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A leitura do jogo de futebol

Caros leitores,

quatro meses do ano de 2011 se passaram e o futebol, como sempre, já proporcionou aos atletas, profissionais, torcedores e mídia esportiva, inúmeras emoções. Nesse período, equipes foram rebaixadas, técnicos demitidos, jogadores afastados, torcedores trocaram agressões e escândalos foram revelados.

É fato que situações positivas também ocorreram, como negociações milionárias, revelações de novos talentos (no campo e fora dele) e acessos conquistados.

Com as fases finais dos Estaduais, dos principais campeonatos europeus, confrontos de Copa do Brasil, Libertadores da América e Champions League, as próximas semanas “prometem”. Jogos importantes ocorrerão na disputa do primeiro lugar, tanto no futebol brasileiro, como no mundial.

Equipes que estão em busca do título obviamente tiveram melhor desempenho comparado aos seus adversários. Desempenho que, em cada jogo, de cada equipe, em cada país, é absolutamente mensurável. Conhecê-lo, para todos profissionais envolvidos com o trabalho técnico do futebol, é importante para observação de tendências, compreensão de comportamentos de jogo que podem levar à vitória e para atualização profissional (sobre atletas, equipes e treinadores) em seu mercado de trabalho.

Posto isso, o que considerar e como analisar qualitativamente o desempenho de uma equipe utilizando poucos recursos tecnológicos?

Dos milhares de profissionais do futebol existentes no Brasil, é certo que a grande maioria não dispõe ou não tem acesso a ferramentas sofisticadas de análise de jogo. Infraestrutura, softwares modernos (com ótima relação custo x benefício para os clubes) de análises quantitativas, ilhas de edição de imagens ou então departamentos de dados digitalizados, são realidades de poucos e privilegiados profissionais. No entanto, com conhecimentos específicos, um computador, uma cópia digital simples de um jogo, papel e caneta, a possibilidade de análise de comportamentos de uma equipe é significativa.

O ponto de partida (que para muitos “especialistas” já é o ponto final) compreende a plataforma de jogo utilizada. Observando-a, entende-se em quantas linhas (zagueiros, volantes, meias, atacantes) uma determinada equipe distribui seus jogadores no espaço de jogo e também se ocorrem alterações posicionais entre os momentos do jogo e, até mesmo, ao longo da partida.

O passo seguinte compreende a observação das regras de ação de cada jogador. Analisar as características táticas, técnicas, físicas e emocionais, ofensivas e defensivas, perceber a área de atuação predominante, além de tentar observar a repetição de comportamentos nos diferentes momentos do jogo, evidenciam questões importantes de uma equipe para cada função exercida. Aliada a uma observação individual, é fundamental o entendimento da organização coletiva da equipe.

Na fase defensiva, é importante compreender como ela age em relação aos princípios operacionais defensivos, analisando setores do campo e atitudes predominantes de recuperação da posse de bola, além dos mecanismos coletivos de impedir progressão e de proteção do alvo. Também defensivamente, é possível perceber em qual linha imaginária do campo (1, 2, 3, 4 ou 5) se inicia a marcação e qual sua forma adotada: zonal, individual, mista, ou então, individual na zona.

Ainda na análise da organização defensiva, é possível identificar a quantidade de jogadores atrás da linha da bola em cada região do campo, a distância entre linhas da equipe, a velocidade da flutuação entre a bola e o alvo, a realização de pressing ou pressões zonais e até a eficiência das coberturas defensivas.

Na transição ofensiva, o comportamento coletivo predominante da equipe pode ser interpretado. Para cada setor do campo em que ocorrer a recuperação pode-se diferenciar a manutenção da bola neste setor, a retirada horizontal, ou então, a retirada vertical da zona de recuperação. Por mais que todas as imagens do jogo não identifiquem a posição exata dos responsáveis pelo balanço ofensivo, a quantidade de jogadores e uma posição aproximada são perfeitamente possíveis de serem identificadas.

Já no momento ofensivo, a tarefa é a interpretação dos comportamentos em relação à posse de bola, progressão e ataque ao alvo, que refletem as aplicações dos princípios operacionais de ataque. Analisar o tipo de ataque predominante (contra-ataque, ataque rápido ou ataque posicionado), e também se ele ocorre com utilização de estruturas fixas, móveis, ou então, sem referências posicionais, é necessário.

Finalizando a organização ofensiva, há a quantificação das linhas de passe abertas para cada jogador, a criação e ocupação de espaços entre linhas do adversário, a análise da amplitude e profundidade empregadas, a quantidade de jogadores à frente da linha da bola, os mecanismos de movimentação capazes de gerar superioridade numérica, além da criatividade no 1×1.

Na transição defensiva, observar se o comportamento da equipe está voltado para a recuperação imediata da posse de bola, ocupação de setores específicos do campo para posterior recuperação, ou então, se alguns jogadores atacam a bola e os demais realizam recomposição. Assim como no balanço ofensivo, que impossibilita análise integral pela filmagem, é permitida uma visão parcial da quantidade de jogadores e forma geométrica do balanço defensivo.

Em uma análise de jogo, não pode faltar atenção para as situações de bola parada. Nestas ações (mais “fáceis” de se aproximar do cumprimento da lógica do jogo), ofensivamente podem-se observar: jogadas ensaiadas, batedores oficiais, quantidade de jogadores e distribuição do espaço na grande-área.

Defensivamente, as análises permitem enxergar se a referência de marcação é zonal, mista ou individual.

Diante do que foi apresentado, fica claro que sem o conhecimento tático do jogo de futebol, quaisquer análises de jogo (principalmente aquelas que se limitam às questões técnicas e ao resumo dos gols) serão superficiais. Quanto mais jogos você assistir, mais aperfeiçoada ficará sua leitura de jogo. Quanto mais jogos de uma mesma equipe você assistir, maiores as possibilidades de compreensão de seu modelo de jogo.

Não se esqueça de considerar a situação na competição, o tipo de confronto, o placar do jogo, o placar do jogo anterior, a expectativa criada pela imprensa, a pressão da torcida, o estado do campo, as condições climáticas, os conflitos entre treinadores, a relação treinador-atleta, entre outros fatores que podem modificar o “jogo da cabeça de cada jogador”.

Muitas equipes do futebol brasileiro já possuem analistas de desempenho. Tal função é primordial em uma comissão técnica, pois é quem registra o cumprimento do modelo de jogo pela equipe, além do desempenho e comportamento dos adversários – informações imprescindíveis para o estabelecimento de uma contra-estratégia. É bom saber que cresce o número de analistas voltados às questões tática-estratégica-organizacionais do jogo. As próximas semanas “prometem”!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br  

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Escalada dos emergentes

Estamos assistindo a uma dinâmica econômica mundial de crescimento de pequenas economias (ou os chamados países emergentes) que, com algum esforço, têm operado bem seu mercado interno, ampliando divisas e fazendo com que a economia mundial cresça efetivamente. Se dependesse das grandes potências mundiais, o planeta cairia em uma lógica de estagnação, já que boa parte do mercado de consumo e desenvolvimento está centrado nestes famigerados emergentes.

No Brasil, o que tem impulsionado o seu crescimento econômico são as classes sociais da base da pirâmide, contribuindo sobremaneira para a diminuição do abismo social e aumento do consumo por todas essas classes sociais. Tais princípios são igualmente praticados na Índica, Rússia e China que, juntamente com o Brasil, formam os BRIC, conjunto de países emergentes que estão liderando as esperanças de um crescimento global sustentável.

E por uma reflexão bem incipiente, provoco: “não seria esse um caminho a trilhar pela indústria do esporte?”. A lógica de equilibrar a balança entre pequenos e grandes não deveria fazer parte da pauta de discussões de dirigentes esportivos, cultivando sobretudo o crescimento da indústria do esporte e até potencializando as receitas dos grandes?

Muito se fala que mais de 90% dos jogadores de futebol no Brasil ganham menos do que dois salários mínimos como forma de justificar e evidenciar esse abismo entre grandes e pequenos, tratando o fato como um problema de governança por parte das entidades de administração e prática do esporte. Por isso, pergunto, traçando um paralelo: a negociação dos direitos de transmissão, privilegiando o pensamento individual em detrimento do coletivo, não estaria na contramão da lógica econômica mundial, conforme comentado anteriormente?

Em um raciocínio bem simplório, a ascensão de pequenos e médios clubes, tornando-se economicamente mais equilibrados, poderia resultar em:

a) Melhor qualificação dos recursos humanos, como os jogadores;

b) Haver material humano melhor e mais acessível para os grandes clubes;

c) Relações comerciais mais confiáveis entre grandes e pequenos – na permuta de jogadores, por exemplo, com menos riscos para ambas as partes;

d) Ampliação do faturamento de toda a indústria de maneira equilibrada e em escala conjunta, inclusive para os grandes clubes, já que estes dificilmente perderão seu status de players do mercado por terem grandes marcas – e grandes marcas não se constroem do dia para a noite. Pequenos e médios clubes poderiam se aproximar a um patamar aceitável, que só faria bem para a indústria como um todo;

e) Segmentação por interesses e acesso ao lazer, uma vez que temos um país de dimensões continentais – seria a lógica do supermercado: as grandes redes se sobressaem em relação aos pequenos mercados por competitividade, lastro para oferecer melhores preços, melhor localização, marca etc., mas os pequenos vivem muito bem pois as pessoas continuam a comprar lá eventualmente ou com uma frequência aceitável, por suas particularidades e outras facilidades regionais que explicam seu consumo.

Enfim, a exposição da ideia tem mais um interesse provocativo, uma vez que parece utópica no universo de clubes, ligas, federações e confederação em que vivemos.

O fato é que não podemos negar a força dos grandes – e não é isso que pretende o texto. Mas privilegiá-los de forma quase que canibalesca em relação aos demais me parece um tiro no pé. Ninguém joga um campeonato sozinho. A competitividade (equilíbrio competitivo), juntamente com a figura dos ídolos do esporte, tem se mostrado o melhor produto desta indústria.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

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Copa 2014: o Brasil esquece da infraestrutura humana

Olá, amigos!

O Brasil vive a discussão sobre os projetos da Copa de 2014. Ainda bem incipientes, é verdade. Acredito que a cobrança deveria se maior para que a transparência pudesse ser um direito de todos nós brasileiros.

Não sou contra a realização da Copa no Brasil, mas muito me preocupa a questão da infraestrutura que se planeja – ou que não se planeja para ela. Sabemos que um evento dessa magnitude exige processos e recursos tecnológicos de ultima geração para comportar e atender bem a demanda oriunda tanto do turismo interno, como do turismo externo.

O Brasil tem se consolidado no mundo como um importante pólo de tecnologia, seja com os profissionais brasileiros tomando destaque nas empresas estrangeiras ou mesmo algumas pesquisas e inovações nacionais se projetando internacionalmente. Mas e em relação ao futebol e à infraestrutura para atender a Copa do Mundo?

De nada adianta termos recursos magníficos aplicado no Brasil se não tivermos uma cultura voltada para a sua utilização. Nesse ponto a crítica vem tanto para os brasileiros enquanto população, que aceita as condições e não busca se opor , se posicionar e reivindicar seus direitos, quiçá reivindicar melhorias que vão para além dos simples direitos de cidadão, como também à instituição Brasil, como aquela que herda ou que foi construída com base na população que sempre dá um jeitinho.

Sabemos o quanto é infantil o pensamento “no fim tudo dá certo… se não deu certo é porque não chegou o fim ainda… basta esperar”. E esse me parece o cenário.

Estamos praticamente no meio de 2011. Uma mudança de infraestrutura do ponto de vista de cimento e construção civil já está atrasada, mas sabemos que o dinheiro, seja ele público ou disfarçadamente privado, vai conseguir dar o seu jeitinho, porém, o que me preocupa são as pessoas. Como fazer uma mudança cultural para que o Brasil esteja apto a receber tal evento com os recursos tecnológicos que exigem, sem uma capacitação e investimento em educação da população nacional, se já não é praxe no nosso país investir em educação?

Será que conseguiremos em tão pouco espaço de tempo mudar? Engano daqueles que acham que sim, que de uma hora para outro o Brasil mudará a cultura de seu povo, e esses saberão operar recursos novos, falar diferentes línguas, ter ciência de suas responsabilidades moral e ética para, por exemplo, não precisarmos de catracas e vigilâncias nos metros, como hoje são, e fazer algo como em Atenas, onde o próprio cidadão valida seu ticket, sem catracas e sem fiscalização direta.

Engano maior aqueles que acham que o tempo é suficiente, pois até 2014 dá para se fazer um “intensivão”. Opa! Aí está o grande erro. A Copa de 2014 já começou. Quem planeja vir para esse evento já esta de olho no Brasil. Já buscam informações e já começam a pensar no evento e nas sedes. Porém, nem o Brasil sabe ao certo isso. E quando digo Brasil me refiro à população como um todo, e nesse aspecto, a população estando alheia e cada vez mais incerta sobre o evento, como pode se preparar para receber a magnitude do evento seja enquanto mão de obra especializada, seja enquanto serviços indiretos que pode prestar?

Saberemos operar sistemas modernos de transportes públicos como dizem que serão os projetos de aeroportos, trem bala e metros? Ou será que não teremos essas novas estruturas e os “gringos” que se acostumem ao nosso jeito de ser?

Se o Brasil quiser passar uma imagem de país bem consolidado no setor tecnológico, reconhecimento que alguns profissionais canarinhos já o têm enquanto pessoas físicas, temos que pensar não só na infraestrutura de concreto, tijolo e cimento, mas sim na infraestrutura humana. Caso contrário, a Copa passará e o Brasil continuará sendo samba e futebol (no campo), porque na organização…

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br  

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O fim do Pacaembu

Não tem como o paulistano não gostar dele. Localizado numa região central, em meio a árvores, com uma grande área para circulação a pé em seu redor, uma distância ótima do gramado para a arquibancada, uma grande região para poder passear na parte inferior, um palco de decisões memoráveis do futebol…

O estádio do Pacaembu é um dos mais charmosos do mundo, e sem dúvida é a síntese do futebol na cidade de São Paulo. Talvez sejam os ares da refinada vizinhança que deixam tudo no Paulo Machado de Carvalho mais glamouroso.

Sempre achei que o Pacaembu é o estádio do tamanho perfeito. Nem tão grande para ser frio como o Morumbi, nem tão acanhado para ser palco só de jogos menores. Não há provavelmente um paulistano que goste de futebol que não tenha tido uma lembrança maravilhosa do estádio da capital.

A idade não me permitiu assistir aos grandes clássicos pré-Morumbi lá no Pacaembu, mas vivi boa parte dos grandes jogos da infância por lá. Inclusive o primeiro deles, ainda com sete anos, numa partida de masters entre Brasil e Itália, uma reedição da final da Copa de 1970. Foi o jeito de poder dizer que vi Pelé em campo, mesmo mais velho, com direito a programa para ir a família toda, da avó Itália Roma aos primos que torciam para outros times.

Depois, nos anos 90, a reforma do Morumbi carcomido pelo tempo permitiu que alguns grandes jogos fossem para o Pacaembu. O mais divertido deles, sem dúvida, a decisão do Campeonato Brasileiro de 1994, num show palmeirense sobre o Corinthians. Semanas antes, pude acompanhar um embate dos dois alviverdes, numa bela vitória do Palmeiras sobre o Guarani de Amoroso em partida que praticamente definiu o título nacional.

Consegui ver Casagrande do “outro lado” num Corinthians e Flamengo de arrepiar em 1993, também acompanhei Romário acabar com Amaral num outro encontro entre as duas maiores torcidas do país. Isso sem falar em diversas noites de casamento perfeito entre os times do Corinthians e sua torcida, talvez a melhor combinação para o Pacaembu em sua história.

Ou, ainda, como não lembrar do memorável Santos 5×2 Fluminense do Campeonato Brasileiro de 1995, quando time e torcida não pararam nem no intervalo de uma das mais vibrantes e lindas atuações do Peixe em sua história recente?

Nesta última semana, Santos, Palmeiras e Corinthians fizeram do Pacaembu a sua casa. Força das circunstâncias, mas que parece ser cada vez mais uma volta no tempo. Em quatro jogos (sendo dois do time alviverde), eles reuniram mais de 100 mil pessoas para torcer, cantar, sofrer e vibrar com suas paixões.

Foram jogos que lembraram o quanto o Pacaembu é importante para a história do futebol em São Paulo. O estádio do tamanho ideal para ficar sempre cheio, aquecido, vibrante, apaixonante. O charme de sua entrada com a praça simbolizando um “ponto de encontro” para os torcedores, o eco do grito da torcida sufocado pelos morros que o cercam, o torcedor que sobe a ladeira e se arruma onde é possível só para não perder um pouco da festa.

Parece que, sem querer, os times de São Paulo (o Santos incluído nessa conta, por tudo o que representou na época de ouro de sua história e do estádio com Pelé e Cia. bela desfilando em seu gramado) decidiram prestar, nesses últimos tempos, sua homenagem ao Pacaembu.

O único estádio paulistano que é tombado pelo patrimônio histórico deverá ficar sem “dono” depois que a Copa do Mundo passar. Palmeiras e Corinthians teoricamente estarão com novas casas a partir do cada vez mais próximo 2014.

Uma pena. Não pela modernização e melhoria no serviço prestado ao torcedor, que só tem a ganhar com estádios mais modernos e com tudo o que eles apresentam de melhor. Mas por tudo o que representa o Pacaembu, seu destino deveria, sem dúvida, ser outro.

É inaceitável que um estádio para 40 mil pessoas, em ponto central da cidade, próximo de metrô, com fácil acesso via transporte público e também privado, seja simplesmente abandonado de uma hora para a outra.

O Pacaembu tem espaço e estrutura suficientes para ser modernizado para o torcedor conservando todo o charme de sua fachada dos anos 40/50. É o palco mais centralizado possível para aguentar o tranco de uma Copa do Mundo e, mais do que isso, para continuar a ser o estádio de tamanho perfeito para a cidade de São Paulo.

Que pelo menos a gente aproveite os próximos dois anos de muito futebol no Pacaembu. Porque o sentimento de vazio depois que a Copa chegar vai ser grande.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br  

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O centro do jogo e a organização ofensiva

Na organização defensiva espera-se que uma equipe já esteja organizada para o momento em que recuperar a posse de bola. O jogador que a recuperar, todos que participam da organização defensiva, além dos que compõem o balanço ofensivo, devem ter comportamentos de transição ofensiva pré-estabelecidos de acordo com o setor do campo em que ocorreu a recuperação.

Ter a posse de bola, como todos sabem, caracteriza o início do processo ofensivo que, em contra-ataque, ataque rápido ou ataque posicional, apresenta um único objetivo: o gol. Para fazê-lo, ou melhor, construí-lo, serão necessárias diversas ações táticas (a todo o momento, de todos os jogadores) que potencializem as situações de finalização.

Com a posse de bola e após cada mudança do centro do jogo, uma equipe demonstra suas características ofensivas (e suas preocupações defensivas) enquanto ataca. Entende-se por centro do jogo um círculo imaginário, composto pela bola como centro e também pelos jogadores que estão próximos a ela, como pode ser observado na figura abaixo:


 

Em cada situação no centro do jogo, para aumentar a probabilidade de êxito, uma equipe deverá:

Recusar inferioridade numérica;
Evitar igualdade numérica;
Criar superioridade numérica.

O centro do jogo muda-se constantemente ao longo de uma partida. Seja por troca de passes, lançamentos, conduções, dribles ou finalizações. A bola (e seu círculo imaginário) ocupa espaços distintos, ora próximos às zonas de finalização, ora distantes.

No futebol de alto nível, além do portador da posse da bola no centro do jogo, a equipe contém um jogador responsável pela cobertura ofensiva (possibilidade de passe de segurança caso o jogador que detém a posse de bola não tenha condições de finalização, progressão ou passe ofensivo) e outro responsável pela movimentação no centro do jogo (dentro ou para fora dele), tentando gerar imprevisibilidade na organização defensiva adversária.


 

Fora do centro do jogo, mas com igual importância no processo ofensivo da equipe, os demais jogadores (que em poucos instantes podem fazer parte do centro do jogo) devem agir taticamente, respeitando suas respectivas funções e regras de ação, dando amplitude ótima e profundidade, ampliando espaço efetivo de jogo, compondo o balanço defensivo, realizando penetrações, ocupando espaços vazios e/ou abrindo linhas de passe ofensivas, também com a finalidade de serem imprevisíveis ao oponente (e previsíveis à sua equipe).


 

Como o predomínio de ações técnicas de um jogo de futebol deve-se aos passes, a constatação de que diferentes jogadores irão compor o centro do jogo durante cada ação ofensiva é óbvia. Em poucos segundos o jogador que porta a bola deixa de compor o epicentro do centro do jogo (e ter que decidir sobre o remate, passe ofensivo ou passe de segurança) e passa a ter que tomar outras decisões táticas conforme as descritas acima.

E é em cada passe que se perceberá a qualidade da equipe que ataca, pois a cada mudança do centro do jogo, altera-se também a situação momentânea de decisão de cada jogador e, consequentemente, o comportamento adequado imposto pelo jogo.

Em grandes equipes, observa-se que, aliadas às trocas de passes, rapidamente se restabelecem as estruturas (jogadores) fundamentais para a organização do centro do jogo (cobertura ofensiva e movimentação) e que, também rapidamente, alteram-se as atitudes dos jogadores que estão fora do centro do jogo com ações que buscam promover a desorganização do adversário, a criação de espaços livres e a aproximação da zona de risco oponente.
 


 

Uma parcela pequena das ações ofensivas terminará em finalização, porém, para toda situação de posse de bola uma equipe indicará como pensa (e executa) suas ações ofensivas em determinado jogo. Por observações, análises e experiências, parece que muitas dependem mais do comando do treinador ou da intuição dos atletas, do que de um comportamento construído. E a sua equipe?

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br  

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Estádio publico ou privado?

Na coluna desta semana levanto outro dilema para os clubes de futebol no Brasil: usufruir de um estádio público ou ter um estádio próprio? A questão levantada merece reflexão especial, pois este tende a ser um grande problema para o país no pós Copa de 2014, especialmente naquilo que se refere aos famosos legados dos megaeventos esportivos.

Hoje, de um lado, muitos clubes fazem pressão no poder público, querendo que este construa o estádio na cidade, utilizando como argumento a enorme mobilização social em que o futebol está envolto. A primeira história dá conta que o clube é importante para a cidade, que é centenário, que dará visibilidade para o município e daí por diante. De olho nesse pomposo discurso, os políticos costumam levá-lo adiante, sobretudo de olho na sua popularidade e votos para a próxima eleição.

No entanto, depois de erguido, os clubes acabam sofrendo com as limitações advindas da morosidade característica pela gestão desse ente público. A venda de camarotes, por exemplo, só pode ser concedida por meio de licitação prévia em determinadas situações, causando lentidão no processo e não sendo possível uma venda de propriedades pela emoção, como é característica na indústria do esporte. Outras propriedades comerciais acabam tendo restrições de comercialização, prejudicando a obtenção de renda adicional pelos clubes.

O resultado é, salvo raras exceções, acabar transformando o espaço, que deveria ser moderno e de mobilização social diversa, em algo obsoleto ao longo do tempo em razão da negligência recorrente por manutenção (fruto do famoso jogo de empurra de responsabilidades entre clubes e poder público) e pela limitação da exploração comercial compreensível em bens públicos.

Para erguer um estádio privado, próprio do clube, é preciso planejamento. E isso é uma coisa que poucos clubes conseguem fazer de forma eficiente. Além disso, pela paixão que move o futebol, a execução de uma obra do porte de uma arena esportiva pode ferir por algum tempo o investimento na equipe de futebol, afetando em certos casos os resultados esportivos.

Se não vejamos: a alocação de recursos ao longo de um período para a construção de um estádio naturalmente fará com que o clube enxugue despesas de outras áreas. Esse respingo atinge o investimento no futebol profissional, como não é difícil de se imaginar. Neste caso, a entidade deve estar com uma visão de negócio muito bem definida para enfrentar desgastes naturais com a imprensa, a torcida, a comunidade de um modo geral e os demais stakeholders.

A título de exemplo, Atlético Paranaense e São Paulo passaram por isso até terem seus próprios estádios. O clube paranaense ainda sofre o dilema de concluir a obra ao mesmo tempo em que deve investir no time profissional para se manter na primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

A pergunta lá no início do texto é de difícil resposta. Já li algumas análises e estudos sobre o tema, sendo que as conclusões são bastante divergentes. No caso da parceria entre clube e algum organismo público, tem se demonstrado que o médio-longo prazo de um modelo deste tipo acaba por não ser benéfico para nenhuma das partes. Para o caso de estádio privado, com recursos próprios do clube, o dilema passa por abrir mão de resultados esportivos por cerca de 10 anos, que é o que se costuma ver na prática.

E tal modelo pode ser muito bem aplicável nas duas hipóteses que levantamos neste texto: pela privatização do bem público (como se faz com as Rodovias Federais), prevendo contrapartidas para a população local e para o clube que irá usufruir do espaço, ou mesmo nas parcerias firmadas do clube com outras empresas que operam neste ramo de negócio. Talvez o modelo de empreendimento adotado pelo Palmeiras na Arena Palestra Itália pode ter ótimos resultados futuramente, sem entrar no mérito dos percentuais relativos ao contrato de parceria com a WTorre, que não nos compete neste momento.

Assim, é possível ter um bom espaço de prática esportiva sem haver descapitalização, tendo ainda a possibilidade de aferir novas receitas quando o empreendimento estiver pronto. Finalizo com um breve desafio: quem se habilita a aprofundar o tema? Objetos de estudos não nos faltarão nos próximos anos em terras tupiniquins, só nos faltam métricas para chegar a boas conclusões.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Aos mestres, com carinho

Acontecimentos recentes têm me levado a lembrar com maior assiduidade de duas pessoas que me influenciaram fortemente em meu processo de formação humana e profissional… Estou falando de Manuel Sérgio e Paulo Freire, pessoas que não deveriam requerer apresentações, mas que por conta do processo de biomecanização da lógica de produção de conhecimento cada vez mais presente na área acadêmica denominada Educação Física – na qual me situo e lugar de onde falo – vem exigindo que o façamos como forma de resgatar a importância de se ter em mente para que e para quem estudamos, pesquisamos e publicamos nossos achados…

Nos anos 1980 eu me reportava à biologização da Educação Física brasileira, reducionismo biológico que em última instância dificultava – quando não impedia – o olhar as práticas corporais (o futebol, por exemplo) a partir das lentes próprias às ciências humanas e sociais… E, notadamente a partir daquela década do século passado e (não só) por influência de filósofos e educadores do calibre do que busco homenagear neste momento, temos em nosso país a possibilidade de compreendermos as práticas corporais como elementos constitutivos da cultura corporal dos homens e mulheres, dimensão da cultura de todos os brasileiros… Pois essa possibilidade tende a diminuir se prevalecer em nosso meio acadêmico a miopia própria aos reducionismos acima mencionados.

Tive a honra e a satisfação de ser aluno de Paulo Freire, por ocasião de meu mestrado, na PUC/SP, no programa de pós-graduação em Filosofia e História da Educação, naqueles anos 80…

Recordo-me de uma passagem em aula, quando perguntei a ele sobre como entendia o esporte, isso porque em uma passagem de seu livro (salvo engano, A importância do ato de ler), menciona seu cachorro que, nos tempos de morada na capital pernambucana, esportivamente, caçava e matava os gatos das redondezas… Soa até hoje em meus ouvidos o barulho ensurdecedor de seu silêncio, seguido da resposta… Não tenho a menor ideia do que estava pensando sobre esporte quando escrevi aquelas linhas… Que lição aprendi naquele dia!

Mas foi em outro de seus escritos (Educação e Mudança, editado pela Paz e Terra), no capítulo em que desenvolve a tese do compromisso do profissional com a sociedade, que fiquei com a impressão de que ele, quando o escreveu, estava pensando no quadro então atual – e hoje, mais uma vez presente – da educação física brasileira… Por isso, ao tomar a liberdade de transcrever trechos daquele capítulo, lembro aos leitores que qualquer semelhança com fatos e/ou pessoas não é mera coincidência…

Aí vai: “… O compromisso próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade, de cujas águas os Homens verdadeiramente comprometidos ficam ‘molhados’, ‘ensopados’. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experiençá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros. A neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta de um ‘compromisso’ contra os Homens, contra a humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão ‘comprometidos’ consigo mesmos, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro, assume a neutralidade impossível…”.

E vejam o que ele nos diz sobre esses compromissos inautênticos:

“… Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro. A alienação do profissional não lhe permite perceber esta obviedade. Seu compromisso se desfaz na medida em que o instrumento para sua ação é um instrumento estranho, às vezes antagônico à sua cultura”.

E diz ele ainda mais, a esse respeito, em nota de rodapé:

“Esta é a razão pela qual defendemos – para os bolsistas nacionais que vão estudar em centros estrangeiros de outro nível econômico e tecnológico – um curso prévio e profundo sobre seu país, sobre sua realidade histórica, econômica, social e cultural, sobre as condições concretas de seu atuar, etc. Muitos dos jovens latinoamericanos, ao voltarem a seus países, sentem-se como estrangeiros frustrados ou reforçam o número dos transplantes de experiências de outro espaço e de outro tempo histórico. São mais compromissos inautênticos.”

E aí conclui – nesse particular – seu raciocínio:

“… Todas estas manifestações da alienação e outras mais, cuja análise detalhada não nos cabe aqui fazer, explicam a inibição da criatividade no período da alienação. Esta, geralmente, produz uma timidez, uma insegurança, um medo de correr o risco da aventura de criar, sem o qual não há criação. No lugar deste risco que deve ser corrido – a existência humana é risco – e que também caracterizam a coragem do compromisso, a alienação estimula o formalismo, que funciona como uma espécie de cinto de segurança…”.

E complementa:

“… Daí o Homem alienado, inseguro e frustrado ficar mais na forma que no conteúdo; ver as coisas mais na superfície que em seu interior…”.

Revelador, não é mesmo?

Paulo Freire faleceu em 02 de maio de 1997, há 14 anos, portanto… Nunca esteve tão vivo entre nós!

Já Manuel Sergio completa 78 anos de vida neste mês de abril, no dia 20. A indisfarçável honra de tê-lo como amigo e parceiro deste espaço de colunista especial nesta Universidade do Futebol ninguém tira de mim!

Em 2007, Manuel Sergio recebeu homenagens das comunidades acadêmica e política de Portugal, seu país de nascimento que divide com o Brasil espaço especial em seu coração. Também por aqui recebeu, no ano seguinte, homenagem da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, pelo reconhecimento dos serviços prestados à Educação/Educação Física brasileira.

Tive a oportunidade de participar de livro (Motrisofia: Homenagem a Manuel Sérgio) organizado em Portugal por José Antunes de Sousa e editado na Coleção Epistemologia e Sociedade da Editora Piaget, Lisboa. O que por ele nutro está sintetizado no texto que escrevi naquela ocasião e que transcrevo abaixo, não sem antes externar ao meu amigo mestre, mestre amigo, meus votos de muitas felicidades e anos de vida!

MANUEL SERGIO: Uma lembrança que não esquece

“Eu vim de longe, de muito longe,
Quanto eu andei para aqui chegar…”

Silvia, Laércio e eu estávamos no saguão do Aeroporto de Congonhas já há algum tempo à espera da saída dos passageiros do vôo da Varig que trazia Manuel Sérgio de Lisboa, de onde embarcara com destino ao nosso país para participar, a nosso convite, do III Congresso Brasileiro promovido pelo CBCE, Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Nas mãos da Sílvia o livro A Prática e a Educação Física, que trazia na contracapa uma foto sua, a qual ostentávamos como forma de nos fazermos visíveis aos seus olhos…

Vivíamos o ano de 1983. Era setembro. O Brasil traduzia nas ruas a ebulição de um país em ritmo de redemocratização, timidamente anunciada no final dos anos 70 pelo presidente Geisel, principal mentor da transição lenta, gradual e irrestrita a partir da qual os militares articularam a devolução dos destinos do país à sociedade civil brasileira, propondo se afastarem do protagonismo político exercido desde 1º de abril de 1964. Certamente não por bondade ou algo parecido, mas sim pela percepção do esgotamento do modelo econômico e político que lhes deu sustentação ao golpe e aos governos que se estenderam até 1984.

Os esforços para trazer Manuel Sérgio ao Brasil foram muitos. A Direção do CBCE tinha sido clara: abriria um espaço no Congresso para a participação do professor e arcaria com as despesas de sua estada entre nós durante o período do evento. Já a passagem aérea Lisboa/São Pau
lo/Lisboa deveria ser providenciada por nós. Não tivemos dúvidas. Reunimos um grupo de pessoas e assumimos coletivamente o custo da passagem. O crediário saiu em meu nome. Dez prestações…

Naquele III Conbrace (Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte), realizado em Guarulhos, SP, ao lado de uma programação forjada majoritariamente por debates circunscritos a abordagens biomédicas do esporte e das práticas corporais, constituiu-se uma Mesa Redonda intitulada Desporto e Desenvolvimento Humano. Medina (João Paulo Subirá) e Laércio (Elias Pereira) a compuseram com ele, cabendo a mim a sua coordenação.

O nome da Mesa fora desavergonhadamente extraído de um livro editado em Portugal pela Seara Nova. Fazia parte de uma lavra de publicações que começara a chegar às nossas mãos a partir do final dos anos 70, início dos 80. Mãos ávidas por textos que nos ajudassem a construir bases teóricas sólidas às reflexões que começávamos a arriscar fazer sobre a problemática da educação física e do esporte à luz de uma realidade brasileira vista por nós, marcados pelos anos passados no nordeste brasileiro – mais precisamente em São Luiz do Maranhão -, como sinônima do que por aqui foi batizado de Belíndia, expressão da divisão do país em dois Brasis, um rico como a Bélgica, outro pobre como a Índia…

Manuel Sérgio foi agraciado naquela ocasião com o título de sócio benemérito daquela sociedade científica – único ofertado por ela até hoje -, que nunca mais foi a mesma depois daquele Congresso. Às portas de seus trinta anos (foi fundada em 1978) é hoje referência obrigatória para os que se inscrevem na área acadêmica denominada Educação Física, notadamente para aqueles que assumiram ao longo desses anos uma postura comprometida com uma prática profissional e acadêmica sintonizadas com a construção de um Brasil mais justo e democrático. Manuel Sérgio foi partícipe dessa construção…

Pois foi um gesto de arrojo do já então garimpeiro da informação, Laércio, de escrever ao Manuel Sérgio, mais ao final da segunda metade dos anos 70, que nos colocou em contato com ele. Foi através dele e de duas distribuidoras brasileiras de livros, a Ebradil e a Século XXI, que passamos a saciar nossa ânsia por estudos sobre a educação física e o esporte a partir dos referenciais epistêmicos próprios às ciências humanas e sociais, às artes e à filosofia.

Dele, àquela altura lemos sofregamente Desporto e Democracia, Desporto como Prática Filosófica, o já mencionado A Prática e a Educação Física e Filosofia das Atividades Corporais. De Noronha Feio devoramos o Desporto e política: Ensaios para a sua compreensão e o Desporto para a Liberdade; de José Esteves O Desporto e as Estruturas Sociais; de Melo de Carvalho Cultura Física e Desenvolvimento e Desporto e Revolução; de Teotônio Lima Alta Competição: Desporto de dimensões humanas? De A.Paula Brito, Ensaios no Tempo. Isso para ficarmos com os portugueses, autores e editoras (Compendium, Seara Nova, Livros Horizonte, Diabril, Prelo [através de quem conhecemos P.C. Mac Intosch e o seu O Desporto na Sociedade e Os Comunistas e o Desporto de P. Laurent, R. Barran e J.J. Faure]).

Que coisa! Há aproximadamente 27 anos, quando criamos coragem para escrever ao autor de uns livros que começavam a chegar até nós por conta da abertura política da qual ainda mal nos dávamos conta, não havia como suspeitar que passadas essas quase três décadas estaríamos diante da possibilidade concreta de refletirmos a educação física a partir de paradigmas histórico-sociais, deixando para trás a necessidade de fazê-lo por conta da exclusiva relação paradigmática da educação física com a famigerada aptidão física!

Manuel Sérgio esteve marcantemente presente no processo de reestruturação da educação física brasileira e, através dela, no próprio processo de redemocratização de nosso país. Leitor atento da realidade brasileira constituiu-se interlocutor qualificado de nossas buscas, de nossas convicções, de nossas dúvidas… Sua principal característica, mesmo quando contrariado em seus argumentos, todos eles geradores de criativas polêmicas, diferentemente de outros portugueses que por aqui aportaram – e continuam aportando – foi a de jamais se colocar como neo-colonizador, em nenhum momento colocando-se como dono da verdade, como alguém que sabia falando para os que nada ou pouco sabiam das coisas… Ao conosco falar jamais o fez nos olhando de cima para baixo como contumazmente acontece com os detentores de posturas eurocêntricas de mundo…

Nesses aproximadamente 23 anos de sua presença em solo brasileiro, aqui esteve em missões passíveis de serem assim explicitadas: De 1983 a 1986, extremamente atento aos problemas do Brasil e aos da educação física brasileira, apreendidos a partir do lugar que ocupávamos na correlação de forças estabelecida pelas relações de poder existentes em seu interior.

De 1987 para cá – incluindo os dois anos que passou conosco na qualidade de professor visitante da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp -, mais voltado à busca de um lugar ao sol para seu filho pródigo, a teoria da motricidade humana, ainda que sem perder de vista aquilo que privilegiou no momento anterior. Pertencem a esse período: Para uma Epistemologia da Motricidade Humana (Compendium, 1986 e 1994[2ªedição]); Epistemologia da Motricidade Humana (Edições FMH, 1996); Um Corte Epistemológico: Da Educação Física à Motricidade Humana (Instituto Piaget, 1ª edição, 1999; 2ª edição 2003); Para uma nova dimensão do Desporto (Instituto Piaget, 2003); e Alguns olhares sobre o Corpo (Instituto Piaget, 2003).

“Amigo mestre, Mestre amigo”… Assim iniciei tantas e tantas cartas escritas a Manuel Sérgio. “Meu querido amigo…” Assim ele iniciava as dele, da forma que continua fazendo até hoje, agora também via internet, o que, se por um lado agiliza o contato (ah, o tempo!) por outro deixa um vazio enorme de prazer em buscar identificar o significado de seus “garranchos”.

Durante esses anos trocamos vasta correspondência, compartilhando momentos importantes de nossas vidas. Revê-las, no esforço de escrever estas linhas, foi para mim um exercício de inestimável valor, pelo que representou de possibilidade de me reencontrar com antigas – e tão atuais! – reflexões como também pelo que me trouxe de vontade de jamais abrir mão dessa amizade que, de tão grande, vem nos permitindo um grau de franqueza e sinceridade somente encontrada entre amigos de verdade.

Franqueza e sinceridade que me permitiram dizer a ele, em uma delas, em 1986, que “em sua ânsia de conseguir espaço para veicular sua tese (cometera) o equívoco de respaldar-se em setores e em pessoas comprometidas, em meu país, com o ‘velho’, o arcaico disfarçado, maquiado de ‘novo'”.

E que permitiu a ele admitir ter permitido – ainda que inadvertidamente – a utilização de sua imagem e escritos por setores governamentais (e não só) ligados ao meio esportivo ansiosos pela legitimação não obtida no processo eleitoral definidor da chegada ao Poder… “De qualquer forma, peço desculpa pelo meu artigo escrito em Portugal e facilmente aproveitado pela propaganda oficial. Ele visava uma crítica interna e transformou-se em incenso a um dos mitos da hora; o mito de democracia, no Brasil, do modo como hoje se processa!”.

A citação acima é parte integrante da carta que me enviou em 19 de novembro daquele mesmo ano de 1986, em resposta àquela acima aludida, emblemática de sua relação com o Brasil. Desde 1985 vivíamos o que se convencionou chamar de Nova República. O movimento popular das Diretas-já! entabulado em 1984, havia desembocado numa famigerada eleição indireta…

“A última carta que o meu amigo fez o favor de enviar-me foi, para mim, um ensaio de reflexão e prospecçã
o. De reflexão, não de repetição mais ou menos mecânica; de prospecção daquilo que pode ou deve ser, sem pretensões de futurização de uma sociedade e de um mundo que escapam a outros muito mais sacazes e melhor equipados do que eu”.

“Ao longo dos últimos dois anos, as instituições no Brasil melhoraram, mas é extremamente duvidoso que a realidade de vida tenha melhorado, para todos os brasileiros, na mesma proporção. Muitas mudanças se operaram na sociedade brasileira, porém a mudança da sociedade brasileira ou foi escassa ou nem sempre o foi para melhor. Estou consciente disso. Como e por que acontece assim? Eis aí perguntas que requerem como resposta adequada, duas condições aqui e agora irrealizáveis: o distanciamento no tempo e um conhecimento documental de tal ordem que eliminasse o domínio do simples palpite, a procura fácil do bode expiatório. Ora, se tudo isso é difícil para um brasileiro, muito mais o é para um ‘lisboeta’ a milhares de quilômetros distante do que se passa no Brasil. Daí que eu tenha muito medo de proferir ‘sentenças definitivas’ sobre os vários aspectos da vida brasileira”.

“Admito perfeitamente que predominem hoje no Brasil novos (velhos) príncipes e novos (velhos) princípios; que não se procure partir dos anseios populares para a construção de um Brasil diferente. Atrevo-me a dizer provocativamente: O Brasil de hoje tem necessidade não de saciados, mas de famintos; não de repetidores de gestos próprios ou alheios, mas de pesquisadores; não de reformados da vida, mas de comprometidos até o fundo com a mesma vida; não de ideólogos facciosos, mas de homens com ciência e consciência”.

“Estou desejoso de ir para a Unicamp o mais rapidamente possível, para constituirmos uma equipa de bom nível, na Faculdade de Educação Física. Estou certo que faremos algo de novo e inovador, com solidariedade e competência…”.

Para cá veio e conosco aqui ficou por dois anos (1987/88)! Desde aquela primeira vez, em 1983, antes de sua estada no Brasil como professor visitante da Unicamp, aqui regressou outras vezes sempre atento aos movimentos da e na educação física brasileira e, por conseguinte, por brasileira que era, ao Brasil que a gerava. Ao regressar a Portugal, deixou as portas abertas para aqui regressar de tempos em tempos, o que vem fazendo religiosamente.

Da minha trajetória profissional nunca deixou de participar! Em 1983, dando atenção a um jovem – e não só a ele – em busca de respostas às inúmeras perguntas que a realidade brasileira o fazia formular. Em 1988, fazendo parte da banca examinadora de meu mestrado, cujo fruto ainda hoje, em sua 12ª edição, frequenta as salas de aula dos cursos de educação física. Em 1998 felicitando-me pelo trabalho desenvolvido na presidência da Adunicamp, entidade representativa dos docentes da universidade que o recebera em nosso país. A mesma alegria manifesta quando da conclusão de meu doutorado e a cada novo livro e novos textos meus que via publicado. “… Li o seu livro ‘Política Educacional e Educação Física’; escutei-o na ‘Revista Adunicamp’ – e o Lino continua inteiriço por fora e por dentro: tenaz ideologicamente, mas de uma serenidade verdadeiramente intelectual (…) Quero felicitá-lo também pelo seu trabalho à frente da Adunicamp. Ao que me dizem, o meu amigo fez história…” Como não ficar envaidecido diante dessas palavras!

Também quando, de 1999 a 2003, na condição de presidente, assumi a direção do CBCE, sua presença se fez sentida em muitas ocasiões, desde aquelas em que reforçava a importância de nossa presença na direção da entidade até as que nos chamava a atenção para a necessidade de não descurarmos da especificidade acadêmico-científica do CBCE, dela fazendo a referência central do nosso agir político.

De janeiro de 2003 até abril deste ano de 2006 foi fiel acompanhante de meu trabalho no governo Lula, à frente da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte, tendo sido convidado pelo governo brasileiro a proferir palestra a respeito do esporte moderno, a qual foi acompanhada por muitos, mas não por aqueles que mais precisavam ouvi-lo…

Nesse particular prevaleceu seu entendimento, para mim manifestado em carta de 03 de novembro de 1989, a respeito das eleições presidenciais brasileiras, a primeira das que pudemos participar depois de 20 anos de governos militares e de uma eleição indireta em 1984: “Acompanho, com o maior interesse, as vossas eleições. A ‘direita’ não deixa de ser quem é embora os erros da ‘esquerda’. Por isso, o meu amigo no Brasil e eu em Portugal não deixaremos de votar à ‘ esquerda’…”. Como suas palavras nos soam atuais neste nosso momento político!

Também eu pude acompanhar de perto seus movimentos em Portugal, apreendendo a dinâmica das relações de poder por lá existentes e aprendendo a identificar – e a separar – a versão portuguesa do velho travestido de novo do, de fato, novo.

Seja por conta de sua rápida passagem pelo campo da política formal – de onde tirou lições importantes, conforme conta -, seja na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, como no Instituto Piaget, em Almada, onde buscou fincar raízes da sua tese, dentre outras formas, através da Sociedade Internacional de Motricidade Humana – que aqui, no Brasil, acabou ficando em mãos que não a ajudaram a fortalecer-se -, sua capacidade de trabalho era notoriamente marcada por um vigor juvenil que se ampliava a cada ano que passava.

Também reconhecido por aquela energia é que se fez presente lá na Universidade Fernando Pessoa, em Ponte de Lima, norte de seu país, região na qual, em Viana do Castelo tive a oportunidade de ir, em sua companhia – quando estive por Portugal participando do I Congresso Internacional de Motricidade Humana, ocasião em que me apresentou ao professor Trovão do Rosário, sócio-fundador da Sociedade Portuguesa de Motricidade Humana -, ao encontro da casa de meu avô materno, o “vô tino”, meu companheiro de campos de futebol na minha infância e juventude e exemplo de vida para mim e até para meus filhos que não o conheceram em vida…

Sobre meus filhos, recebeu o mais novo de braços abertos em 2000, conduzindo-o aos campos de futebol portugueses, obviamente começando pelo do Belenense, seu clube de coração. Agradeci-o pessoalmente quando retornei à Portugal em 2004, ocasião em que me apresentou ao professor Gustavo Pires, referência obrigatória nos estudos das questões referentes à gestão esportiva e então Presidente da Associação Portuguesa de Gestão do Desporto.

Hoje, de cima de seus 73 anos, continua a nos dizer, das formas as mais variadas, que Vida não pode ser aquilo que acontece enquanto ficamos planejando o futuro…

Ainda há pouco, sua presença entre nós chamou a atenção de um respeitável jornalista esportivo brasileiro que confessou ter ficado chateado por tê-lo conhecido somente agora. Certamente ao conhecê-lo melhor será levado a saber que nunca é tarde para se conhecer Manuel Sérgio…

Orgulho-me de ter tido a honra de compartilhar com ele todos esses anos de vida. Mais do que isso, desejo continuar tendo o prazer de, por muitos e muitos anos ainda, chegar em casa ávido por encontrar uma sua carta com o fraterno “Meu querido amigo…” .

Pois se não bastasse a lembrança que trago em minha vida de Manuel Sergio e Paulo Freire, carrego ainda comigo uma foto ímpar tirada com eles dois em setembro de 1985, na Avenida São Luis, São Paulo, SP. Faço questão de compartilhá-la com vocês!


 

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

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Levando na esportiva

A gritaria é geral. De um lado, a tradição de um jornalismo sério, comprometido com a informação precisa. Do outro, adeptos de algo mais próximo da diversão do que da informação estritamente rígida. Hoje, o jornalismo no esporte chega a um embate entre duas escolas, mais ou menos representadas em duas frentes distintas de estilo de jornalismo praticado na TV.

Tudo se resume meio que a um duelo entre a ESPN e o Globo Esporte. Num, informação é o nosso esporte. No outro, diversão é o melhor do esporte.

No final das contas, a irritação a qual os dois lados são submetidos por conta de tentar apregoar o seu estilo de enxergar o esporte é tão inútil quanto tentar encontrar um jeito “certo” de fazer a cobertura do esporte no cotidiano.

Informação é a essência de qualquer veículo de mídia. É com base nela que se formam legiões de seguidores, cativa-se audiência, ganha-se dinheiro com anunciante, etc. Mas o esporte tem uma característica única no que diz respeito à cobertura jornalística.

No rádio, na televisão e, aos poucos, na internet, o esporte representa cada vez mais um negócio. Muito mais do que um produto jornalístico, um evento esportivo se transforma num produto comercial para um veículo de mídia que atue nesse segmento.

As maiores audiências e os maiores acordos comerciais são provenientes da transmissão esportiva em muitos veículos de rádio e TV e, ainda engatinhando, também de internet. E aí reside todo o dilema de qual o tipo de cobertura jornalística deve abordar um veículo que tem no esporte um produto comercial extremamente importante.

Aula gratuita – Ética no jornalismo esportivo

 

O dilema não é tão grande nas outras áreas do cotidiano. Sim, é imprescindível fazermos um jornalismo sério, comprometido tão somente com a informação, seja ele no cotidiano político, econômico ou social. Mas e o esporte? Onde ele se enquadra nisso?

Aí temos de voltar para a definição do que é esporte e de sua função dentro de uma sociedade minimamente civilizada, como suponhamos que seja a nossa.

O surgimento do esporte veio com o desenvolvimento das cidades. Ele era uma forma de dar entretenimento aos povos, ser uma distração. Sim, era a política do “Pão e Circo” da Roma Antiga, que infelizmente foi usada para manipular as massas. Mas era também um jeito de permitir aos povos ter um pouco de divertimento durante o seu tempo livre.

Depois, com os tempos, o esporte se aprimorou. Passou a ser uma versão não-combativa da guerra, uma espécie de manifestação civilizada da dominação de um grupo sobre o outro. Mesmo assim, não perdeu a sua característica de proporcionar distração aos povos.

É por isso mesmo que cunhamos a expressão “levar na esportiva”. O intuito é aprendermos a não levar tão a sério as coisas, a relaxar um pouco, a saber que podemos ganhar ou perder.

O problema é que, na profissionalização do jornalismo de esporte, passamos a tratar a vitória como única finalidade. O erro não é permitido, assim como a seriedade é fundamental para que o esporte possa ser sério, ético, profissional.

É possível ser tudo isso “levando na esportiva”, não resta dúvidas. Só que também não se pode cair no erro de aceitar tudo passivamente e, em nome do esporte, nos vermos manipulados. Esse erro, porém, é cada vez mais difícil de acontecer. Hoje, a quantidade de informações a nosso dispor é enorme. Temos totais condições de descobrir a verdade, basta querermos ir mais além do que aquilo que nos é (ou foi) oferecido.

Da mesma forma, é fundamental dentro dos veículos de imprensa aprendermos que há totais condições de existir os dois tipos de jornalismo. Aquele que leva tudo a sério, não aceitando os erros e a falta de responsabilidade dos outros, assim como aquele que apregoa mais diversão e menos seriedade dentro do esporte.

Nos dois casos, porém, é preciso levar mais na esportiva. Não dá para ser tão aguerrido às duas convicções. Jornalismo, mais do que nunca, é uma questão de se manter o bom senso. Essa qualidade, infelizmente, é cada vez mais rara. E não apenas nessa profissão.

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O espetáculo será cobrado

Como acontece semanalmente, mais um treinador do futebol brasileiro foi demitido. Celso Roth, com 62% de aproveitamento em 2011, “caiu” dias após a derrota por 1 a 0 para o Jaguares, válida pela 5ª rodada da fase de grupos da Copa Libertadores.

O substituto: Paulo Roberto Falcão, ídolo da torcida colorada na década de 70 e um dos grandes nomes do futebol mundial com passagem marcante pelo Roma-ITA, recebeu o convite dos dirigentes do Inter-RS para reingressar à profissão de treinador mais de 15 anos após breves experiências no comando da equipe gaúcha, da seleção brasileira e do América-MEX.

A missão: levar o Internacional à conquista do torneio continental e, consequentemente, à disputa do título mundial após fracasso em 2010 diante do Mazembe-CON.

A declaração: na coletiva de imprensa, com dirigentes, repórteres, jornalistas e alguns jogadores, Falcão afirmou que irá para o banco com a certeza de que verá um espetáculo!

Todo treinador (e sua comissão) deve ter uma ideia de jogo na cabeça. A sua ideia de jogo nada mais é do
que o comportamento esperado por ele (e por sua comissão), de cada jogador, em qualquer ação (ofensiva, defensiva ou de transições), perante cada circunstância (vitória, empate, derrota, tempo de jogo, situação na competição), ao longo de 90 minutos.

Falcão, ex-comentarista, provavelmente deve ter a sua. Para construí-la na prática (afinal, a permanência dela como ideia não se traduz em vitórias) será necessária uma gama de competências profissionais oriundas do conhecimento acadêmico, das ciências humanas, biológicas, da experiência prática e, por que não, do conhecimento empírico.

Não é objetivo desta coluna discorrer detalhadamente sobre as competências do profissional de futebol (principalmente do treinador), porém, é pertinente lembrá-las para reiterar a reflexão final que este texto proporá.

O conhecimento acadêmico específico acerca do futebol cada vez mais se estabelece como um saber significativo para os profissionais da área. Dominar os conteúdos táticos, técnicos, físicos, estratégicos, análises quantitativas e qualitativas de jogos têm sido objetos de estudo. Há ainda, o estudo da ecologia, que entende o futebol a partir de uma perspectiva sistêmica, o domínio da gestão de conflitos, da gestão de pessoas, compreensão do macro-ambiente, liderança, motivação, inspiração, inovação, auto-conhecimento, comunicação, psicologia, filosofia, planejamento estratégico, comportamento humano, coaching, fisiologia, nutrição, bioquímica, enfim, muitas (e complexas) são as competências que devem ser desenvolvidas por um bom treinador.

É certo, porém, que parte importante das demais “competências” compreende tempo de prática, visibilidade atingida como atleta profissional, bom relacionamento com dirigentes e empresários, além de vínculos afetivos construídos com torcedores e agremiações.

Diante disto, permite-se a seguinte pergunta para os dirigentes do Internacional (que recentemente remanejaram Clemer de preparador de goleiros do profissional para técnico do sub-17): quais competências profissionais foram consideradas na contratação de Falcão?

Quase 20 anos como atleta profissional; mais da metade deles na equipe colorada; prestígio mundial que lhe conferiu o título de “Rei de Roma” e inteligência de jogo indiscutível. Com estes fatos a resposta parece fácil!

E, também diante disso, permite-se outra pergunta, agora para os leitores: um indivíduo com domínio exclusivo do conhecimento acadêmico acerca do futebol estaria preparado para assumir a função de técnico do Internacional?

O ambiente atual (torcedores, mídia, diretoria) pede um Inter mais ofensivo; uma derrota no próximo jogo da Libertadores pode custar a classificação para a próxima fase; alguns jogadores estão aquém do desempenho uma vez apresentado; o tempo de treinamento até o jogo de estreia é de somente quatro dias e o resultado precisa ser imediato. A resposta, nesta situação, também parece fácil!

No futebol profissional atual, o predomínio do comando pertence aos ex-jogadores. Nas categorias de base, além de ex-jogadores, profissionais com formação acadêmica conquistam espaço gradativamente. De quem o futebol precisa? De todos os que estiverem dispostos à capacitação. Pois, se de um lado ex-jogadores estão desatualizados ao reproduzirem treinos que fizeram enquanto atletas, por outro, treinadores e demais membros de comissões técnicas devidamente graduados insistem em aplicar sessões de treino com exercícios distantes da realidade do jogo.

E o Falcão? Quais (e em que nível se encontram) as competências do novo treinador de um dos maiores clubes do futebol brasileiro?

A resposta poderá ser observada nos jogos da equipe colorada ao longo do ano. A função de Falcão será, partindo da análise do desempenho atual da equipe ao desempenho que é almejado (sua ideia de jogo), construir no processo de treinamento o declarado “espetáculo”.

Espetáculo, que traduzido do dicionário da língua portuguesa, refere-se a tudo aquilo que atrai o olhar e que pode ser contemplado.

Espetáculo, que demanda tempo em ser criado. Tempo que inexiste para os dirigentes brasileiros.

Espetáculo que, a cada apresentação (jogo) de seus artistas (atletas), evidenciará as competências que o diretor (treinador) possui e que foram aplicadas nos ensaios (treinos).

E, para concluir, espetáculo que, com merecimento e reconhecimento da plateia, poderá atrair olhares, receber aplausos em pé e, principalmente, ter o agradecimento do futebol brasileiro!

Você, leitor, pensa que veremos o espetáculo?

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br  

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Despedida?

Escrevo aqui há quase cinco anos.
Durante o tempo que publiquei minhas colunas, o Brasil perdeu duas Copas.
Zica pura.

Zica e tempo. Bastante tempo.
Quando comecei, não tinha nem barba.
Continuo não tendo, mas o bigode pelo menos cresce com maior frequência.
Também achava que sabia bastante de futebol.
Não sabia. Continuo sem saber.
Vou aprendendo aos poucos, como todo mundo.

Quando comecei por aqui, tinha recém começado meu PhD.
Agora, com a minha tese chegando aos finalmentes, ainda bem, é hora de eu começar a pensar em passar o bastão.

O espaço é muito nobre. E o tempo é muito exíguo para escrever algo mais elaborado, ou minimamente menos esdrúxulo do que aquilo que eu vinha conseguindo produzir.
Estava fraco e inconstante. É um sinal de que é hora de pedir substituição.

Há uns seis meses, assumi uma responsabilidade que me toma qualquer tempo minimamente sensato de me portar como uma pessoa comum. A falta de tempo chega a ser ridícula. Não tem como pensar em nada que não seja em dormir. Não tem como sequer tentar pensar em um assunto que possa ser do interesse dos alguns que imagino que leem o que escrevo. Depois de quase cinco anos, sinto que a repetição me afetou. Para piorar, questões profissionais cerceiam muitos temas que poderiam ser debatidos com maior intensidade em outra situação. Os assuntos rarearam. As colunas também.

Nesses quase cinco anos, devo ter escrito mais de duzentas colunas. Dessas, pela minha contagem, no máximo dez se salvam. E olhe lá. Escrevi até sobre velocidade de olas, se não me falhe a memória. Mas a batalha incessante sempre foi pela busca pela razão. Porque o futebol não é uma caixinha de surpresa pra quem procura saber o que está fazendo. Mas pra isso tem que estudar. Tem que ler. Tem que aprender. E tem que conseguir analisar a fundo. Sem imediatismos. Sem superficialidades. Sem opiniões pessoais. O fato objetivo é o fato. A subjetividade lhe distorce. E qualquer coisa subjetiva está mais do que sujeita a não representar as coisas como elas verdadeiramente são. Nada mais fatal para um mercado. O futebol que o diga.

Não sei dizer se isso aqui é uma despedida, até porque vou continuar a colaborar com a Universidade do Futebol. Serei apenas mais esporádico, se é que isso é possível. Mas vou dar um passinho pra lá para abrir uma vaga para alguém certamente muito mais competente e capaz. Aqui, haverá uma troca de seis por uma dúzia.

Não acho que minha coluna cumpriu seu papel, uma vez que o futebol ainda é uma zona. Também não imagino que muita gente vá se preocupar com a minha ausência. Mas pelo menos pude fazer dos poucos leitores alguns bons amigos que hoje geram riquíssimas trocas de ideia e de conhecimento. Que é, no fim, o que a indústria precisa para conseguir evoluir. E ela vem evoluindo. Em passos lentos, por vezes contrários, mas uma evolução mesmo assim. E vai melhorar. Profissionais estão sendo formados. Responsabilidades estão sendo criadas. Compromissos sérios estão sendo assumidos.

Em cinco anos, a indústria evoluiu significativamente. Espero ter contribuído pelo menos um mínimo com isso. É certo que em cinco anos, ela vai evoluir ainda mais. Ainda assim, minha barba não terá crescido.

Veremos.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br