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O que é o progresso desportivo e o que se passa no Brasil…

Ao ver, pela TV, a contestação de larga representação do povo brasileiro, designadamente o mais jovem, pelos gastos desmesurados do seu governo, em estádios de futebol e na Taça das Confederações e no Mundial de 2014, logo me ocorreu o encontro que me foi proporcionado, pelo meu amigo Lino Castellani Filho (que seria, mais tarde, secretário de Estado do Desporto do presidente Lula), com o Sócrates, nesse distante setembro de 1983, jogador de futebol do Corinthians e líder do movimento Democracia Corintiana.

Relembro ainda que ele então frequentava o terceiro ano da Faculdade de Medicina da USP. Eu visitava o Brasil, pela primeira vez, a convite do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Encontramo-nos os três, no hotel onde me hospedaram, ainda hoje na Avenida do Ipiranga, no centro de São Paulo.

O "doutô" (assim o conheciam, por ser estudante de Medicina) magro, alto e bamboleante, um acérrimo defensor da democracia, a alturas tantas desapegando-se do enovelado da conversa, alterou a voz para dizer-nos:"O Brasil não vai só vencer aqueles que o oprimem, tem de vencer também aqueles que o exploram".

Eu levara comigo (bem me lembro), para as minhas horas de insônia, O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena e, pela defesa impetuosa do seu anticapitalismo, logo me apeteceu ver no Sócrates um físico (ou médico) prodigioso… pela sua tão vincada politização (ou partidarização).

Finda a licenciatura em Medicina, que completou sem nunca deixar de jogar futebol, não sei se ainda bruscamente se afastava da "ditadura do lucro" que nos governa. Mas, sei que lutou pelo PT, nos anos heroicos da fundação deste partido. Enviei-lhe, pelo correio, o meu livro Filosofia do Futebol e tive notícia que o referenciou, em programa da TV Cultura.

Entretanto, há um ano, faleceu. Mas, não esqueço a frase que escutei, em 1983, a um brasileiro, exímio jogador de futebol. A mania do rendimento, do recorde, da medida é, de fato, consequência da alta competição capitalista. Marx tinha razão, ao escrever na Miséria da Filosofia:"a sociedade atual está baseada na concorrência".

Nasce, assim, o mito do êxito, da agressividade, do conflito, do narcisismo mais egocêntrico. No meu livrinho Algumas Teses sobre o Desporto (4ª. Edição, 2010) levantei a interrogação seguinte: "Se não serve o desenvolvimento, para que serve o desporto?" (p. 17).

É que há uma homologia rigorosa entre o desporto degradado pela ausência de certos valores e a estrutura retificada do mercado liberal, onde grande parte da Comunicação Social e dos intelectuais se integram.

Desta forma, são muitas as instituições e os estudiosos que eliminam, nos estudos sobre o desporto (e portanto sobre o futebol), uma relação nítida, entre a prática e a teoria, entre a ciência e a filosofia, entre a economia e a política, quedando-se a mensagem, pelo clubismo, pelo regionalismo, pelo espetacular, pelo sensacional, ou seja, pelo humano deformado e diminuído.

No entanto, no meu modesto entender, se o desporto se resume tão-só aos publicitados e fulgurantes desempenhos dos Ronaldos e dos Messis; se nele não há nada de subversão cultural, de indomesticável liberdade, de signo atuante de uma contestação radical do neoliberalismo que nos explora; se o desporto não passa de negócio, como uma copiosa galeria de bem-pensantes congemina – os praticantes limitam-se a bestas esplêndidas, os espectadores a singelos títeres, acéfalos e acríticos, e os clubes a Sociedades Anônimas Desportivas onde satisfazem a fome de pecúnia alguns atletas, empresários e dirigentes.

Leio os cartazes e as palavras de ordem que os jovens contestatários levantam: "Brasil, vamos acordar. O professor vale mais que o Neymar", "Da Copa, da Copa, da Copa largo a mão. Queremos o dinheiro para a saúde e educação".

O futebol brasileiro está a ser sacudido por um temporal que exige uma dolorosa interrogação social e política. É que não foi o futebol que criou o capitalismo, foi o capitalismo que criou este futebol. Por isso, no futebol-espetáculo, como na sociedade toda, não falta dinheiro, mas fica sempre nos mesmos clubes e… nos mesmos bolsos!

"As receitas do mercado europeu de futebol em 2011/2012 aumentaram 11% e chegaram, de acordo com um relatório da empresa Deloitte, aos 19,4 mil milhões de euros" (A Bola, 19 de junho de 2013). Isto, no meio da maior crise financeira que, durante os meus oitenta anos de idade, alguma vez senti a Europa sofrer.

Donde nasce e porque nasce este dinheiro? Para que o futebol cresça e se desenvolva, ou para que alguns enriqueçam e outros pacoviamente, de rosto afogueado, batam palmas, gratos, veneradores e obrigados?

O futebol não é o sistema; o futebol faz parte do sistema. Por isso, o futebol (quantas vezes já o disse?) reproduz e multiplica as taras da sociedade capitalista. Ele é um dos elementos do mesmo todo que nos explora. A juventude brasileira já o sabe. Daí, a sua contestação. Nas mãos que empunham os cartazes lampeja, com a coragem e a lucidez, um grande clarão de generosidade.

Deixo a todos os jovens contestatários um sincero abraço fraterno. Já é tempo, de fato, de acordar: muito do futebol que por aí se movimenta adormece os marginalizados à recusa da sociedade injusta estabelecida.

 

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br

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Os bastidores da preparação para a Copa-SP

Faltam poucos dias para o término do período de inscrição para a Copa São Paulo de Futebol Junior. Apesar de a competição ter início em janeiro, acertadamente a federação antecipa a inscrição e publicação dos atletas no BID (Boletim Informativo Diário) para evitar (ou ao menos minimizar) a formação de elencos de última hora, privilegiando o planejamento e a organização dos clubes. Em novembro, a pré-lista oficial com 30 atletas define quem serão os representantes de cada equipe.

Por enquanto, antes dos trabalhos técnicos preparatórios para a primeira competição de 2014, os treinadores têm inúmeras responsabilidades.

Muitas equipes estão em meio às competições sub-20, que permitem atletas nascidos em 1993, porém que excedem a idade limite para a disputa da Copa-SP. Pensando na formação do elenco, a comissão técnica deve ter ciência das carências originárias pela saída dos jogadores mais velhos e, além disso, definir se na suplência ou na promoção de atletas da categoria sub-17 a equipe terá condições de se manter competitiva. Outras possibilidades são a de abrir espaço para avaliações, ou então, para contratações de reforços.

E como culturalmente a Copinha é vista como a maior vitrine para exposição e negociação de atletas, vários interesses influenciam o que deveria ser óbvio, no entanto ainda é utópico em nosso futebol: a composição de um elenco em que os benefícios ao clube seja a prioridade.

A aproximação dos empresários ao clube, comum durante todo o ano, fica ainda mais evidente no período de inscrição para a Copa-SP. Juntos deles estão os jogadores que são as soluções para todos os problemas do clube e que estão desempregados somente pelas injustiças do futebol. É válido destacar que existem as exceções, que indicam jogadores sem grandes alardes ou falsas promessas.

Os grupos de investimento também surgem como opção no auxílio da formação do elenco. Detentores de direitos econômicos de atletas em potencial, realmente podem reforçar a equipe. Só que para o clube ficam as despesas com o atleta (financeiras, de alimentação, de moradia, médicas e esportivas) já para o grupo de investimento, a maior fatia do retorno financeiro numa possível negociação. Estes grupos aproveitam a situação econômica/estrutural/administrativa de muitos clubes brasileiros para esta fórmula que lhes é bem conveniente.

Outro procedimento comum neste período é a chegada de jogadores mediante uma recompensa financeira. Estes atletas, sempre "bem indicados" podem chegar ao clube através dos diferentes níveis do organograma da instituição. No nível que houver desvio de conduta ocorrerá o negócio.

Esqueçam a possibilidade de ser definida a fórmula ideal para a composição do elenco. Em todas as opções (promoção da base, suplência, avaliação, indicação, contratação) podem estar as reais soluções para a equipe. O indispensável é uma estrutura técnica-administrativa que trabalhe em benefício da instituição, que analise criteriosamente o elenco atual, que não seja influenciada pelo interesse de terceiros e que unifique a linguagem num ambiente em que muitos querem distorcê-la.

Este é o melhor caminho para o legado que a Copa-SP deve deixar ao clube: uma equipe pronta para o decorrer da temporada, com atletas e equipe que tenham o perfil de jogo do futebol moderno.

E no dia a dia dos treinadores, a busca pela excelência em todas as suas obrigações que vão além de pensar e executar o treino: a solução de conflitos, os relacionamentos, os contatos, a análise de materiais de jogadores, "os inúmeros não", "os alguns sim" e a luta constante pela sobrevivência no mercado. E ainda insistem em dizer que é fácil ser treinador de futebol…