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Base do sucesso

Na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2005, quando o Flamengo quase foi rebaixado, mas se recuperou e se salvou com Joel Santana no comando, terminando a competição apenas na 15ª colocação, Leonardo Moura era o lateral-direto rubro-negro, na goleada de 4 a 1 no Paysandu.

Na estreia do Brasileirão-06, derrota para o São Paulo por 1 a 0, no Morumbi, apenas Leo Moura já estava no time que parecia coadjuvante na competição. Foi o 11º. Mas ganhou a Copa do Brasil. Na última partida na temporada, 4 a 1 no São Caetano, Leo ganhou a companhia de Bruno, Ronaldo Angelim, Juan, Toró e Bruno Mezenga.

Na estreia do torneio nacional de 2007, derrota por 4 a 2 para o Palmeiras, no Rio de Janeiro, Bruno, Angelim, Juan e Mezenga atuaram. Na derrota para o Náutico por 1 a 0, Bruno, Leo Moura, Angelim, Juan e Toró estavam na última rodada, fechando espantosa recuperação que terminou no terceiro lugar do Brasileirão.

Na estreia do Campeonato Brasileiro de 2008, vitória sobre o Santos por 3 a 1: Bruno, Leo Moura, Angelim, Juan, Toró e Kleberson. Todos em campo. Na derrota para o Atlético-PR, no Paraná, por 5 a 3, na última rodada, todos eles (menos Kleberson), e mais Everton, Aírton e Maxi. O Flamengo acabou na quinta colocação. Com seis titulares que fariam a mais que merecida festa do hexa, contra o Grêmio, no Maracanã, na última rodada do Brasileirão-09.

O modelo de gestão do Flamengo é a exceção que confirma a regra, na análise do jornalista André Rocha. Não é para se repetir o que fez o Flamengo em 2009, e nos últimos campeonatos. São mais de R$ 300 milhões em dívidas, que não são compensadas pela receita triplicada nos últimos cinco anos. Mas, dentro de campo, sob o sereno comando de Andrade, as coisas se acertaram. E foram ainda mais certas pela camisa que veste Andrade. O Flamengo tem algumas coisas a mais quando chega para decidir. E teve algo a mais, como todo clube campeão, por começar a montar esse time de 2009 ainda em 2005. Acertando e errando, o final das contas é muito melhor que a encomenda. Justamente por manter uma base.

Um dos tantos segredos conhecidos do Flamengo foi esse. Um time que apostou em Petkovic para acertar uma dívida contábil risível em maio, e saiu em dezembro com o sorriso mais que escancarado pelo acerto histórico do investimento. Diferente de Adriano, que traz consigo um combo de problemas, mas um pacotaço de soluções, Pet era dúvida, era dívida, virou um mito impagável. Gratidão eterna. Dois dos nomes que fizeram o 4-2-3-1 de Andrade dar certo muito além da encomenda rubro-negra.


Andrade mudou o Flamengo de Cuca

Segredos

Um dos tantos méritos do jovem treinador velho de Gávea é que ele pôs o dedo em dogmas e não saiu chamuscado pelas mexidas ousadas. Saiu campeão. Hexacampeão: ao recuar os alas Leo Moura e Juan como laterais, com mais obrigações defensivas e menos liberdades ofensivas, não perdeu qualidade à frente, e ganhou consistência atrás. Muito pelas apostas pontuais nos experientes Álvaro, que fez ótima parceria com o sempre correto Angelim (mais que merecedor do gol do título), e de Maldonado, volante-zagueiro, zagueiro-volante, que tem a capacidade de arrumar um sistema defensivo.

Não apenas o ajuste na retaguarda foi notável. Andrade não tinha um bom parceiro à frente para o imperador depois da saída do sheik Emerson. Denis Marques não deu jogo. O que fez o treinador? Adiantou o volante Willians como meia aberto pela direita. Mais à frente, ele conseguiu ser o jogador que mais driblou e recuperou bolas. Um assombro. Adriano pôde ficar isolado à frente. Porque os três meias sempre chegaram.

Outra recuperação notável foi anímica, técnica e física de Zé Roberto. O jogador que flanava passou a flutuar entre o centro da armação e o lado esquerdo rubro-negro, trocando de função com Pet. Assim desmontaram o então líder Palmeiras, no Palestra, num jogo-chave. Assim partiram para o hexa incontestável.

Como? Jogando bola. Jogando simples. Usando uma base. Um dos tantos segredos do terceiro colocado São Paulo. Dos principais times do equilibradíssimo Brasileirão-09, foi o que menos mudou de 2008 para 2009. Em time que está ganhando se mexe, também. Mas não muito. Sete titulares eram os mesmos do tri. Mesmo com outro treinador, o 3-1-4-2 foi mantido. E deu em bela recuperação estancada pelo Flamengo. E pelo Inter. Um que teve dois treinadores. Variou de nível e regularidade. Perdeu a promessa de craque Giuliano para a Sub-20. E perdeu um título que parecia ganho. Quase sempre mantendo o 4-2-2-2 padrão, com variação para um 4-3-1-2. Foi outro que pouco mexeu a base: manteve quatro titulares de 2008 para ser vice-campeão nacional.

Belo exemplo é o Cruzeiro. Poderia terminar o ano disputando o Mundial contra o Barcelona. Caiu no Mineirão para o não mais que certinho Estudiantes de Verón. Caiu num bode de dar dó. Mas fez um baita returno, semelhante ao rubro-negro, ultrapassou o rival figadal, e na última rodada venceu o Palmeiras na luta pela vaga na Libertadores-10. Sempre baseado no 4-3-1-2 tão caro a Adilson. Mas quase sempre tão eficiente. Apesar da marcação um tanto frouxa, e da perda de gente de qualidade durante a campanha. Ah, sim: com cinco titulares de 2008 mantidos.

Mas se é para falar de perda, depois de 19 rodadas na ponta, perder o penta e até a Libertadores é demais. O Palmeiras demitiu Luxemburgo em quinto lugar, achou um ótimo interino como Jorginho que deixou para Muricy o clube em primeiro lugar. Até cair pelas tabelas e cair fora do sonho do bi sul-americano. Perdendo titulares, perdendo para os lanternas, perdendo a cabeça, se perdendo. Do 4-2-2-2 básico a um 3-4-1-2 nem sempre bem entendido, alguma coisa deu muito errado ao Palmeiras.

A começar por tantas mudanças. Entre os cinco primeiros do Campeonato Brasileiro de 09, nenhum time mudou tanto desde 2008. Apenas três titulares da boa campanha de então foram mantidos. Não é de um ano a outro que as coisas dão liga. E foi o que também não aconteceu no Palmeiras. Faltou paciência. O que sobrou a Andrade no Flamengo.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

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O treinador nacional e o estrangeiro

Tratemos, hoje, de um tema que, sem dar ares de adivinho, parece manter alguma actualidade: qual o melhor treinador, para o futebol (ou o basquetebol, ou o andebol, ou o voleibol, etc.) de um país, o treinador nacional ou o estrangeiro?

Em Portugal, a concluirmos pelo enlevo que certas pessoas sentem por tudo o que chega da estranja e o pessimismo demolidor que lançam sobre os homens e as coisas de Portugal, os treinadores portugueses são muitas vezes minimizados, com enfatuada ironia.

A enriquecer esta tese, adianta-se, de fisionomia aberta e jubilosa, o facto incontroverso de, com Luiz Filipe Scolari, Otto Glória, Bella Guttman e Tomislav Ivic, o futebol português ter alcançado êxitos retumbantes (e o mesmo poderia dizer doutras modalidades, como, por exemplo, o voleibol). Eles instigaram-no a novos métodos que nele se repercutiram, durante anos. Mas por que se esquece repetidamente que é nosso o que, há bem pouco tempo, foi considerado o melhor treinador do mundo e ainda Fernando Vaz, José Maria Pedroto, Artur Jorge, Carlos Queirós, Jorge Jesus, Paulo Bento, Manuel José e outros?… Num país de velhas tradições e de longa caminhada histórica, até no futebol gostamos de ser colonizados! E, como veremos, não há razão para mais um complexo de inferioridade.

Mas a pergunta continua teimosamente de pé: qual o treinador que melhor serve o futebol de um país, o nacional ou o estrangeiro? Em igualdade de circunstâncias, o nacional, indubitavelmente! Ao treinador estrangeiro, em terra alheia, sem o domínio da língua nativa (e não é linguagem o desporto?) e desconhecendo o futebol como expressão de uma cultura que lhe é estranha – escasseiam-lhe, normalmente, ao nível do agir e do inteligir, uma larga soma de dados imprescindíveis ao exercício da sua profissão… longe do seu país!

É uma antiga questão esta da existência ou não-existência de características nacionais, no futebol. De facto, que realidade traduz a designação brasileiro, inglês, soviético, aposta ao vocábulo futebol? Há futebol brasileiro, ou futebol no Brasil? Há futebol inglês, ou futebol na Inglaterra? Há futebol coreano, ou futebol na Coreia?

Tentemos estabelecer a noção de futebol: ele é um desporto colectivo, com as regras por todos conhecidas e dependente do génio individual dos jogadores, da capacidade de liderança do treinador-principal e da organização global dos clubes. Mas os elementos raça, geografia, língua, tradições, cultura, etc. singularizam o futebol dos diversos países? Indubitavelmente! Por isso, existe o “futebol sambado” do Brasil, o “futebol atlético” dos ingleses, o “futebol racionalista e geométrico” de alguns Países da Europa Central.

O futebol também interpreta o real, à sua maneira; também ele é uma visão do mundo, existindo no plano do conhecimento não consciencializado; também ele resulta da sensibilidade peculiar de um povo. O futebol pode fazer suas as palavras de Ortega y Gasset: eu sou eu e a minha circunstância!

Tudo isto, para concluir que aposto nos treinadores nacionais, no cotejo com os estrangeiros, para dirigir e orientar as nossas equipas de futebol (ou de qualquer outra modalidade desportiva). Desde que sejam treinadores que aliem uma prática incessante (de treinadores, logicamente) a uma teorização rigorosa.

A grande mensagem que o José Mourinho, Manual Jesualdo Ferreira, o Carlos Queirós, o Nelo Vingada, o José Peseiro, o Mariano Barreto, o Manuel Machado, o Carlos Carvalhal, o Rui Dias e outros mais licenciados em Desporto pretendem transmitir ao futebol português (e não só) é esta: também é preciso estudar, para se obterem vitórias, no futebol. Também aqui a teoria e a prática deverão existir em função uma da outra, visando não só um saber, mas uma sabedoria.

Recordo a terminar Cândido de Oliveira, Fernando Vaz, Mário Wilson, Manuel Oliveira, José Maria Pedroto, Artur Jorge, Jorge Jesus, Manuel Cajuda que, sem um curso universitário de Desporto, anunciaram, à sua maneira, que a teorização é indispensável à prática de treinador de futebol – o que fazem os que tiveram, como professores, o Manuel Jesualdo Ferreira, o Mirandela da Costa, o Carlos Queirós e o Nelo Vingada, no ISEF de Lisboa, e o Vitor Frade, no ISEF do Porto!

No entanto, é de exigir aos licenciados que escutem, com humildade, os que levam anos e anos de futebol. É que também o futebol se teoriza, no quadro de uma inegável dimensão histórica, social e política. Ocorre-me o conceito de “prática-teórica” de Louis Althusser, ou mesmo a “teoria-prática” de Gyorgy Lukács.

Por mim, quero denunciar, tanto o idealismo da “teoria pura”, como o pragmatismo de uma prática a-céfala; tanto uma dialéctica unicamente de categorias e de conceitos, como a “consciência espontânea” (altamente tributária da tradição e do passado) dos que não estudam e abdicam do papel orientador da teoria.

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br

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2010: o Ano do Kiwi

Chegamos ao momento do ano em que pessoas e empresas planejam.

No caso das pessoas, chama-se de resoluções de ano novo o ato de planejar, naquilo que nos cabe, o ano seguinte.

Nas empresas e instituições, chama-se planejamento estratégico, no mais das vezes, o período em que se discutem as ações vindouras da temporada de negócios.

Uns se socorrem dos seus oráculos: cartomantes, tarólogos, búzios, orixás, santos, videntes, astrólogos, na ânsia de iluminação para conduzir a vida que segue.

Outros se reúnem em intermináveis discussões, com gerentes e diretores dos diversos departamentos, debruçados em relatórios, números, projeções e análises, para tomar as melhores decisões sobre o rumo dos negócios.

De um jeito ou de outro, o planejamento está presente no dia-a-dia de ambos os grupos. Dos indivíduos ou das instituições. Queira-se ou não.

Planejamento é uma expressão que causa arrepio na maioria absoluta dos dirigentes esportivos do Brasil. Ou por não saber fazer, ou por não querer que ele aconteça. Pois dá muito trabalho e pode revelar coisas indigestas.

Tive acesso ao planejamento estratégico da Federação de Futebol da Nova Zelândia para o período 2006-2010.

Os neozelandeses são conhecidos como kiwi, dada a ave-símbolo do país, que também batizou a fruta que conhecemos bem.

Para quem já esteve em contato com a tradicional elaboração de um plano estratégico, não há nada de surpreendente no conteúdo do documento. A surpresa maior são os resultados obtidos – que é o que se espera de um planejamento bem feito…

Em resumo, contém: a visão do cenário e os objetivos gerais; seis desafios estratégicos a superar; o mapa da estratégia; orçamento; análise PEST e análise SWOT.

1. Alinhar o esporte e controlar o jogo. 2. Atingir sustentabilidade financeira. 3. Desenvolver o jogo. 4. Atingir sucesso internacional. 5. Melhorar a comunicação. 6. Otimizar a capacitação interna.

O primeiro desafio diz respeito à necessidade de unificar a gestão, governança e liderança, por parte da Federação, junto a um esporte de prática e controle fragmentados no país.

O segundo e o terceiro desafios são auto-explicativos.

Melhorar a comunicação refere-se ao incremento do nível de relacionamento com todos os stakeholders junto aos processos administrativos da Federação.

Otimizar a capacitação pressupõe a melhoria na formação dos profissionais de todos os setores envolvidos na indústria do futebol do país.

Voltemos ao quarto desafio. Atingir sucesso internacional. Os objetivos específicos, aqui, eram classificar-se para todas as principais competições da Fifa, tanto no masculino quanto no feminino, bem como melhorar a posição no ranking até 2010 (homens entre as 80 melhores seleções do mundo e mulheres entre as 15 maiores).

No masculino, vaga garantida para a Copa 2010. Em abril de 2007,já havia estado na posição 77 do ranking, e manteve até há pouco. Agora está em 82º.

No feminino, está em 23º lugar. A melhor posição foi a 20ª, em 2005.

Esse quadro, grosso modo, comprova o planejamento bem feito e com convicção de propósitos, alinhado às possibilidades de conclusão das metas. Sem segredos, porque o segredo está no trabalho enunciado no meio do planejamento.

Mas, por que planejar as coisas, uma vez que o Flamengo nem sonhava em ser o campeão brasileiro de 2009 e acabou conquistando o título?

De qualquer maneira, meu horóscopo aponta que 2010 será o ano do kiwi, porque, se não fizer minha parte, nenhum santo vai ajudar.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br