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Público, cachorros e o futebol brasileiro

O francês Charles Baudelaire (1821 – 1867) fez, no livro “Pequenos poemas em prosa”, uma comparação entre comportamentos do público e de um cachorro. A alusão é cruel, pois visceral e explícita. “Deem um balde de excrementos, e ele vai chafurdar”, disse o escritor em um trecho. Serve para as pessoas, serve para os cães.

A discussão proposta por ele àquela altura era sobre controle da informação. Na Europa do século 19, com acesso limitado à cultura e um leque restrito de opções, o público consumia o que tinha para consumir. Simples assim.

Esse paradigma, contudo, sofreu muitas alterações desde o século 19. O poder de determinar o que é relevante passou paulatinamente das mãos de quem produz para quem consome. Basta pensar no quanto o advento do controle remoto, por exemplo, alterou o hábito de relação com a mídia e influenciou no comportamento dos usuários.

Durante o século 20, toda a evolução da comunicação foi pautada por isso. Quando a televisão iniciou atividades, havia um misto de encantamento pela nova plataforma e de parca oferta de conteúdo. As pessoas viam porque estavam interessadas naquela tela, mas não podiam escolher o que ver.

O crescimento exponencial da oferta de conteúdo e a facilidade para migrar entre os canais foram minando, década a década, a fidelidade. A relação próxima entre consumidor e produtor de informação, que existia nos veículos impressos e até nas rádios, teve alteração drástica na televisão.

Pela primeira vez em séculos, as pessoas puderam escolher. E isso influenciou diretamente o comportamento de quem produz conteúdo. A audiência passou a ser um termômetro instantâneo e incontestável sobre o que é verdadeiramente eficiente e relevante na mídia.

Só que esse modelo sofreu nova revolução antes que estivesse minimamente consolidado. A internet, com velocidade e volume que só a internet oferece, extrapolou radicalmente os preceitos que a TV havia instituído.

Sobretudo depois das redes sociais, a internet mudou de forma contundente o paradigma de interação entre público e informação. Esse processo chegou a ponto de tirar as pessoas até mesmo da condição de consumo – hoje em dia, qualquer um tem plataformas próprias e pode produzir conteúdo.

Então, o público deixou de ter nas mãos apenas o poder de escolher o canal. As pessoas podem dizer que tipo de informação elas querem, em qual momento e em que formato. Se não encontrarem isso pronto, elas ainda têm a opção de produzir sem esperar iniciativa de algum grupo de mídia.

O público não chafurda mais em qualquer balde de excrementos. O público sequer responde da mesma forma a estímulos usados anteriormente. A audiência instantânea deixou de ser um termômetro tão eficiente e tão conclusivo sobre o que é verdadeiramente importante na comunicação.

Essa mudança de postura do público é o cerne de episódios emblemáticos. As pessoas que foram às ruas do Brasil no meio de 2013 e protestaram por diferentes motivos são o substrato de indignações coletivas, disseminadas e discutidas em ambientes como a internet.

A aproximação que a internet promoveu entre as pessoas também fomentou os “rolezinhos”, movimentos marcados por jovens em redes sociais. Os adolescentes foram a shoppings centers, mecas do consumo e do luxo. Formaram grupos extensos e foram reprimidos, ainda que não tenham cometido nenhum delito. Como bem escreveu o jornalista Leonardo Sakamoto, blogueiro do portal “UOL”, não é preciso ser sociólogo para perceber aí uma enorme vontade de afirmação e de mostrar ao restante da sociedade que esses meninos existem.

O que eles fizeram nos shoppings, guardadas as proporções, é o que eles fazem na mídia. Os usuários comentam, interagem com conteúdos e querem ter uma voz cada vez mais presente. Definitivamente, o consumo passivo de informações está morto.

Tudo isso devia fazer parte de uma análise estratégica de comunicação. São elementos que ajudam a explicar comportamentos e que podem guiar ações em diferentes âmbitos. Agora responda: em quais momentos o esporte levou isso verdadeiramente a sério?

Pensei em tudo isso durante a polêmica acerca do desfecho do Campeonato Brasileiro de 2013. Entre guerras de liminares, disputas em diferentes tribunais e revisões na lista de rebaixados, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem mostrado um imenso desprezo pela nova condição de seus consumidores.

O silêncio da entidade que organiza a competição e as seguidas mudanças de panorama sobre a temporada 2014 debelam a credibilidade do evento, é verdade. Mas fazem pior: mostram que o futebol nacional age como um mundo alheio, independente de anseios e interesses de quem é realmente consumidor.

Uma das principais mensagens que essa celeuma transmite é: o futebol brasileiro é assim. Você, torcedor ou apaixonado por esporte, não tem outra opção para colocá-lo no dia a dia. Portanto, conforme-se.

Só que o público é cada vez menos conformado. Essa é uma realidade mundial decorrente das mudanças da sociedade nos últimos séculos. E o futebol brasileiro ignora tudo isso.

E quais são os riscos? Inicialmente, é claro, a falência. Toda a história negativa do Campeonato Brasileiro de 2013, acompanhada pela queda de nível e por um cenário que nunca esteve sequer próximo do ideal, vai afastando gradativamente os consumidores. O futebol flerta com a perda de relevância.

“Ah, mas o futebol é algo arraigado na cultura brasileira. Não vai deixar de ser importante”. Faça um esforço de memória, então: quantas pessoas disseram que vão deixar de acompanhar o Campeonato Brasileiro desde a polêmica no STJD?

Em última instância, a insatisfação pode gerar revolta. É assim desde que o mundo é mundo. E o futebol brasileiro, prepotente, ignora qualquer possibilidade de isso acontecer.

Passou da hora de o público deixar de ser tratado como um bando de cachorros. Passou da hora de as pessoas serem ouvidas, respeitadas e abordadas de forma profissional. O futebol e a sociedade precisam disso.

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O Estatuto do Torcedor e o Regulamento das Competições

O debate instalado em virtude do rebaixamento ou não da Portuguesa tem despertado comentários acerca da possibilidade de alteração do regulamento e forma de disputa do Brasileirão de 2014.

Importante destacar que, apesar de se tratar de uma competição organizada por entidades privadas, o Estatuto do Torcedor, promulgado em 2010, traz algumas exigências.

O artigo 10 do Estatuto do Torcedor determina que a participação das entidades de prática desportiva em competições se dê exclusivamente em virtude de critério técnico previamente definido.

Por critério técnico entende-se a habilitação de entidade de prática desportiva em razão de colocação obtida em competição anterior, sendo vedada a adoção de qualquer outro critério. Além disso, deverá ser observado o princípio do acesso e do descenso.

Ou seja, considerando que o regulamento do Campeonato Brasileiro de 2013 determinava o rebaixamento de 4 equipes e o acesso de 4 equipes, eventual competição com 24 clubes violaria o Estatuto do Torcedor.

O Estatuto do Torcedor estabelece, ainda que o regulamento, as tabelas da competição e o nome do Ouvidor da Competição sejam divulgados até 60 (sessenta) dias antes de seu início.

Logo, para o Campeonato Brasileiro iniciar em maio, o regulamento e a tabela devem ser divulgadas em fevereiro, razão pela qual, a CBF não possui muito tempo para divulgar a tabela de 2014.

Vale destacar que o regulamento não pode ser alterado, exceto na hipótese de novo calendário anual de eventos oficiais para o ano subsequente, desde que aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte – CNE ou, após dois anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo.

Fala-se da possibilidade de se criar uma segunda edição da Copa João Havelange. No entanto, isto também é rechaçado pelo Estatuto do Torcedor, pois a lei dispõe que a competição que vier a substituir outra, segundo o novo calendário anual de eventos oficiais apresentado para um ano antes, deverá ter âmbito territorial diverso da competição a ser substituída, o que não se aplicaria pelo decurso do tempo e, também, por se tratarem de competições com mesmo âmbito territorial.

Por fim, urge destacar que o artigo 8º do Estatuto do Torcedor determina que se adote, em pelo menos uma competição de âmbito nacional, sistema de disputa em que as equipes participantes conheçam, previamente ao seu início, a quantidade de partidas que disputarão, bem como seus adversários, ou seja, um campeonato de pontos corridos.

Assim, diante do exposto, qualquer mudança na forma e fórmula de disputa para o campeonato brasileiro de 2014 implicará em violação ao Estatuto do Torcedor.

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A mente do atleta e o controle de peso

Início de temporada e os clubes se deparam com um problema comum: o excesso de peso dos atletas. Alguns conseguem retornar ao peso ideal, no caso de cada um, em pouco tempo e com isso adquirem ritmo de jogo mais rapidamente; mas e no caso daqueles que possuem dificuldade de reduzir o peso?

Será que a mente tem algum papel importante na redução ou manutenção do peso corporal do atleta? É possível a mente contribuir para a diminuição de peso dos atletas?

Sim amigos, a mente pode contribuir com o controle do peso e o atleta pode dispor de algumas técnicas para que isso aconteça.

Primeiro todo atleta deve traçar uma meta relacionada a perda de peso e com ela atribuir uma forma de acompanhar a evolução do trabalho. Para isso o atleta deve definir sua meta baseado no seu grande desejo pessoal e profissional, ou seja, decidindo o que realmente quer. Uma pergunta prática para o atleta nesse momento é “o que eu realmente quero fazer da vida enquanto atleta de futebol?”.

O atleta ao refletir e responder sobre essa questão pode evoluir na reflexão e buscar responder a pergunta “qual a importância da minha saúde física e do meu peso corporal para o sucesso da minha carreira?”, se a sua resposta for que a relação de importância é alta o atleta deve aprofundar a reflexão, elevar sua consciência quanto a necessidade de controlar seu peso e traçar uma meta que seja smart (o conceito de uma meta ser smart foi abordado numa coluna anterior) para atingir na busca do seu peso ideal para a alta performance.

Mas ok, reflexões realizadas, meta definida e forma de acompanhamento elaborada. E agora, aonde entra a questão da mente contribuir diretamente com o controle do peso?

Respondendo essa questão sugiro a utilização de técnicas de PNL (Programação Neurolinguística) na busca pelo tão sonhado controle do peso corporal dos atletas e vamos exemplificar uma técnica para fazer isso.

1 – O atleta deve imprimir duas fotos dele próprio: 01 com excesso de peso que deve ser impressa em tamanho pequeno e em preto e branco, 01 no peso considerado ideal em que o atleta já esteve um dia que deve ser impressa colorida e em tamanho maior do que a outra;

2 – Após isso ele deve colar as fotos em um lugar visível em sua residência ou em alguma folha de papel que possa ser levada com ele em concentrações, viagens, etc.

3 – Todos os dias pela manhã o atleta deve visualizar as imagens, imaginar a imagem menor se apagando e a colorida mais e mais viva e associada ao resultado que a meta definida irá lhe proporcionar;

4 – O atleta deve ter em seus pertences pessoais um rolo de barbante;

5 – Em todas as refeições que o atleta fizer ao longo do dia (as principais e as menores) ele deve seguir a orientação da forma correta de alimentação, mas quando isso não acontecer ele deve ao final do dia cortar um pedaço do barbante relativo às “escapadas” que ele cometeu e amarrar um pedaço do barbante no pulso para cada “escapada” como se fosse uma pulseira e deixa-lo lá por uma semana;

6 – Em contrapartida, toda vez que seguir a orientação nutricional e resistir as tentações com o objetivo de atingir sua meta e manter-se nela, o atleta deve marcar um “Ok” num papel ou agenda para cada sucesso obtido no dia;

7 – Ao longo dos dias e semanas o atleta vai se conscientizar do número de barbantes amarrados no pulso e o número de anotações de sucesso que ele teve e com isso a cada semana avaliar se sua meta e seu grande desejo de sucesso na carreira está sendo alavancado ou atrapalhado pela forma que ele se alimenta.

Amigos, existem diversas técnicas de PNL a serem utilizadas e espero que elas estejam cada vez mais presentes no cotidiano do futebol brasileiro.

Ah, lembrem-se caso forem contratar um coach profissional para contribuir com o desenvolvimento da sua carreira e performance busquem profissionais certificados e experientes.

Até a próxima!

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Que responsabilidade assumir?

Tenho comentado muito sobre a necessidade de clubes e da entidade que organiza o Campeonato Brasileiro de Futebol (a CBF – represento o Campeonato Brasileiro, mas entenda-se como todas as competições nacionais e estaduais, organizadas também pelas federações estaduais, que formam o conjunto de eventos da modalidade) de assumirem mais responsabilidades por seus atos como sendo estes os entes fundamentalmente “donos” do negócio futebol no país.

A palavra “donos” pode soar um pouco forte em um primeiro momento à medida que temos em mente que o futebol é um patrimônio nacional – a verdadeira paixão do povo. Mas, não encontrei termo melhor para definir a propriedade, ao menos, das principais competições de futebol de alto rendimento.

Neste sentido, é inadmissível que as pressões por melhorias na organização de competições do futebol partam, quase que invariavelmente, de agentes externos, sejam eles governamentais (que vez por outra utilizam a linguagem do futebol para ações populistas, ocupando uma lacuna deixada pela própria entidade que organiza a modalidade), da mídia (sobrepondo interesses) ou de patrocinadores (preocupados com sua imagem corporativa).

São raras as vezes que vemos algum dirigente assumindo um papel proativo no sentido de buscar uma melhor governança de sua própria competição/evento/projeto.

A solução? “Fechar a torneira”. Como a transferência de responsabilidades é comum, que se dê compromissos a quem de direito. Que o governo aperte o cerco, de forma efetiva e rápida, na punição de dirigentes e corresponsabilidade pelos atos do clube (seja no viés financeiro ou mesmo comportamental, para casos de violência); que a mídia esvazie a cobertura; e que os patrocinadores fechem seus cofres, tal e qual fez a Nissan no caso de rompimento contratual com o Vasco após a briga de torcidas no jogo com o Atlético Paranaense.

Sem esse tipo de proatividade nós somos, a bem da verdade, cúmplices de um projeto doente e viciado. Para ser ajudado, é preciso querer. Para querer, é preciso sentir a necessidade de buscar as melhorias efetivas.

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Protesto

O resgate da noção de força coletiva foi o grande legado que 2013 ofereceu ao Brasil. Foi o ano dos protestos e das manifestações, e isso independe de um julgamento sobre o teor ou o formato escolhido por esses movimentos populares.

O fato é: pessoas foram as ruas seguidamente e reclamaram de uma decisão do poder público. O aumento de R$ 0,20 nas tarifas de transporte público, cerne inicial dos protestos, foi congelado por causa dessa pressão popular.

Ah, mas os protestos, como cartazes cansaram de anunciar, não eram apenas por R$ 0,20. E os resultados também não se restringiram ao congelamento do preço da tarifa. Mais do que isso, o fato relevante nessa história foi mostrar que é possível mostrar força coletiva de forma pacífica e que a força coletiva consegue exercer pressão contundente na administração pública.

No futebol, o Bom Senso F.C. é o correspondente desses movimentos. Jogadores criaram um grupo para debater rumos da gestão da modalidade no Brasil, motivados por uma insatisfação coletiva sobre o calendário proposto pela CBF para a temporada 2014.

O Bom Senso F.C. começou como um grupo de capitães e líderes de poucas equipes, mas evoluiu rapidamente até se tornar uma força coletiva verdadeiramente representativa no futebol nacional. Prova disso é que o movimento conseguiu organizar seguidos protestos em rodadas do Campeonato Brasileiro.

Inicialmente, o calendário de 2014 foi o correspondente aos R$ 0,20 das manifestações populares. No entanto, o Bom Senso F.C. teve habilidade para não conduzir uma discussão limitada e egoísta. Os atletas, protagonistas do espetáculo, resolveram cobrar condições para que o nível do show evolua.

O resultado das manifestações populares de 2013 é a grande incógnita para este ano. Haverá eleições em 2014 (governadores, senadores, deputados e presidente da República), e existe uma curiosidade natural sobre o efeito que o movimento popular terá.

Também paira uma curiosidade sobre os próximos passos das manifestações, movimentos que desde o início se anunciaram acéfalos, apartidários e desprovidos de interesses abscônditos. As reuniões populares nasceram de um sentimento de insatisfação coletiva e depois amainaram, mas essa insatisfação coletiva não sumiu. Ela segue ali, à espera de um novo estopim.

A mesma curiosidade cerca o Bom Senso F.C. em 2014. O grupo direcionou esforços iniciais em cinco pilares: calendário, férias, pré-temporada, adoção de práticas de fair play financeiro e participação de atletas em conselhos técnicos de entidades representativas. Até o momento, o coletivo de jogadores conseguiu atenção da mídia e mudanças representativas no calendário deste ano. Entretanto, todos os esforços para ampliar a discussão foram ignorados.

O último estágio na linha evolutiva de manifestações do Bom Senso F.C. é uma greve geral de atletas no futebol brasileiro. Greve geral. No ano em que o país vai receber a Copa do Mundo. O impacto midiático disso seria gigantesco.

Diante da falta de habilidade de autoridades do futebol brasileiro para lidar com um movimento embasado e disposto a ter discussões densas, contudo, a greve parece ser apenas questão de tempo. Ou de R$ 0,20.

O futebol brasileiro começa 2014 pensando em parar. O país voltará a receber uma Copa do Mundo depois de 64 anos, mas ainda luta para criar fóruns que permitam discussões sobre gestão sem depender de ameaças, greves ou outros tipos de protestos.

Em uma democracia madura, discussões como o valor da tarifa do transporte público, a segurança ou as férias de qualquer classe de trabalhador deveriam ser tão efetivas quanto incentivadas. No Brasil, esse tipo de movimento mais assusta do que ajuda.

Ressalte-se que o Bom Senso F.C., taxado por muitos de movimento elitista, tem base totalmente contrária. Sim, o grupo é conduzido por jogadores que ganham muito e que ainda assim reclamam de férias e condições de trabalho. Mesmo se fosse um debate egoísta, faria sentido – afinal, QUALQUER UM tem direito de brigar por esses tópicos, sem qualquer relação com o valor do salário. No entanto, todas as discussões do grupo têm sido voltadas ao contexto.

O Bom Senso F.C. não reclama apenas da grande quantidade de jogos no futebol brasileiro, por exemplo. Reclama de um time da primeira divisão nacional passar de 70 jogos em um ano, enquanto o Remo fez menos de 30 partidas em 2013. Os gestores do futebol brasileiro têm uma enorme oportunidade para aproveitar o movimento de atletas como estopim para mudanças em diferentes âmbitos da administração.

Os últimos dias ofereceram boas perspectivas disso. Na Inglaterra, a Premier League não teve um intervalo sequer na semana do Réveillon. Houve rodada completa entre os dias 1 e 2 de janeiro, por exemplo.

Só que isso não pode ser retirado de contexto. Em primeiro lugar, o futebol inglês trabalha com uma paralisação de quase três meses entre as temporadas. Por causa disso, diminui as folgas no fim do ano. Outro aspecto relevante é que os elencos são moldados para esse cenário.

No Brasil, o mercado de dezembro / janeiro tem sido extremamente fraco. Poucos foram os times que contrataram – ao contrário, a maioria abriu mão de atletas para reduzir a folha salarial. Com menos jogadores, qual é a equipe nacional preparada para uma maratona de partidas que demande bom uso de várias peças?

Ah, e para a discussão não ficar apenas em calendário, as ligas esportivas dos Estados Unidos também não pararam. E a NFL (futebol americano) teve jogo no último domingo com temperatura abaixo de 20º C. Sim, menos de 20º C. Com estádio lotado e jogadores expostos a essa intempérie.

A questão aqui é: como eles conseguiram vender ao menos alguns ingressos para uma condição tão adversa? O que justifica a ida de um torcedor ao estádio para encarar isso?

No Brasil, o choque de realidade veio com um tio meu nas festas de fim de ano. Avô de um garoto de cinco anos, ele sempre foi frequentador de estádios. O neto ainda não sabe como é ver futebol in loco.

“E nem vai saber, se depender de mim, enquanto a situação continuar dessa maneira”, disse meu tio. O medo no futebol brasileiro é muito maior do que o frio.

Quis iniciar 2014 com todas essas discussões porque esse é o grande tema do futebol brasileiro no ano. Mais do que a Copa do Mundo, o país precisa aproveitar o ambiente criado na temporada passada e repensar vários aspectos da gestão e da comunicação no esporte. Para isso, é fundamental que se crie ambientes saudáveis e que se fomente o debate. Caso contrário, a briga será por muito mais do que R$ 0,20.

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Carta aberta aos jogadores do Bom Senso F.C.

Queridos amigos,

Já há muito pensava em escrever-vos esta carta. Atingi os oitenta anos (a vida parece um rio com pressa de desaguar), mas procuro não envelhecer, nem no modo, nem no espírito. E, porque julgo conhecer, com alguma nitidez, o Brasil e o povo brasileiro (fui mesmo professor na Faculdade de Educação Física e na Faculdade de Educação da Unicamp, onde conheci o prof. João Paulo Medina, um dos meus mestres para uma compreensão mais holística do futebol) – não me surpreende que tenha nascido no Brasil o Bom Senso F.C.

E sob a inspiração do Dr. Sócrates, ex-jogador e ex-médico, que faleceu em 2011, com toda a certeza o futebolista de mais séria formação política, que eu conheci em toda a minha a vida. Ele foi um dos grandes artistas da história do futebol mas, antes de tudo, foi cidadão brasileiro, sentindo-se por isso responsável pelo presente e pelo futuro de todos os brasileiros…

Se o futebol é desporto, ele é necessariamente uma instituição educativa e, como tal, deve ajudar todos os agentes do futebol a cuidarem da suas faculdades físicas e fisiológicas e ainda intelectuais, emocionais, políticas, morais. Tornar a pessoa mais pessoa é o objetivo primeiro da prática desportiva. Por isso, no desporto, mais importante que a competição é a solidariedade, mais importante que o prestígio pessoal é a cultura da justiça e da liberdade, mais importante do que as vitórias e as derrotas é a saúde dos atletas, sujeitos a calendários que os obrigam a três jogos semanais (os jogadores já não se treinam, recuperam tão-só do esforço desmesurado do jogo anterior).

E, a par de tudo isto, um recatado patriotismo, não um patriotismo demagógico, explorando-o em proveito próprio, como o patriotismo daqueles políticos que parecem estremecer de amor pátrio e são os primeiros a pôr as mãos em dinheiro… que é de todos!

Mas, será que o futebol profissional (o meu espetáculo favorito) é mesmo desporto? Concorre esta modalidade à saúde dos praticantes? No Brasil, rebeldes a todo o conformismo e absentismo, há profissionais de futebol que o não aceitam, nos moldes atuais, como fator de educação e saúde. Assim o pensam, entre outros, o “zagueiro” corintiano Paulo André; o idealizador do movimento e que se inspirou no Dr. Sócrates, para criar o Bom Senso F.C.; o veterano “goleiro” Dida; D’Alessandro, argentino e capitão do Inter; Rogério Ceni, ídolo são-paulino e pessoa de grande sensatez, foi um dos primeiros jogadores a “encampar” a ideia; Alex, meia do Coritiba e porta-voz do grupo. E muitos mais nomes aqui poderia invocar, como Barcos do Grêmio, Gilberto Silva do Atlético-MG, Lincoln (Coritiba), Fabrício do São Paulo, Rafael Moura do Internacional, Correa da Portuguesa, etc., etc. De assinalar ainda que o Neymar, o Kaká e o Robinho, também eles abraçaram a causa do Bom Senso.

Mas, quais são as mais instantes reivindicações do Bom Senso F.C.? A Folha de S. Paulo, de 7 de Novembro de 2013, dá assim notícia do que se passava: “O Bom Senso F.C. rechaça a proposta de calendário da CBF, para 2015 (…) e pretende fazer protestos. O tom que será adotado, porém, divide as opiniões do movimento. É consenso no grupo (com mais de mil atletas) que o projeto não atende as solicitações. A proposta concede férias de 30 dias e um mês de pré-temporada, mas ,mantém um número alto de jogos”.

Como se sabe, a história do desporto ensina que as práticas desportivas se construíram como representações de batalhas simuladas, onde há sempre opositores, reais ou simbólicos, que é preciso superar e vencer. Por seu turno, os jornalistas, os escritores e as mais sofisticadas tecnologias, quando se ocupam da alta competição desportiva, dão livre curso ao reforço dos aspectos competitivos do desporto. E os estádios transformam-se assim num cenário de consciências coletivas, de identidades tribais, de gestas dramáticas e épicas e de protagonistas carismáticos, heróis que o tempo não apaga.

Hoje, como qualquer cego vê, o espetáculo desportivo pouco mais é do que uma empresa capitalista, onde a mercantilização do desporto se processa em vários níveis. Um deles é este: até os campeões, os heróis de que o sistema capitalista diz orgulhar-se, são mercadoria que se compra e se vende. E, porque mercadoria, dizendo (mesmo sem o dizer) que, na nossa sociedade neoliberal, a competição econômica é o sentido da vida, pouco contando, nesta competição sem freios, a saúde dos atletas. E dizendo ainda que a hierarquia, que as classificações finais registram, não se devem a nada mais do que ao rendimento físico e não (também) a critérios de ordem intelectual, social e política.

Aliás, a glorificação do desporto, na base exclusiva do rendimento físico, é uma forma encapotada de ajudar à formação de bestas esplêndidas e não de cidadãos livres e libertadores. Portanto, o corpo dos jogadores profissionais de futebol não pode observar-se, como prolongamento ou imitação da máquina, como resultado de uma preparação física onde biologismo e economicismo se confundem.

No sistema capitalista, o corpo é objeto, não é sujeito, não tem valores, nem sonhos, nem desejos – é instrumento do lucro, nada mais! Tudo isto o sabem os jogadores do Bom Senso F.C., que não aceitam a derrota, diante da sociedade injusta, antes de a competição principiar. Por isso, queridos amigos, vos abraço, com um abraço sobre o coração, relembrando com saudade o Dr. Sócrates, jogador de futebol, médico e um cidadão de admirável consciência política.

 

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

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O caso Portuguesa e o Direito Desportivo

O Campeonato Brasileiro já acabou faz tempo, 2014 bate à porta e ainda não podemos afirmar com segurança quais serão os 20 clubes que disputarão o principal campeonato do país que sediará a Copa do Mundo. Isso se deve a um imbróglio jusdesportivo envolvendo a Portuguesa de Desportos, um atleta irregular e o Fluminense.

Na última semana o pleno do STJD julgou o caso em grau de recurso, manteve a decisão da Comissão Disciplinar punindo a Portuguesa e, por consequência, rebaixando-a à Série B.

O STJD decidiu em consonância com julgamentos realizados em casos análogos, ou seja, para os operadores e estudiosos do Direito Desportivo não houve supresa alguma.

Desde que se aventou a possibilidade de punição da Portuguesa, as redes sociais, imprensa e debates acalouraram-se e muitas análises foram feitas, especialmente, por juristas e/ou pessoas não atuantes ou sem especialidade na área desportiva. Estas opiniões, em sua maioriam, no sentido de não se punir a Lusa.

Doutro giro, os profissionais atuantes na Justiça Desportiva (alguns, inclusive, por meio de um manifesto) foram quase unísonos no sentido de que a Portuguesa deveria ser punida.

Talvez ainda não tenhamos nos dado conta, mas o “caso Portuguesa” é emblemático e o Direito Desportivo nunca mais será o mesmo.

O primeiro grande legado dessa história foi trazer o Direito Desportivo para as grandes rodas de debates doutrinários. Grandes juristas de outros ramos como Ives Gandra e Mário Lúcio Quintão entraram no debate e apresentaram visões juridicamente interessantes e coerentes. Isso sem contar em dezenas de teses apresentadas.

Enfim, o Direito Desportivo entrou no circuito dos grandes debates jurídicos. Um momento fantástico e típico dos grandes ramos do direito.

Apesar de ser um ramo autônomo, o Direito Desportivo, tal como todo e qualquer ramo do direito, não pode ser analisado de forma compartimentada, sem se levar em consideração o contexto jurídico, histórico e circunstâncial.

Aliás, é da natureza do direito a mudança de interpretações e posicionamentos diante de um mesmo texto legal. Esta dinamicidade é que assegura direitos aos casais homoafetivos, por exemplo. Ademais, se entendermos o direito como algo objetivo e matemático não precisaremos mais de advogados ou juízes, bastarão máquinas para aplicar a letra fria ao caso concreto.

Se de um lado o artigo 217 da CR/88 garante a autonomia da Justiça Desportiva, o artigo 5 assegura o acesso ao Judiciário.

Se de um lado há o direito de acesso ao Judiciário da Portuguesa, de outro há o a liberdade de se fazer o que a lei não proíbe, ou seja, o direito da CBF desfiliar a Lusa.

E para apimentar ainda mais todo este debate jurídico, temos o Estatuto do Torcedor que garante a qualquer pessoa que acompanhe a prática desportiva o direito de pleitear em Juízo violação aos seus direitos de consumidor do evento esportivo.

O caminho do Estatuto do Torcedor talvez seja o mais fértil, pois, eventual rebaixamento do Fluminense ou mudança na forma de disputa do Campeonato Brasileiro encontram dispositivos legais a embasar uma demanda judicial, já que a Lei do Consumidor exige critérios exclusivamente técnicos para descenso, bem como as fórmulas de disputa não podem ser livremente alteradas.

Isso, ainda, sem levar em consideração a possibilidade de recurso ao Tribunal Arbitral do Esporte e a aplicação das normas da FIFA que estabelecem a punição de perda de pontos para a competição seguinte.

O fato é que a Justiça Desportiva ocupa um “limbo” jurídico, eis que, apesar a previsão constitucional, sua natureza jurídica é incerta, pois não faz parte do Poder Judiciário e não é um Juízo Arbitral.

Caso se entenda a Justiça Desportiva como um Juízo Arbitral, o Poder Judiciário não poderia interferir no mérito de sua decisão, mas, tão somente em questões formais.

De certo, foi o que pretendeu o legislador na redação do parágrafo 2, do art. 52, da Lei Pelé ao dipor que o recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva. Mas, a redação não é clara.

Assim, certamente, ou a Portuguesa, ou algum torcedor indignado acionará o Poder Judiciário e a decisão proferida pelo pleno do STJD pode sofrer imprevisíveis alterações.

De toda forma, o fato é que estamos construindo a história do direito desportivo e as opiniões interdisciplinares são hábeis a promover um arejamento saudável a este ramo do direito, bem como elevá-lo ao estatus que realmente merece ocupar.

Não podemos esquecer que o direito é composto por um conjunto sistêmico e complexo de normas e que alguns princípios norteadores podem ser aplicados e que o Direito Desportivo faz parte disso. Que, independente do resultado, o “caso Portuguesa” traga mais visibilidade e respeito a este ramo tão importante do Direito.

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Acelerando o aprendizado dos atletas

Olá amigo leitor, tudo bem? Quero começar o ano de 2014 com um tema que propõe agregar valor em situações em que não temos tempo a perder e novos comportamentos e conhecimentos devem ser mais rapidamente assimilados.

Você consegue reconhecer alguma situação como essa no futebol? Se você pensou em pré-temporada, acertou em cheio uma situação que está em minha mente agora.

Na pré-temporada dos clubes de futebol, ainda mais para aqueles que possuem novas comissões técnicas e muitos novos atletas no time, a necessidade de assimilação rápida das novas orientações e ensinamentos dos técnicos é uma realidade.

Enquanto os trabalhos nas diversas dimensões que envolvem a preparação como a questão física, técnica, nutricional, fisiológica e psicológica, vão sendo desenvolvidos a inserção de uma nova organização tática e comportamental em campo precisa ser implementada e para isso lançar novos recursos de aprendizagem que possam acelerar este processo se faz necessário.

Para isso, é importante que os técnicos de futebol conheçam novas formas que sirvam como atalhos para que este processo de aprendizagem seja implantado mais rapidamente. Um destes ditos “atalhos” é o bom ensino, ou seja, um bom técnico atuando de forma a manter um nível de motivação elevado dos atletas e a dividir o trabalho em partes menores que proporcione uma série constante de pequenos sucessos com o objetivo de manter um bom estado emocional dos atletas.

Adicionalmente a este primeiro modo, pode-se propor um segundo modo (atalho) que é justamente a aprendizagem acelerada propriamente dita, promovendo mudanças diretamente do primeiro estágio ou nível de aprendizagem diretamente para o quarto nível. Vamos aproveitar para citar quais são os níveis de aprendizagem:

• Incompetência inconsciente – a pessoa não sabe algo e desconhece que não sabe esse algo;

• Incompetência consciente – neste nível a pessoa treina uma habilidade, mas não é muito boa nela;

• Competência inconsciente – aqui a pessoa tem a habilidade, mas esta ainda não é consistente e habitual;

• Competência consciente – Agora a habilidade da pessoa é habitual e automática.

• Maestria – Finalmente a habilidade acontece em fluxo constante.

Na PNL (Programação Neurolinguistica) um modelo útil ao se pensar em aprendizagem foi o desenvolvido por Robert Dilts denominado “Níveis neurológicos”, conforme citados abaixo:

• Ambiente: O “onde e quando”
• Comportamento: O “o quê”
• Capacidade: O “como”
• Crenças e valores: O “por quê”
• Identidade: O “quem”
• Além da identidade: A “Conexão”

Os níveis neurológicos são úteis para o estabelecimento de objetivos e resultados, sendo que os resultados podem ser especificados por:

• Tipo de ambiente que se deseja;
• Como se deseja agir;
• Habilidades que se deseja;
• Atitudes e crenças que se deseja adotar;
• Tipo de pessoa que se deseja tornar.

Com a utilização dos níveis neurológicos os atletas podem reformular sua forma de pensar e transformar seu comportamento, promovendo o seu desenvolvimento na direção das expectativas de aprendizagem da comissão técnica, pois o reconhecimento sobre em qual nível neurológico o atleta possa estar preso possibilitará saber quais recursos ele precisará para seguir adiante.

Desta forma, imagino ser muito valioso o futebol utilizar cada vez mais novas formas de aprendizado acelerado com o objetivo de promover as mudanças de comportamento desejadas para a geração dos resultados esperados dentro de campo.

E você o que acha?

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Fim de ano e as expectativas para 2014 – parte 02

Em ano de Copa do Mundo, as esperanças acabam sendo depositadas sobre a Seleção. E uma eventual conquista sempre tende a esconder os problemas estruturais que o mercado do futebol vive para se organizar de maneira definitiva e positiva.

Por isso, é fundamental separarmos, tanto pelo bem quanto pelo mal, o desempenho da Seleção Brasileira durante os sonhados 7 jogos de junho/julho.

Para o ambiente organizacional e político do futebol, os movimentos do Bom Senso F. C. reúnem o desejo de mudanças. E são os atletas, com respaldo técnico e conhecimento, que poderão conquistar algo efetivamente transformador para esta indústria.

Portanto, minha primeira expectativa para este ano que se inicia é que os jogadores que formam o grupo do BSFC não desistam deste projeto, sob pena de ter qualquer avanço recuado.

Em seguida, aquilo que parece utópico, mas que é fundamentalmente necessário para que tenhamos um mercado consistente: a visão de conjunto dos clubes perante uma competição. Assim são formadas as ligas. É assim que se constitui um todo muito maior do que as partes em termos financeiros.

E é desta maneira que se assume responsabilidades para a constituição de um projeto sólido no sentido de expurgar aquilo que não faz parte, efetivamente, do esporte.

Por fim, que avancemos com projetos consistentes e não meros rabiscos por meio de ações paliativas. Apesar de toda a repercussão e comoção nacional que o futebol proporciona, é ainda necessário darmos melhores exemplos para a sociedade para que esta se sinta orgulhosa de dizer que somos, de fato, o país do futebol…

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Oportunidade

Não existe um roteiro para oportunidades. Há algumas que aparecem de supetão, como acaso; outras são construídas durante períodos que podem ser curtos ou extremamente longos. O que une essas chances, independentemente da proporção que elas têm, é um fator que se refere a quem as encontra: os mais preparados são os que mais aproveitam.

Existem diferentes formas de preparação ou de treino. O esporte mostra que há caminhos absolutamente distintos para que equipes atinjam níveis parecidos de desempenho. Mas como alguém se prepara para o que não está previsto?

Essa é uma questão que deveria inquietar profissionais em diversos segmentos. O esporte, por exemplo: se um garoto é condicionado desde pequeno a ir até a linha de fundo e cruzar, como ele vai reagir se a única opção for uma diagonal ou um chute?

O improviso, o drible e outros aspectos que sempre caracterizaram o futebol brasileiro são reflexos de um conceito importantíssimo: repertório. Ainda que de forma empírica, a cultura nacional contribui para a formação de atletas com potencial para a resolução de problemas urgentes, independentemente do grau de complexidade.

Conheci uma treinadora de handebol que costumava fazer um exercício curioso: durante a atividade, ela pedia para os atletas trocarem passes até encontrarem espaços para finalizar. Em algum momento, ela pedia para o goleiro adversário deixar a quadra. Os atletas quase sempre seguiam tocando a bola, ignorando a meta vazia.

Em outras palavras: eles estavam condicionados a trocar passes e encontrar espaços na defesa. Tão condicionados que sequer olhavam para o posicionamento do goleiro. Tão condicionados que não percebiam nem a ausência do jogador.

Esse é outro elemento fundamental para o improviso: ter uma noção exata sobre metas. Nenhuma ação inusitada é realmente eficaz se não trabalhar para um objetivo previamente estabelecido. No futebol, por exemplo, o desafio é o gol.

Improvisar não é simples, portanto. É algo que demanda repertório e estabelecimento de metas.

Pois bem: o Brasil está a menos de 24 horas de iniciar o período mais importante da história do esporte nacional. Como exercício de fim de ano, proponho o seguinte: será que o país está realmente preparado para isso?

Não pensem em estrutura física, por favor. Os estádios vão ficar prontos, e isso não se negocia. Poucas obras de infraestrutura vão ficar prontas, e isso não se corrige mais.

A poucos meses de uma Copa do Mundo e a dois anos dos Jogos Olímpicos, a pergunta que fica é: o Brasil está pronto para improvisar? Há repertório suficiente? As metas estão claras?

A impressão é que a resposta para todas as perguntas é uma gigantesca negativa. O Brasil iniciará na próxima quarta-feira a maior oportunidade de sua história, mas fará isso sem ter condição de aproveitá-la. E pior: fará isso sem saber como improvisar.

Só um exemplo besta do mercado dos Estados Unidos. Em um jogo da liga profissional de futebol americano (NFL), neste ano, um atleta se pendurou na trave para celebrar um ponto. Resultado: o aparato ficou totalmente danificado.

Prontamente, uma equipe entrou no campo com um nivelador e ferramentas para o conserto. O jogo ficou parado por menos de dez minutos, e a trave estava totalmente arrumada quando a partida foi retomada.

Agora pense em quanto tempo seria necessário para retomar um jogo do Campeonato Brasileiro se houvesse um problema com uma trave. Qual seria o prazo para a partida ser retomada?

Estou falando apenas de gestão de evento, que é uma parte bem pequena de tudo que os três próximos anos vão representar para o mercado brasileiro. O país tem uma chance de usar o esporte para alavancar uma série de segmentos.

E o que fazer, então? Reconhecer que o país não está preparado e rejeitar a oportunidade? Aproveitar apenas o que for possível e lamentar o que não funcionar?

A discussão é complicada, obviamente. O Brasil ainda tem meses pela frente até o início da Copa do Mundo, mas o impacto do evento no país já começou – ou já deveria ter começado.

Enquanto não discutir metas, porém, o país não vai sequer saber o real impacto dos próximos anos. Não vai nem conseguir medir com precisão o que foi causado pelo esporte.

O Brasil não vai fazer uma Copa do Mundo ruim. Tampouco vai fracassar na organização dos Jogos Olímpicos. Isso nunca esteve em pauta. Enquanto todo mundo pensa em desejos e resoluções para o fim do ano, a provocação que eu faço é: eventos cumpridores são tudo que essas competições oferecem a um país?

Ainda que a economia brasileira tenha desacelerado, é notório o crescimento do mercado de consumo no país. Mais e mais pessoas estão comprando. Tente lembrar de como estavam os shoppings e as lojas na semana que precedeu o Natal.

A ampliação da base de consumidores é um reflexo de um amadurecimento da economia local. Entretanto, qual tem sido o papel do esporte nisso?

É inegável que o esporte é uma plataforma de comunicação extremamente poderosa. É inegável que poucos outros segmentos conseguem mexer tão bem com o aspecto emocional.

Então, como justificar que Palmeiras e Santos, dois dos principais times do principal mercado do país, chegaram ao fim de 2013 sem um patrocinador máster? E que o São Paulo, apoiado pela Semp Toshiba, deve ficar sem o aporte no próximo ano? E que o Vasco, que havia fechado com a Nissan, perdeu o negócio por causa das cenas de selvageria do clube na última rodada do Campeonato Brasileiro?

Como justificar que as camisas do futebol brasileiro estejam nas mãos de marcas como BMG e Caixa Econômica Federal, ondas que são mais ocasionais do que estratégicas?

Como justificar que os principais investimentos no futebol brasileiro nos últimos anos tenham tido como destino a seleção brasileira, a Copa do Mundo e até o Campeonato Brasileiro, mas não os clubes?

O fim do ano normalmente é uma época propícia para reflexões. Espero que o futebol brasileiro aproveite o clima para tentar responder a algumas dessas perguntas. Ainda dá tempo de amenizar o desperdício.