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Avatar

Pela primeira vez, assisti a um filme em 3D.

Não, nada a ver com a tentativa da revista Super Interessante, no início da década de 1990, de demonstrar como funcionava a tecnologia, com os óculos de lentes azul e vermelha e algumas fotos, naquela edição, supostamente apropriados para seduzir e impressionar.

Falo da fantástica experiência proporcionada pelo filme Avatar, em uma tela gigante, de 300m2, e sistema de som mais do que perfeito.

Não só a tecnologia, como a história do filme, nesse caso, nos põe completamente dentro do filme. E ele foi feito para isso mesmo. Levou mais de 10 anos para que James Cameron se sentisse amparado pelos recursos do 3D, além de outros 4 anos produzindo o filme.

Avatar vem do sânscrito, descida, e designa a chegada de uma divindade à Terra e seu aparecimento como um ser mortal. Não é bem a encarnação da teologia cristã, segundo a qual, em Jesus, Deus se fez carne; é mais uma manifestação, uma representação, do deus Vishnu.

Avatar também nomeia desenhos animados da Nickelodeon, é o personagem central da série de games Ultima, fez sucesso mundial com o jogo Second Life, é nome de álbum da banda portuguesa Blasted Mechanism e é, no mais conhecido termo, qualquer representação gráfica de quem está jogando um game.

O avanço da tecnologia favorecerá os filmes, nos quais, o que importa são muito mais efeitos especiais e experiências sensoriais do que artistas desempenhando um papel. Filme e videogame têm em comum o fato de que, através do roteiro e dos controles, transformamos uma figura imaginária numa projeção de nós mesmos – num avatar.

No caso da tradição hindu, o avatar tem poderes especiais, e é isso que certamente nos atrai nesse gênero de diversão. Na ficção habitual, a identificação era feita através da imaginação. Líamos um livro e nos colocávamos no lugar do personagem. Agora a técnica nos faz ir mais adiante, e a identificação adquire uma dimensão sensorial, mais intensa.

O envolvimento das pessoas com o futebol e tudo aquilo que lhe rodeia é, no mais das vezes, desejado que aconteça com a licença poética e ficcional de entrar na pele de outra pessoa, ou de se imaginar ocupando tais funções. Todos nós avocamos o direito de ser jogador, dirigente, narrador, comentarista, jornalista, treinador, torcedor. Ainda que uma vez na vida.

Todos queremos ter nossos avatares no futebol. O problema é que, normalmente, nosso avatar não terá identidade com aquilo que somos realmente. Será o que gostaríamos de ser.

Em breve, com essa tecnologia, é bem provável que tal experiência seja amplificada a níveis inimagináveis de realismo e imersão. Aquilo que desejamos pode se tornar realidade. E o ditado alerta que devemos tomar cuidado com o que desejamos, pois isso pode se tornar realidade mesmo.

O desafio será procurar em nós mesmos a figura que realmente somos e com a qual deveríamos nos identificar, de modo a assumirmos plenamente a nossa personalidade e a responsabilidade sobre atos e omissões.

Essa é a dúvida que surge diante desse admirável mundo novo.

Caberá encontrar o avatar que vai respondê-la, quando estivermos na pele do jogador, dirigente, narrador, comentarista, jornalista, treinador, torcedor.

Ainda que uma vez na vida.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Destino inócuo

Certa vez, alguém disse que futebol não é importante. Mas, que das coisas menos importantes, futebol certamente era a mais importante.

Isso deveria ser um lema.
Um mantra a ser entoado por qualquer pessoa que passa de certo limiar entre o mundo real e o “avataresco” mundo futebolístico.

Afinal, futebol não é mesmo importante.
Mas tem lá a sua importância.

Muito mais importante do que discutir o futuro do futebol, por exemplo, é discutir o futuro da humanidade.
E foi isso que os líderes mundiais resolveram fazer em Copenhagen, noutro dia.
Discutir o futuro do mundo.
Que, de acordo com eles e com um monte de outras pessoas, está a perigo por conta das alterações climáticas derivadas da poluição gerada pela humanidade.
Tem um número considerável de gente que diz que tudo isso é balela.
Que alteração climática é normal e que as conclusões são baseadas em dados limitados e direcionados.
Num dos pontos turísticos de Londres, tem um negócio no chão que conta a história da cidade, acho. E lá diz que, logo depois que a cidade foi criada, o rio Tamisa congelou. E, depois, isso nunca mais aconteceu. Depois que eu li isso, fiquei mais reticente sobre qualquer previsão futura. Basta lembrar que, cerca trinta anos atrás, nevou em Curitiba. Tivesse acontecido isso esse ano, seria um pandemônio.

Mas fiquemos com o “castatrofismo”, que é sempre muito mais engraçado.
O mundo vai acabar se a humanidade não der um jeito de diminuir a emissão de gases poluentes.
E o único jeito de fazer isso é os governos do mundo inteiro convencerem suas respectivas populações a poluírem menos.
E sabe quando isso vai acontecer?
Nunca.
O motivo é simples: do jeito que as coisas são, poluir menos implica em produzir menos. Se você mandar uma empresa parar de poluir, ela vai mudar de país que, por sua vez, vai produzir mais e gerar mais riquezas, o que implica em poder e tudo o que vem junto. E isso nunca irá acontecer.
Ou seja, o único jeito de uma mudança significativa acontecer é se todo mundo concordar em poluir menos ao mesmo tempo. E isso também não vai acontecer.
Porque os países pobres, como o Brasil, querem aproveitar a oportunidade para diminuir o gap existente entre eles e os países mais desenvolvidos. Para isso, ele argumenta que é injusto punir os países que poluem menos por causa de um problema criado pelos países que poluem mais. E os países mais desenvolvidos, que não são bestas, sabem que para manter a vantagem econômica mundial é imprescindível que a diminuição de produção seja igual para todo mundo.

E aí se cria o dilema. E aí nada é resolvido.

E essa é a coisa importante.
Que tem reflexos na coisa que não é importante, mas é importante.
A discussão inócua da redução da emissão de gases poluentes funciona exatamente no mesmo sistema em que funciona a discussão inócua sobre teto salarial, ou outras soluções financeiras, para clubes de futebol.

Igualzinho.

Os dois problemas abrangem a sustentabilidade de um sistema desigual. E, para que o sistema desigual possa sobreviver, é preciso que ele fique mais igual. Mas quem tem mais não quer ter menos. E quem tem menos quer ter muito mais.

É uma equação de interesses insolúvel, que só o tempo vai poder tornar mais contornável.

O mundo não chegará a um consenso sobre o clima. Assim como o futebol não chegará a um consenso sobre seus problemas financeiros.

O problema irá se arrastar.
Mas o mundo não irá acabar.

A não ser que o futebol um dia acabe.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br