consumidor abordar o tema pelo qual ele se propõe a dedicar o seu tempo?

O jornalista pode ser a notícia, desde que tenha sentido abordá-lo como tal. O que não se pode admitir é a busca sedenta do profissional por virar notícia. Mesmo que seja de forma “ingênua”, como no relato de um simples torneio entre jornalistas.

Notícia é notícia. A função do jornalista é relatar para o público o que ele presenciou ou descobriu.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br