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Guerra e paz nas Copas do Mundo

Por diversas vezes, devido a seus excessos de euforia, socorri Arnaldo, o bagre, estrebuchando fora do lago, sufocando; episódios perigosamente recorrentes após pronunciamentos de Ricardo Teixeira, da CBF e de Carlos Nuzman, do COB, de quem ele é admirador compulsivo e incondicional. Na última terça-feira, 11 de maio, aconteceu novamente. Voltava eu de uma caminhada pelos arredores, quando me sobressaltou a gritaria dos morceguinhos, alvoroçadíssimos porque Arnaldo, de tanto dar cabriolas, caíra fora do lago e já lhe faltava o fôlego. Corri e empurrei-o de volta à água, onde ele pôde respirar. Eu até havia esquecido que Dunga convocaria a seleção brasileira para a Copa da África do Sul na tarde de terça e esse foi o motivo do entusiasmo superlativo do bagre. Quando recuperou o fôlego, Arnaldo disse ao meu ouvido, de maneira quase inaudível: “Graças a Deus, ele manteve o grupo”.

Deixei-o. Às vezes perco a paciência com Arnaldo e sua obsessão por autoridades, isto é, por algumas delas. Atualmente é Deus no céu e Dunga na terra. O bagre nunca me perdoou ter criticado a contratação de Dunga, pela CBF, para ser o técnico da nossa seleção; alguém que nunca tinha sido técnico de coisa alguma antes. Ele, que agora alega não convocar alguns craques por faltar-lhes experiência, a mesma que não tinha quando assumiu o comando da seleção.

Dei de cara com minha amiga coruja, surpreendentemente feliz.

– O que houve Aurora, gostou tanto assim da convocação do Dunga? – perguntei.

– Não, gostei da convocação do Felipão – ela respondeu.

– Como assim?! Que eu saiba, o Uzbequistão, onde ele é técnico, não vai à África do Sul.

Aurora me contou que assistiu à convocação da seleção brasileira de futebol pelo canal Z33 de sua TV, aquele que transmite só o que a gente quer, que realiza nossos sonhos e desejos. No gol, Júlio Cesar, Marcos e Rogério Ceni. Depois Maicon, Daniel Alves, Michel Bastos, Roberto Carlos (Daniel Alves poderia jogar pela direita ou pela esquerda), Lúcio, Juan, Miranda, Tiago Silva, Hernanes, Felipe Melo, Lucas, Ganso, Kaká, Elano, Diego, Robinho, Luis Fabiano, Nilmar, Neymar e Messi (na TV Z33 Messi é brasileiro… e Deus também). O técnico da seleção brasileira, Felipão; Dunga, o da Argentina.

– Soube da última invenção de moda dos morcegos? – perguntou Aurora.

– Não, não soube – respondi.

– É melhor você se informar. Essa euforia sobre Copa do Mundo na África do Sul, você sabe como os morceguinhos são fanáticos, mais os arroubos patrióticos de Arnaldo, resultaram na ideia de fazer, aí na sua caverna, um grande campeonato de fruitbol – disse a coruja.

Fui me informar com Oto, meu amigo morcego. Era verdade, e mais grave do que eu pensava. Inventaram de fazer uma Copa do Mundo de fruitbol, aquele jogo que já descrevi anteriormente, em que os morceguinhos passam uma frutinha redonda de boca em boca, de asa em asa, tentando encaixá-la num buraco da parede da caverna. A sede seria em nossa região, pelo pioneirismo da iniciativa. E, pior: as tratativas para o evento vinham de longa data, desde que o Brasil se classificou para a Copa da África do Sul. Emissários haviam sido mandados a todos os continentes. Oto e seus amigos morcegos pediram ajuda aos trinta-réis. Esses pequenos pássaros concordaram (porque também são apaixonados por esporte) em desviar alguns emissários de sua rota norte- sul-norte, para a Europa, Ásia, África e até Oriente Médio. Para surpresa da morcegada nativa, seis equipes européias confirmaram participação, além de duas asiáticas, uma do oriente médio e quatro africanas. Somadas às delegações dos Estados Unidos, México, Paraguai, Brasil e Argentina, teríamos uma Copa do Mundo de Fruitbol com 18 seleções. Era preciso, portanto, convocar a seleção brasileira.

– Mas Oto – choraminguei -, e vocês nem me consultaram?

– Olha Bernardo, você seria contra, a gente sabe. Então decidimos fazer tudo sem você saber, até não ser mais possível voltar atrás. Já providenciamos tudo – respondeu o morcego.

E o técnico, quem seria o técnico? Para minha surpresa, Oto revelou que seria Arnaldo, o bagre cego, porque, para a maioria dos morcegos, reunia diversas qualidades: era cego, não era morcego, de meia-idade, disciplinador e cauteloso. E carregava na bagagem a experiência de observador privilegiado de diversos jogos da Cavernada, aquele campeonato entre os morcegos das cavernas de nossa região. Bem que alguns dos morceguinhos de nossa caverna, bairristas, tentaram impor Oto, meu amigo e mensageiro morcego, afinal, o técnico campeão da Cavernada, mas os outros quirópteros viram isso com desconfiança.

Hora de fazer a lista de convocados. Arnaldo pediu informações sobre jogadores de outras regiões. Quem mais praticaria fruitbol neste país? Observadores foram enviados. Que o Rio e São Paulo fossem observados especialmente, depois Rio Grande do Sul e Minas. A lista chegou uma semana depois: só uma equipe em São Paulo, uma em Minas e nenhuma no Rio ou Rio Grande do Sul. Vinte e três morcegos seriam chamados. Clima tenso, Arnaldo isolou-se, as cobranças vinham de todos os lados, cada qual tinha seus jogadores favoritos. Finalmente o bagre me chamou e anunciou que a lista seria proclamada na noite da próxima quinta-feira. Avisei os mamíferos voadores e os mensageiros saíram anunciando a boa nova.

Quinta-feira, nove da noite, o salão da caverna repleto. Arnaldo mandou dizer que não daria entrevistas, apenas anunciaria os nomes e mergulharia no lago. Com voz cavernosa definiu, um a um, cada posição e os jogadores correspondentes convocados. Gritaria geral, protestos; vários jogadores aclamados estavam fora da lista, principalmente os dois grandes craques da caverna de baixo, dois jovens talentos. Arnaldo não conseguiu evitar uma coletiva; os morcegos davam rasantes sobre o lago e faziam tal agitação que ele teve que subir e atender os postulantes
.
Está bem – ele disse, – escolham dez representantes, cada um com direito a uma pergunta.

– Estou plenamente de acordo com sua convocação Arnaldo – disse o primeiro representante -. Quando vocês começam os treinos?

– Assim que chegarem os três convocados dos outros Estados – disse Arnaldo, – provavelmente, semana que vem.

– Por que você deixou fora da lista os dois meninos da caverna de baixo, um deles o artilheiro da Cavernada, o outro, o melhor armador que já surgiu no fruitbol? – perguntou o segundo representante.

– Ora, como vou me fiar em meninos que se destacaram ainda ontem? Como saber que não se trata apenas de um entusiasmo momentâneo, como tantos outros que, no futebol, surgem e desaparecem? Prefiro manter os jogadores mais tarimbados, gente que já provou ser de confiança – respondeu o bagre.

– Ser experiente foi seu principal critério para a convocação Arnaldo? – perguntou o terceiro representante?

– Não, além disso, valorizo muito o compromisso. O jogador tem que mostrar comprometimento. E tem que gostar da camisa, gostar do Brasil. E quero aproveitar para dizer que, daqui por diante, todos vocês têm que mostrar patriotismo, ser brasileiros, torcer por minha seleção – enfatizou Arnaldo.

– Não concordo com sua convocação Arnaldo. Ela é conservadora e seu time é retranqueiro. Você deixou de fora os dois melhores jogadores que temos no momento – disse o quarto representante.

– Vamos jogar como o time que venceu a Cavernada. O que importa é o resultado. Esse negócio de arriscar, de jogar bonito, não ganha campeonato – respondeu o bagre, com um sorrisinho irônico.

Os representantes se sucederam, alguns a favor, outros contra. Arnaldo manteve o sorriso irônico e instou todos a mostrarem patriotismo, apoiando a seleção. Para Arnaldo, não torcer contra a seleção é ser antipatriótico. Terminou dizendo que mandaria emissários especiais para convidarem o presidente da CBF e o do COB para assistirem à abertura e à final da I Copa do Mund
o de Fruitbol. Em meu canto, calado, calado fiquei, sabendo que tão nobres e atarefadas criaturas não poderiam deixar seus afazeres por um humilde joguinho de morcegos.

Os treinos começaram, secretos. Claro que Arnaldo só poderia dar treinos no salão principal de nossa caverna, pois do lago ele não poderia sair. Isso é o que eu pensava, pois logo ele providenciou com os morcegos mais fanáticos, um recipiente de vidro, um tipo de aquário, que poderia ser transportado sem muito esforço, para onde ele quisesse. Mais de duzentos morceguinhos se revezavam nessa tarefa. Foi assim que os treinamentos foram marcados para um salão mais profundo da caverna, longe dos olhares dos curiosos, principalmente, dos olhares suspeitos da imprensa especializada. A fantasia dos quirópteros viajava longe. Os olhos do mundo estavam todos voltados para a África do Sul, onde Dunga escondia-se da imprensa e soltava, todos os dias, dois de seus craques, devidamente instruídos, para responder aquilo que ninguém perguntava.

Entre os morcegos, também havia os encarregados da comunicação. Captada a notícia, ela era passada de guincho em guincho, atravessava as fronteiras do estado, e até mesmo do país. A ânsia por notícias era cada vez maior. Todos queriam saber da preparação de suas seleções, especialmente a da brasileira. E Arnaldo escondia-se; quando muito, deixava que os morcegos jornalistas olhassem pedacinhos de poucos minutos de cada treino. Em suas raras aparições, era resguardado pelos morcegos de sua guarda pessoal, os hematófogos, vulgarmente chamados de morcegos-vampiros.

Lá na África do Sul a Copa do Mundo de Futebol, a primeira realizada em continente africano, começou. Aqui na nossa caverna também. Eu já não tinha mais sossego e recorri a Aurora para me ajudar a encontrar um lugar onde pudesse dormir em paz. Durante o dia, eventualmente eu olhava estarrecido a algazarra em torno daquela competição de fruitbol. Assistia a alguns jogos e depois me refugiava na caverna de Aurora, assistindo à Copa do Mundo de Futebol pelo canal Z33, aquele que só mostra o que a gente quer ver.

Os quirópteros organizaram, para dezoito equipes, seis grupos de três equipes em cada. Isso tornaria o evento menos longo. Cada equipe, na fase de classificação, jogava duas vezes dentro de seu grupo. Porém, somente uma seria eliminada, restando doze para a próxima etapa, quando seriam formados quatro grupos de três, todas jogando entre si. Novamente uma delas seria eliminada, de modo que, na próxima fase, oito seleções restariam, jogando as quartas de final e semifinais em regime de mata-mata. As duas restantes jogariam a final.

Foi uma guerra. Não na primeira etapa, a de classificação. De fato, havia equipes muito fracas, logo desclassificadas, e ninguém ligou para isso. Porém, a partir da segunda etapa, os ânimos se acirraram. Nossa equipe perdeu dois jogadores, contundidos pela violência dos adversários europeus. Uma das partidas teve que ser suspensa por causa da violência na torcida. Vários torcedores morcegos tiveram que receber atendimento de emergência.

Na África do Sul a Copa seguia morna. Raros gols. A Jabulani deprimia-se, saudosa das redes. Técnicos viravam estrelas, ofuscando os craques; supremos, tudo se fazia à sua vontade. As seleções não eram mais dos seus países, mas de seus técnicos, como bem o disse o técnico brasileiro. E eles determinaram que o futebol mudou; já não é mais um esporte para fazer gols, mas para não tomar gols.

Na caverna, chegamos ao mata-mata. O que estava ruim, pior ficou. O time brasileiro fechava-se na defesa. No primeiro jogo das quartas de final, contra os morcegos holandeses, perdemos nosso volante, vítima da violência laranja. Dois holandeses foram expulsos e terminamos com uma vitória de dois a um na prorrogação. O jogo entre Estados Unidos e Iraque teve que ser adiado, tal a violência em campo, que descambou em pancadaria nas arquibancadas. Terminou no dia seguinte, com a vitória iraquiana, a portas fechadas, bem no fundo da caverna.

A Copa de Mundo de Futebol no continente africano chegava à fase decisiva. Os brasileiros caíram diante dos holandeses. Num momento de distração de Deus, em cujas mãos nossos heróis depositaram sua sorte, os laranjas marcaram duas vezes e mandaram os canarinhos para casa. A rede de televisão que acha que pode dizer o que os brasileiros pensam, guilhotinou Felipe Melo; precisamos de culpados. Arnaldo não pôde ocupar-se muito da seleção canarinho, ocupado que estava preparando a seleção brasileira de fruitbol. Porém, teve tempo para eximir Dunga e Ricardo Teixeira, seus ídolos, de qualquer culpa. Na coletiva dada aos mensageiros morcegos, reiterou sua disposição de seguir os passos do mestre Dunga. O time é meu, disse Arnaldo, vou trazer o caneco e calar a boca de todo mundo. No canal Z33, Felipão comemorava, com seus discípulos brasileiros, o hexacampeonato mundial de futebol. Na final, contra a Argentina, o Brasil fez um a zero, gol de Messi, nosso principal atacante. Refugiado na toca de Aurora, eu e a coruja vibramos com a conquista.

Em nossa caverna, a próxima partida seria pela semi-final, contra a forte e agressiva equipe argentina. Não assisti ao jogo, mas ouvi os guinchos; davam medo. Instaurava-se um clima de guerra. Eu temia o pior. Confessei meu temor a Aurora. Longe do chamado mundo civilizado, eu morava na caverna para viver em paz. Se aquilo continuasse assim, eu nunca mais teria paz. Aurora chamou-me e entrei com ela em sua toca. Sintonizado no Canal Z33, a TV transmitia uma entrevista de Mandela, coisa antiga, do tempo em que, libertado da prisão após vinte e sete anos, ele pacificava seu país.

– Vamos trazer Mandela para cá – disse a coruja. – Ele pacificaria nossos morcegos.

– Isso é impossível minha amiga. O Canal Z33 é só uma ilusão, é só aquilo que a gente quer que seja, e não o que é.

– Não importa – prosseguiu Aurora, – vamos convidá-lo. Podemos mandar um convite como se manda um emeio, e isso pode ser feito pelo Z33.

O jogo contra a Argentina terminou com a vitória brasileira, três a dois, mas o saldo foi trágico. Quatro torcedores morcegos mortos e vários feridos. Nossa equipe perdeu dois jogadores contundidos e um expulso. Para a Argentina foi pior: três de seus morcegos jogadores foram eliminados pelo árbitro, e um saiu contundido.

A final seria três dias depois. Como adversários teríamos a poderosa equipe do Paraguai. As torcidas se armavam, literalmente. Morcegos vampiros foram convocados de ambos os lados. Procurei Arnaldo e o adverti, mas ele estava mais cego que nunca. “Deus está do nosso lado”, ele disse. Tentei convencê-lo de que Deus não toma partido, não torce, não está nem para um lado nem para o outro, mas Arnaldo fechou-se, enrolado na bandeira brasileira. Se eles quiserem, terão, vociferou Arnaldo. Percebi que aquele campeonato não terminaria. Foi um erro fazê-lo, maior ainda de minha parte, que consenti. Imaginei que certos traços de caráter eram exclusivamente humanos. Procurei Aurora.

– Recebi resposta – disse Aurora, – e ele virá. Veja – e ela me levou à sua toca e mostrou na tela a resposta de Mandela.

– Como? – eu perguntei.

– Não se preocupe, ele virá.

Corri para a caverna e conversei com Oto. Alguma coisa de sua generosidade deveria ter restado. Eu estava certo. Oto confessou-se arrependido por ter tomado a iniciativa de realizar o mundial de fruitbol. O conflito extrapolava o campeonato e chegava aos países. Morcegos de ambas as nacionalidades se armavam. E não era só Oto que se preocupava, eram vários os morcegos que pensavam como ele. Formaram uma comissão para organizar a chegada de Mandela.

Dois dias depois estava tudo pronto. Enquanto, do lado dos contendores, uma verdadeira guerra se armava, do lado dos morcegos pacifistas, um ambiente favorável à recepção de Mandela criava-se. Um pequeno tablado do lado de fora da caverna foi montado, numa linda e arborizada colina. Eu só não sabia como o
líder sul-africano chegaria a nós, mas confiava em Aurora.

Três horas para o início da final, ou da guerra, como se previa. Morcegos de todos os tipos esvoaçavam na entrada da caverna. Arnaldo estava incomunicável, protegido por forte guarda de morcegos hematófagos. O sol se punha. De repente, uma nuvem escura, um leve farfalhar de asas. Tão grande e impressionante era aquela nuvem, que chamou a atenção de todos, os do lado da paz e os do lado da guerra. E aquela imensa nuvem pousou suavemente sobre a colina, e dela desceu uma figura majestosa. Era Mandela. Sorridente ele se posicionou sobre o pequeno tablado de madeira. O silêncio cobriu a região. Todos acorreram ao local. Notei que trouxeram o aquário de Arnaldo. Olhando fixamente os morcegos, como se pudesse olhar dentro dos olhos e do coração de cada um deles, Mandela repetiu os versos de William Ernest Henley:

– Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma.

– Tirem essa cara daí! Quem ele pensa que é para atrapalhar nosso campeonato? – gritavam os morcegos, enquanto alguns sussurravam para outros, É o Mandela, é o Mandela, aquele do filme, eu sei por que passou no cinema onde às vezes vou caçar mariposas. E Mandela, impávido, prosseguiu:

– Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.

– Conversa – gritou um hematófago – olha só o preconceito que os morcegos têm com os hematófagos, só porque a gente gosta de sangue, mas a gente não faz mal a ninguém. E esses paraguaios, o tanto que já judiaram da gente. Hoje é o dia da vingança.

Mandela olhava para todos eles quase sem piscar. Olhava dentro dos olhos deles. Olhava diretamente para o morcego que gritava. Até que o hematófago foi se acalmando, silenciando, e se aquietou. Então o grande líder prosseguiu:

– Não é valente o que não tem medo, mas sim o que sabe dominá-lo.

– Valente é quem tem coragem de enfrentar os paraguaios, quem não afina – disse um morceguinho.

– Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viver como irmãos. O amor chega mais naturalmente ao coração do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta – disse Mandela, e falou isso lentamente, pausadamente, dirigindo-se, não mais aos ouvidos afiados dos morcegos, mas aos seus corações. E isso fez com que todos se calassem, e ninguém quis mais falar.

Em seguida Mandela disse que precisava se retirar, ir embora, ele estava cansado. Mas queria que os morcegos se misturassem, que jogassem fora as armas. Se quisessem jogar brasileiros e paraguaios, que não fossem brasileiros contra paraguaios, mas uns com os outros.

Nesse momento notou-se um movimento maior entre os morcegos, mas um movimento calmo, lento. A comissão técnica do time brasileiro trouxe para perto de Mandela o aquário de Arnaldo. Ao lado estava o técnico da equipe paraguaia. E, nas asas de alguns deles, a taça, o troféu que caberia ao campeão. Os pequenos morcegos levantaram vôo com a taça nas mãos e a entregaram a Mandela. Disseram que jogariam, jogariam sim, mas não mais pelo troféu, mas por outros motivos, por coisas maiores, para que o fruitbol fizesse bem a eles, para que fosse uma festa. Mandela apenas sorriu, pegou a taça nas mãos, a nuvem escura envolveu o grande líder africano e levantou vôo com ele. Lentamente a multidão de morcegos, todos misturados, entrou na caverna e jogaram seu jogo final em paz. Eu nunca soube quem venceu.

*Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.

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Holanda vs Espanha, e a final da Copa: acidente de percurso, ou sinal dos tempos?

A Copa do Mundo Fifa de Futebol 2010 chega ao fim trazendo muito conteúdo para reflexão.

Como é o evento que reúne, em tese, as melhores seleções e os melhores jogadores do mundo, talvez possamos, treinando nossos olhares, aprender coisas muito importantes sobre o futebol (em todas as suas dimensões!).

No início da competição, muitas apostas no Brasil (quase como sempre). Grupos de investimentos davam como certo, que a Copa seria mais uma vez do selecionado brasileiro – com grande “vantagem” da equipe verde e amarela, sobre, segundo os mesmos grupos, Espanha (segunda com mais chances) e Inglaterra (a terceira da lista).

No final das contas, um famoso polvo alemão (que aponta vencedores e perdedores em jogos da seleção alemã; e acerta – inacreditável!), que vive em um aquário na Alemanha, parece ter tido mais sucesso com os resultados, mesmo sem fazer contas ou levar a sério palpites, do que os grupos de investimentos e seus cálculos mirabolantes.

Pois é. Nada de Brasil e muito menos de Inglaterra.

Espanha e Holanda chegaram à final, desbancando seleções que durante a competição foram se tornando favoritas, e que ficaram pelo caminho sem fazer jus às qualidades que lhes foram atribuídas pelos “pseudo-especialistas” de plantão.

As equipes sul-americanas, que passaram também a usufruir de algo que somente antes Brasil e Argentina usufruíam (explico: nesta Copa definitivamente, as equipes sul-americanas tiveram em seus times principais ou titulares, maior número de jogadores que hoje moram e jogam na Europa, treinando sob métodos e condições distintas daquelas de seus países de origem – privilégio (ou não?!) até pouco tempo, apenas de Brasil e de Argentina), e que em dado momento tiveram suas campanhas e performances festejadas, foram caindo aos poucos, até que sobrasse apenas a quase européia seleção uruguaia.

Algumas equipes com uma forte cultura para determinando modelo de jogo, nesta Copa, surpreenderam com mudanças – algumas com sucesso e outras nem tanto (algo que há tempos não se via). Para as que fracassaram (claro!), críticas, acusações e culpas. Para as que foram mais longe do que outrora, aplausos, elogios e heróis.

E a ciência da altíssima performance, necessária e contada pela tecnologia das filmagens, dos recursos de análise de imagem, da medicina que opera milagres e cura ossos quebrados, chegou à final, representada pela pedagogia do esporte, do treinamento desportivo integrado, onde o que é tático, físico, técnico, psicológico e sócio-cultural não se separa. Chegou à final representada pela seleção da Espanha, país que tem estudado e pesquisado a fundo questões que envolvem meios e métodos de treino no futebol, onde treinadores e cientistas se confundem em uma coisa só, onde teoria e prática não se separam; lugar em que o futebol é um ambiente riquíssimo para se aprender e produzir coisas novas.

Espanha e Holanda não chegaram à final por obra do acaso (certo Einstein?). Enquanto uma vem se construindo com bases sólidas em uma ciência que vê pelos óculos da complexidade, a outra faz do investimento em sua cultura de jogo, temperada por novas idéias e princípios, o ponto forte de sua jornada invicta.

Vença quem vencer, já ganhou o futebol, onde muitos ainda acreditam, não há mais nada para se “inventar”…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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Proteção de propriedades intelectuais

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Ontem tivemos a cerimônia de lançamento do emblema oficial da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

A partir de então, começa uma das grandes preocupações da Fifa em Copas do Mundo: a proteção desse símbolo e a tentativa de impedir o seu uso indevido por terceiros. O registro e a proteção de propriedades intelectuais, aliás, são dois grandes desafios de organizadores de mega eventos internacionais.

É preciso, de início, atentar para que os registros sejam feitos de forma a garantir a proteção no território desejado, e também a abrangência necessária.

Dessa forma, diversas são as marcas registradas pela FIFA em uma Copa do Mundo, incluindo aquelas nominativas (palavras), figurativas (desenhos ou figuras) e mistas (palavras estilizadas, misturadas com figuras).

No Brasil as marcas são registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, e gozam de proteção pelo período de dez anos, renováveis por iguais períodos. O registro é ato formal necessário para que se garanta a propriedade e proteção daquelas marcas.

Mas não é apenas esse o esforço da Fifa (e também do Comitê Organizador Local – COL). Passada a fase preventiva (registro), os organizadores passam para a fase de fiscalização e tomada de medidas extra-judiciais e judiciais para coibir o uso indevido de suas marcas.

Assim, é necessário que os agentes designados pela Fifa e COL façam uma fiscalização exaustiva e adotem uma estratégia de reação legal contra a má utilização dessas marcas.

Mas também a matéria não é tão clara quanto parece. Aqueles que procuram auferir lucro com o uso do “momento” da Copa do Mundo sem negociarem com os organizadores acerca do uso de suas marcas são muito criativos, e tentam, de toda forma, encontrar meios de contornar uma eventual ilegalidade.

É assim que produtos com os dizeres “Brasil 2014”, “Futebol 2014”, “Seleção”, “Hexa”, “Copa de Futebol”, entre outros, com a utilização simultânea das cores da bandeira brasileira, são produzidos e vendidos nos mais diversos pontos de distribuição do país.

Nos casos mais óbvios, em que o símbolo da Fifa, ou da CBF, ou os emblemas oficiais da Copa são utilizados sem autorização, fica mais fácil a reação legal. Por outro lado, para os casos menos diretos, como aqueles exemplificados acima, a confirmação das ilegalidades ocorrerá mediante a análise dos registros anteriormente efetuados no INPI ou outros órgãos internacionais competentes.

E, somente então, será possível verificar se os organizadores da Copa, através de seus representantes legais, conduziram os registros de marcas de forma apropriada.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Mais que uma Copa

Apesar da Copa do Mundo dominar o noticiário geral por cerca de um ou dois meses, ela possui um impacto relativamente pequeno no contexto geral da indústria. Pouca coisa que acontece em uma Copa do Mundo causa um efeito mais significativo no comportamento do negócio do futebol cotidiano. Nessa, por exemplo, a coisa mais impactante foi a decisão leviana da federação italiana em reduzir a cota de jogadores estrangeiros no país por conta da eliminação precoce da seleção no torneio. De acordo com a federação, isso se deu pela escassez de talento italiano no país decorrente do alto número de estrangeiros disputando o campeonato nacional. Obviamente, ela não leva em conta que dois dos quatro maiores provedores de jogadores do futebol europeu, França e Sérvia, também foram eliminados na primeira fase. E que a Alemanha, semifinalista, possui uma das ligas mais abertas ao mercado externo de toda Europa. De qualquer maneira, com a restrição de vagas a estrangeiros na Itália, o mercado de jogadores tem que se ajustar, e isso causa um pequeno efeito na indústria.

Mas nada tão grande quanto dois fatos que aconteceram com um só clube nesse último mês, o Barcelona. Esses sim têm potencial de causar alguns estardalhaços no mundo do futebol e têm sido meio que ignorados por conta de toda demanda de informação da Copa, que gera ícones da superficialidade como o Polvo Paul.

O primeiro deles é que, logo que a Copa começou, o Barcelona realizou eleições para presidente. E o clube, que ganhou tudo o que disputou nesses últimos anos, com um estilo de jogo que causa inveja por todo o planeta e que conta com os jogadores mais requisitados pelo mercado, se viu envolvido em uma disputa política que culminou com a eleição de Sandro Rossel, que fazia oposição ao Laporta. Ou seja, para um clube de futebol que é constituído no formato associativo, não basta encantar a todos e ganhar tudo se você não encanta seus sócios e ganha a eleição. Assim como você pode eventualmente perder tudo e desagradar a todos e ser re-eleito, caso você se contente em agradar quem vota na eleição.

A treta no Barcelona parece ser feia. Primeiro porque a eleição teve contornos de filme de ação, envolvendo espionagem, grampos telefônicos e tudo mais. Ao que parece, a situação era forma por alguns grupos independentes que se uniram para eleger Laporta. Na hora da sucessão, cada grupo tentou emplacar seu próprio candidato, o que diluiu os votos entre os eleitores da situação. Como a oposição só tinha um candidato, ela acabou levando de forma mais tranquila. Mesmo assim, Rossel foi eleito com 61,4%, o que corresponde a um pouco mais de 35.000 votos. Isso quer dizer que mesmo que a situação tivesse só um candidato, Rossel levaria o caneco mesmo assim.

A plataforma eleitoral de Rossel foi baseada na idéia de dar o Barcelona de volta aos seus sócios, uma vez que Laporta era visto como um presidente autoritário e exibicionista. Tamanho egocentrismo talvez seja o responsável por ter levado o Barcelona ao status que desfruta hoje. Mas, como todo caso de sucesso, sempre há um preço a ser pago. E o preço nesse caso foi caro por dois motivos. Primeiro porque custou à situação a perda do controle do clube. E o segundo motivo é tão ou mais importante do que a mudança de poder no clube e, tal qual, também foi ignorado pela imprensa em geral por conta da Copa do Mundo: ao que tudo indica, o Barcelona está na beira da falência.

O maior sinal de complicação financeira em um clube de futebol é o atraso de salário de jogadores, uma vez que esse é o custo mais básico do clube. Outras contas podem atrasar. Salário não. Quando atrasa, é porque todo o resto já está atrasado e não há mais de onde tirar dinheiro. E na terça-feira veio a informação de que o Barcelona teve que pegar 150 milhões de euros emprestados pra pagar salários atrasados. O clube que ganhou tudo e encantou a todos não conseguiu arcar com os altos salários de seus atletas e, principalmente, com os prêmios de conquista de campeonatos e não gerou dinheiro suficiente para arcar com suas despesas. No ano passado, quando o clube realmente ganhou tudo o que podia ganhar, o lucro ficou só em 8 milhões de euros, muito pouco para poder sustentar uma segunda temporada com manutenção de contratos e perda certa de performance.

Mas até aí tudo bem. Poderia ser só um problema de fluxo de caixa, coisa que faz parte do discurso oficial do clube sobre o atraso. Mas o risco do Barcelona está no contrato de transmissão que tem com a Mediapro, que subsidia boa parte da operação do clube. Há duas semanas, a Mediapro abriu um processo de falência e, diferente do Real Madri, o contrato do Barcelona com a empresa não tem proteção bancária. Ou seja, se a Mediapro afundar, o que ainda é incerto, ela leva o Barcelona junto. E se o Barcelona afundar, ele leva um monte de paradigmas de excelência de gestão de clubes de futebol com ele. Inclusive aqueles que norteiam a gestão da maioria dos clubes do Brasil. No fim, o futebol espanhol pode ter muito mais influência na dinâmica da indústria do futebol do que uma eventual conquista da Copa do Mundo.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Brasil de luto, Brasil revoltado! Uma aula tática holandesa

O luto pela derrota brasileira para a Holanda foi grande, comentado por todos, um misto de tristeza e revolta. Muito provavelmente o amigo deve pensar: “mais um comentando o fracasso, não agüento mais, é como se alguém que vem no velório de um ente querido e ao chegar fala ‘olá, tudo bem?’ Como se a própria situação já não deixasse claro que não está tudo bem”.

Mas vamos lá, o que gostaria de mostrar para o amigo é que mais do que achar vilões e culpados, precisamos aprender a reconhecer a superioridade do adversário, seja em situações de jogo, ou na análise do mesmo. O Brasil sempre culpa a si, pela arrogância de não se achar inferior aos outros.

Assim faço uma análise sobre os dados do jogo. E que não fiquemos na discussão de que analisar depois é fácil porque esses dados puderam ser acompanhados durante o próprio jogo, portanto, possível de serem prontamente interpretados.

O Brasil começou o jogo marcando bem a principal jogada holandesa, que eram os lançamentos de Sneijder para Robben.

Vejam como do primeiro tempo para os primeiros 20 minutos do 2º período, o técnico holandês, Bert Van Marwijk, percebe a marcação brasileira e muda a forma de jogar da equipe, o que surpreendeu a seleção brasileira.

Vejam que Sneidjer, o camisa 10 holandês, que atuou numa posição centralizada mais a esquerda no primeiro tempo, onde costuma realizar seus lançamentos para Robben durante a Copa, aproximou-se do setor direito para jogar mais próximo do camisa 11.

E não apenas isso, o técnico holandês posicionou Van Persie (9) por aquele setor. Criando uma triangulação para anular o forte trio de marcação que estava “treinadinho” para anular os lançamentos longos de Sneidjer para Robben, e também a penetração deste último trazendo a bola pelo meio.

Entre Felipe Melo, Michel Bastos e Juan, dois jogadores sempre marcavam o corte para dentro do Robben, um tentava o “bote” logo quando a bola chegava e outro ficava na cobertura do drible. Porém, quando Sneidjer e Van Persie se aproximam e o jogo fica curto e rápido, o Brasil se perde, chega atrasado nas jogadas e começa a cometer mais faltas, levando à substituição de Michel Bastos e expulsão de Felipe Melo.

Outro jogador ganha importância no jogo, embora tenha passado desapercebido, muito também pela sua fama de agressivo. Esse jogador foi o camisa 6, Van Bommel.

Confesso que sou fã desde jogador desde o PSV e também na época do Barcelona, quando fazia parte do meio-de-campo da equipe. Um jogador forte e viril, sem dúvidas, mas muito mal analisado por muitos como um jogador sem recursos. É um jogador com bom passe e cadência, um jogador tático. Nos primeiros minutos do 2º tempo vejam como ele recua para dar liberdade para Sneidjer.

Outro ator importante é a participação de Van Bommel no próprio jogo. Vejam, em termos de passes, ele assume importante papel na distribuição de bola da equipe no momento da virada holandesa.

Enfim, poderíamos alongar nossas discussões, mas creio que o texto já ficou longo. Porém, espero ter ilustrado para os colegas leitores o quanto um recurso de análise pode mostrar situações que podem ter sido determinantes no jogo.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Não existe ideal

Em 2006, a “culpa” da derrota brasileira na Copa do Mundo foi a falta de vontade dos jogadores, o excesso de estrelismo e a falta de patriotismo. Quatro anos depois, o Brasil fez tudo diferente. Rigor a toda prova, reclusão, jogadores distantes do holofote, da badalação ou de qualquer coisa que o valha. E o resultado foi, simplesmente, o mesmo: derrota nas quartas-de-final da Copa do Mundo.

O que fica de lição depois de quatro anos e mais um fracasso acumulado em Mundiais? O mais evidente deles, para mim, é de que não existe um modelo ideal, fechado, para ser o campeão do mundo. Como bem disse Johann Cruyjff, após a dolorida derrota holandesa de 1974, a Copa do Mundo é uma competição que premia o melhor time após sete partidas.

Não é nada além disso. Não existe fórmula a ser seguida.

O maior problema com a seleção de Dunga foi não ter contado com os 23 melhores jogadores do país na atualidade. O treinador, agora ex, foi fiel a quem lhe foi imprescindível durante a escalada rumo à Copa do Mundo. Só que ele se esqueceu do básico: levar um time que fosse capaz não de ser fiel a qualquer princípio, mas que soubesse ganhar quando fosse necessário.

A Holanda, que derrotou o Brasil nas quartas, comportou-se até agora de forma muito distinta daquela exigida por Dunga. Os jogadores holandeses, volta e meia, passeiam pela cidade de Joanesburgo, tiram fotos com fãs, pensam em outra coisa além de Copa do Mundo e futebol.

Todo trabalho precisa de um descanso. Do contrário, a cabeça não aguenta tanta pressão e tanta exigência pela conquista de algumas metas. É assim no dia-a-dia de trabalho, tem de ser assim também numa equipe que almeja ser a campeã do mundo.

Se, em agosto de 2006, o maior debate era a falta de patriotismo da equipe brasileira, agora o problema parece ter sido o excesso de vontade e a falta de controle que minaram a atuação brasileira no clássico contra a Holanda.

O bode expiatório foi Felipe Mello, símbolo de resistência de Dunga contra a opinião pública. Poderia ser qualquer outro, que não resolveria o problema.

Enquanto o Brasil insistir em encontrar culpados no lugar de resolver o problema, será mais difícil evoluir. A CBF tem, por característica, radicalizar o comando técnico da seleção brasileira depois de um pífio resultado dentro de campo sem parar e pensar os motivos que levaram a um desempenho abaixo do que se esperava.

Não existe uma fórmula ideal. O que precisa existir é a formação de um grupo coeso, que represente o melhor do país dentro de campo. O resto é conversa mole para tentar tirar o foco de um dos maiores problemas do brasileiro: a falta de planejamento.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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A soma de todos os medos

Dizem que a ignorância é o que provoca o medo nas pessoas.

Portanto, muita ignorância pode proporcionar muito medo em muitas pessoas.

No filme A soma de todos os medos (2002), baseado em obra homônima do escritor Tom Clancy, Jack Ryan interpreta um analista de relações internacionais da CIA, a famosa central de inteligência dos EUA.

O protagonista é especialista na biografia e trajetória política do novo presidente da Rússia.

Nesse sentido, conhece todos os detalhes do político, que lhe permitem aconselhar o presidente americano e o Departamento de Defesa na condução do relacionamento bilateral.

Entretanto, uma conspiração política, provocada por espionagem e interesses de terceiros, ameaça essa estabilidade no pós-Guerra Fria.

Logo, essa intervenção, alheia ao conhecimento recíproco de cada um dos lados, dá lugar a uma escalada de ignorância, que só faz aumentar o medo de que retaliações já iniciadas se transformem numa guerra nuclear.

A certa altura, o medo é tão grande que já não importa mais racionalizar quem fez o que – ou quem começou o quê…

Afinal, o terror já se instalou nos tomadores de decisão dos dois países.


 

O medo da Fifa em que a África do Sul, país-sede da Copa do Mundo 2010, fosse cenário de carnificina, estupros, assaltos, sequestros, fez com que exigisse a instauração dos Fifa Court – tribunais especiais para julgar crimes ocorridos durante e vinculados ao evento.

Nas nove sedes, foram criados 54 tribunais especiais, em que os ritos processuais são sumários (cinco dias).

Poderia parecer um grande avanço diante de um sistema judiciário moroso, como costuma se afirmar no caso do próprio Brasil.

Entretanto, muitos direitos internacionalmente assegurados pela evolução do processo penal são turbados, como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, produção de provas, grau de recurso.

Obviamente que são julgados delitos menores. Mas há que se proteger os conceitos do devido processo legal e que não se jogue fora o conjunto de leis e direitos do país-sede – acima dos interesses da Fifa.

Em um dos tribunais, dois homens do Zimbábue, estavam sendo julgados por roubo. Mas o caso seguiria mais tarde pela falta de intérprete na instrução do processo.

Em 2014, o Brasil estará na pele da África do Sul.

O modelo do Fifa Court deverá se adaptar ao nosso sistema constitucional. Não o contrário.

Não se deve deixar prevalecer um ambiente kafkiano de perseguição e acusação baseado no desconhecimento, tanto de quem julga quanto de quem é julgado.

Porque a ignorância leva ao medo. E o medo leva ao terror.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Das faltas violentas no futebol

Caros amigos da Universidade do Futebol,

O que fazer com jogadores como Cheick Tiote, da Costa do Marfim, relativamente ao lance em que o brasileiro Elano sofreu a lesão que o afastou da Copa? É possível promover algum tipo de ação judicial para reparar o dano causado ao nosso meio-campista?

Essa discussão já é antiga, e não se limita apenas ao futebol. Para abordarmos esse assunto, temos que trazer mais uma vez à discussão o conceito da especificidade do esporte, o que reforça, mais uma vez, a sua grande importância.

Para ilustrar a discussão, vamos levantar outro exemplo. Poderia um lutador de boxe ingressar com uma ação de reparação de danos contra um adversário por despesas médicas decorrentes dos socos desferidos durante um combate?

Parece-nos evidente que, no caso hipotético, uma eventual ação de reparação de danos seria julgada improcedente. Da mesma forma, não haveria qualquer crime de lesão corporal. Eis a especificidade do esporte.

Por outro lado, caso o lutador tivesse mordido a orelha do oponente (qualquer semelhança a fatos pretéritos efetivamente ocorridos é mera coincidência…), entendemos que a ação teria admissibilidade.

Em princípio, deduzimos do exemplo acima, e das alternativas levantadas, que caso o atleta atue conforme as regras do jogo, não há qualquer irregularidade e, portanto, não haveria que se falar em reparação de eventuais danos causados nessas circunstâncias. Caso, entretanto, o atleta desrespeite as regras do jogo causando o dano, este poderia ser objeto de ação de reparação de danos.


 

Voltando ao caso do Elano, temos que estimular o debate de acordo com as regras do jogo do futebol. Prima face, como o juiz apontou a entrada como faltosa, teríamos de imediata a ocorrência de uma violação à regra do jogo.

Mas entendemos, nesse exemplo, tendo em vista que “carrinhos” são muito comuns no futebol, teríamos que analisar mais profundamente a conduta do agressor, para verificar se houve grave desproporcionalidade na conduta (o que neste caso específico nos parece que houve).

Isto para dizer que uma simples falta no futebol não ensejaria, a meu ver, uma ação de reparação de danos à “vítima”. Mais do que isso, é preciso analisar se a falta foi cometida mediante um comportamento repugnante e indesejado ao jogo. Vale dizer assim que faltas tidas como normais já fazem parte do jogo, e, portanto, não deveriam ser sempre vistas como a mordida na orelha do caso hipotético acima mencionado.

É assim que devemos (e nosso poder judiciário deveria) olhar para o futebol à luz da especificidade do esporte.

De todas as maneiras, é bom deixar claro que, a meu ver, a lesão sofrida pelo Elano foi causada por uma dessas condutas passíveis de reparação de danos (nesse caso, inclusive morais, por tirá-lo da Copa do Mundo). Assim como a entrada do Pepe no Felipe Melo.

Para nós brasileiros, seria melhor que o Elano tivesse sofrido a mordida na orelha, pois isso não o tiraria da Copa…

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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A Jabulani e o marketing acidental

Apesar dos diversos exemplos de marketing de emboscada, da música da Coca-Cola, dos anúncios customizados da Inbev nas placas de LED, da Larissa Riquelme e o seu porta-telefone e dos sanduíches temáticos do McDonald’s, eu sinceramente acredito que o grande case de marketing dessa Copa do Mundo é a Jabulani.

A princípio, pode-se imaginar que tudo o que cercou a Jabulani nesta Copa criou um enorme desastre para a Adidas. Afinal, muitos jogadores, inclusive seus próprios patrocinados, reclamaram da qualidade da bola e, de certa forma, ficou a impressão que a Adidas fez um péssimo trabalho de concepção de produto.

Porém, logo que essas reclamações se tornaram públicas e alguns lances estranhos começaram a acontecer nos jogos da Copa, muita gente começou a procurar e a discutir detalhes sobre a bola. O fenômeno tomou tal proporção que matérias começaram a ser feitas sobre a Jabulani, levando a diversos programas esportivos nos mais variados canais a explorar o assunto. Chegou a um ponto tal de popularidade que a Globo não se importou em fazer aquela bizarrice com o Cid Moreira. Justo a Globo, mestre em coibir mensagens e imagens comerciais, colocou um de seus mais renomados apresentadores falando o nome de um produto durante uma transmissão ao vivo da Copa, sem que ninguém tivesse pago por isso. E, ao mesmo tempo que ela fazia isso, seus comentaristas tratavam de dizer que nem tudo que acontecia em campo era por culpa da bola, que ela não era tão ruim assim. Em paralelo, a Folha divulgava uma matéria dizendo que apesar dos jogadores reclamarem, os peladeiros aprovam a bola, afirmando que “maior polêmica do Mundial, ela abandonou seu lado patricinha –como foi definida pelo volante Felipe Melo– e foi aprovada pelos peladeiros da zona leste paulistana”. Quer propaganda melhor que essa, um atestado de qualidade do público que de fato vai se preocupar em comprar réplicas da bola?

Obviamente, tudo isso aconteceu por acaso. A Adidas certamente não esperava que a bola fosse causar tanta polêmica e é certo que ela não imaginava que a repercussão seria tão grande. Os resultados de venda é que vão dizer, ultimamente, se isso é positivo ou não. Mas é inegável que a marca ficou incrustada na cabeça do público que acompanha a Copa, e assim deve permanecer por anos a fio. E essa repercussão toda certamente não teria alcançado o mesmo tamanho se tudo isso tivesse sido planejado. Coisas programadas com tamanha complexidade raramente dão certo, uma vez que as variáveis que incidem no cenário são muito grandes. É muito, muito difícil criar um fenômeno de massa de acordo com aquilo que você quer. Basta ver o tcha-tcha da Hyundai.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br