Chen Zhizhao tem 24 anos, nasceu em Guangdong (China) e podia andar totalmente incólume pelas ruas do Brasil até janeiro deste ano.
Agora, o jogador de futebol é tema de 277 verbetes do site de buscas Google, em registros que relatam a primeira visita dele ao Mercado Municipal de São Paulo e a avaliação que ele fez da tradicional feijoada.
Contratado pelo Corinthians, Zhizhao virou Zizao e foi descrito pela diretoria alvinegra como a principal estratégia do clube para ganhar espaço no mercado asiático. Assinou um vínculo de dois anos com a equipe do Parque São Jorge e recebeu a camisa 200, alusão ao 200º aniversário da chegada dos primeiros imigrantes chineses no Brasil.
Só que o plano inicial tinha uma série de furos. A começar pelo próprio Zizao, que nunca foi um ídolo ou um jogador renomado no futebol da China.
O esporte, aliás, é outro entrave. O governo de Deng Xiaoping impõe severas restrições a aglutinações populares superiores a dez mil pessoas, e isso sempre brecou o desenvolvimento de algumas modalidades no país.
A liga chinesa de futebol evoluiu muito na última década, é verdade, e atraiu estrelas como os atacantes Anelka e Drogba. Mas nem isso conseguiu fazer do futebol um fenômeno de popularidade no país.
Com Zizao aconteceu o contrário. O chinês causou furor desde que chegou ao Corinthians, sobretudo por ser um enorme ponto de interrogação. Foi como se o time tivesse contratado um extraterrestre.
Entre lesões, deficiência técnica e a necessidade de um fortalecimento físico, Zizao ficou praticamente oito meses no Corinthians até estrear. Jogou apenas 13 minutos na derrota por 2 a 0 para o Cruzeiro, válida pelo Campeonato Brasileiro, e não tem qualquer perspectiva de ser aproveitado novamente.
Ainda assim, o chinês sempre foi notícia. Se Zizao vai para o banco, todo mundo fala. Se ele é cortado, todo mundo fala. Ele é assunto quando treina bem, quando treina mal e até quando vai conhecer pontos turísticos da cidade.
O projeto de usar Zizao como trampolim para fazer o Corinthians ser mais conhecido na China ainda não evoluiu. E mesmo se o nome do clube começar a repercutir mais no país asiático, isso é insuficiente.
Sem uma estrutura para transformar isso em marketing e negócios, a fama será passageira. Fazer com que o consumidor veja uma vez o nome de um clube não é sinônimo de fazer com que o consumidor conheça o clube, entenda a marca e tenha desejo de comprar.
A falta de uma estrutura consolidada para aproveitar o mercado chinês reforça a ideia: Zizao é um fenômeno, sim, mas no próprio Brasil. É aqui que o anti-herói virou protagonista e ganhou holofotes.
E aí entra um trabalho muito bem feito do departamento de comunicação do Corinthians, que soube transformar Zizao em conteúdo. Todos os passos do atacante foram seguidos, documentados e reverberados em diferentes meios de comunicação.
A importância disso é enorme. O trabalho feito com Zizao, aliás, é o ideal para todos os atletas, independentemente do esporte ou do time que eles defendem.
Para ser comercialmente relevante, qualquer esportista precisa gerar conteúdo. É isso que faz de Neymar o sonho de todo anunciante no Brasil. Tudo que ele faz vira notícia, e tudo que ele fala vira bordão.
É evidente que o perfil do atleta tem grande percentual nesse trabalho. Zizao chama atenção por ser inusitado, jogador oriundo de um país sem tradição futebolística no time mais popular da maior cidade do país do futebol.
Neymar é protagonista, é a maior esperança nacional em muitos anos e ainda sintetiza todo o estereótipo de futebol criativo que sempre foi motivo de orgulho no Brasil. Mas isso não pode ser tudo.
Assim como em qualquer romance, ter protagonistas bem construídos e que sejam interessantes é um requisito para o sucesso. Contudo, é fundamental saber o que fazer com esses personagens. Não há estrela que segure um roteiro capenga.
É nesse ponto que entra a comunicação. De um lado, quem trabalha com os atletas e com os clubes precisa planejar e pensar em como gerar discussão sobre qualquer minúcia na vida do personagem.
De outro, as redações convivem constantemente com sugestões e tentativas lícitas de “vender” assuntos. O desafio é pinçar nesse grupo o que é realmente relevante.
Ainda sobre Neymar, um bom exemplo foi dado pela Red Bull. Patrocinadora do atacante, a fabricante de bebidas energéticas deu a ele um simulador de Fórmula 1.
O brinquedo foi um presente de aniversário, e o próprio jogador divulgou isso na rede social Twitter. A imagem do mimo (e o logotipo da marca, consequentemente) apareceram em sites e jornais de todo o país.
Um exemplo menos comercial e mais estratégico foi dado pelo Palmeiras. Convocado para defender a seleção argentina, o atacante Hernán Barcos levou uma camisa do clube e presenteou Lionel Messi, do Barcelona, que posou para fotos com o presente.
Isso virou assunto num momento em que a equipe alviverde enfrentava uma crise técnica e convivia com resultados ruins em campo.
A comunicação pode servir para aumentar a repercussão de uma marca ou até para abafar momentos ruins. Tudo depende de uma estratégia correta para manipular a mídia.
O caso de Zizao sintetiza tudo isso. Principalmente porque o departamento de marketing usa há anos a exposição de mídia para balizar contratos e valores de patrocínios.
Se audiência e tamanho do espaço dedicado ao clube são argumentos de venda, o chinês ocupa atualmente um posto que já foi de Ronaldo, Roberto Carlos e Adriano em anos anteriores. A principal função que ele tem atualmente é gerar assunto nos momentos em que o futebol não é suficiente para isso.
E há como evitar Zizao? Essa é a discussão que as redações precisam ter urgentemente. Jornalistas brasileiros têm adotado postura cada vez menos ativa, mais dependente de assessorias de imprensa.
O casamento de fulano é nota em jornal porque a equipe de comunicação dele enviou fotos e texto. Outra personalidade vira assunto na mídia porque foi à praia ou terminou um relacionamento.
Todos os exemplos do parágrafo acima são mais frequentes em páginas de celebridades, mas têm aparecido mais no esporte na medida em que os atletas têm se transformado em estrelas.
Uma coisa tem relação direta com a outra. O fato é: os assuntos triviais e a vida pessoal dos ídolos têm público. E se bem trabalhadas, essas informações podem até contribuir para “humanizar” o personagem.
Nessa disputa por relevância, o papel de quem planeja a comunicação está claro, ainda que nem sempre seja bem feito. As redações é que precisam fazer uma autoanálise. Ou então vamos seguir convivendo com ídolos fabricados na China.
Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br