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Criar, copiar ou adaptar?

 As movimentações políticas dos clubes nos últimos meses estão no sentido de recriar as ligas regionais. Ganhou força especialmente a partir da Copa Sul-Minas e a inusitada adesão de Flamengo e Fluminense a este processo. Do lado das federações e da Confederação, naturalmente, o movimento é contrário. E, assim, começa mais um (velho) novo imbróglio do futebol brasileiro.

O mais interessante de tudo isso é que um movimento destas proporções, em pleno Século XXI, poderia ter como cerne as questões de mercado, que precisam ser efetivamente melhor debatidas em todas as esferas. No entanto, trata-se de mais um debate movido, dominado e amparado por um jogo ainda extremamente politizado, o que é lamentável, à medida que a concorrência de clubes europeus e de outras plataformas de entretenimento têm ocupado um espaço deixado justamente pela ineficiência na visão sobre os negócios do nosso futebol.

Quando se tenta falar de negócios, os argumentos redundam para uma lógica que tenta copiar ora o modelo americano, ora o modelo europeu. E, muito por isso, tem dificuldade de se desenvolver e ganhar corpo por não combinar com a nossa cultura, tampouco com o sistema político das nossas organizações esportivas. Aqui, vale uma ressalva para não parecer redundância: o DEBATE sobre o modelo não deveria ser político mas, nem por isso, é preciso anular completamente a questão política para se constituir e propor um novo modelo. Eis uma sútil diferença, mas que muda completamente a lógica de raciocínio para se construir e se propor um formato realmente consistente e aplicável.

O grande erro tem sido no sentido de se pensar em ideias mirabolantes que desrespeitam os poderes previamente constituídos. Assim, ficamos em um jogo de empate sem gols, uma vez que aqueles que querem mudar ferem princípios básicos de respeito às instituições.

Pensando em tudo isso, recentemente, procurei fazer um desenho daquilo que acredito ser o modelo mais adequado para as estruturas do futebol brasileiro, buscando criar sinergias entre os modelos americano, europeu e brasileiro para se chegar em um formato adequado para a nossa realidade. Novamente, aqui tem mais uma sútil diferença: não pensei em pegar o formato de comercialização de direitos de transmissão de um e juntar com o calendário de outro. Não é assim que as coisas vão funcionar. Não é juntando as partes que chegaremos no todo.

A visão deve ser holística porque é preciso compreender cada modelo de negócio para se construir um próprio, incluindo-se a análise do nosso modelo dominante e das nossas características econômicas e sociais, que impactam diretamente na forma de gestão e financiamento da grande maioria dos clubes.

Lógico que, para ser completo, o passo ideal para a construção de um modelo é o de diálogo com todos os entes envolvidos (incluindo os que poderão vir no futuro a se relacionar com o negócio) e, a partir daí, propor algo que combine realmente com o que precisamos fazer e implementar em prol do nosso mercado.

Hoje, boa parte das propostas que aparecem não são aplicadas porque olham tão somente para um dos lados. Muitas vezes, o próprio umbigo. Logicamente, a reação contrária vem daqueles que não participaram do processo. A falta de alinhamento entre todas as partes é o que reforça a oposição à mudança.

A longa introdução serve para pautar a base de constituição de um modelo. E ele precisa necessariamente ser ousado por pretender quebrar paradigmas. Respeita, no entanto, as instituições esportivas e o poder emanado por elas, o que é fundamental para este processo.

Em síntese, propõe-se que o sistema como um todo funcione pautado em quatro ligas regionais, sendo que duas delas já existem (a Nordeste e a Verde) e as outras duas seriam recriadas (a Sul-Minas e a Rio-São Paulo). Elas seriam a base para se constituir uma hierarquia efetiva de competições em que uma competição alimenta a outra, até se chegar em um Campeonato Brasileiro. O acesso e o descenso também é hierárquico, ou seja, na base da pirâmide, e não na ponta, como ocorre hoje.

Em outras palavras, a ideia é que as Ligas Regionais se transformem no pilar básico para o sistema. O acesso às Ligas Regionais se daria pelos Campeonatos Estaduais, que funcionariam como a 2ª Divisão de cada Liga Regional, ou seja, cada Liga Regional poderá ter 2, 4, 10 ou até 11 “segundas divisões”. Para acessar a Liga Regional no ano seguinte, os clubes melhores classificados nos Campeonatos Estaduais precisariam disputar um “Torneio de Acesso” contra os clubes rebaixados na Liga Regional. Tudo isso ocorreria em um mesmo ano: os Estaduais e as Ligas Regionais acontecendo de forma simultânea; posteriormente, os Torneios de Acesso e os Campeonatos Brasileiros.

Para o Campeonato Brasileiro, a vaga deve ser conquistada todos os anos, a partir das Ligas Regionais. A quantidade de clubes classificados de cada Liga Regional respeita as tradições regionais e a força dos principais clubes – naturalmente, as Ligas Sul-Minas e Rio-São Paulo teriam, proporcionalmente, mais vagas no torneio principal do que as demais (a questão, aqui, é numérica e não emotiva!).

Este desenho foi pensado para preservar os grandes clubes e, ao mesmo tempo, gerar interesse deles sobre as Ligas Regionais associado com as expectativas dos clubes de médio e pequeno porte. Mal comparando, chega a ser uma adaptação do modelo americano, em que as franquias devem conquistar a vaga para os playoffs a partir de suas divisões todos os anos, independente do título conquistado no ano anterior. Podem, inclusive, ser campeãs das respectivas divisões tal e qual se propõe nas Ligas Regionais. Para este modelo, o conceito de playoffs é substituído pelo do Campeonato Brasileiro, mesmo que este último não seja jogado apenas em formato de mata-mata (é apenas o conceito). A grande diferença do sistema como um todo é que lá se trata de uma liga fechada e aqui seriam quatro ligas abertas, com princípios esportivos.

Assim, o famoso “Campeonato de Pontos Corridos” seria a Liga Regional. É ela que irá garantir o calendário para a grande maioria dos clubes. O Campeonato Brasileiro não seria diminuído por conta disso. Pelo contrário. Ele se transformaria na grande estrela do modelo de negócio. Essa é a grande quebra de paradigma. Não porque é um campeonato mais curto em tempo que é, por isso, menos importante. Temos potencial de torná-lo, neste formato, um produto tipo exportação, ampliando-se as oportunidades de desenvolvimento de novos negócios e competindo como um produto globalizado.

Neste desenho, a responsabilidade de realização dos Campeonatos Estaduais continuaria sendo das Federações, sendo jogado por todos os clubes, menos aqueles que disputam as Ligas Regionais; dos Torneios de Acesso e das Ligas Regionais seria gerido e operado por uma personalidade jurídica a ser constituída por uma hol
ding entre os respectivos clubes e as respectivas federações de cada Liga, em um modelo de governança previamente definido e padronizado entre todas elas; e o Campeonato Brasileiro continuaria sendo feito pela CBF.

Esta constituição, talvez, seja a mais polêmica. Os mais radicais não querem ouvir falar de federações e Confederação envolvidas na organização de competições locais. Em certa medida, estão certíssimos. Mas a realidade é outra. Querer mudar este status a qualquer custo tem sido o maior tiro no pé destes que defendem a mudança.

Importa lembrar, ainda, que sequer falei de Copa do Brasil ou das competições sul-americanas, que formam um capítulo à parte. Tampouco da construção de oportunidades para realização de jogos e torneios festivos em âmbito internacional. São capítulos complementares e importantes para a construção de todo o sistema, que prevê um mínimo de 6 meses de atividades para todos os clubes e um máximo de 9 para aqueles que fizerem todas as etapas finais da grande maioria das competições.

Enfim, tem muito mais detalhe técnico para a análise feita até aqui. Procuro explicar muitos porquês em todo este emaranhado de negócios que foi sinteticamente descrito em uma proposta à parte. Vou parar por aqui para não parecer mais uma série de divagações sem fundamentos. O breve relato está pautado em um desenho mais completo que fiz, estando igualmente defendido com números e informações que considero fidedignas e, portanto, qualificadas.

Para quem quiser aproveitar estas reflexões iniciais para aprofundar e ampliar o debate em torno de um novo modelo, bem como trocar algumas ideias já construídas, estou à disposição pelo geraldo@universidadedofutebol.com.br. Não ouso pretender virar o modelo de cabeça para baixo… Mas contribuir minimamente com algumas destas provocações para a mudança podem fazer sentido para o futuro do futebol brasileiro.