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Organiza”ação”: ordem através da ação

Caros, antes de tudo, deixe me apresentar. Thiago Duarte, atualmente no cargo de auxiliar tático (dito analista de desempenho, para alguns, mas esta distinção é por si só (alg)uma(s) nova(s) coluna(s)) do Sport Club do Recife. Trabalho com futebol desde 2003, percorrendo diversas áreas e diversas categorias. Formado em Educação Física pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Com algumas Pós-Graduações, entre elas uma passagem pela Universidade do Porto (Portugal), onde fui orientado por Julio Garganta, e obtive aulas sobre metodologia do treino do Prof. Vitor Frade. Sou um apaixonado e aficcionado pela organização do jogo e do treino, onde penso que tudo pode ser alcançado com o treino e sempre há uma solução organizacional para gerar e corrigir problemas. Meus “olhos” estão sempre caracterizando e procurando falhas/virtudes no sistema, no setor, inter-setor(es) e na relação com o adversário, durante o jogo.

Seguindo a máxima dita por Vitor Frade: “quem sabe só de Futebol, nem de Futebol sabe”; tenho como referência para meus pensamentos e convicções, autores como: Julio Garganta, Vitor Frade, Edgar Morin, Teodorescu, Tavares, Go Tani, Antonio Damasio, Nietzsche, Le Moigne, Proust, Greco, Gréhaigne, entre outros… tentando sempre encontrar o método ideal…

Penso que seria interessante, neste primeiro “encontro” falar mais sobre organização do jogo e treino.

      “O “Futebol” é feito de ideias, o bom Futebol de boas ideias e o mal futebol de más ideias ou de nenhuma ideia”- Julio Garganta.

Primeiramente, se torna imprescindível iniciarmos por uma distinção na forma de pensar e perceber as ideias que predominam em cada indivíduo, na sua observação e detecção de um determinado fenômeno em um momento específico. No começo ou final de cada discussão, sempre acabamos nas ideias, nos gostas e/ou preferências de gestão técnica, da estratégia, do comportamental individual e coletivo. Contudo, não podemos negar que algumas ideias tem uma melhor eficácia (resultado) que outras, por vezes com menos eficiência (processo), chegando ao ponto final com o menor “custo” tático possível (e aqui quando falo tática me refiro sempre ao todo (físico, técnico, estratégico e psicológico) o que é diferente de estratégia. Mas enfim, deixe-me falar um pouco de organização perante minha percepção.

Organização é o resultado da interação/relação entre ordem e desordem em um sistema, que formam por si só um novo sistema organizado e organizante. Isso em todos os sistemas existentes, também na organização coletiva da equipe de futebol. De uma forma simples, ao organizar uma equipe devemos pensar no que queremos para ela (ordem/princípios do treinador) e o que cada atleta pode nos oferecer (desordem/criatividade dos atletas). Tendo em vista que a construção de uma organização, causa inquietação e indagação, é preciso estabelecer o equilíbrio entre ordem (princípios do treinador) e desordem (criatividade dos atletas) afim de se criar uma organização que ao mesmo tempo controle o jogo, gere e resolva problemas.

No intuito de elucidar, para quem gosta de receitas, quanto mais ordem (princípios do treinador) há na construção do jogar, mais a equipe vai estar “ordenada”, “rígida”, “mecânica” e vai ter determinado comportamento (previamente estabelecido) em um certo momento do jogo. Por outro lado, quanto mais desordem (criatividade dos atletas) há na construção do jogar, mais a equipe vai estar “desordenada”, “desorganizada”, “frágil”, “caótica”, e não irá apresentar um coletivo integral, no qual a equipe segue uma linha comum de jogo.

O que a organização perde em coesão e rigidez ao se complexificar, ela ganha em flexibilidade, em aptidão a se regenerar, a jogar com o acontecimento, com o acaso, com as perturbações.” Edgar Morin.

Morin, na sua coletânia de “O Método” fala em organização complexa. Penso que o alto nível do futebol se encontra em qualquer lugar neste pensamento. Uma equipe organizada de forma complexa, onde ao mesmo tempo obedeça os princípios táticos que regem o comportamento coletivo e individual e consiga agregar todas as habilidades de cada atleta. Uma organização que tenha um equilíbrio, não estável, mas sim contextual (conforme as exigências ao longo do jogo), entre ordem (princípios do treinador) e desordem (criatividade dos atletas), considero, assim, uma equipe “flexível”, “regenerável”, “reorganizante” e “organizante” (aquela equipe que consegue controlar o jogo com e sem bola).

Porém, não podemos esquecer que o futebol é o confronto de duas equipes, ou seja, de dois sistemas, com previa exigência. Alguns falam em “plano de jogo”. Contudo, esse encontro causa uma nova organização, entre dois sistemas. Ao final, esse confronto será favorável a uma equipe ou a outra, claro que em condições normais.

Todavia, toda organização (no futebol ou não) comporta diversos níveis de subordinação quanto aos seus componentes. No entanto, o desenvolvimento dessa organização, não significa necessariamente crescimento das imposições das leis impostas sobre os atletas; a verdadeira organização, dita complexa, se estabelece nas “liberdades” (e não podemos confundir com libertinagem) dos indivíduos que constituem a equipe de futebol. Há sempre, em todos os sistemas (mesmo nos que excitam criatividade) ligações, entre as partes, e coerções que impõem graus de restrições e servidões. O todo (equipe), nesse sentido, é menos que a soma de suas partes. Pois, no futebol determinamos e desenvolvemos especializações, hierarquizações, servidões e repressões.

O sistema “futebol” é ao mesmo tempo mais, menos e diferente que a soma de seus atletas (suas partes). Mas, também é verdade que, fora do sistema futebol, os atletas são menos, eventualmente mais, de que qualquer forma do que eles seriam dentro da equipe de futebol. Mas por quê? Porque cada atleta tem dupla identidade. Uma identidade dentro e outra fora do “sistema futebol”. Ele tem uma identidade própria e participa da identidade da equipe (o jogar que se pretende). Por mais diferentes que as identidades de cada atleta possam ser, eles ao constituírem um sistema, têm pelo menos uma identidade comum de vinculação à identidade da equipe e de obediência as regras organizacionais.

Torna-se necessário compreender as características de cada atleta. A equipe deve ser uma unidade, pois ela é formada por atletas que são diferentes, porém inter-relacionados. Cada atleta dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas elas devem ser construídas e organizadas (por isso, é imprescindível pensar a ordem através da ação; Organiza”ação” e não a ação através da ordem).

Contudo, não se pretende a total subordinação das ações individuais às coletivas, ou seja, o que se quer é que cada atleta encontre não sozinho, mas sim guiado (verdadeiros treinadores conseguem isso), dentro desta concepção de organização coletiva, o espaço necessário para refletir a sua própria personalidade/identidade, improvisação e criatividade. Pretende-se assim, assegurar a coordenação e a cooperação dos seus comportamentos, pois parece ser este o aspecto que consubstancia o aumento da eficácia da equipe.