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Pecado mortal

Dunga está cada vez mais próximo do adeus ao cargo de treinador da seleção brasileira. Pelo menos é isso que dá a entender a cada novo tropeço do time nacional. Na semana passada, o deus Dunga virou, de uma hora para outra, o adeus de Dunga.

Sim, porque, após o insosso 0 a 0 contra a Bolívia qualquer tipo de paciência e coexistência pacífica do treinador da seleção com a imprensa se esvaiu.

A começar pelo “editorial” de Galvão Bueno na Globo, logo após o término do jogo. Para começar, a emissora-mor do país fez dois intervalos comerciais antes de encerrar oficialmente a transmissão direto do Estádio João Havelange, quando o normal é apenas um. Depois, Galvão pediu publicamente desculpas ao torcedor pelo péssimo futebol apresentado pelos jogadores brasileiros. E, quando começaram as críticas mais ácidas ao comportamento do Brasil, as imagens mostradas, quase sempre, eram de Dunga, e não dos jogadores nacionais.

Foi a senha da Globo de que a paciência com o estilo Dunga de comandar a seleção acabou.

No dia seguinte, jornais de todo o país seguiram a mesma linha. Na capital paulista, “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo” disseram que a vitória da semana anterior, sobre o Chile, havia sido a “exceção” a um time “medíocre”, “sem vibração”, “sem padrão de jogo”, “retrancado” e outras expressões enaltecendo Dunga e Cia. Da mesma forma no Rio de Janeiro, Minas Gerais e até Rio Grande do Sul o tom de crítica era o mesmo.

Mas será que é só o futebol de baixo nível que a seleção tem mostrado o responsável por tantas críticas? Em 2001, quando viveu seu pior momento na história, o time nacional era comandado por Luiz Felipe Scolari, que perdeu nas oitavas-de-final da Copa América para Honduras! Nem assim os pedidos para a saída de Felipão ecoavam em todos os veículos.

A explicação para a falta de paciência da imprensa com Dunga está na relação diária de trabalho. Dunga ainda se comporta, com os jornalistas, como se fosse o capitão do time, e não o seu comandante, o responsável pela nau que hoje, parece, está à deriva.

Desde o início, quando na primeira entrevista coletiva teve de se explicar, entre outras coisas, pela convocação de figuras bizarras como Jônatas, então no Flamengo (que depois de ir para a seleção saiu do Fla e depois voltou para lá), e Afonso Alves, que Dunga vive às turras com os jornalistas.

Até aí tudo bem. Provavelmente nem no café da manhã com a família ele faça questão de ser simpático com alguém. Mas o que Dunga não percebeu é que, para ser técnico da seleção, é preciso, antes de qualquer coisa, ser um bom político.

Felipão, que obteve um prestígio público pouco visto nos últimos anos e talvez na história da seleção, costumava dizer que o período em que esteve no Cruzeiro (97 a 2000) havia lhe salvado a pele no comando do time nacional. Dizia ele que o jeito mineiro de ser transformara sua maneira de se relacionar com os jornalistas, o que lhe deu mais habilidade para cuidar da pressão que é dirigir o Brasil.

Dunga, porém, faz exatamente o oposto. Não é hábil para manipular a informação, para deixar a imprensa preocupada com alguma outra coisa que não a ausência de um jogador, a presença de outro, ou o péssimo resultado do time. As bufadas de Felipão nas entrevistas eram estratégicas, para que ele pensasse numa resposta e desviasse o foco de atenção de câmeras e fotógrafos. Até o jornalista achava graça quando vinha uma interjeição. E se esquecia de que o mais importante, que era a resposta à pergunta, começava a ser deixada de lado…

Para piorar, Dunga faz questão de, na mínima vitória alcançada, jogar na cara dos jornalistas que é “pé-quente”, “vencedor”, que tem “garra”. Palavras que, sem dúvida, são importantes na carreira de um jogador. Mas que não podem ser tão utilizadas por um treinador. Ainda mais num cargo de tanta visibilidade e tanto choque de interesse como o de técnico da seleção.

E assim Dunga começa a encaminhar-se para o crepúsculo de dois anos à frente da seleção. Vitorioso, sem dúvida, mas apenas dentro de campo. A inexperiência sempre foi apontada como uma fraqueza do treinador. A sua falta de passagens anteriores por qualquer time era vista como uma chance de fiasco à frente do Brasil.

Só que ninguém contava que a diferença poderia ser feita na inexperiência e inaptidão de Dunga em tratar com a imprensa. Diz ele que o problema foi ter cortado privilégios da Globo, cada vez mais dona do time nacional. Mas o pecado mortal foi não ter percebido ainda que o jornalista não é um inimigo, mas um meio de fazer o seu ponto de vista chegar ao público.

Quanto mais briga com a imprensa, mais Dunga prepara o seu espaço no hall de “ex-técnicos” da seleção brasileira. Independentemente do resultado do time dentro de campo.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br