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Roleta II

Na semana passada eu sugeri que a retração do mercado de transferências europeu pode ter criado um problemão para os clubes brasileiros e apontei as causas para essa retração. Também prometi que iria dizer quais seriam as possíveis consequências dessa retração para o mercado nacional. E não fui nada otimista.

Eu, que sou um homem de palavra, vou tentar explicar essas conseqüências, as razões para o pessimismo e, quem sabe, o título dessas duas colunas.

Como você sabe mais do que eu, há um forte processo de retorno de jogadores brasileiros ao seu mercado natal em andamento. Vagner Love, Edu, Rochemback, o outro Edu, e por aí vai. Clubes como Grêmio, Corinthians, Palmeiras e Inter estão reforçando suas equipes com jogadores que, teoricamente, ainda tem mercado em outros países, principalmente da Europa.

Parte do processo pode ter sido iniciado com o retorno do Ronaldo. Ronaldo! Ao mesmo tempo em que atletas de fora se sentem mais propensos a voltar para o país pelo fato do jogador estar disputando o campeonato e adicionar certo glamour à competição, os clubes rivais ao Corinthians também se sentem mais propensos a adquirir um jogador de status. Se o Corinthians pode, eu também posso.

O atleta que está fora do país pode ser convencido na base do argumento da saudade de casa ou por acreditar que o mercado brasileiro oferece mais chances de um eventual retorno à seleção. Mas nada disso adianta sem dinheiro. E os clubes, aparentemente, estão pagando, e bem, por esses atletas. Se o rival se reforça, você tem que se reforçar também. Se não, você vai ficar para trás. E o clube é muito grande para ficar para trás. Tem que arranjar dinheiro. Não sei de onde. Se vira, mas acha. Não pode ficar para trás. Depois a gente paga. A torcida precisa de satisfação. O conselho está em polvorosa. Está todo mundo cobrando. Tem que dar um troco no rival. A pressão está grande. Tem que dar um jeito. Se vira, rapaz.

A questão é: de onde vem esse dinheiro?

Já há relatos que alguns clubes estão rolando a dívida com credores para contratar atletas de fora. Isso é, obviamente, um problema de grandes proporções. A dívida pode demorar a ser paga, mas um dia ela será paga, e com juros. Os clubes sofrem hoje pela enorme bola de neve de débito criada pela irresponsabilidade fiscal presente desde a metade do século XX. Não fosse essa bola de neve, parte significativa dos problemas do futebol brasileiro poderia estar resolvida. E, ao invés de aproveitar a nova grana do contrato de televisão para diminuir a bola de neve, os clubes estão aumentando-a. O problema, então, ficará para o próximo.

Adicione-se a isso o outro problema da não venda do jogador e a consequente necessidade de se aumentar o salário do atleta que fica no país, uma vez que, a partir do momento em que o clube opta por não negociar um jogador, ele impede que o atleta tenha acesso a uma gratificação das luvas da transferência, a um salário possivelmente maior, e, por que não, a uma parcela da transferência, já que muitos jogadores são donos de uma porcentagem dos seus direitos. Como o clube não quer vender o jogador, o clube tem que oferecer alguma coisa em troca ao atleta. E essa coisa, normalmente, é aumento de salário, o que implica em mais custos.

Com mais custos e menos receita, a equação não fecha. A aposta, aparentemente, é que os novos jogadores vão gerar mais dinheiro e acabarão se pagando. Porque, com eles, o clube se classificará para a Libertadores, será campeão brasileiro, essas coisas.

O problema é que só um clube vai ganhar o campeonato. E, talvez, nem seja o clube que contratou tantos jogadores. Não vai dar certo. Não deu certo em um monte de clubes durante toda história. Mas ninguém aprende. O risco é estupidamente alto, que diga o Palmeiras e o Pierre.

A lógica desse tipo de pensamento de geração de receita é tão boa quanto a lógica de ficar rico apostando na loteria. Você só vai ganhar se você gastar. E quanto mais você gastar, mais você vai ganhar. E se ganhar, você vai ser o rei do mundo. Você só esquece que o risco é gigante, e que a chance de você quebrar também é enorme. Igual a um cassino. Igual a uma roleta.

Sacou?

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br