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Da poesia ao futebol

Gonçalo M. Tavares pode saudar-se como um dos grandes escritores, portugueses e europeus, do nosso tempo. Professor da Faculdade de Motricidade Humana, é hoje o docente da disciplina que eu lecionei também: Epistemologia da Motricidade Humana. Do seu Livro da Dança, colhi o poema seguinte:

“o dedo que é só dedo nem sequer é dedo o corpo que é só corpo só tapa o espaço só tapa o espaço só tapa o espaço – deixem-me ver o espaço ou então – deixem-me ver tudo (para que importa exibir o corpo se é só para exibir o corpo; só importa exibir o corpo se é para exibir o que não é corpo) para que importa exibir o corpo se é só para exibir o corpo?”.

 

O poeta Eugénio de Andrade, num livro que fez história, Poesia, liberdade livre, escreveu: “De Homero a S. Juan de la Cruz, de Vergílio a Alexandre Blok, de Lio Po a William Blake, de Basho a Cavafy, a ambição do fazer poético foi sempre a mesma: Ecce Homo (Eis o Homem) parece dizer cada poema”. Na leitura crítica da poesia, ou seja, após um estudo lúcido e interrogativo, é o autor que emerge, sobre o mais, dando sentido ao processo poético. António Ramos Rosa, também poeta de grande originalidade, no seu livro, A poesia moderna e a interrogação do real – assinala que a liberdade da linguagem poética não nega, acentua a “experiência vital, por vezes exaltante, que subjaz ao poema”.

Não há fenómeno cultural que, para compreender-se, não deva compreender-se antes o homem que o produziu. Escrever um poema é a revelação originária do poeta criador. Por isso, venho dizendo, há algum tempo já, que no futebol não há saltos, mas homens (e mulheres) que saltam, não há fintas, mas homens (e mulheres) que fintam; não há remates, mas homens (e mulheres) que rematam. À semelhança da poesia, nos remates e nas fintas e nos saltos, há a revelação originária daqueles (daquelas) que os produziram. Quando a poesia se adensa e indetermina, tal significa que o homem-autor ainda está por conhecer. O Homem é um ser em perpétua e constante redefinição…

Não conheci (posso mesmo adiantar: e não conheço), no mundo do futebol, nem em Portugal nem no estrangeiro, um treinador com a cultura literária do nosso Fernando Vaz, infelizmente já falecido e jornalista de A Bola. Um dia (julgo que na década de oitenta) encontrei-o no bar do Hotel Tivoli, em Lisboa, na Avenida da Liberdade. Ele tinha entre mãos um livro. Disparei a pergunta: Que livro é esse? E ele: “É um livro do José Cardoso Pires”. E, com um sorriso cordial, acrescentou uma frase que nunca mais esqueci: “Quando será que os homens do futebol descobrem que livros, como este, nos ajudam a uma melhor compreensão do futebol?”. E lá volto eu, com os meus oitenta e um anos, a repetir-me: é que o futebol, como o desporto, é uma Atividade Humana, não é só uma Atividade Física. Quem ainda não entendeu isto sabe bem pouco de futebol.

Nas táticas de Josep Guardiola, de José Mourinho, de Jorge Jesus, ou de qualquer outro treinador; no instante criador de golos inesquecíveis – há, antes do mais, pessoas. Ou se conhecem as pessoas, ou não se entendem, nem as táticas, nem os golos. Como é lógico!

O meu Amigo, Dr. Aldo Rebelo, ilustre Ministro do Esporte, ofereceu-me, em Brasília, o livro A Pátria das Chuteiras, do jornalista e escritor Nelson Rodrigues, um dos grandes intérpretes do Brasil, tendo no futebol a sua grande metáfora. Nele encontrei o seguinte, de um artigo que o Nelson publicou, em Janeiro de 1959: “Amigos, o meu personagem do ano de 1958 tem de ser um jogador do escrete que levantou a taça do Campeonato do Mundo. Mas é um problema catar, num time invicto, um jogador que seja, exatamente o símbolo pessoal e humano desse time e desse escrete. E logo um nome me ocorre, de uma maneira irresistível e fatal: Pelé! Olhem Pelé, examinem suas fotografias e caiam das núvens. É, de fato, um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado, seria enxotado. Mas reparem: é um génio indubitável. Pelé pode virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão: Como vai, colega?”.

É que, em Miguel Ângelo, Homero, Dante e Pelé, há o que de melhor tem a arte, isto é, há poesia! E se procurássemos, todos nós os que vivemos atentos e presos ao futebol, a poesia que dele desponta? Seriam outras, com toda a certeza, a lucidez e a serenidade, nas conversas que se escutam sobre o “desporto-rei”. E muito menor o agressivismo verboso, a diatribe exibicionista, venenos da sociabilidade, que por vezes o sacodem.
 

*Manuel Sérgio é antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

 

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Gerindo conflitos no esporte

No esporte, como em qualquer outro ambiente profissional, um dos grandes desafios dos líderes e gestores é gerir os conflitos que acontecem ao longo do tempo. Ainda mais se pensarmos na necessidade sempre urgente de bons resultados que pressionam todos os profissionais envolvidos, principalmente no futebol, essa questão demanda preparo e conhecimento para ser tratada com o devido êxito.

Mas como gerir conflitos, se eventualmente não compreendemos o que é um, e quais os seus níveis de gravidade; informações estas básicas e importantes para compreendermos a necessidade de gerirmos os conflitos.

Para tal tarefa, vamos os basear nas contribuições de Idalberto Chiavenato feitas em seu livro Gerenciando com as pessoas. As pessoas nunca possuem têm objetivos e interesses idênticos. As diferenças de objetivos e de interesses individuais sempre produzem alguma espécie de conflito. Assim podemos compreender que um conflito é inerente à vida de cada pessoa e faz parte inevitável da natureza humana e no ambiente esportivo de alto rendimento como o futebol, ele está cada dia mais presente.

O conflito existe quando uma das partes envolvidas, seja indivíduo ou grupo, tenta alcançar seus próprios objetivos interligados com outra parte e esta interfere diretamente na que procura atingir os objetivos. São dois os tipos de interferência:

• Ativa – mediante ação para provocar obstáculos, bloqueios ou impedimentos;

• Passiva – mediante omissão ou deixar de fazer alguma coisa.

Um conflito então pode ser visto como mais do que um simples desentendimento, na verdade ele se constitui numa interferência ativa ou passiva, porém deliberada, para impor algum bloqueio sobre a tentativa de outra parte em alcançar seus objetivos ou resultados.

Um time de futebol pode sofrer grandes impactos por conflitos mal geridos, pois o conflito pode acontecer no contexto do relacionamento de duas ou mais partes, seja entre pessoas ou entre grupos, enquanto conjunto de pessoas, bem como entre mais de duas partes ao mesmo tempo. Ou seja, entre dois atletas apenas ou até mesmo entre grupos distintos de atletas de uma mesma equipe.

No caso de conflitos individuais, eles podem ser:

• Internos – quando ocorrem intimamente dentro de uma pessoa em relação a sentimentos, opiniões, emoções, desejos e motivações divergentes. Este conflito provoca um colapso nos mecanismos decisórios normais e pode provocar dificuldade na escolha entre alternativas de ação.

• Externos – quando ocorre entre uma pessoa e outra ou entre dois grupos de pessoas. Mais conhecido como conflito social, que ocorre entre pessoas ou grupos de pessoas com interesses ou objetivos antagônicos.

É importante saber também que os conflitos possuem níveis de gravidade, conforme abaixo.

• Conflito percebido – ocorrem quando as partes percebem e compreendem que o conflito existe porque sentem que seus objetivos são diferentes dos objetivos dos outros e que existe oportunidade para interferência.

• Conflito vivenciado – acontece quando o conflito provoca sentimentos de hostilidade, raiva, medo, descrédito entre uma parte e outra. É o chamado conflito velado, quando é dissimulado, oculto e não manifestado exatamente com clareza.

• Conflito manifesto – este reflete o conflito expresso e manifestado pelo comportamento, que é a interferência ativa ou passiva por pelo menos uma das partes. É o chamado conflito aberto, que se manifesta sem dissimulação entre as partes envolvidas.

E quando o líder, gestor ou treinador percebe a existência de conflito, como ele deve proceder? Para poder lidar com estas situações, é importante que saibamos quais são os tipos de estilos que podem ser utilizados para uma eficaz gestão de conflitos.

Fique ligado e acompanhe nossa coluna da próxima semana, pois abordaremos esses estilos para lidar com os conflitos em suas equipes. Até lá!