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Zezinho do Scout analisando o técnico: Mano Menezes e as substituições

Olá amigo, ainda que todos estejam na onda do clássico, não vamos fazer uma análise do jogo Ronaldo x Neymar, ops… Corinthians x Santos.

Uma semana de muita divulgação, de criação de expectativas e da individualização no chamado duelo de gerações. Que pesem os exageros para ambos os lados e a qualidade de tais jogadores, o jogo demonstrou em si, para a tristeza dos noticiários da semana (ou não), que não era restrito apenas ao combate entre Ronaldo e Neymar.

– Os técnicos

Na análise de hoje, vamos fazer uma avaliação da atuação deles! Os tão badalados e comentados… técnicos! Sim, isso mesmo. Normalmente, nos atentamos especificamente às ações do jogo que muitas vezes decorrem da ação dos técnicos, mas, no texto de hoje, mudamos um pouco foco, vamos analisar os técnicos do ponto de vista da conservação de idéias, da filosofia de jogo e da atuação do ponto de vista de intervenção na partida com base sempre nos dados, em nada mais.

Vamos focar no trabalho de Mano Menezes. Vagner Mancini, que cada vez mais ganha minha admiração, será tema de outro texto, em breve.

Mano Menezes tem seu trabalho reconhecido pelo que fez no Grêmio e no Corinthians, mas adquiriu um recente estigma de não ganhar clássicos em São Paulo. O treinador mostra que tem um planejamento bem elaborado, mas apresenta algumas dificuldades (normais no decorrer de uma temporada) que ganham proporções diferenciadas em se tratando de Corinthians.

Sabemos que clássico tem impactos diferentes e repercussões mais significativas. O próprio Mano reconheceu isso na última semana, mas resolvemos fazer uma análise simples, crua, apenas como curiosidade sobre a ação do Mano, do ponto de vista de substituições e relação com o tempo do jogo.

Consideramos os três clássicos (Santos, Palmeiras e São Paulo) e outros três jogos do paulista (Santo André, São Caetano e Marília), fazendo uma observação no tempo das substituições.

Realizando uma média simples (lembrando que média pode ser muito enganosa, como, por exemplo, a história de que se um amigo comer dois bifes e o outro nenhum, na média comem um bife cada, porém, um ficará obeso e outro desnutrido), mas vamos lá: Mano, nos clássicos, demora mais a fazer uma intervenção direta no jogo por meio de uma substituição.

Veja o quadro das substituições e do tempo (em média):

 

1º substituição

2º substituição

3º substituição

Clássicos

57 min.

72 min.

79 min.

Outros Jogos

45 min.

64 min.

81 min.


A primeira substituição nos clássicos demora mais e a segunda substituição tem um intervalo ligeiramente menor em relação à primeira, o que não acontece nos  jogos contra os ditos pequenos.

Podemos questionar, indagar a validade da análise, a profundidade, e até mesmo a relevância para o jogo em si. Mas, o fato é que o Mano apresenta um padrão, uma filosofia de atuação e intervenção que apresenta diferenças entre um jogo “normal” e um clássico. Podem dizer os mais românticos que clássico é clássico e vice-versa. Enfim, é uma maneira de atuar do treinador, não queremos neste momento entrar no mérito.

No quesito qualidade das substituições, utilizamos o seguinte critério, avaliar a função do jogador que entrou em relação ao que saiu, resumindo as funções em zagueiro (englobando laterais), volantes, meias e atacantes. Definindo ainda como ação de recuo (entrada de um jogador mais defensivo em relação ao que saiu), manutenção (jogadores de mesma função) e avanço (entrada de jogador mais ofensivo).

 

 

Recuo

Manutenção

Avanço

Clássicos

2

4

3

Outros Jogos

4

1

4

 


Do ponto de vista comum, pode não representar muita coisa, mas à medida que um adversário, de posse dessas informações, aprofundando em volume de jogos, e, sobretudo, utilizando instrumentos mais adequados para a análise do que a simples média utilizada aqui, é possível antecipar algumas ações no jogo.

Ora, se consigo antecipar meu adversário, é uma vantagem que adquiro. E aqui vale uma explanação mais detalhada. Esse antecipar não significa agir antes do adversário no campo do jogo apenas, mas sim, antecipar estratégia, treiná-las, preparar os jogadores para possíveis alterações na dinâmica de jogo do seu adversário. Sim meus amigos, futebol é imprevisível, mas também é uma repetição em muitos momentos. Se consigo evitar me surpreender com o que já pode ser conhecido e antecipado do ponto de vista de treinamento, melhor. Não acham?

É nesse ponto que podemos transformar uma informação despretensiosa em intervenção estratégica.   Assim como um nadador dá atenção a cada item que pode diminuir atrito e melhorar a flutuabilidade. Assim como o boxeador estuda a sequência de golpes predominantes de seu oponente, compreender que o técnico adversário apresenta um padrão de substituição (lógico que em situações especiais existe a exceção, a imprevisibilidade), é adquirir informação diferenciada a respeito do jogo.

Mas ressalto, se é possível antecipar no treinamento as eventuais alterações do adversário que interferem na dinâmica do jogo, a chance de ser surpreendido com algo conhecido é menor. Ainda que possamos lembrar de Garrincha  que conseguia fazer o previsto ser imprevisto.

É um detalhe que se soma a outros, e pode trazer ou evitar outros detalhes como gol (detalhe difundido por Parreira, e muito mal compreendido pelos seus críticos).

Bom, existem muitos outros pontos para se estudar na atuação de um técnico, os quais traremos em breve, buscando o perfil de alguns treinadores para exemplificar como podemos utilizar a tecnologia da informação como aliada no estudo do adversário. E você o que acha?

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Estado de choque. De novo

O título não é original, tampouco já se fez presente em outras colunas por aqui. Mas mais uma vez não poderia deixar de ser lembrado depois das cenas assistidas em mais um clássico pelo país.

A pancadaria entre torcedores e policiais no estádio do Pacaembu, após Corinthians 1×0 Santos, é daquelas que dá raiva do ser humano. A que ponto chega a covardia, o abuso de autoridade e a falta de respeito?

Ânimos exaltados após a derrota no clássico, ao que tudo indica os santistas decidiram agredir verbalmente o presidente Marcelo Teixeira, que estava próximo da massa alvinegra. Do staff do dirigente máximo do Santos partiu um copo para cima dos revoltosos, e aí a coisa estourou.

Somando-se à brutalidade e à imbecilidade de ambos, chegaram policiais militares. Daí para o início de uma pancadaria generalizada, em que o que mais se via era a audácia dos torcedores e a covardia dos policiais, foi um piscar de olhos.

Mais uma vez um clássico entre grandes torcidas no país termina em briga. De novo, a confusão não envolve as torcidas dos dois times, mas torcedores de uma das equipes e os policiais militares.

Mas por que será que isso acontece?

Sem dúvida que um dos principais problemas está no tratamento que é dado ao torcedor quando ele vai assistir a um jogo de futebol. O que justifica o comportamento brutal dos policiais que em tese estão lá para dar amparo ao torcedor?

Talvez a melhor explicação esteja no tipo de policial que é responsável pela “segurança” nos estádios de futebol do país. Por definições que não se sabe quando aconteceram, os jogos de futebol contam com a “proteção” do Batalhão de Choque das polícias militares municipais. 

Bom, na essência, o batalhão existe para “agir em ações de Controle de Distúrbios Civis”. Ou seja. O policial destacado para cuidar do torcedor no estádio é aquele que tem, em seu treinamento diário, que estar preparado para as piores situações de descontrole social.

Evidentemente, é esse policial quem não está preparado para tratar o torcedor de futebol como uma pessoa, mas como um desordeiro. E, a partir desse princípio, sempre o que se vê é o torcedor “comum” receber uma série de pancadas em nome da “ordem”.

Na Inglaterra, berço da civilização do torcedor baderneiro, era também o batalhão de choque o responsável, lá no passado, em cuidar da segurança nos estádios de futebol. Até que, no início dos anos 90, os ingleses decidiram dar uma atenção específica ao fã que ia aos estádios. 

E foi assim que se criou uma polícia especial, preparada para lidar com as especificidades do torcedor que frequenta o estádio. Além disso, a polícia inglesa se preparou melhor para evitar que o torcedor já condenado por ter provocado distúrbios em outros jogos tivesse o direito de entrar numa partida de futebol pós-condenação. Com o tempo, o “hooligan” perdeu seu espaço dentro dos estádios britânicos. Não quer dizer que eles não existam mais, porém a sua força de atuação é cada vez menor.

Sem treinamento adequado e fiscalização eficiente, é muito difícil conseguir tirar os estádios de futebol do país do estado de choque permanente em que ele se encontra.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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1-4-4-2 em linha: zonal e não zonal

Há tempos o “1-4-4-2 em linha” vem sendo utilizado em algumas equipes de futebol profissionais europeias e sul-americanas. Em um tempo menor, tem aparecido nos gramados brasileiros.
Seja por “moda”, necessidade ou gosto, o fato é que existe certa confusão no trato dessa plataforma tática.
Muitas vezes quando se fala do “1-4-4-2 em linha”, vem à tona no discurso, implícito entre frases, que essa plataforma tática contém no seu jogar um sistema de marcação zonal. Há inclusive uma obra (um livro), de renomado treinador brasileiro, que, ao se referir à marcação zonal, relaciona-a ao “1-4-4-2 em linha”.
Sem que seja necessário discutir formas de marcação ou elementos de referência da auto-organização do jogo, é preciso que fique claro: o “1-4-4-2 em linha”, assim como qualquer 1-4-4-2 com diferentes geometrias de meio-campo, ou como qualquer outra plataforma tática (1-4-3-3, 1-3-5-2, 1-4-5-1, 1-2-1-4-1-2, etc.), pode servir a um jogar zonal ou não.
Isso quer dizer que é possível haver um 1-4-4-2 com referência zonal, individual, mista ou híbrida tanto no seu defender quanto no seu atacar, de tal forma que a plataforma tática destaque-se mais, ou menos, no nível hierárquico das referências norteadoras da ocupação do espaço de jogo.
Outro ponto importante é que se a escolha por uma plataforma como o “1-4-4-2 em linha” se der apenas pela opção ou necessidade de se jogar à zona, que fique claro também que com maiores ou menores elaborações, qualquer plataforma tática permite a construção do jogar zonal (vide por exemplo o áureo 1-4-3-3 da equipe do FC Barcelona, da Espanha).
Algumas equipes brasileiras têm grandes dificuldades quando enfrentam equipes da América do Sul que jogam no “1-4-4-2 em linha”. Os jogadores têm problemas para alcançar êxito nas jogadas individuais, não conseguem avançar com facilidade ao campo de ataque, criam poucas oportunidades de gols e “sofrem” com o toque de bola e com as dinâmicas muitas vezes empregadas pelos adversários.
E é talvez da dificuldade de enfrentá-lo que tem aumentado o número de equipes buscando estruturar sua plataforma tática também da mesma forma (“1-4-4-2 em linha”).
O problema, porém, é que as dificuldades surgem não do enfrentamento a essa plataforma, mas da referência zonal que muitas das equipes que a utilizam tomam como norte. Isso quer dizer, em outras palavras, que não é o “1-4-4-2 em linha” o grande segredo da história, e sim o jogo à zona. Então, qualquer plataforma tática pode trazer dificuldades ao adversário, assim como qualquer uma delas pode estabelecer um jogar em zonal.
O “1-4-4-2 em linha” com referência “individual” vai apresentar dinâmicas e alternativas diferentes do “1-4-4-2 em linha” com referência em zona e, portanto, não é ela (a plataforma tática) que realmente vai resolver os problemas.
Por que não um “1-4-4-2 em losango zonal”, por que não um “1-4-3-3 em triângulo invertido zonal”?
Simples, porque no futebol ao invés do “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, a máxima vigente costuma ser, no futebol “nada se cria, nada se perde, tudo se copia”, e sem se saber exatamente por que…

Para interagir com o autor: rodrigo@149.28.100.147

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O pensamento ético contemporâneo e o Desporto

Segundo Anthony Giddens, no seu livro As Consequências da Modernidade, o que caracteriza o nosso tempo é a sua descontinuidade, em relação às épocas anteriores. As transformações na tecnociência, na filosofia, nos modos de vida, nas mentalidades; a globalização do economicismo neo-liberal, bem expressa numa alta competição sem freios; confundir felicidade com a posse exclusiva de bens materiais: não deixam a este respeito um rasto de dúvida. 
 
No entanto, segundo Rawls, uma das “experiências fundamentais” da modernidade é a existência do fact of pluralism, ou seja, a existência de uma incomensurável pluralidade de valores, que reduz a cinzas qualquer unicidade normativa. Por isso, Habermas faz resultar a moral das condições e pressupostos da deliberação democrática, como se nela ressaltassem, límpidas, a dimensão moral, a ética e a pragmática, quero eu dizer: a complementaridade entre o direito e a moral.
 
Em Habermas, substitui-se o “imperativo categórico” por formas de comunicação e argumentação. E assim, melhor do que a minha proclamação de leis universais, devo antes submetê-las ao juízo crítico dos demais, para diálogo, discussão e aprovação final. Mas uma pergunta se levanta, imediatamente: e quem detém a palavra e nos dá garantias do bom uso da palavra? A realidade deve considerar-se sob a óptica de quatro níveis ou ordens distintos: a ordem das finalidades, a ordem dos comportamentos, a ordem jurídico-política e a ordem tecnocientífica. A competência tecnocientífica é a mais visível, embora as diferenças culturais e linguísticas. Nem um idealismo exaltante ou os preconceitos sentimentais escondem a falta de rigor, o charlatanismo, o desconhecimento dos temas em questão. Da ordem jurídico-político-organizacional ressalta a organização que dá força e sentido a quem a representa.
 
A qualidade do estrutural reflecte-se na qualidade das condutas individuais. Mas o comportamento também depende do “homem de bem” que se é. A lição diária dos factos ensina que, sem um rijo arcaboiço ético, há objectivos inadiáveis que não se alcançam. É preciso distinguir o bem do mal, para que o desejo do “bem comum” possa emergir de tudo o que se faz. Na ordem das finalidades, deve luzir, de facto, o “bem comum”, preparado e materializado pelo homem ao serviço do homem, para que todos os homens possam ser actores da sua história e da própria História.
 
Uma análise ontológica, mesmo que episódica, da prática desportiva diz-nos que o ser humano é um ser-de-relação. Ou em equipa, ou individualmente, o desportista normalmemte entra em competição, quero eu dizer: precisa do seu semelhante. E, se dele precisa, há-de respeitá-lo, ou seja, não pode fazer dele um instrumento de qualquer um dos seus objectivos. Há, aqui, um jogo de co-responsabilidade: no desporto, os adversários (e não só os companheiros da mesma equipa) são também, solidariamente, responsáveis uns pelos outros. E esta responsabilidade não resulta de uma escolha, de uma preferência individuais, porque sem ela não há desporto. Daqui se infere sem dificuldade que, no desporto (como em Levinas), a ética é a filosofia primeira. E, a este ângulo de visão, o praticante exemplar surge como alguém onde brilham excepcionais qualidades físico-motoras e psicológicas, específicas do desporto de alto nível, e simultaneamente admiráveis qualidades éticas.
 
A vontade de vencer é inerente à prática desportiva, mas o praticante, como ser-de-relação, há-de saber vencer e perder, que o mesmo é dizer: há-de saber respeitar e respeitar-se, como vencedor e como vencido, dado que a motricidade humana tem como objectivo primeiro o desenvolvimento de todos e de cada um dos seres humanos. O aprumo e a lealdade, no desporto, não podem significar, hoje, ausência de competição, mas recusa à instrumentalização, ao serviço da competição sórdida do economicismo triunfante, que alimenta, sem mérito nem vergonha, o “bellum omnium contra omnes” (guerra de todos contra todos). A competição, no desporto, é uma forma de diálogo fraterno, deverá ser, por isso, uma expressão corporal do primado da dimensão ético-política sobre a dimensão economicista. Assim, nasce a confiança mútua, que é indispensável à competição desportiva. “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” poderá ser a regra de ouro a presidir ao comportamento dos atletas, dos técnicos (sem esquecer os técnicos de saúde) e dos dirigentes.
 
Mas há dois perigos que rondam o sistema desportivo: a barbárie e o angelismo. A barbárie, quando os atletas deixam de ser pessoas/cidadãos e passam a ser governados pelo “despotismo iluminado” de dirigentes corruptos ou mal informados. O respeito pelos atletas não pode provir tão-só de “ordens superiores”, ou da ordem jurídica estabelecida, mas de um imperativo moral. No desporto, há o primado absoluto da pessoa sobre a lei. O angelismo acontece, quando se pensa que uma lei, um manifesto, um discurso, as conclusões de um congresso resolvem, por si sós, uma situação concreta. O verdadeiro motor da acção, da motricidade humana, reside na consciência reflexiva e na vontade livre e responsável das pessoas (neste caso, dos praticantes). Não faltam tratados, congressos, publicações e todo um galante florilégio de conclusões sobre a ética no desporto e… a corrupção e a violência permanecem. Porquê? Entre outros motivos, porque não se preparam, pedagogicamente, os alunos e os atletas a serem agentes morais, para além de praticantes de admiráveis qualidades físicas e técnicas. Enganam-se os que pensam que os atletas são singelos títeres, nas mãos dos dirigentes e dos técnicos, ou das leis sem espírito (lembram-se do Espírito das Leis, de Montesquieu?).
 
O Homo Sapiens-Sapiens é um ser que sabe que sabe e sente, por isso, a necessidade imperiosa de criticar, isto é, de saber, em profundidade, quem é, onde está e para onde vai. Posto isto, podemos adiantar que não é o desporto o novo ópio do povo, o ópio do povo é o desporto institucionalizado pelo neoliberalismo dominante, que demasiadas vezes reduz as pessoas a coisas e os sujeitos a objectos. Já há 96 anos, Jaime Cortesão alertava, em A Águia (Outubro de 1912) que “não é o regime, nem a agricultura, nem a indústria, nem as finanças que verdadeiramente estão em crise – o que em Portugal, há alguns séculos, está em crise é o Português”. Enfim, há que preparar também as pessoas para que as estruturas se transformem.
        
Posto isto, propõe-se:
 
1. Que o desporto escolar inclua, no conteúdo das suas matérias, não a gramática epistemológica das ciências empírico-formais, mas a das ciências hermenêutico-humanas, onde toda a objectualização é ilegítima. E, por isso, onde uma cultura anti-dualista e anti-colonialista e anti-imperialista seja essencial e fundante.
 
2. Que o ensino universitário do desporto assuma, semsubterfúgios, um paradigma decorrente das ciências hermenêutico-humanas e onde o agente do desporto, como ser-de-relação, se estude como
factor de desenvolvimento da pessoa, do grupo, da sociedade.
 
3. Que a teoria e metodologia do treino não esqueça nunca os aspectos éticos e políticos da prática desportiva. Sem ética, o espectáculo desportivo pode transformar-se num espaço de violência e de corrupção, dada a alta competição em que decorre. Quando o treinador Jorge Jesus sustenta que “o fair-play é uma treta”, acentua que a ética movimenta-se com dificuldade num desporto que reproduz e multiplica as taras do economicismo triunfante.  
 
4. Que se reconheça, no atleta, o sujeito ou a pessoa, com um valor  incomensurável, em relação ao valor de todos os campeonatos e taçasdas federações internacionais ou dos Jogos Olímpicos. É o praticante a origem e o fundamento de toda a significação do Desporto. A expressão “jogo de vida ou de morte” deverá erradicar-se do vocabulário desportivo. A morte do ser humano é a morte do próprio Desporto.
  
E. Levinas, no seu Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, acolhe com bons olhos a desconstrução do humanismo actual, pois este, ao rejeitar o Absoluto, “não é suficientemente humano”. Direi o mesmo do desporto actual que, ao articular-se absolutamente fora do sujeito, rouba ao praticante o estatuto de “primeira pessoa”, para transformá-lo em mera unidade intercambiável. A própria consciência reflexa não é mais, para os novos humanistas, do que o resultado do processo de interiorização de uma ordem que lhe é totalmente exterior. Só que o novo humanismo, ao diluir o ser humano num mundo onde a globalização neoliberal impera, põe o Desporto em questão. Este é um tema que nunca vi tratado pelas instâncias internacionais que se ocupam desta problemática. Falam tanto de ética desportiva, sem darem conta se ela é possível com as estruturas onde o próprio desporto assenta.
 
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
 
Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.
 
Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal
 

Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br

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O poder dos grandes clubes

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Esta foi uma semana conturbada no mundo do futebol na Europa.

A Fifa tem agendada para hoje e amanhã sua primeira reunião do ano do Comitê Executivo, do qual o brasileiro Ricardo Teixeira faz parte. Dentre os temas a serem debatidos, estão a discussão da regra do 6+5 (incluindo o estudo preparado pela Inea, conforme discutido há duas colunas passadas), e também a proteção de menores (e eventual revisão do artigo 19 do Regulation on the Status and Transfer of Players).

A revisão dos regulamentos deve versar sobre a regulamentação das academias privadas de futebol (sobre as quais também discutimos em colunas passadas), que não tem vínculo com clubes de futebol federados, mas que possuem grande responsabilidade na formação de menores.

Também nesta semana muito se falou na reunião do Comitê Executivo da Uefa, que será realizada no próximo dia 23. De acordo com a agenda divulgada pela Uefa, a reunião deverá tratar também da proteção de menores, além do chamado “financial fair play” entre clubes europeus.

Além disso, entre outros assuntos, os regulamentos das competições da Uefa deverão ser aprovados para a temporada 2009/10.

Bom, no meio desses acontecimentos, espalhou-se um rumor na mídia européia que os principais clubes deste continente, unidos e organizados através da sua recente criada organização denominada ECA (que veio a substituir o G14), estavam discutindo uma eventual separação da Uefa e o desenvolvimento de uma nova liga européia de clubes.

Essa notícia foi rapidamente desmentida por representantes da ECA, e também pelo presidente da Uefa.

Entretanto, apesar do aparente “fogo de palha” ou “falso alarme”, restou um interessante ponto a ser considerado: o poder dos clubes vs. o poder das federações. Quem venceria um embate desse nível?

Na hipótese de os clubes, algum dia, resolverem efetivamente levar a diante uma idéia como esta. Até que ponto isso seria bem sucedido? As Uefa, por exemplo, continuaria com a Liga dos Campeões sem os principais clubes?

E os jogadores, permaneceriam nos grandes clubes, ou optariam por migrar para os clubes menores para permanecerem dentro da família da Fifa? E como a Fifa intercederia nessa questão?

Como os canais de televisão se colocariam? E os torcedores?

São questões filosóficas e hipotéticas dentro do mundo do futebol profissional. 

Mas isso poderia mesmo acontecer na prática? Fica a questão no ar.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Por que a Inglaterra rejeitou a Carteira de Torcedor?

Antes de mais nada, não acredito que o projeto da Carteira do Torcedor será implementado. A rejeição à idéia e os empecilhos técnicos e práticos são tão grandes que acho difícil que o discurso passe da sua fase retórica. 

De qualquer maneira, é preciso aplaudir a intenção do Governo Federal. Pelo menos, mostram preocupação com o estado dos estádios do Brasil e com a integridade do torcedor. Tornar a ação de cambistas e os tumultos dentro do estádio em crimes, além de elevar o nível de exigência estrutural dos estádios, é salutar.

O cadastramento de torcedores, porém, pode ser um grande equívoco. E não estou dizendo isso baseado em um “achismo” qualquer ou considerando algumas variáveis soltas para a construção de um pensamento superficial. Não. Estou reproduzindo o que foi dito por um dos maiores responsáveis pela melhoria de segurança dos estádios britânicos, Peter Murray Taylor, também conhecido como “Lord Justice Taylor”.

Estudos sugerem que o hooliganismo sempre existiu no futebol britânico, mas começou a ficar em maior evidência a partir dos anos 60, atingindo seu ápice em 70 e 80. A escalada de violência nos estádios do Reino Unido foi tamanha que começou a afetar não apenas os residentes locais, mas também a ter consequências para a Europa continental. Por conta disso, o hooliganismo arranhou a imagem internacional do Reino Unido, que passou a ser visto por todos como um país de violentos arruaceiros. 

Não ajudou em nada a Tragédia de Heysel, uma briga generalizada entre torcedores do Liverpool e da Juventus em 1985, que resultou em 39 mortes. O problema para o Reino Unido foi que desses 39 mortos apenas um era britânico. Outros dois eram franceses, quatro belgas e, pasmem, 32 eram italianos. Foi um massacre britânico. Logicamente que o Reino Unido passou a ser mal-visto pelos seus vizinhos.

Insuflada por esse acontecimento, a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher disse que o hooliganismo tinha se tornado “um problema crônico” na ilha. Algo precisava ser feito. E, condizendo com a sua própria ideologia da redução da liberdade individual e aumento do controle do Estado sobre o cidadão, a “Dama de Ferro” sugeriu a criação da carteira de identidade dos torcedores de futebol (National Membership Scheme) no Football Spectators Act (FSA), em 1989.

A reação da opinião pública foi imediata. O argumento principal contra a medida se baseava na crítica à ideologia da proposta, de identificar o cidadão perante o Estado. Afinal, por que o Estado precisa saber se você vai ou não a um jogo de futebol? Não fazia sentido.

Poucos meses depois da divulgação do FSA, aconteceu a maior tragédia do futebol britânico. Na partida válida pelas semifinais da FA Cup entre Liverpool e Nottingham Forest, no estádio de Hillsborough, do Sheffield Wednesday, 96 torcedores do Liverpool foram massacrados contra as grades que separavam a arquibancada do campo. A mídia tratou de achar culpados para o massacre. A culpa, dizia-se, era dos hooligans. Estava tudo fora de controle. Eles precisavam ser contidos. 

Para apurar de forma mais detalhada o que de fato havia levado 96 pessoas à morte, o governo lançou uma investigação que foi conduzida pelo supracitado “Lord Justice Taylor”. Ao analisar com profundidade os fatos, Taylor concluiu que o problema em si não era os torcedores, mas sim as estruturas que atendiam essas pessoas. Muito pior do que os hooligans, era a situação dos estádios britânicos. Como exigir que as pessoas possam se comportar de maneira civilizada em um ambiente que não oferece as menores condições de higiene e segurança?

Para evitar que novas tragédias como Hillsborough viessem a se repetir, Taylor elaborou um documento com uma série de recomendações, que ficou conhecido como Taylor Report. Dentre essas recomendações – que incluíam a obrigação da colocação de assentos para todos os lugares do estádio, a derrubada das barreiras entre a torcida e o gramado e a diminuição da capacidade dos estádios – estava o cancelamento do projeto da carteira de identificação dos torcedores. De acordo com Taylor, era bastante possível que a carteira de identidade viesse a aumentar o problema da violência, e não o contrário.

Além dos questionamentos sobre a real capacidade dos clubes conseguirem colocar em prática um sistema confiável de seleção de torcedores e sobre a confiança na tecnologia que seria utilizada, o argumento se baseava na idéia de que a carteira de identidade para torcedores não era uma ação focada na segurança, mas sim na violência. E as tragédias nos estádios não era uma questão de violência, mas sim de segurança. A própria polícia inglesa, que teoricamente seria a grande beneficiada com a carteira, rejeitou o projeto, que, por conta de tudo isso, foi abandonado.

E é aí que talvez resida o grande equívoco do projeto das carteirinhas do torcedor no Brasil. É lógico que o problema da violência é grande, mas muito pior é o problema da insegurança. Como exemplo, a última grande tragédia do futebol brasileiro, o buraco nas arquibancadas da Fonte Nova, só aconteceu porque o estádio estava literalmente caindo aos pedaços. Naquela situação, a carteirinha de identificação não teria salvado as vítimas. Uma melhor fiscalização nas reais condições do espaço e o fornecimento de uma estrutura apropriada para o público, certamente que sim.

É imprescindível que o Governo Federal busque maior aprofundamento para saber as reais consequências do estabelecimento da Carteira do Torcedor, sob risco de criar um monstro muito maior do que o atual.

Muitos dizem que, no Brasil, o torcedor é tratado como animal. E quem é tratado como animal, age como animal. Caso nada seja feito para melhorar a qualidade das estruturas e do serviço dos estádios do Brasil, o torcedor continuará sendo um animal, só que com uma carteirinha. Um animal oficialmente reconhecido pelo governo.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Terceirização de serviços

Parceria é a palavra coqueluche atualmente. A palavra técnica mais recomendada, em alguns casos, seria licenciamento de uso da marca. Mas isso é assunto – e dos bons – para outro dia. 

Muito disso advém da necessidade econômica vivenciada pelos clubes, o que lhes limita a capacidade de investimento e reinvestimento visando perenizar e aumentar as fontes de receita.

Associada a esse fato está a histórica falta de tradição em gerir bem e profissionalmente estas instituições que movimentam muitos interesses e dinheiro ao seu redor.

Vale dizer, num ambiente onde falta dinheiro e falta conhecimento técnico para que as coisas sejam feitas diretamente pelos interessados, haverá margem para que surjam outros interessados em realizar negócios e lucros.

Alguns exemplos para ilustrar a terceirização de serviços/negócios no futebol nacional possibilitam enxergar este quadro de forma pragmática, sem demonizar nem considerar como tábua da salvação.

Na maioria dos casos, existe um investimento financeiro inicial dos parceiros “terceirizados”, com conseqüente divisão de receitas futuras com os clubes sobre dado acordo firmado em torno dos projetos.  

O Coritiba havia deixado a cargo de uma empresa a organização de “peneiradas” e testes de seleção para as categorias de base; atualmente, o plano de captação de sócios é conduzido por uma empresa parceira; o projeto do novo estádio também está nas mãos da W Torre, a mesma empreiteira que possui acordos com Palmeiras e Avaí.

Canais de web TV, tais como a TV Fla e a TV Timão também estão nas mãos de produtoras especializadas, num acordo que prevê divisão decrescente de receitas, visando uma fatia maior para o clube ao término do período de implantação do projeto.

Outro ramo de atividade que pode crescer são as agências de viagens especializadas em atender à massa de torcedores dos clubes, interessadas em pacotes turísticos temáticos e no seguimento dos jogos fora de casa.

Podemos mencionar também a terceirização da comercialização de camarotes, particularmente interessante na chamada “hospitalidade corporativa”, dirigida às empresas para ações de marketing de relacionamento, além da gestão da venda de ingressos via web ou nas bilheterias dos estádios.

Finalmente, até a formação de jogadores e os departamentos de futebol são alvos deste fenômeno no mundo dos negócios da bola.

O Atlético Paranaense, até este ano, possuía acordos comerciais com clubes e centros de formação de atletas, no qual tinha preferência/exclusividade na seleção de novos talentos. No caso mais emblemático, as categorias pré-infantil e infantil eram administradas por um clube amador local, criado especialmente para este propósito.

O Paraná Clube mantinha, até 2008, acordo com uma empresa responsável por boa parte da política de contratações do futebol profissional.

O mais importante neste cenário, digamos, de transição entre uma realidade amadora e um panorama que cobra profissionalização administrativa e visa dar maior fôlego financeiro para que o clube seja mais independente de terceiros é a tomada de decisão bastante criteriosa nas escolhas dos clubes.

De certa maneira, não se trata de discutir tanto sobre as razões que levam os clubes a abrir mão da gestão direta dos negócios e realizá-los com os parceiros. 

É mais uma preocupação sobre o que destinar aos parceiros e como os acordos são feitos, com contratos absolutamente bem amarrados e com equilíbrio de direitos e obrigações, por parte dos clubes e dos “terceirizados”.

O que não pode acontecer, jamais, é a raposa cuidar do galinheiro…

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Trekking e futebol

Olá amigos. Na coluna de hoje aproveito para fazer uma analogia nada convencional entre práticas complemente distintas, mas que nos permite refletir sobre possibilidades de intervenção no futebol à luz de perspectivas diferentes, ou de enxergar e otimizar o que já é evidente através de um olhar diferente.

Não é pretensão aqui comparar valências físicas, estratégias, nem princípios operacionais do trekking com o futebol. A idéia é ilustrar como a organização e a estrutura de uma equipe nesta modalidade de aventura ou meio ambiente (como queiram), pode dar exemplos de organização, processo e atualização tecnológica, esta última no sentido de aceitar e incorporar a tecnologia não como solução dos problemas, mas como facilitadora e ferramenta de otimização.

Não sou um ‘expert’ em trekking. Confesso que comecei essa prática no inicio de 2008 e, apesar dos pesares, acabei me tornando um aventureiro (pelo menos uma vez por mês), desde então.

Para os mais perdidos do que eu, trekking, dentre as suas definições, é um enduro a pé de regularidade, caminhando em trilhas, seguindo orientações de uma planilha, em que o importante, além do contato com a natureza, não é chegar mais rápido, e sim passar nos pontos determinados, o mais próximo possível do tempo estipulado… Nem antes, nem depois.

Pois bem, as equipes, geralmente, são compostas de três a seis pessoas, e as suas funções são bem especificas, podendo ser acumuladas, ou ainda, realizadas por dois integrantes para ter sempre uma segunda opinião. São elas (me desculpem os mais ‘experts’ se faltar algum detalhe mais aprofundado, mas acredito que dê para compreender o objetivo da comparação):

Navegador: responsável pela leitura da planilha (mapa), identificando direções e rotas a seguir.

Cronometrista: responsável pelo controle do tempo e da velocidade, de acordo com as metas estipuladas na planilha, para evitar que se percam pontos, passando muito antes ou muito depois do tempo previsto.

Contador de passo: a planilha indica as distâncias em metros e, como não é permitido levar uma trena ou algo que faça essa mensuração, converte-se os metros em passos, de acordo com o tamanho da passada do participante, variando ainda o tamanho de acordo com subida, descida, deslocamento em água, etc.

Bússola: responsável por identificar os pontos exatos e fazer a mensuração do sentido a seguir.

Outras: fazer a conexão com o posto de controle, cálculos de conversão, etc.

Eis a primeira lição que poderemos tirar para o futebol, sobretudo sobre como pensarmos em uma equipe de comando (comissão técnica). Quem é o mais importante e tem a palavra final?

No caso, eu sou o líder da equipe, mas minhas atribuições, enquanto líder, são apenas inscrever o time. No mais, encho as garrafinhas de água e separo as barras de cereais.

Não há uma figura que tome a decisão final. Dentro de cada função, a decisão é absoluta daquele que é responsável por ela. Para a navegação, nem o contador de passo, nem o cronometrista ficam dando opinião e ou vetando as decisões. E é assim com cada função.

O amigo pode fazer a seguinte pergunta: Mas, e quando há discordância ou dúvidas? E se eu achar que ele está errado? Não seria importante a figura de um líder que tenha a última palavra em tudo?

A divisão de funções e responsabilidades deve ser respeitada. Primeiro, porque ao distribuir as responsabilidades, permite-se que alguém se dedique com maior profundidade àquela função.

É difícil, tanto no trekking, e mais ainda no futebol, alguém com tamanho poder de decidir tudo (hoje as coisas não funcionam assim, dá-se muita atenção para a figura de uma única função da comissão técnica), pois são tantas as variáveis que influem no jogo, que se torna uma tarefa complexa para uma pessoa só. Além disso, se existe essa dedicação não se pode tomar uma decisão estando alheio àquela especificidade. Há o dialogo, o questionamento, mas tudo como forma de conferência, e não como decisão final, pois ela cabe àquele que está voltado especificamente para determinado aspecto.

Essa divisão de tarefas, muitas vezes, é discutida e até tentada no futebol, mas, porque sempre temos de ouvir e dar razões aos boleiros que dizem que se não resultar em gol, nada tem importância?

Olhando o exemplo do trekking, vejo uma resposta: a divisão das tarefas envolve, também, a divisão das responsabilidades, mas, no futebol, nem sempre, ou quase nunca, elas se acompanham. Dividem-se as tarefas e funções, mas a responsabilidade, seja por opção de quem cobra, seja por opção daquele que é cobrado, não é dividida, e acaba-se por cair na necessidade de tomar uma decisão estando superficialmente inserido nas especialidades.

Se a tarefa e a responsabilidade estivessem igualmente dividas, a decisão é daquele que estiver imerso no assunto, permitindo que cada função seja desenvolvida de forma profunda e coerente, e não apenas na superfície.

O outro aspecto é a inserção da tecnologia. Daí, busco exemplos também na nossa experiência nessas ‘aventuras’, focando especificamente a função de contador de passos.

Nas primeiras provas, íamos contando o passo de cabeça, sem o costume, sem experiência, sem conhecer a prática. Não sabíamos o trabalho e o poder de concentração que isso exigi
a, e depois de duas horas de prova, quando o cansaço batia, o quanto era difícil contar as passadas na cabeça. Mas, fomos lá, conseguimos terminar a prova, um bom sinal.

Mais ‘experientes’, nas provas posteriores, adquirimos um instrumento mecânico de contagem de estoque. Assim, para cada passada, apertando uma espécie de alavanca, registrava-se o número de passadas.

Simples, nada mirabolante em termos de função, nada novo. Afinal, o que se fazia antes era contar os passos de cabeça, agora era apertar e verificar o número. As decisões e o controle das ações permaneciam conosco.

O amigo pergunta: Mas e aí, mudou algo? Mudou! O fato de poder conversar sem perder a contagem ajudou no diálogo e no suporte para que outros membros da equipe pudessem compartilhar informações, sempre tendo em si a figura de decisão na sua função, mas que, ao trocar informações com o contador de passos, puderam validar e conferir suas interpretações.

Agora, nosso próximo passo (sem o trocadilho do tema) é adquirir um instrumento digital que faça essa contagem de passos, necessitando ainda do clique manual, mas que já tenha integração com a planilha de navegação da prova e de velocidade. E, ao contrário do que parece, não vai tirar a função do navegador nem do cronometrista, porque vai apenas emitir um sinal sonoro da velocidade necessária, tornando os cálculos do cronometrista mais precisos e o controle mais fácil, além de seguir as informações do navegador que é quem insere os dados.

No futebol, trago um exemplo recente, respeitando as identidades dos envolvidos. Certo profissional, ao conhecer um produto de fornecimento de informações estratégicas de futebol, disse estar fascinado com a ferramenta, mas que não poderia contar com esses serviços, porque um familiar dele perderia o emprego, já que era o responsável pelas informações de jogo (observação do adversário).

Eis o exemplo que fica, para tornar mais claro, retomando nossa modalidade de aventura.

Se, ao decidir pela aquisição do instrumento para contagem mecânica dos passos, tivéssemos essa mentalidade, e optado por não comprá-lo, com certeza, nas provas futuras, teríamos encontrado dificuldades. Chegaríamos ao final, mas, assim como nas primeiras provas, nas ultimas posições. Ao passo que, o instrumento foi adquirido, nós não demitimos o contador de passo, justamente porque, nele, está a competência de manter uma passada regular e constante, é ele que controla a distância e a precisão do deslocamento por meio da sua consciência corporal e domínio do espaço, e agora, com o instrumento fazendo a contagem mecânica que ele tinha de fazer mentalmente, está mais livre para coordenar e desempenhar as habilidades e competências de sua função, e, por incrível que pareça, vieram alguns pódios nas provas seguintes.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Os ensinamentos de “Boleiros”

Sim, confesso, ainda estou em dívida com o grande Ugo Giorgetti. Não assisti ao “Boleiros 2”. E um dos motivos é porque tenho um grande receio de não me apaixonar pela continuação daquele que é até hoje a melhor tradução da essência do futebol de São Paulo.

Para quem não viu, “Boleiros”, o primeiro filme de Giorgetti, é daqueles para ver, rever, realugar na locadora, re, re, re… Porque ele sintetiza o que de melhor e de pior tem no universo do futebol que tanto nos encanta.

Aliás, poderia ser hoje o filme a ser exibido em sessão mais do que extraordinária na casa do garoto Neymar, de 17 anos, nova estrela do time do Santos. Ou, então, virar um programa bacana no apartamento de Fred, o reforço goleador do Fluminense. Ou ocupar pelo menos um pedaço da sempre longa noite de Ronaldo, o cracaço global do Corinthians.

Mas, também, deveria ocupar a prateleira da videoteca (ou DVDteca, como preferir) dos colegas jornalistas e, também, dos empresários e aspirantes a empresários de jogador de futebol. 

Neymar fez gol no Pacaembu, em seu terceiro jogo pelo Santos. Já o projetam utilizando a 7, a mesma camisa que foi de Robinho e que recolocou o Peixe no mapa futebolístico pós-Pelé. O garoto é bom de bola, mas ainda está mais para o Azul, aquele personagem de uma das tantas e maravilhosas histórias contadas no “Boleiros”, do que para um Robinho ou, quem sabe, um Ronaldo (Pelé não vale!).

Quem não está entendendo patavinas, segue uma breve sinopse da história do Azul. Meio-campista da Portuguesa, ele arrasa numa partida, faz um golaço (no filme, é a reprise daquele antológico gol de Denner, pela Lusa, contra a Internacional de Limeira, no Paulistão de 1992) e vira, de uma hora para a outra, o astro do futebol nacional. 

Azul é chamado para todas as mesas-redondas daquela noite, ao mesmo tempo em que é perseguido pela ex-namorada (a Neidinha, maravilhosamente interpretada pela Denise Fraga) e “alugado” pelo empresário, que de todas as formas tenta negociá-lo com um time da Itália. 

Neymar fez um gol, Fred teve uma ótima estreia contra o inexpressivo Macaé. Ronaldo está ainda voltando a ser um jogador de futebol.

Mas a imprensa já pinta e borda os três como os grandes salvadores da pátria de Santos, Flu e Corinthians. Ainda é prematuro prever qualquer coisa. Só dá para dizer que os três são capazes de se tornarem importantes para os seus times em 2009. 

Mais do que isso é puro chute. Daqueles que só os pernas de pau conseguem fazer. Ou que só a imprensa, sedenta por ídolos, é capaz de criar. 

Falta um pouco mais de Azul na preocupação da cobertura jornalística. Ou, pelo menos, um pouco mais de cultura cinematográfica para vermos, de uma forma simples, como a mídia é capaz de criar e destruir ídolos. Tudo pela eterna mania de precisar dar uma opinião definitiva logo no primeiro encontro. O tempo pode fazer do céu azul. Para isso, deveríamos lembrar cada vez mais da história do Azul…

Para interagir com o autor: erich@149.28.100.147

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Os ensinamentos de "Boleiros"

Sim, confesso, ainda estou em dívida com o grande Ugo Giorgetti. Não assisti ao “Boleiros 2”. E um dos motivos é porque tenho um grande receio de não me apaixonar pela continuação daquele que é até hoje a melhor tradução da essência do futebol de São Paulo.

Para quem não viu, “Boleiros”, o primeiro filme de Giorgetti, é daqueles para ver, rever, realugar na locadora, re, re, re… Porque ele sintetiza o que de melhor e de pior tem no universo do futebol que tanto nos encanta.

Aliás, poderia ser hoje o filme a ser exibido em sessão mais do que extraordinária na casa do garoto Neymar, de 17 anos, nova estrela do time do Santos. Ou, então, virar um programa bacana no apartamento de Fred, o reforço goleador do Fluminense. Ou ocupar pelo menos um pedaço da sempre longa noite de Ronaldo, o cracaço global do Corinthians.

Mas, também, deveria ocupar a prateleira da videoteca (ou DVDteca, como preferir) dos colegas jornalistas e, também, dos empresários e aspirantes a empresários de jogador de futebol. 

Neymar fez gol no Pacaembu, em seu terceiro jogo pelo Santos. Já o projetam utilizando a 7, a mesma camisa que foi de Robinho e que recolocou o Peixe no mapa futebolístico pós-Pelé. O garoto é bom de bola, mas ainda está mais para o Azul, aquele personagem de uma das tantas e maravilhosas histórias contadas no “Boleiros”, do que para um Robinho ou, quem sabe, um Ronaldo (Pelé não vale!).

Quem não está entendendo patavinas, segue uma breve sinopse da história do Azul. Meio-campista da Portuguesa, ele arrasa numa partida, faz um golaço (no filme, é a reprise daquele antológico gol de Denner, pela Lusa, contra a Internacional de Limeira, no Paulistão de 1992) e vira, de uma hora para a outra, o astro do futebol nacional. 

Azul é chamado para todas as mesas-redondas daquela noite, ao mesmo tempo em que é perseguido pela ex-namorada (a Neidinha, maravilhosamente interpretada pela Denise Fraga) e “alugado” pelo empresário, que de todas as formas tenta negociá-lo com um time da Itália. 

Neymar fez um gol, Fred teve uma ótima estreia contra o inexpressivo Macaé. Ronaldo está ainda voltando a ser um jogador de futebol.

Mas a imprensa já pinta e borda os três como os grandes salvadores da pátria de Santos, Flu e Corinthians. Ainda é prematuro prever qualquer coisa. Só dá para dizer que os três são capazes de se tornarem importantes para os seus times em 2009. 

Mais do que isso é puro chute. Daqueles que só os pernas de pau conseguem fazer. Ou que só a imprensa, sedenta por ídolos, é capaz de criar. 

Falta um pouco mais de Azul na preocupação da cobertura jornalística. Ou, pelo menos, um pouco mais de cultura cinematográfica para vermos, de uma forma simples, como a mídia é capaz de criar e destruir ídolos. Tudo pela eterna mania de precisar dar uma opinião definitiva logo no primeiro encontro. O tempo pode fazer do céu azul. Para isso, deveríamos lembrar cada vez mais da história do Azul…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br