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Os óculos táticos: enxergando o jogo anárquico e o jogo elaborado

Com objetivo de auxiliar as “discussões de boteco” Brasil afora sobre os jogos das equipes “do coração” de torcedores e especialistas, reproduzo abaixo parte de um texto produzido por esse que vos escreve – (LEITÃO, 2009) – mas que ainda não está disponível na internet; partindo dos construtos de Júlio Garganta. É mais um dos óculos para enxergar o jogo com contornos diferentes:

“(…) Segundo Garganta (1998), os “jogos desportivos coletivos” (JDC) pertencem a um grupo de esportes – no qual se enquadra o futebol – que se caracterizam por apresentarem dois traços fundamentais que lhes asseguram conteúdos ricos e de identidade ímpar:

a) são esportes em que há um apelo a cooperação entre jogadores de uma mesma equipe para obter sucesso na oposição aos jogadores adversários, permitindo a eles exprimir suas individualidades e manifestar suas capacidades, ao mesmo tempo que aprendem a subordinar seus interesses pessoais aos interesses da equipe.

b) são esportes em que há apelo a inteligência, pois há necessidade constante de elaborar e operar respostas adequadas aos problemas que surgem de forma diversificada e aleatória no jogo.

Eles (os JDC) são atividades em que a ação do jogador em campo é determinada pela manifestação complexa da interação de fatores de natureza psíquica, física, tática e técnica, que surgem em resposta a acontecimentos de frequência, ordem cronológica e complexidade imprevisíveis, e das quais a qualidade depende do conhecimento (vivência) que o jogador tem do jogo.

Então, de acordo com o conhecimento que os jogadores têm sobre o jogo, as suas formas de jogar se modificam em direção a uma dinâmica mais elaborada.

Para Garganta (1998), existem nos jogos indicadores que representam níveis de evolução do jogo e que podem sinalizar, a partir de sua identificação, a fase (nível) do jogar (em direção ao jogo elaborado) em que se encontra uma equipe. Então, tanto para níveis mais fracos de jogo quanto para níveis de bom jogo é possível definir aspectos que os caracterizam. Em geral, os aspectos que caracterizam um jogo de nível fraco são os seguintes:

a)     aglutinação de jogadores próximos a bola;
b)     ações com bola centradas em um jogo individual;
c)     ausência de movimentações para procurar espaços e facilitar o passe do companheiro que está com a bola;
d)     não defender;
e)     comunicação verbal exagerada para pedir a bola e/ou criticar os companheiros de equipe;
f)      desrespeito as decisões do árbitro.

Já para um bom nível de jogo, os aspectos que o caracterizam são:

a)     boa movimentação da bola através de passes;
b)     distanciamento do companheiro de equipe que está com a bola;
c)     busca de espaços vazios no sentido de receber a bola;
d)     intenção de receber a bola e observar o jogo, lendo-o;
e)     movimentação para criar linha de passe após ter passado a bola;
f)      buscar espaço adequado a organização da equipe, afastando-se do companheiro que tem a bola;
g)     não esquecer o objetivo do jogo (no caso do futebol, o gol).

Tanto em níveis mais baixos (fracos) de jogo quanto em níveis mais elaborados, é possível reconhecer várias fases do jogar em função das características reveladas pelos seus praticantes a partir de como eles estruturam o espaço de jogo, como se comunicam nas ações do jogo e como se relacionam com a bola (Quadro 1).

A estruturação do espaço de jogo está associada à ocupação individual/coletiva do terreno de jogo, defensivamente e ofensivamente, de maneira inteligente tanto pra criar vantagens espaciais e numéricas e ocupar de forma equilibrada as zonas do terreno, quanto para aumentar ou diminuir o espaço efetivo de jogo em largura e profundidade.

A comunicação na ação, por sua vez, refere-se à transmissão da informação, verbal ou não verbal, sobre as ações e circunstâncias do jogo, individuais ou coletivas dos jogadores; e a relação com a bola refere-se ao controle e domínio das ações realizadas com bola a fim de resolver problemas do jogo.

Então, a partir de uma análise do jogo pautada nesses aspectos, é possível caracterizar jogos com indicativos de anarquia (jogo anárquico), com indicativos de descentração (jogo descentrado), com indicativos de estruturação (jogo coordenado ou estruturado) e com indicativos de elaboração (jogo elaborado).

Ainda que o jogo possa ser observado a partir de aspectos que o caracterizam em níveis e fases, há de se destacar que existem também etapas de referência que
correspondem a distintas relações entre os elementos do jogo “jogador, bola, companheiros, adversários e alvo”. Esses elementos, segundo Garganta (1998), produzem relações distintas, que, para aprendizado e evolução do jogar, podem ser enunciadas em “eu-bola” (centro na familiarização, controle e ação do jogador com a bola), “eu-bola-alvo” (centro no objetivo final do jogo através do arremate), “eu-bola-adversário” (centro na combinação de habilidades, na conquista e manutenção da bola; além da busca à finalização), “eu-bola-colegas-adversários” (combinação de habilidades, com transmissão da bola e exploração de conceitos de defesa e de ataque) e “eu-bola-equipe-adversários” (com aproximação do jogo formal e exploração de princípios de jogo, de defesa e de ataque).

O domínio das habilidades técnicas (passe, condução, finalização, etc.) “embora se constitua como um instrumento sem o qual é muito difícil jogar e impossível jogar bem, não permite necessariamente acesso ao bom jogo” (GARGANTA, 1998, p. 21).”

Trabalho mencionado nesse texto:

GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos coletivos. In: OLIVEIRA, J.; GRAÇA, A. (org.). O ensino dos jogos desportivos coletivos. 3.ed. Porto: Universidade do Porto,1998.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br