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Oprimidos

Tradicionalmente, o futebol é governado por um sistema hierárquico vertical forte e consolidado. Aqui no Brasil, isso é evidente. Primeiro tem a Fifa, aí tem a Conmebol, aí tem a CBF, as Federações Estaduais e, aí, os clubes. Um em cima do outro, um mandando no outro, um não podendo fazer muito para suplantar o outro.

Esse modelo de governança é não apenas exercido, mas também fortemente perpetuado pela Fifa. Por isso que ela tenta, ao máximo, impedir a entrada de outros agentes no sistema, como os governos, por exemplo. As coisas do futebol, de acordo com o próprio, devem permanecer no futebol. E quem manda no futebol é a Fifa, depois as Confederações continentais, as Federações nacionais, em alguns casos as federações regionais e, por fim, os clubes. Quanto menos desenvolvido for o mercado de futebol de uma determinada localidade, mais obediente será esse mercado a essa estrutura.

O oposto, porém, também é verdadeiro. Ou seja, quanto mais desenvolvido for um mercado de futebol, menor a necessidade de ele obedecer a essa hierarquia vertical e fechada. Um exemplo são as Ligas. Quando clubes possuem incentivos suficientes para formar uma entidade própria, eles formam uma Liga, que pode deixar de obedecer à hierarquia futebolística para andar com as próprias pernas. Quanto mais forte for a Liga, mais independente ela consegue ser.

É o caso da English Premier League, que essa semana rebateu o projeto do ‘jogo limpo financeiro’ da Uefa. Com razão, diga-se. O argumento externado pelo Richard Scudamore, um sujeito simpático que é o CEO da EPL, é aquele justamente exposto aqui nesse espaço na semana passada. Ele deve ter lido. Basicamente, a crítica parte do fato de que se é para se controlar, fiscalizar e estabelecer parâmetros mínimos para a despesa de clubes de futebol, o mesmo deve ser feito para as receitas. Ou seja, no momento que se padroniza o quanto os clubes vão gastar com salários e transferências, é preciso também padronizar o quanto o clube se beneficia economicamente de diferentes formas, como o subsídio público ao estádio, o subsídio fiscal às despesas do clube e a quantidade de imposto pago pelo salário do jogador. Tudo isso conta, porque tudo isso, no final, influencia na capacidade do clube em contratar os melhores atletas, que por sua vez influencia na chance do time se tornar campeão.

É claro que a EPL tem lá suas razões, uma vez que o ‘jogo limpo financeiro’ pode afastar a entrada de novos bilionários nos clubes ingleses, além de reduzir a dominância dos clubes ingleses na Champions League. Mas quem pode reclamar, pode. E se tem uma organização que pode hoje levantar a voz contra a Uefa, essa organização é a Premier League. Antes tinha o G-14, mas o Platini, na sua aparente incansável luta para se tornar o manda-chuva da Fifa, conseguiu desmantelar. Até a ECA conseguir se organizar para protestar contra medidas desse tipo, o Platini já terá conseguido se eleger.

E antes que você se indigne sobre o fato de eu ter escrito que as federações regionais mandam nos clubes brasileiros, isso ainda é fato. Pelo menos na maioria dos clubes do país. Assim como no caso Europeu, apenas aqueles situados em regiões com o mercado de futebol mais desenvolvido conseguem, hoje, brigar com a federação estadual. Um dia, quem sabe, eles poderão ter voz contra a federação nacional. Um dia. Quem sabe.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Civilização e barbárie

Sábado, 19 de setembro de 2009. O dia em que o futebol mundial levou uma grande lição de moral ao vivo e a cores.

Esperando pelo início da transmissão da Bundesliga, pela ESPN Brasil, do jogo entre Bayern de Munique e Nuremberg, o corretivo aplicado em todos aqueles que estavam presentes no Allianz Arena calou fundo em todos os que estão envolvidos no futebol – por amor ou por profissão.

Na semana anterior ao jogo, um cidadão alemão de 57 anos – e nem importa para qual clube torcia – foi interpelar um grupo de jovens que estavam atormentando crianças numa estação de trem da cidade. Resultado do ato de cordialidade e humanidade: covardemente agredido até a morte.

O diretor do Bayern, Uli Hoeness, logo após a entrada das duas equipes em campo, foi ao centro do gramado e, de microfone em punho, relatou o episódio triste.

Entretanto, a atitude que chamou a atenção, verdadeiramente, foi o discurso firme, rigoroso, dirigido genericamente a todos os torcedores do país, para banir a hostilidade do futebol e conviver em respeito, harmonia e, sobretudo, civilidade.

Todos atentos, jogadores perfilados, um minuto (inteiro) de silêncio, com a foto da vítima da violência no telão do estádio. Grande exemplo de civilização, a partir de um episódio de barbárie protagonizado por um diretor de um dos maiores clubes de futebol do mundo que, com a necessária humildade e a firmeza dos líderes, conclamou a todos para refletir e agir para transformar positivamente o contexto.

No Brasil, cansaríamos em tentar listar os exemplos recentes de violência entre torcedores, não-torcedores, violência geral, no contexto do futebol.

Violência não apenas no sentido físico, mas moral. Ou as palavras de Helio dos Anjos não desrespeitaram ninguém? E as constantes vaias e xingamentos sofridos por Richarlyson vindos das organizadas do São Paulo? E o que dizer de pesadíssimas críticas irresponsáveis de jornalistas que detêm as tribunas em caráter exclusivo e não outorgam defesa aos profissionais do esporte?

Aqui, nossos diretores dão exemplo, sim: invadem vestiários com seguranças armados para achacar a equipe que não ganha os jogos dentro de campo…

“Civilização” e “barbárie” são palavras com significados opostos.

A primeira é uma palavra que denota qualidades e se remete ao bem – educados, os que vivem em sociedade e que se adequam a padrões gerais pré-estabelecidos.

Por outro lado, “barbárie” é o estado em que vivem os sem-educação, violentos, cruéis, os que não se adequam a padrões gerais pré-estabelecidos pela sociedade.

A conclusão sociológica de que o povo brasileiro é pacífico está mais do que correta.

Vou além e digo que é passivo, não pacífico. Não costumamos formar líderes com poder de transformação social. Desistência prevalece sobre resistência.

Ajude-me a concluir se nosso futebol caminha para a civilização ou para a barbárie.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Contratando jogador: DVD, Youtube e melhores momentos

Na semana passada, o fenômeno Ronaldo disse que fica entediado de assistir à uma partida de futebol inteira, que prefere ver apenas os melhores momentos. 

Eis um hábito comum entre alguns torcedores, não aqueles mais fanáticos que gostam de ver detalhe por detalhe do que aconteceu no jogo, mas o hábito de um torcedor que acompanha uma partida no futebol brasileiro, cada vez mais com menos craques ou apenas com aqueles em fase final de carreira (lembrando que o termo não é pejorativo, existe muito “veterano” jogando em alto nível ou “comendo a bola”, como diriam alguns).

Essa preferência pelos melhores momentos é completamente compreensível, e então o amigo poderia pensar: “Por que iniciar o texto com o discurso de Ronaldo, o que tem de mais nessa informação?”.

Para acompanhar os melhores momentos, sem dúvida, é necessária uma edição, e hoje é possível observar uma crescente disponibilização dos gols na internet. Na Europa, o jogo já pode ser acompanhado na íntegra pela internet. No Brasil, ainda estamos engatinhando (vejam a coluna do colega Eric Beting da última segunda-feira). Recordo-me apenas de uma tentativa, há cerca de um ano, da Federação Paranaense, em fazer algo similar.

Nesse contexto de melhores momentos, tanto a edição de DVD – e mais recentemente o Youtube -, tornaram-se grandes aliados dos empresários de jogadores, atuando diretamente na demonstração das capacidades de seus agenciados para o clube interessado.

Os clubes, por sua vez, sem uma “Central de Inteligência de Jogo”, que poderia, dentre outros, ter uma estrutura e equipe especializada em scouting, ou seja, uma rede de olheiros em busca de jogadores, acabam achando uma alternativa barata para trazer novos jogadores; barata no sentido de não precisar investir na busca de atletas.

Mas como diz o ditado popular: “Às vezes, o barato sai caro”.

Uma coisa é o torcedor observar os melhores momentos, outra é quem contrata. Afinal, nem é preciso dizer que nenhum agente de jogador vai levar um DVD de piores momentos de um jogador. No Youtube, o máximo que acharemos são gols perdidos ou jogadas engraçadas, mas que na verdade é uma compilação de vários jogadores. Não encontramos um vídeo de apenas um atleta com essas características. E, se encontrássemos, seria algo inusitado.

O treinador, ou como é comum no futebol brasileiro, o presidente do clube (que sempre olha o mercado pela chamada oportunidade de negócio mais do que pelas carências e planejamento da equipe), devem criar mecanismos que vão além dos melhores momentos para contratar um jogador, afinal, depender do DVD editado pelo agente (vendedor) ou do Youtube para fins avaliativos não é nada confiável.

A seguir, alguns tópicos que devem ser pensados na contratação de um atleta, e com certeza, o auxílio da tecnologia é grande, sobretudo no processamento e armazenagem das informações:

 Histórico de lesões
 Histórico de transferências
 Histórico técnico-tático
 Histórico de relacionamento com técnicos
 Histórico de relacionamento em grupo
 Situação contratual

Enfim, vários são os aspectos. Não se pode ficar refém dos melhores momentos, porque senão, logo, logo, goleiro, para ser contratado, deverá fazer gols. Afinal, qual o melhor momento do futebol?

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Quem aguenta as mesas-redondas?

Ontem, definitivamente, desisti de tentar. Domingão de rara folga, depois de passar o dia em família fui me aventurar em assistir à Mesa Redonda, para tentar acabar com a síndrome de que esses programas de bate-papo sobre futebol na TV perderam cada vez mais sentido.

Depois de cinco minutos cheguei à conclusão de que, realmente, não existe mais a menor condição de alguém suportar acompanhar um programa de bate-papo sobre futebol, especialmente quando o debate é em canal de TV aberta.

Descobri que o meu limite para suportar os duelos verbais na TV tem ficado menor do que o tempo de intervalo entre um merchandising e outro.

Com a popularização da TV em banda larga e com o crescimento do acesso aos diferentes meios de comunicação, é praticamente impossível, hoje, o torcedor das classes sociais mais privilegiadas ainda se dar ao luxo de suportar um programa de mesa-redonda na televisão.

Como o Campeonato Brasileiro ainda tem desses inexplicáveis atrasos, a internet no Brasil já permite que, cinco minutos depois de o gol acontecer, o internauta assista a ele, na íntegra, mas ainda com a narração feita para a televisão.

Não conseguimos ainda quebrar a barreira da transmissão ao vivo para a internet, que poderá começar a revelar uma migração do telespectador das classes A e B para a tela do computador na hora de assistir a um jogo de futebol.

Para esse tipo de consumidor, muito mais do que o debate, o que vale é a bola dentro do gol. E, para isso, o torcedor que antes não tinha outra opção a não ser aguardar a mesa-redonda, agora pode simplesmente ligar o seu notebook, em qualquer lugar, e ver apenas os gols que lhe interesse, naquele exato momento.

Deve ser por isso que os programas de debate se digladiam para ver qual consegue ser mais apelativo para chamar a atenção, na lógica simplista de que as pessoas só querem ver desgraça e, com isso, ao promover todo e qualquer tipo de debate, turbina-se a audiência. Até balizadas discussões sobre homossexualidade foram vistas no último domingão.

Cada vez mais chego à conclusão de que a melhor coisa numa mesa-redonda é o merchandising. Pelo menos ali sabemos que não se faz qualquer coisa pela audiência…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Cristiano Ronaldo é uma ficção

Acordei com o barulho das maritacas. Madrugaram. Conhecem maritacas? É um papagaio verdinho, pequeno, que voa fazendo barulho. Minha avó tinha uma que entrava no bolso do avental dela. Ainda com sono e esfregando os olhos, saí da caverna e dei de cara com Aurora, a coruja, encarapitada num resto de tronco queimado ao lado de sua toca.

– O que faz tão cedo? Perguntei

– Leio, ela respondeu – Nem dormi.

Esqueci de dizer que Aurora lê, e bastante. Não, não sei onde nem como aprendeu. Deve ter sido por aí, entre um voo e outro. Arnaldo, que é bagre, e cego, nem em braile lê. Não que lhe faltem recursos, ele é inteligente; tipos como Arnaldo, porém, terrestres, praticam verdadeiros malabarismos intelectuais. Muitos são reconhecidos e até chamados de doutores. Porém, bagres cegos moram em lagos de cavernas, e, como é de conhecimento geral, papéis e computadores não suportam água.

– O quê? Perguntei.

Ela lia Humberto Eco, imaginem, o italiano que escreveu “Em nome da rosa”, mas que também escreveu “Viagem na irrealidade cotidiana”, a leitura de momento de Aurora. Não era um romance, era um ensaio.

Aurora, mais que tudo, prende-se ao futebol, e Eco escreveu sobre o esporte no livro “Viagem na irrealidade cotidiana”. Nunca li nada que esse italiano escreveu, portanto, tive que perguntar a Aurora:

– E o que ele fala do esporte, é mau? Afinal, nem sempre os intelectuais nutrem simpatias pela competição esportiva.

– Nem mau, nem bom, respondeu Aurora – para ele o esporte é um desperdício saudável. Além de um certo limite, neutraliza suas próprias virtudes e produz o monstro individual e social. Vou ler um trechinho para você: “o atleta é um monstro, é o Homem que Ri, é a gueixa do pé apertado e atrofiado, destinada à instrumentalização total”. Sabe o Homem que Ri? Aquele da história do sujeito que tinha os dentes sempre à mostra porque teve os lábios cortados.

Nossa conversa entrou sol adentro. Humberto Eco não foi criança de brincar com bola, e não me impressionou tanto quanto impressionou Aurora. Talvez ele nunca tenha percebido que os duros machos de nossa espécie são capazes de chorar comovidos diante de um gol de sua equipe ou da amarga derrota para um adversário tradicional. No estádio, e só no estádio, há homens que choram, e riem, e se abraçam uns aos outros, esquecendo o pudor, e isso é bom, e isso é rico.

– Cristiano Ronaldo é uma ficção! Exclamou Aurora, influenciada que estava pelo texto do escritor italiano.

E é; do jeito que a coruja pensa, é sim, uma grande ficção. Quando o mundo vibra por ele, não é ele que joga. As jogadas que ele realizou no San Siro, em Milão, ou no Santiago Bernabéu, em Madrid, perderam-se nas teias da falação esportiva, depois de passar pelas telas da televisão ou da internet.

As pessoas que não vão ao estádio e conhecem o futebol somente pela televisão, pela internet, rádios, jornais e revistas, têm, do jogo, uma outra dimensão. Na televisão, por exemplo, tem-se a impressão que o campo é maior, que os jogadores têm mais espaço para jogar, que, ao pegar na bola, há tempo de sobra para realizar as jogadas. E não é nada disso. No jogo transmitido pela televisão, quem escolhe os ângulos, é o operador da câmera; vemos o jogo que a emissora quer que a gente veja. Quando ouvimos a transmissão dos jogos, os comentários e debates, imaginamos o jogo que eles imaginam. No campo, em tempo real, ao vivo, o jogo é outro.
Quando um jogador pega na bola, mal tem tempo de olhar ao redor antes que os adversários caiam-lhe em cima. Sabem, aqueles que frequentam os estádios, que é preciso muito mais habilidade para jogar o futebol real que o futebol fictício dos meios de comunicação.

– Basta que o Cristiano Ronaldo, nos primeiros anos de sua carreira, tenha feito alguns belos gols, algumas boas jogadas, que, a partir daí, haverá alimento para essa ficção pelo resto de sua vida profissional, disse a coruja

– O Cristiano entrará em campo, as pessoas o verão na tela da televisão, ouvirão dele o que disserem os jornalistas, lerão o que escreverem sobre ele e pagarão pela imagem que esse aparelho ficcional fizer dele. E aqueles que frequentarem o estádio, passarão a ver o protagonista de uma história de ficção inventada pelos meios de comunicação. Seus olhos já não serão seus olhos, porque até isso será produzido, será uma farsa, uma ficção.

Tive que concordar com Aurora. Sim, porque aquele Cristiano Ronaldo real, que tensiona e relaxa músculos no gramado, que sua, que xinga, que se aborrece e se alegra todos os finais de semana no Bernabéu, é um outro. Já nunca mais o veremos, mesmo se ele estiver na nossa frente, mesmo se ele entrar, como entrou, no estádio, num dia em que não havia jogo, apenas para que a multidão o visse ser apresentado como o novo ídolo do time. O jogador que faz gols, que corre, que cai e se machuca, nunca renderia os milhões e milhões de euros que todos pagamos por ele. Ele é apenas o jogador, o Cristiano; e esse que produz tantas fortunas é o meta-jogador, a obra impressionista de um enumerável séquito de operadores de uma bolsa inflacionária de valores futebolísticos, para quem não há pudor ou limites financeiros.

– Daqui a pouco o Cristiano entrará em campo contra o La Coruña e eu verei o jogo do jogo do jogo do jogo que será transmitido pela televisão. Mais alguns dias e eu continuarei vendo outros jogos de jogos do Cristiano Ronaldo, até que se esgote essa falação e comece tudo de novo no próximo final de semana, concluiu Aurora.

E foi nesse ponto que resolvi voltar para a caverna e dormir mais um pouco, antes que meu gosto pelo futebol se esgotasse de vez.

*Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br  

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Quanto valem Cristiano Ronaldo e Kaká?
O avesso da esperança   
 

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O treino tático

Em um momento específico de sua história, a preparação desportiva do futebolista deparou-se com uma encruzilhada que definiria, posteriormente, décadas de um modelo de trabalho seguido à risca por treinadores, preparadores físicos e assistentes técnicos – modelo esse, que até hoje desponta como norte, especialmente no Brasil.

Os treinamentos “técnicos, táticos, físicos e psicológicos”, foram e têm sido, por muito tempo, fragmentados em partes isoladas, na expectativa de que somadas, pudessem resultar no “todo”, no bem “jogar” futebol.

O fato é que o desempenho do jogador de futebol é transdimensional, e isso quer dizer que suas dimensões, física, tática, técnica e psicológica, estão fortemente e intimamente relacionadas, de maneira que a separação delas (das dimensões) deve ter apenas caráter didático, e não prático-aplicado.

Não é possível creditarmos, por exemplo, apenas ao treino físico, carga ou desgaste, metabólico ou neuromuscular, como se em um treino tático a dimensão física deixasse de existir e todos os processos fisiológicos e bioquímicos ficassem suspensos até que, formalmente, o chamado “treino físico” acontecesse.

Da mesma forma, o desempenho do jogador em jogo está determinado por uma série de decisões que ele toma, expressas pela maneira como age. Então, as suas ações em campo são respostas as situações-problema do jogo (situações-problema que são integralmente físicas, táticas, técnicas e psicológicas), e só são possíveis (as respostas) se o jogador estiver preparado “física-tática-técnica-psicologicamente” ao mesmo tempo para manifestá-las.

Então, se reforçamos a ideia de que a dimensão tática (por exemplo), separada da física, da técnica ou da psicológica é apenas um recurso didático para auxiliar na compreensão do jogo de futebol como “todo”, devemos destacar, que, é preciso sim e também, conhecer cada uma delas (das dimensões) em suas particularidades – sobre isso, inclusive, Morin (1982) cita Pascal para dizer que é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes. Outra coisa a se destacar é que, sendo o desempenho do jogador de futebol transdimensional, torna-se mais do que necessário que o treino tático (que é um dos objetos desse texto), a partir dos seus conteúdos, seja concebido como algo integrado as demais dimensões que expressam o desempenho do “jogar” futebol.

Mas, se por um lado, parecem estar na ponta da língua quais são os conteúdos físicos (força explosiva, velocidade, etc.) ou técnicos (passe, drible, desarme, etc.) do jogo, por exemplo, onde estariam e quais seriam os conteúdos táticos que correspondem ao futebol?

E, como se essa já não fosse uma pergunta de interessantes respostas, outra ainda mais ácida: como integrar transdimensionalmente (e não multidimensionalmente e nem interdimensionalmente) esses conteúdos (táticos, físicos, técnicos, psicológicos) e construir o treino?

Quando compreendermos as respostas para essas questões, sentiremos como se houvéssemos descoberto o “passe” secreto de uma mágica; ela quase fica sem graça (só não fica totalmente, porque não sabemos se nós, como o mágico, também conseguiríamos) e, no final, pensaremos; “como poderia ter sido diferente”…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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O Financial Fair Play da Uefa

Caros amigos da Universidade do Futebol,

o mundo do futebol continua a lutar contra os gastos excessivos dos clubes de futebol profissional, e a favor do chamado “financial fair play”.

Esta semana, o Presidente da Uefa e ex-jogador Michel Platini anunciou que uma série de medidas deverão ser tomadas para evitar que clubes gastem excessivamente, principalmente na contratação e pagamento de folhas salariais de jogadores.

Segundo notícia veiculada pela própria Uefa, a decisão está respaldada pelo Comitê Estratégico do Futebol Europeu, que envolve representantes das Ligas (EPFL), clubes (ECA), federações (Uefa) e jogadores (FIFPro).

A questão na Europa é bastante polêmica e pode ser comparada à nossa situação no Brasil. Temos, é claro, que considerar que a Europa vive um estágio de desenvolvimento de seu bloco econômico totalmente diferente do que vivemos na América do Sul. Lá, os países são muito mais próximos uns dos outros, com moeda única, órgãos públicos comuns, etc.

Por essa razão, a diferença entre situações jurídicas dos clubes nos seus diversos países impacta diretamente na questão do “financial fair play”. Exemplo disso é que, na Inglaterra, os investimentos estrangeiros são totalmente liberados nos clubes, ao passo que, em outros países, como na Alemanha e França, existe uma grande restrição ao investimento no futebol profissional.

Desta forma, os clubes ingleses são muitas vezes taxados de estar sob efeito de “doping financeiro” por outros países. Afinal de contas, não é à toa que clubes ingleses estão sempre chegando às semifinais da Champions League, possuem os principais jogadores e têm o maior valor na venda dos seus direitos televisivos (via Premier League).

Uma decisão que vise harmonizar a situação nos diversos países da Europa pode ser uma pista para que a CBF consiga resolver o problema no Brasil. É claro que os clubes devem sempre visar ganhar competições, e montar os melhores elencos possíveis. Mas isso não pode e não deve ser obtido a qualquer custo.

Quem sabe não seria a hora de implementarmos um sistema de licenciamento de clubes no Brasil, adaptado evidentemente à nossa realidade, para que, gradativamente, os clubes possam ser ajudados a sair do buraco.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Sobre o doping financeiro

Para entender a essência e a importância de se combater o doping financeiro, conforme será tentado pela Uefa, é preciso, antes de qualquer coisa, entender a lógica econômica básica e intermediária do futebol.

Vamos a ela, em cinco fáceis etapas: 1) clubes de futebol existem fundamentalmente para disputar e ganhar partidas; 2) o time que tiver melhores jogadores, tem maiores chances de ganhar seus jogos; 3) times disputam entre si os melhores jogadores; 4) o maior incentivo de um jogador tende a ser dinheiro; e, portanto, 5) quanto mais dinheiro um time gastar, melhor será seu time, logo, maior será a probabilidade de ganhar seus jogos.

Pronto. Economia do Futebol Básica. Partamos agora para a parte intermediária.

Três fatores principais, dentre outros menos importantes, influenciam a capacidade de um time gerar receita: 1) o ambiente econômico da região em que ele está localizado; 2) o número de torcedores que ele tem; e 3) a ligação que ele consegue estabelecer com seu torcedor. Existe, no mercado brasileiro em especial, outro fator, que é a capacidade do clube de revelar jogadores, mas, por conta do espaço da coluna, esse fator será devidamente ignorado.

Portanto, quanto mais rica e desenvolvida for a região na qual o clube se localiza, mais dinheiro haverá disponível para ser aplicado na agremiação, seja pelo potencial de consumo do torcedor ou pela atratividade mercadológica gerada pelo instituição esportiva. Mas isso pouco adianta se o clube não tiver um bom número de torcedores, ou que não consiga estabelecer relações mais significativas com eles como, por exemplo, pouco público no estádio ou pouca vontade desse público em adquirir produtos diretamente ou indiretamente ligados ao clube.

Esses três fatores aplicados à lógica econômica do futebol criam a heterogeneidade competitiva. Clubes que se beneficiam por esses fatores, portanto, têm mais chances de vencer partidas e, consequentemente, conquistar mais títulos.

A etapa 1 da lógica econômica, entretanto, faz com que clubes menos favorecidos economicamente façam o possível para superar essa desvantagem financeira e ambiental. Para tal, normalmente, eles podem fazer duas coisas: 1) pegar um empréstimo, arriscando o futuro financeiro do clube, caso a vitória não venha ou não gere o resultado econômico esperado – dois casos bastante freqüentes; ou 2) deixam de pagar alguém, o que acarreta em um processo de falência – em mercados mais racionais do que o brasileiro – ou complica severamente o clube no longo prazo.

Esse é, em suma, o doping financeiro do futebol. Simples assim. Se no doping fisiológico o atleta usa uma energia a qual ele não teria por processos naturais, no doping econômico o clube gasta um dinheiro que ele também não teria por processos naturais.

Ambas as práticas, logicamente, precisam ser combatidas. Por isso, é importante ressaltar a atitude da Uefa, naquilo que ela denominou como ‘financial fair play’, ou ‘jogo limpo financeiro’. A Uefa, que já vem a certo tempo entrando num processo de maior controle sobre a saúde financeira dos clubes por meio do Uefa club licensnig system, possui a filosofia, os instrumentos e a tecnologia para esse tipo de controle. Coisas que dificilmente um órgão governamental do futebol brasileiro possui. E é por isso que, por mais que ele seja um projeto importantíssimo para a sustentabilidade do futebol brasileiro, dificilmente vai pegar, pelo menos de imediato.

Clubes no mundo inteiro, inclusive aqueles pertencentes à Uefa, são historicamente ótimos em criar mecanismos para burlar restrições. No Brasil, então, nem se fala. Basta estudar a época do ‘profissionalismo marrom’. O futebol no país não tem nem uma década de balanços auditados. É um tanto quanto otimista, portanto, achar que clubes iriam obedecer a essa restrição que seria, essencialmente, controlada pela publicação do balanço. Otimista e ingênuo.

Além do quê, para o jogo ser realmente limpo financeiramente por aqui, outras medidas corretivas precisam ser tomadas antes. Afinal, qual a legitimidade de um clube no Brasil cobrar outro por doping financeiro se as cotas dos direitos de televisão aberta são distribuídas da maneira que são? Aliás, existe algum tipo de doping financeiro maior do que a distribuição da cota de televisão aberta no país, que se baseia em critérios que são tão antigos e obsoletos quanto o próprio profissionalismo marrom?

A pergunta é retórica. De qualquer maneira, a resposta é não. Não existe. E as cotas de televisão vão continuar do jeito que estão, porque quem tem o poder pra mudar são justamente aqueles que são mais beneficiados por ela, que são também aqueles que mais se beneficiam pelos três fatores citados acima. E, curiosamente, são justamente os que aparentemente têm mais aplaudido a ideia do jogo limpo financeiro divulgada pela Uefa.

Por melhor que o projeto do jogo limpo financeiro seja, a sua implementação pura e simples no Brasil está destinada a fazer dele uma regra a ser burlada e ignorada. O problema financeiro do futebol brasileiro é muito maior. O desequilíbrio é mais extenso. O buraco, enfim, é mais embaixo. E, para melhorar a situação, vai ter que cortar a própria pele. E isso não vai ser tão simples.

Afinal, no dos outros, é sempre refresco.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Medidas impopulares

Minha mãe, até bem pouco tempo, ajudava um hospital-referência no tratamento do câncer, em São Paulo, com contribuições mensais de R$ 20,00 – não lembro se cobradas junto à conta telefônica ou com débito bancário autorizado. Até o dia em que a razão sobrepujou a emoção e a beneficência, ainda que minha mãe desejasse o contrário.

Um telefonema repentino, vindo do respectivo serviço de busca de doações para o hospital, comunicou a ela que seu valor mínimo cobrado sofreria aumento de 20% devido à queda do número global de doadores do programa social.

Por ato intuitivo e natural, no mesmo dia, minha mãe parou de doar sequer os R$ 20,00 e muito menos aceitou o aumento. E se sentiu ofendida nos anseios em ajudar o próximo.

A diretoria do Atlético-PR  resolveu, também repentinamente, comunicar aos seus mais de 25.000 sócio-torcedores um aumento de 40% nas mensalidades pagas ao clube.

Obviamente, a medida provocou discussões entre clube e associados. Claro, pois, a não ser que você seja jogador de futebol, técnico, celebridade, ou trabalhe no Senado Federal, ninguém tem rendimentos reajustados nesse patamar de 40% para bancar seus gastos – muito menos com lazer e entretenimento, onde deve ser incluído nosso futebol.

O clube poderia tentar compensar o alegado desequilíbrio financeiro criando outras fontes de receita, e não testando a elasticidade da demanda pelos pacotes ao ponto de ruptura. Muito arriscado.

Apenas para levantar um exemplo possível: aumentar a gama de produtos licenciados, comercializando-os pela internet dentro do conceito defendido no livro “A Cauda Longa”, de Chris Anderson.

Esse conceito prega que, num ambiente de comércio virtual, os custos de manutenção dos negócios para vender produtos de grande procura são equivalentes aos empregados para comercializar uma série enorme de produtos destinados a nichos específicos de consumidores. A cauda longa tende ao infinito em termos de leque de produtos.

Em outras palavras, para o clube, vender em sua loja virtual camisas oficiais ou canecas licenciadas não significa muita diferença em termos de estoques e custos operacionais.

A história sempre me ensinou, nos bancos da escola, que os monarcas que aumentavam tributos, ao invés de aumentarem o número de pessoas que os recolhessem eram impopulares e capitulavam cedo ou tarde – por pressão do povo ou articulação dos adversários políticos, ou a soma dos dois fatores.

Diz a lenda e se lhe atribui a frase à Maria Antonieta, esposa de Luis XVI, rei da França, às vésperas da Revolução Francesa: “Se o povo está com fome e não tem pão, que coma brioche”.

Nesse caso, “se não querem ir ao estádio e pagar os 40% de aumento nas mensalidades, que fiquem em casa assistindo pela TV no pay-per-view”.

Para ambos os franceses, o resultado foi a guilhotina.
 

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Essa é para vocês, traíras!

A frase acima não é para você, leitor. Mas foi a expressão que coroou o título mundial de 1994. Naquela Copa em que todo o Brasil falou mal do time nacional, o desabafo do então capitão Dunga tinha endereço certo: a imprensa.

Tive a oportunidade de conhecer e conviver um pouco mais com o atual treinador da seleção em 2006, na Copa da Alemanha. Mesmo com o claro oba-oba que existia em torno do Brasil, com a série de desmandos e com a clara pressão da imprensa contra isso, Dunga não concordava, na época, que o jornalista falasse mal da seleção durante a Copa do Mundo.

Aquele time apresentava falhas e cada vez menos a cara de uma equipe. Mas, mesmo assim, Dunga não queria saber. No mês do Mundial, para ele era atentado contra a pátria reclamar de qualquer coisa dos jogadores do país. O momento era de ajudar, e não de atrapalhar.

Dunga era, então, comentarista do BandSports no Mundial. Mesmo em outra função, para ele não tinha cabimento fazer críticas ao excesso de confiança que cercava a equipe. Em 1994, como capitão do time brasileiro, a irritação contra as críticas da imprensa (que não foram poucas) era ainda maior. E, desde 2006, quando assumiu o comando da seleção brasileira, essa tempestuosa relação irrompeu de vez.

Dunga conseguiu ser mais político desta vez, apenas reclamando de que críticas foram feitas ao desempenho da seleção sobre a Argentina, mesmo com a vitória por 3 x 1 fora de casa. Mas está claro que, até o final da Copa da África, o relacionamento do treinador com a imprensa estará muito longe de ser amistoso.

Pior será quando começarem os intermináveis 40 a 50 dias de uma Copa do Mundo. Porque é cada vez mais enorme a possibilidade de o Brasil, do jeito que está jogando, seguir a passos largos para a sua oitava decisão de Copa do Mundo. E, no meio desse caminho, Dunga dizer aos “traíras” que tudo isso é para eles.

Tudo poderia ser resolvido se houvesse mais bom senso no relacionamento entre imprensa e treinador da seleção brasileira. Não é preciso que o Brasil dê um show a cada vitória, algo que a imprensa parece sempre cobrar, mas também Dunga não pode esperar somente afagos e compreensão por parte da mídia.

A pressão exercida sobre o treinador é, acima de qualquer outra, gigantesca. A necessidade de vitória é enorme. Ainda mais quando se trata de seleção brasileira. Dunga precisa entender que essa cobrança é parte do trabalho, e que não é um “traidor” aquele que critica. Boa parte das vezes, a cobrança tem como objetivo melhorar um trabalho bem-feito. Mas também a mídia precisa entender que, contra vitórias, é preciso ter bons argumentos.

Sorte a de Dunga que treinador de seleção brasileira não precisa dar entrevista todo dia…

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